quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17660: Os nossos seres, saberes e lazeres (225): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 27 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Tenho tido o privilégio de viajar por lugares encantadores, de património riquíssimo, daquele que não só nos arrebata como nos leva à compreensão do que é ser europeu. Preparo as viagens o mais metodicamente que me é possível, sabia antecipadamente que Malta tinha muito para oferecer. Mas vim capitalizar surpresa, exultação nesta encruzilhada que o Mediterrâneo Central oferece, abençoados normandos, senhores italianos, árabes, cavaleiros de Malta e britânicos que nos deixaram tanto esplendor, tantas marcas de todas as civilizações que enformam a nossa índole europeia.

Um abraço do
Mário


De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: 
À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (4)

Beja Santos

O viandante começou o dia numa das chamadas três cidades de Valeta, Vittoriosa/Birgú, foi aqui a primeira residência dos Cavaleiros em Malta. Recorde-se que por esta ilha andou muita gente, foi ponto de passagem para as Cruzadas. Esta Birgú foi fundada por Normandos no século XI. Após a vitória no grande cerco foi rebatizada com o nome de Vittoriosa. Os guias apresentam-na como joia arquitetónica, e é mesmo, com os seus albergues e palácios medievais. Desfruta-se dos seus miradouros vistas espetaculares sobre o grande porto. Mas o que mais interessou ao viandante foi uma referência ao albergue de Castela e Portugal, seguramente este foi o primeiro onde andaram os nossos ancestrais. O viandante foi atraído por um grupo de jovens que falava sistematicamente no albergue de Castela, o viandante pediu a palavra para lembrar que se falava de Portugal, naquela altura ainda não existia a Espanha e Portugal levava séculos de independência. Os jovens, catalães, aplaudiram.


Voltamos e Mdina e a Rabat, ainda há muitíssimo para ver na primeira capital de Malta. Trata-se de uma magnífico enclave fortificado no topo de uma colina, tem muralhas grandiosas, por aqui andaram romanos, árabes e normandos. Quando a capital foi transferida para Vittoriosa, Mdina perdeu a sua influência, mas são patentes os seus belíssimos palácios e mansões, algumas ordens religiosas têm aqui instalações. Volta-se a mostrar o palácio Vilhena erigido em 1720, veja-se o gosto do barroco italiano e as oliveiras que o grão-mestre trouxe de Portugal, mais propriamente do Alentejo.



Não se perca de vista que o barroco é o estilo dominante. A catedral de S. Paulo em Mdina tem muitas lembranças com a Concatedral de S. João em La Valetta, é aí que está sepultado o Grão-Mestre António Manoel de Vilhena. Um dos grandes artistas que trabalharam na catedral foi Mattia Preti, mal sabe o viandante que ao fim da tarde de hoje irá, por portas e travessas, ouvir falar do dito.


Há que confessar que para uma bolsa comedida, entrar em todos estes palácios e museus é dispendioso, requer muita prudência, nada se compara aos preços portugueses. Ali ao lado da catedral está o museu, diz o guia que conta com uma das mais ricas coleções da arte sacra da Europa, há ali mesmo esculturas em madeira de Albrecht Dürer. A hora vai tardia e o viandante quer sentar-se à mesa, mas não resiste a mostrar a muita beleza da porta, coisa curiosa, já viu em cidades como Paris, Viena, Praga, Budapeste e S. Petersburgo entradas de edifícios com estas figuras agigantadas, com toque ciclópico, mas não se pode esconder que quem a concebeu deixou aqui um primor de harmonia e de grandiosidade contida.


Mdina reserva ao viandante a agradável surpresa de um museu com arte romana, ruas e ruelas de intensa cultura medieval, anda-se por aqui e desemboca-se em praças com belas mansões e palácios.



É nesta circunstância que se depara um portão sóbrio, maciço, de onde se destacam em esplendor estes puxadores. Era impossível não captar a imagem, aliás o viandante não estava só, outros, pacientemente, aguardavam a oportunidade para os fotografar, são imponentes, magnificentes, quantos não andaram a cobiçar estas joias em bronze?


Interrompe-se o passeio a Mdina para ir a Rabat, não visitar Rabat é como ir a Roma e não ver o Papa, estão aqui as catacumbas de S. Paulo e Santa Ágata, a sua igreja não rivaliza com a catedral de Mdina mas tem uma fachada soberba. E antes de partir captou-se um belo panorama sobre o vale, regressa-se a Valeta para a última visita do dia.
Pelo caminho ainda se foi visitar um vídeo sobre os cavaleiros de Malta e aonde se refere um grão-mestre português Manuel Pinto da Fonseca, gostava do luxo e da pompa, fez-se tratar por Sua Alteza Eminentíssima, o viandante estava entristecido com as vulgaridades do seu ancestral e pompas ridículas, que sempre as tivemos. E recordou, sabe-se lá porquê, a entrada do humanista Clenardo em Évora, na Corte, onde os príncipes falavam grego e latim. Pediu um barbeiro e apareceu-lhe um disfarçado de nobre, inchado na sua pompa trazia dois escudeiros, para dar sinais nobiliárquicos… É a dimensão mesquinha da vacuidade que nunca nos largou.


Na Praça de S. Jorge, frente ao palácio que hoje pertence ao presidente da República, está o Instituto Italiano de Cultura, tem a sua sede na casa que foi do grão-mestre Alof de Vignacourt, no século XVII, tem frescos de Nicolau Nasoni, que também trabalhou em Portugal. O que vem ao caso este Instituto Italiano de Cultura? Tem atividades culturais, e duas exposições interessaram ao viandante: as dedicadas aos pintores Mattia Preti, um dos expoentes da arte italiana do século XVII, e a exposição intitulada de Hayez a Boldini, 100 anos de história de arte, o século XIX italiano. Frente ao retrato da Princesa Radzwill, com as suas mãos voluptuosas e fato recamado, o viandante lembrou-se do assombroso quadro de Giovani Boldini que pertence ao Museu Gulbenkian, uma obra de arte que durante décadas esteve nos reservados até que um dia um diretor a colocou em exposição para nosso desfrute, um quadro soberbo de uma família burguesa à saída da ópera ou do teatro, risonhos, contentes com o seu destino, cores magníficas. Foi um dia e peras, agora apanha-se o autocarro para o local onde o viandante se alberga, Sliema, perto da ilha Manoel, o Grão-Mestre é uma omnipresença. Ainda bem.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17642: Os nossos seres, saberes e lazeres (224): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do grão-mestre António Manoel de Vilhena (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17659: Parabéns a você (1294): Anselmo Reis Garvoa, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 2315 (Guiné, 1968)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17656: Parabéns a você (1293): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Cond Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74) e José Santos, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 3326 (Guiné, 1971/73)

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17658: Historiografia da presença portuguesa em África (86): Quando até os padres, católicos, apostólicos, romanos, do PIME (Pontifício Instituto para as Missões Exteriores), eram acusados de "subversão": o caso de Mario Faccioli (1922-2015), que esteve em Catió


Capa do livro de Mario Faccioli (1922-2015), padre do PIME (Pontifício Instituto para as Missões Exteriores), que esteve em Catió e teve problemas com as autoridades da Guiné, antes e depois da independência... Cortesia da página de Fernando Casimiro (Didinho). Neste livro autobiográfico refere a prisão do padre António Grillo, em 1963, e as suas próprias dificuldades de relacionamento com as autoridades portuguesas... Infelizmente ainda não tivemos acesso ao livro, só conhecemos o índice e alguns excertos.




Anúncio comercial da revista Turismo, nº 2, série 2, janeiro de 1956 (edição inteiramente dedicada à província portuguesa da Guiné) (*)

1. Uma parte dos colonos que tinham estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas na Guiné, antes do início da guerra,  eram de origem cabo-verdiana ou ou sírio-libanesa. Veja-se o caso do Álvaro Boaventura Camacho, sobre quem encontrámos a seguinte referência na Net, no blogue João Laurence / Bedanda. ( João Augusto Laurence viveu, na infãncia em Catió; em 1956 andava na escola. presumo que seja de origem cabo-verdiana; e possivelmente foi militar da FAP, a avaliar pelo agradecimento que faz ao Hospital das Forças Armadas Portugueses onde esteve internado em 2014; refere também, com gratidão, no seu blogue, a ação do padre Mario Faccioli) (*)


"Dezembro 13, 2007

Cufar

Cufar fica localizada na zona Sul da Guiné-Bissau, pertence a região de Tombalí. Antes do início da guerra colonial possuía um aeródromo que pertencia a um comerciante português de origem caboverdiano de nome Álvaro Boaventura Camacho" (...) 

Esse aeródromo foi teria sido depois cedido  "à Administração Colonial Portuguesa (sic) para instalar equipamento militar":

"Os largos fogos potentes e profundos da artilharia pesada que fustigavam o espaço aéreo de Bedanda Encossa partiam de Cufar com um único destino: Zona de Curá, Caboxanche, Cantanhede e limítrofes. Zona de mata densa, pantanosa e de difícil penetração, ocupada pelos guerrilheiros do PAIGC – Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo-Verde. As Zonas eram referenciadas por “tchom"– chão. Por exemplo : Tchom de manjhaco,tchom de nalú que específicamente é a região de Tombali."


Temos que dedicar mais atenção à atuação dos missionários italianos, do PIME (Pontifício Instituto para as Missões Exteriores), no território da Guiné, antes e depois da independência...

Temos menos de duas dezenas de referências no nossos blogue aos "missionários".

 Os italianos, algunes deles, tiveram problemas com as "autoridades portuguesas": foi o caso do padre António Grillo (1925-2014), que esteve em Bambadinca e que era particularmente acarinhado pelos balantas de Samba Silate, uma enorme tabanca, com quase duas mil almas,  que será destruídas pelas NT no princípio da guerra, no subsetor do Xime...

Recorde-se: foi detido pela então polícia política portuguesa, a PIDE, a 23 fevereiro de 1963, sob a acusação de atividades subversivas; esteve preso em Bissau e depois em Lisboa; acabou por ser libertado em 4 de julho de 1963 em homenagem, de Portugal, ao novo sumo pontífice, o Papa Paulo VI (1898-1978), que em 21 de junho de 1963 tinha sucedido a João XXIII, na cátedra de São Pedro... Com a independência da Guiné-Bissau, o padre Grillo volta a Bambadinca, onde trabalha, de 1975 a 1986, associado ao PIME... Visitou Bamnbadinca em 2010, quatro anos antes de morrer.

O missionário que estava em Catió, o Mário Faccioli (1922-2015) também teve problemas com a PIDE e, depois da independência, com o 'Nino' que o expulsou da Guiné-Bissau...

2. Excerto do livro de Mário Faccioli, "Una vita missionaria: in Guinea Bissau 1956-2008".

Tradução da versão original em italiano para o português: Filomena Embaló. Reproduzido com a devida vénia da página de Fernando Casimiro (Didinho):

(...) A 25 de maio de 1947, em plena estação das grandes chuvas, desembarcaram no porto de Bissau, os primeiros sete missionários do PIME: Settimio Munno, o chefe do grupo, Arturo Biasutti, Luigi Andreoletti, Filippo Croci, Efrem Stevanin, Spartaco Marmugi e o irmão Vicenzo Benassi. A coragem e zelo destes primeiros homens enviados para a Guiné Bissau manifestaram de maneira brilhante e vivaz a força do carisma das gentes do PIME, de que deram provas desde o primeiro ano.

De 1947 a 1974 (data da independência da Guiné), o PIME enfrentou situações que não foram nada fáceis.

O regime colonial condicionava a vida e as ações dos missionários "estrangeiros" (como nos chamavam os Portugueses): as dificuldades não eram só socioeconómicas, mas sobretudo ao nível da evangelização, pois a presença dos colonizadores, "senhores e patrões", era um contra-testemunho extremamente negativo da mensagem cristã que nós trazíamos. A este respeito, eu digo "nós" porque, em 1956, nove anos depois da chegada dos sete primeiros, chegámos eu e o Irmão Luís Capelli.

A minha primeira experiência missionária na Guiné foi em Catió, cidade ao sul do país, no seio dos Balantas (uma das tribos mais numerosas), alguns muçulmanos e vários Portugueses, empregados comerciais e funcionários. O uso exclusivo da língua portuguesa era obrigatório e o relacionamento com os nativos da aldeia era bastante reduzido. Eu trabalhei na escola e no ensino e procurei conhecer pessoas, como também ajudá-las materialmente, enquanto continuava a acreditar que o caminho deveria ser outro (,..).


3. Sobre o padre Mario Faccioli escreveu João Laurence o seguinte no seu blogue, em 18 de março de 2008 (reproduzido por nós aqui com a devida vénia):

(...) "Parabéns Reverendíssimo Padre Mário Faccioli- Recordo-me de ter passado muita fome no ano de 1956. Foi o ano mais difí cil da minha vida, em que inclusivé reprovei na escola por motivos económicos. Nos anos 1957-58 fui convidado pelo Senhor Reverendo padre Mário Faccioli para integrar o Internato de Cátio, constituido por Salazar Salú Quetá de Cacine, Constantino Gomes de Cátio, os dois já falecidos, Tenente Joaquim Vieira e eu próprio, João Augusto Laurence. No Internato da Cátio, foi-nos fornecido alojamento e alimentação, patrocinado pelo Reverendíssimo Padre Mário Faccioli/PIME/Vaticano.

Recordo-me de ter caído numa valeta, perto da Adiministração do Concelho de Cátio, tendo sofrido várias escoriações. De imediato, fui assistido pelo Senhor Reverendo acima referido. Como as dores eram enormes autorizou-me a usufruir do quarto dos hóspedes, para uma melhor e mais rápida recuperação. Foi a primeira vez que dormi num colchão Molaflex. 

Reflectindo sobre um altruísmo da atitude do Reverendíssimo tal marcou-me e considero que foi início de uma verdadeira arquitectura da minha vida. O Reverendo Padre Mário Faccioli, além de outras iniciativas de louvar, formou um grupo de teatro em Cátio e que foi encenado também em Empada-Guiné Bissau.

Sempre muito dinâmico, tinha como actividade lúdica a prática de caça desportiva como as Rolas e Perdizes na zona de Suá/Cátio. Rezou missa na zona de Geba e Gábu, zona prodominantemente afecta aos Muçulmanos.

Toda a sua vida foi passada na Guiné-Bissau ao serviço dos mais desprotegidos. Sacerdote de formação, com uma inteligência fora do normal, participou na construção do Seminário de Bissau que tanto tem contribuido para o formação dos guineenses.

Homem multifacetado, domina áreas como da electricidade, arquitectura e engenharia, para além obviamente, do dom da palavra na mensagem evangelizadora.

No preciso dia 27 de Março [de 2008], faz o Reverendo Padre Mário Faccioli 86 anos de vida, meio século dedicado à causa pacificadora na Guiné-Bissau. Portanto, aqui fica registado o meu profundo apreço e consideração por um ser humano de elevado carácter humanista.

Muitos parabéns Reverendíssimo Padre Mário Faccioli." (...)

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P17657: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (12): Págs. 89 a 96

Capa da brochura "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra"

Gabriel Moura

1. Continuação da publicação do trabalho em PDF do nosso camarada Gabriel Moura, "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", enviado ao Blogue por Francisco Gamelas (ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto, 1971/73).


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17649: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (11): Págs. 81 a 88

Guiné 61/74 - P17656: Parabéns a você (1293): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Cond Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74) e José Santos, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 3326 (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série de 4 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17647: Parabéns a você (1292): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Auto Electricista do BENG 447 (Guiné, 1968/70) e TCor Inf Ref Rui Alexandrino Ferreira, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1420 e ex-Capitão Inf, CMDT da CCAÇ 18 (Guiné, 1965/67 e 1970/72)

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17655: Notas de leitura (985): “Portugal e o Império Africano - Séculos XIX e XX”, coordenação de Valentim Alexandre, Edições Colibri, 2013 (1) (Mário Beja Santos)

“Portugal e o Império Africano – séculos XIX e XX”, coordenação de Valentim Alexandre, Edições Colibri, 2013


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
A historiografia pós-colonial revela maturidade e sobrepõe-se às paixões ideológicas que marcaram as últimas décadas no século XX. A questão colonial volta a ser um tema centrado dos estudos históricos contemporâneos. Um dos resultados deste novo espírito é o presente trabalho de que aqui se faz a competente recessão, convidando-se todos os confrades a porem leituras em dia conhecendo novos trilhos de investigação que permitem refletir fora de uma atmosfera de paixões sobre a ascensão e queda do nosso império africano.

Um abraço do
Mário


O Império Africano, Séculos XIX e XX: 
Um olhar da nova historiografia (1)

Beja Santos

No final do século passado realizou-se um curso de Verão do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, subordinado ao tema “Portugal e o Império Africano – séculos XIX e XX”, coordenado por Valentim Alexandre, Edições Colibri, 3.ª Tiragem, 2013. A questão colonial é um dos temas centrais da história portuguesa contemporânea, basta pensar no ultimato britânico de 1890, as preocupações republicanas para intervir na Grande Guerra e a questão ideológica que desempenhou o império colonial no Estado Novo, acabarão por ser as guerras coloniais que precipitarão o regime para a sua guerra. Por diferentes razões, a investigação histórica nesta área continua a ser marcada por dificuldades muito ásperas: a carga ideológica, onde perpassava a imagem da missão civilizadora de Portugal, discursando-se correntemente de que Portugal não tinha futuro sem império; o facto de, após o 25 de Abril, se ter registado a falta de apoios institucionais e a concomitante desorganização dos principais arquivos históricos. Só lentamente se foi saindo da situação, contudo passou a prevalecer uma visão eurocêntrica do país que de modo algum corresponde à história recente.

Os estudos coloniais vão-se progressivamente libertando do fardo ideológico e é hoje patente a existência de uma investigação liberta de preconceitos: basta referir os trabalhos coordenados por Fernando Rosas e as investigações das equipas de Bandeira Jerónimo e Eduardo Costa Dias. O império africano terá o seu ponto de partida o ano de 1825, data do reconhecimento da independência do Brasil pelo Estado português, a partir dessa data as atenções viraram-se para África. Como escreve Valentim Alexandre:  
“Com a perda do Brasil, o império português ficou reduzido a alguns pequenos territórios dispersos pelo mundo, com ligações muito ténues à metrópole. Boa parte deles – os arquipélagos atlânticos de Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe e as possessões no continente africano, então limitadas a postos e enclaves no litoral, salvo uma linha de penetração a Norte do Cuanza, de Luanda a Malange, e uma outra, na costa oriental, de Quelimane a Tete, ao longo do rio Zambeze – tinha ainda então como atividade principal o tráfico de escravos para as Américas, quase totalmente controlada por negociantes estabelecidos, não no reino português, mas no Brasil”.

A Guiné não existia, a constituição liberal só faz referência a Bissau e a Cacheu. Para os negociantes, a compensação da perda do Brasil era fundamentalmente Angola e Moçambique. Foi necessário esperar pela vitória liberal na guerra civil para o projeto imperial adquirir alguma consistência. No final de 1836 a legislação setembrista era o primeiro impulso: abolição da exportação de escravos, reforma da administração ultramarina; a política de Sá da Bandeira procurou consolidar o domínio territorial português em África, designadamente pela ocupação da linha da costa de Angola e Moçambique. As relações económicas com as colónias tornam-se um facto, forma-se uma companhia da navegação, a Companhia União Mercantil, destinada a ligar Lisboa a Benguela, Luanda, Moçâmedes e Ambriz, com escala por Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe. O quadro das relações sociais conhece um novo desenvolvimento com a extinção do tráfico de escravos para Cuba e para o Sul dos Estados Unidos e também para várias zonas do Índico. Segue-se a ocupação efetiva, primeiro com as expedições promovidas pelo ministro Andrade Corvo, as viagens de Serpa Pinto e Capelo e Ivens. Andrade Corvo procura associar a política externa portuguesa aos interesses da Grã-Bretanha, primeiro com ligação do porto de Mormugão à rede ferroviária britânica do subcontinente africano; um segundo acordo tinha em vista a construção de um caminho-de-ferro de Lourenço Marques ao Transval, em troca de vantagens comerciais; uma terceira convenção deveria definir a fronteira Norte de Angola, admitindo a Grã-Bretanha que Portugal ocupasse a margem esquerda do rio Congo. Política que veio a falhar a partir de uma corrente do nacionalismo radical que exigia um máximo de direitos de Portugal na África Central, dizendo que qualquer acordo de limites seria uma lesão irreparável da soberania dos interesses nacionais. É nesse contexto que houve o malogro do Tratado do Congo que envolveu sérias resistências em várias potências coloniais e que está na génese da Conferência de Berlim, convocada para regular o exercício do comércio em África. A Conferência veio a consagrar a necessidade de posse efetiva, mas apenas em relação ao litoral do continente africano (ao contrário do que muitas vezes se diz). A nova situação criada pela Conferência acentuou o sentimento de urgência de ocupação da região entre Angola e Moçambique. E assim chegamos ao Mapa Cor-de-Rosa e ao Ultimato britânico, que veio dar impulso final às campanhas militares.

Como igualmente observa Valentim Alexandre, este período de ocupação militar plasma-se em transformações de relevo no sistema colonial: recorre-se mais intensamente aos capitais estrangeiros, dá-se amplas concessões a várias companhias, lançaram-se linhas férreas. Vão entretanto crescendo as reivindicações da Alemanha Imperial, chega-se a temer que a Grã-Bretanha aceda à divisão de Angola para satisfazer a estratégia de Berlim. Mas eclodiu a Grande Guerra e desapareceu temporariamente o fantasma da perda imperial. Os republicanos mantinham intransigentemente o ideal imperial, até porque iam emergindo novas ameaças de repartição dos nossos territórios coloniais cobiçados pela Alemanha e pela Itália.

O Estado Novo não descurou a propaganda colonialista, lançou exposições coloniais, intensificou-se a propaganda no ensino. Finda a II Guerra Mundial, em que o império permaneceu incólume, mudada a conjuntura propiciou o arranque da economia imperial em Angola e Moçambique. Renascera a mística, o império tinha que se modernizar. Como aqui se tem largamente referido, a Guiné encontra com Sarmento Rodrigues transformações de grande peso. Mas surgira uma nova ameaça, as superpotências queriam pôr fim aos impérios coloniais, lançou-se a descolonização, primeiro na Ásia e depois em África. O Estado Novo procura precatar-se: em 1951, dá-se a revisão constitucional e é abolido o Acto Colonial, o conceito de império e de colónias deu lugar a províncias ultramarinas de uma nação pluricontinental. Encontrou-se ideologia justificativa: o luso-tropicalismo. Mas a doutrina “de Minho a Timor” não convenceu as Nações Unidas nem os movimentos de libertação. A guerra eclode em 1961, dará impulso necessário à eliminação das estruturas sociais arcaicas, caso do Estatuto do Indígena. Procuram-se novas soluções, falar-se-á em mais autonomia na revisão constitucional de 1971, mas nada poderá salvar o império colonial.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17654: Notas de leitura (984): "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo: exorcizar velhos e novos fantasmas - Parte I (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P17654: Notas de leitura (984): "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo: exorcizar velhos e novos fantasmas - Parte I (Luís Graça)



Capa do livro do Luís Branquinho Crespo, "Guiné: um rio de memórias". Leiria, Textiverso, 2017, 181 pp. (Prefácio de António Graça de Abreu). [Preço, com envio através do correio: € 15,80 já com portes, podendo esse valor ser transferido para o seguinte IBAN 0010 0000 1888 8110 0015 3.]



1. Esta é a viagem que muitos daqueles de nós, que estivemos na Guiné, entre 1961 e 1974, gostaríamos de ter feito (ou ainda fazer) no tempo útil das nossas vidas… E este é o livro que gostaríamos de ter escrito (ou ainda escrever), no regresso a casa…

”Turismo de saudade ?”… Não, não gosto do termo. Prefiro antes, talvez, expressões como “fazer o ajuste de contas com o passado”, “exorcizar os fantasmas da guerra colonial na Guiné”, “recompor o puzzle esburacado da memória”…

Quarenta anos depois de regressar a casa, são e salvo, mas provavelmente com a morte na alma, como muitos de nós, o advogado leiriense Luís Branquinho Crespo, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 54 (Xitole e Saltinho, 1968/70), voltou aos lugares onde deixou a sua juventude. Foi lá que completou os seus 25 anos, em 22 de dezembro de 1969.

Como muitos outros ex-combatentes que seguiram as mesmas peugadas, voltando à Guiné (uma, duas, três e até, nalguns casos, em missões humanitárias ou não), o autor partiu de avião e voltou por terra, de jipe, com mais dois ex-camaradas, em março de 2010. Atravessou sete países: Guiné-Bissau, Senegal, Mauritânia, Sará Ocidental, Marrocos, Espanha e Portugal. 

Convenhamos que foi uma aventura com alguns riscos calculados… Sete anos depois deu à estampa este livro de 181 páginas, e 21 capítulos. Não é um romance, não é um diário, não é uma crónica de viagem, não é uma biografia, não é um ensaio, não é um documento memorialístico, não é um longo poema, não é um solilóquio… É tudo isto um pouco, é algo mais, é uma mistura de géneros. É também uma ponte lusófona entre dois povos cujos destinos a história aproximou e afastou…

O jurista não matou o poeta da juventude (“Cidade sem fim”, Leiria, 1963). Como também o ex-combatente não impediu o viajante de redescobrir os cheiros e os sabores da “primeira vez“, nem o homem de sentir empatia e compaixão pelos guineenses de ontem e de hoje e de tentar compreender, mais do que explicar, os erros, os bloqueios, os paradoxos e as perplexidades do presente que estão a hipotecar o futuro da Guiné-Bissau.

Não sei qual foi o “making of” deste livro. Mas imagino: o autor deve ter feito o seu “diário de bordo”, além do “registo fotográfico” desta viagem de regresso à Guiné que em grande parte compartilhou com mais dois ex-combatentes, a par de pesquisas no nosso blogue e exploração de outras fontes.

Luís Branquinho Crespo coloca-se decididamente na pele de “viajante” e não de “turista”. Citando Paulo Bowles, uma viagem “é sempre uma experiência íntima” (p. 27). E, como alguém disse, e eu gosto de repetir, um turista é uma espécie de “estúpido em férias”: não vai à descoberta, vai para onde lhe mandam, com tempo e hora marcada...

Para se sentir mais confortável na elaboração da narrativa dessa experiência única (que é voltar à terra onde se viveu e combateu durante quase dois anos, a milhares de quilómetros de casa), ele coloca-se na pele de uma personagem, o Carlos Viegas, hoje contabilista, e que vivia em São Martinho do Porto, Alcobaça, à data da sua mobilização para a Guiné. É, obviamente, o “alter ego” de Luís Branquinho Crespo. De jipe, a que ele chama “toca-toca”, vai percorrer grande parte da Guiné, de Bissau ao Saltinho, com incursões pelo leste (Xime, Bambadinca, Bafatá, Xitole), pelo sul (Contabane, Mampatá, Quebo, Guileje, Cacine) e pelo norte (Varela).

O mesmo “toca-toca” levá-lo-á de regresso a casa, com mais dois companheiros de aventura: o Joaquim (que é o “retrato físico e psicológico” do nosso conhecido António Camilo, comerciante em Lagoa, a quem a revista "Visão" chamou o "o bom gigantye") e o Xavier (de quem se sabe pouco: é enfermeiro em Montemor-O-Novo)… Três almas inquietas, divididas entre o passado e o presente, exorcizando velhos e novos fantasmas..

Esta trilogia, com mais alguns personagens secundários mas fortes (a Fá de Varela, o Braima Bá, o Matias, a Maria, o António Pouca Sorte, o Aníbal do Pelicano, o Dauda, o Tchuto Axon, o Pepito de Iemberém…), podia ser a base da arquitetura de um poderoso romance, se o autor quisesse (e pudesse) enveredar pela ficção… Se o pano de fundo da história fossem os náufragos do império e da luta de libertação…

Mas, não, o autor quis apenas fixar para a posteridade estas suas “memórias da Guiné, alegres e doridas”, como ele deixou expresso na dedicatória autografada no livro que me ofereceu.

Mas, não, o autor quis apenas fixar para a posteridade estas suas “memórias da Guiné, alegres e doridas”, como ele deixou expresso na dedicatória autografada no exemplar do  livro que me ofereceu.(*)

Tinha feito uma primeira leitura em diagonal do livro, quando me chegou à mão, pelo correio, amável oferta do autor. Só há dias o li, na praia, de uma só penada, numa tarde.

2. Na realidade, é uma narrativa que nos toca e nos agarra, àqueles de nós que conheceram a Guiné, a de antes e/ou a depois da independência. O meu destaque vai para dois ou três capítulos fortes: cap 7. António Pouca Sorte; cap 13. ‘A gente tem a alma aberta como ostra comida’; cap 19. Janela do tamanho de porta de partida… É tudo horizonte… E, depois do horizonte, horizonte há…

O António Pouca Sorte, “mais preto que branco”, nascido na serra do Caldeirão em 1965, é uma história de vida pungente, de um homem, fugido à justiça portuguesa, que acabou por se perder pelos matos, bolanhas e rias da Guiné, um tangomau ou lançado dos tempos modernos, sem identidade nem memória (cap. 7).

O dramático relato do Braima Bá é o de um homem que, tendo servido o exército colonial, desde 1964 até ao fim da guerra (, onde acaba integrado no batalhão de comandos africanos), e que vai conhecer “o corredor da morte” do Cumeré, a fuga, o exílio, o opróbio, e que no final da vida ainda tem “a alma abertu suma ostra ora ku i kumedo” (p. 116) (cap. 13).

Por fim, no regresso a casa (cap. 19), Carlos, Joaquim e Xavier visitam a ilha de Goré, em frente a Dacar, capital do Senegal, e obrigatoriamente a casa dos escravos: “por ali passaram 12,5 milhões de homens na direcção das Américas por uma porta estreita que só para o mar” (p. 151)… “Ao Carlos, ao Joauqim e ao Xavier a palavra tornou-se muda e tolda-se-lhes a vista e as pernas tremiam-lhes: quem ali não se lembra de Auschwitz, Birkenau, Bremem, Essen, Treblinka”… (p. 151 “Os negreiros árabes ali os descarregavam” (p. 152)…”Ali está uma parte da miséria da humanidade” (p. 153)…

[A ilha de Gorée está classificada pela UNESCO como património mundial da humanidade´e foi recentemente visitada, incluindo a Casa dos Escravos, pelo nosso Presidente da República em visita oficial ao Senegal].

(Continua) (**)
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2 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17425: Notas de leitura (963): “Guiné, Um rio de memórias”, por Luís Branquinho Crespo, Textiverso, Unipessoal, Lda, 2017 (Mário Beja Santos)

21 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17383: Notas de leitura (959): Prefácio de António Graça Abreu, ao livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo, lançado em Leiria no passado dia 6 com a presença do Presidente da Câmara Municipal local, Raul Castro, também ele ex-combatente

18 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17370: Tabanca Grande (437): Luís Branquinho Crespo, ex-alf mil, CART 2413 (Xitole e Saltinho, 1968/70)... Passa a sentar-se à sombra do nosso polião, no lugar nº 744. É advogado em Leiria e autor do livro "Guiné: Um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017)

(**) Último poste da série > 4 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17648: Notas de leitura (983): Um belo conto de Abdulai Sila, “O Reencontro” (Mário Beja Santos)

domingo, 6 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17653: Blogpoesia (523): "Quadro preto"; "A casa da poesia..." e "Ponta do novelo...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728



1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Quadro preto

Em letras de giz, ostenta a ementa da semana.
Dia a dia.
Segunda-feira: creme de abóbora e almôndegas.
Nada mau.
À volta, muitas mesas do café.
O Polo Norte. Uma pastelaria de eleição. Irresistível, no coração de Mafra.
Dom João V e sua corte seriam fregueses.
Deixou a plebe que não sai da porta.
Em vez do convento.
Sabe-o de cor.
Virou quartel.
Belo momento, aqui no bar.
As horas deslizam.
As ideias brotam.
Vindas do mar.
Rios de gente.
Na raspadinha.
Desafiam a sorte.
Pode calhar.
E, lentamente,
Sempre do mesmo,
Lêem jornais.
Vêm de fora.
Alegres turistas.
E cá de dentro,
Os mais bairristas.
Foi sempre assim.
Nos tempos da guerra.
Que bem eu lembro,
Jovem cadete,
Farda cinzenta,
Fervente de vida...

Bar Polo Norte, em Mafra
31 de Julho de 2017
9h22m
Jlmg


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A casa da poesia...

É rainha Não mora em palácios.
É sóbria e recatada.
Atenta ao belo
Onde quer que esteja.
Não tem regras nem códigos.
É perfume que emana natural
Como a lava dum vulcão.
Adora as alturas luminosas
Donde alcança o horizonte.
Se espraia colorida pelas encostas e Vales floridos.
Saboreia o mar e suas convulsões de espuma.
Dança em graça ao vento em fúria
Como na mais débil e brisa fresca.
Seu mar é o da simplicidade.
Sorri aos cambiantes das cores e dos sorrisos.
Se banqueteia com as delícias da formosura.
Seu ópio é o sonho e a fantasia.
Foge das pedras sem musgo
Como o diabo foge da cruz.
Adora lagos e rios mansos.
Busca as sombras doces das latadas.

Bar Castelão em Mafra, 4 de Agosto de 2017
8h56m Jlmg


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Ponta do novelo...

Tanto se emaranhou.
Onde pára a ponta?
Quero desfiá-lo, meticulosamente,
Chegar à fonte donde vem o fio.
Tanta volta terei de dar.
Tanta rosca ele enrolou.
Só de job a paciência
Me poderá valer.
Não desisto e puxo.
Desfaço a trança.
Fixando a minha vista.
Passo a passo.
Com lentidão,
Avanço.
Até que ao longe,
Enxergo o seu começo.
Nunca falhou.
Depois virá a recompensa.
Agora teço.

Bar Castelão em Mafra,
5 de Agosto de 2017
9h4m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Julho de 2917 > Guiné 61/74 - P17631: Blogpoesia (522): "Pedras velhas ressequidas..."; "Cavalos à chuva..." e "Retrocessos no tempo", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

sábado, 5 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17652: Historiografia da presença portuguesa em África (85): Revista Turismo de Janeiro de 1956 (2) (Fernando Barata, ex-Alf Mil Inf)

1. Segunda parte da publicação das páginas da Revista Turismo de Janeiro de 1956, que publicitavam algumas das firmas existentes à época na Guiné, enviadas ao Blogue pelo nosso camarada Fernando Barata (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2700, Dulombi, 1970/72) em 29 de Julho de 2017:

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Nota do editor

Poste anterior de 2 de Agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17643: Historiografia da presença portuguesa em África (84): Revista Turismo de Janeiro de 1956 (1) (Fernando Barata, ex-Alf Mil Inf)

Guiné 61/74 - P17651: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXIV Parte: Cap XIV - Revolta e dor pela morte do fur mil Humberto, já no final da comissão


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, os "Lassas" (1965/67)  > O Mário Fitas e o Humberto Gonçalves Vaz (de óculos escuros), que morre na Op Teste, já na fase final da comissão em Cufar, em 24/2/1966. Furriel mil vagomestre, era natural de Viana do Castelo.

Foto: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. [Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XXIV Parte > Cap XIV (pp. 83-87)

por Mário Vicente  

 Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na
Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:
(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele;

(xvii) depois de umas férias (... em Bissau), Mamadu regressa a Cufar e á atividade operacional: tem em Catió, um inesperado encontro com o carismático capelão Monteiro Gama...

(xviii) Op Tesoura: dezembro de 1965, tomada de assalto a tabanca de Cadique, cujas moranças são depois destruídas com granadas incendiárias.

(xix) Cecília Supico Pinto e outras senhoras do MNF visitam Cufar no início do ano de 1966 e Mamadu é internado no HM 241 (Bissau).

(xx) um mês depois, regresso a Cufar, regresso à guerra. Põe o correio em dia. Lê e relê a carta de Maria de Deus [MiMê], uma paixão escaldante dos tempos de "ranger" em Lamego e por quem estava quase para desertar, antes da data de embarque para a Guiné; a jovem morrerá prematuarmente, em França, aos 24 anos.

(xxi) revolta e dor pela morte do seu camarada e amigo, o fur mil Humberto Gonçalves Vaz (Op Teste, na região de Cabolol]


Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXIV Parte: Cap XIV: Regresso à guerra (1) (pp. 83-87)
XIV Regresso à Guerra [2]


Mas… a CCAÇ [763] soma e segue, não pode parar com as divagações do furriel Mamadu.

Temos informações concisas de que os grupos do PAIGC que actuam agora em Cabolol, estarão baseados em Cansalá, sendo rendidos mensalmente. Numa emboscada na estrada de Catió, junto ao pontão do rio Cadengar, no final da festa, ficamos sem mais um homem. Saldo final, um morto e três feridos. Começa, em algumas cabeças, a confirmação da desconfiança destes acontecimentos. Os Lassas iam a Catió para trazer uma companhia de periquitos, a quem deviam dar treino operacional. Mamadu, macaco velho com cu calejado, acha determinadas situações muito coincidentes mas é perigoso falar. Adelante, como dizem nuestros hermanos.

Temos notícias que o nosso amigo Nino recolheu a Conakri, na República da Guiné, ficando como chefe da base do Cafal e da Zona Sul, o amigo Joãozinho Guade. São coisas que vamos sabendo e analisando, para melhor entendermos como funcionam e se comportam os chefes do PAIGC. Com esta alteração de Comando, quem ganha é o pessoal da ilha do Como. A desgraçada da população era obrigada a entregar todo o arroz produzido na ilha, sendo enviado para a zona do Cantanhez, pois há dificuldades na alimentação às FARP. Pansau na Isna, homem grande do Como, com a sua sensibilidade, faz com que Guade autorize os habitantes do Como a venderem o seu arroz em Catió, e assim conseguirem pelo menos, com dinheiro ou por troca directa, alguma roupa, medicamentos e outros bens de primeira necessidade.

O chefe da tabanca de Mato Farroba, Clusse na Ufna, raptado pelo IN, foi abatido no Cafal, quando tentava a fuga. O Bia, chefe da tabanca de Impungueda, desapareceu misteriosamente. Seria o efeito da duplicidade nas informações a causa? Quatro nativas indocumentadas foram feitas prisioneiras, tendo confessado terem sido enviadas para observação das NT. Temos um sistema de informações mais precisas e concisas do que o gajo da PIDE de Catió que se preocupa mais com questões políticas do que com guerra. Estamos a trabalhar fortemente, só que as informações para cima, não surtem efeito. Aqui há gato.

Carlos desabafa:
- Valia mais que me mandassem a Companhia do Cachil para aqui, e acabassem com aquele presídio! Dávamos a volta toda até Cobumba e a Força Aérea que visitasse o Como!

Preparando a Companhia [, CCAÇ 1500,] a quem estamos a dar a fase operacional vamos, em conjugação com mais duas companhias, varrer novamente Cabolol. Pelas seis da manhã, um rebentamento e os periquitos têm os primeiros feridos, numa mina antipessoal. Pelas oito da manhã, Lassas e periquitos, depois de grande força, destroem mais um novo acampamento IN. Quando nos dirigíamos para Cantumane, a secção do Carlos Manuel que seguia em último escalão, foi fortemente emboscada, e tentaram isolá-la do resto da CCAÇ que se encontrava já fora da mata. Os outros dois grupos de combate manobraram, conseguindo repelir o IN. Dois furriéis ficaram ligeiramente feridos. Estava terminada a operação Tubarão.

E não desistimos, vamos novamente tentar a abertura do troço de estrada Cufar-Cobumba. Temos então a operação Teste em mãos. A nossa missão é instalarmo-nos na estrada que diverge para Cabolol e impedir o acesso do IN aquela região. A outros com as viaturas e respectivos guinchos, estará destinado o trabalho de desobstrução, retirando as abatises, tarefa que não vai ser nada fácil dado o numeroso e tamanho das árvores tombadas e das valas abertas na estrada.

Pelas vinte e três horas, os Lassas saem do aquartelamento e fazem a progressão pela estrada Cufar-Catió, com a companhia a quem estamos a dar treino operacional, em segundo escalão. Chegados ao cruzamento do Cabaceira, seguimos já pela estrada que se propõe limpar. Por volta das quatro da madrugada, o grupo de combate que progride em primeiro escalão atinge o caminho para Cabolol Nalu, junto à ponte do rio Caianquebam, os Lassas preparam-se para montar o dispositivo de segurança.

E aqui, meus amigos, desculpem-me, vão todos para a profundeza dos infernos. Serão poucas as asneiras que terei de dizer, e os nomes que terei de chamar a quem nos traiu. Comigo, cabrão nenhum brinca e eu não respeito ninguém neste momento. Eu mato a sangue frio, “fornico os cornos” e vou procurar aos confins do mundo o verme que nos traiu! Arranco-lhe o coração pelas costas, ou enfio-lhe pela boca abaixo uma granada descavilhada! Filhos da puta, havia fuga de informação! Os amigos do PAIGC estavam à nossa espera e sabiam perfeitamente que nós lá íamos e qual o nosso itinerário. Tinham informações precisas sobre toda a operação. Assim, não! Fomos apunhalados pelas costas, caralho. Também temos a certeza! Esse alguém, que deu à língua e passou informações ao IN, esteve em conversa na Administração de Catió. Nunca mais terei confiança nesta merda! Vão todos para a puta que os pariu!
- Quem diz que não é capaz de matar? Quem? Falem, digam!

Ninguém?

Tudo é possível fazer pelo homem, meus amigos, tudo depende das circunstâncias e ocasião em que as situações se apresentem.

Não é possível, não há palavras nem actos para suster a revolta do momento.

Foi dos maiores festivais a que assistimos!

Quando procedíamos à instalação, a CCAÇ foi emboscada de tal maneira que ficou toda na zona de morte. Os “gajos” envolveram os dois lados da estrada com duas metralhadoras pesadas 12,7, com projecteis tracejantes, atacaram o flanco direito dos Lassas com armas automáticas e metralhadoras ligeiras, e bateram todo o troço da estrada onde nos encontrávamos com morteiro 82 e RPGs, atacando a testa da coluna com granadas de mão.

Assim estivemos, debaixo de intenso fogo durante, aproximadamente, uma hora, altura em que sofreu um abrandamento. Tentamos responder da forma possível. Foi então detectado um helicóptero voando no sentido Cansalá-Cabolol Nalu, cessando por alguns minutos o tiroteio. Não nos foi possível alvejá-lo dado o seu rápido encobrimento pela mata. Pelas cinco e vinte voltou a crescer, com grande intensidade, o fogo de morteiro e RPGs. A nossa reacção só começou a dar efeitos já passava das seis e meia da manhã. Nesta altura já contávamos com dois mortos, um desaparecido e dezassete feridos. Entre os mortos estava o meu grande amigo furriel miliciano Humberto.
- Porquê tu, meu Amigo?

Havia determinadas prioridades a executar e a principal era no momento fazer as evacuações, pelo que a companhia que nos acompanhava dirigiu-se para Camaiupa a fim de procurar um local propício para efectivar essa operação, montando a segurança. Junto à mata de Camaiupa, foram evacuados os feridos e mortos, tendo sido os Lassas remuniciados, dado encontrarem-se logisticamente nas lonas em termos de munições. E voltamos, para continuar.

Mais um acerto de contas, mais uma cobrança!

Pelas oito e meia, aproximadamente, dado o número de baixas e o esgotamento do pessoal, o Comando estacionado em Cufar mandou suspender a operação. Entre os evacuados para o Hospital de Bissau conta-se o Bolinhas, capitão miliciano que vem substituir Carlos que será transferido para o Q.G. Não teve sorte o Bolinhas pois, logo na primeira experiência, uma bazucada atirou com ele contra uma árvore.
- O meu amigo Humberto, capacete furado, cabeça feita em duas! Não!
- Porra! Os amigos estão-se a ir embora!
- Ainda não! Ainda não vou chorar, só se for de raiva! Mas também não!
- Agora encontro-me completamente no fundo. Deixem-me falar mal desta merda; deixem-me dizer asneiras. Por favor, quero apanhar alguém e torcer-lhe o pescoço, até ficar com a cara para as costas, depois de três voltas. Quero... quero... ir até ao aquartelamento e embebedar-me até ficar em coma!... É dificílimo dar a volta a isto tudo!

Um bando de homens malteses, cabisbaixos, entra ao fim da manhã no aquartelamento. Não há nada a dizer!... Olham-se os militares uns aos outros, em silêncio como desconhecidos, agora bem lá no fundo do esgoto. A dor da perda dos amigos é transmitida por mensagem secreta, do olhar daqueles que sofrem a sua ausência.

Mamadu entrou na messe e no duche. Deitou-se não dizendo palavra a ninguém. Chico Zé e António Pedro nas camas, ao lado, fizeram o mesmo. Até a vontade de beber passou. Não era a primeira, nem seria a última que alguém nos iria trair.

Miriam entrou no quarto em silêncio, com a roupa lavada para Mamadu. Vendo os três furriéis deitados, como cachorro à espera do dono, sentou-se no chão aos pés da cama de Mamadu e chorou. Este enfureceu-se e gritou:

- Fora daqui, isto não é para chorar ainda, caralho! Não é isto mesmo a guerra!? Fora, não quero ver roupa, não quero ver ninguém.

O coração do furriel Mamadu, chefe dos Vagabundos, sangrava de dor e revolta.
- Deixa-nos ficar sós! Fora, escarumba de merda!

Com rudeza expulsou a lavadeira. Pobre Miriam, estava sensibilizada também e apenas queria acompanhar a dor do furriel. Mas este apenas via as tracejantes balas e as metades da cabeça do Humberto. Aos ouvidos apenas lhe chegavam os rebentamentos das morteiradas, dos lança granadas foguetes e os gemidos dos amigos feridos. Completamente transfigurado, só sentia o desejo mórbido de vingança. Esvaziara-se de tudo o que era humano, e encontrava-se possesso de ódio, blasfemando contra tudo e contra todos.

De barriga para baixo, estendidos sobre as camas, Chico Zé e António Pedro, num silêncio sepulcral, nem pareciam respirar. Mamadu não conseguia dormir. Tânia apareceu por momentos e o furriel entrou em delírio.

Abundante fonte fizeste nascer neste peito, por onde se alimenta, em frémita dor trespassante, um fraco coração saudoso, desfeito nestas longínquas paragens e acossado por fome de justiça, entre balas e sangue, alimentos de guerra. Já não sei o que sou! Só sei que é no meu corpo que morreste, minha mulher inexistente, adormecida pelo leve sono que pesou no dia dos animais falantes. O lodo, em que me atolo, adormeceu as conhecidas boas maneiras, que pouco saber lhes cabe. São nuvens duvidosas o saber que sabemos. E sonho com a mulher que me beijasse as feridas da alma e me amasse até à raiz da minha sombra. Estou lutando e tentando fazer um poema de amor, mas a dor tira-nos o tempo todo ao nosso lado distante, em guerra sempre presente.

Esta não é a minha Gloriosa Pátria Amada. Esta é a de Miriam e outros muitos mais, que nem eles próprios sabem quem são, pois até os irmãos já se traem e matam uns aos outros. A minha fica lá bem longe, a Norte, a milhares de quilómetros. É essa pequenina aldeia da Planície que é minha, de meus pais e avós, a essa, sim, posso ter a honra de lhe chamar ditosa e amada.

Fundamentalisticamente e com muita razão, como dizia o capitão de Aleluias Alacrau, “esta Aldeia é uma Nação”. Sim, a minha Pátria é a Planície da Tânia e da Florbela, poeta e mulher a corpo inteiro. Sim, Florbela, como no seu poema, aqui bem longe neste momento, são horas mortas só que a Planície não é brasido, aqui ela é saudade e dor.

Árvores! corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!


Tenho saudades de todos os meus amigos, dos que vivem e dos que já partiram. Hoje aperta-me o coração pelo meu amigo Humberto, pois deixei o esquife dele em Catió.

Acabei de juntar as cartas da nascente que fazia brotar nele o amor e afeição por uma mulher, criança ainda. Para a mãe de Humberto, juntei as coisinhas, como se diz na planície. As merdas todas: farda, farrapos, para dela ser maior o sofrimento.

Porquê eu!? Fazer o espólio das intimidades de um amigo?

Choro!

É por acaso vergonha um homem chorar, quando lhe dói a alma e aperta o coração?

Será?

Não, para mim não! Por isso choro e não tenho vergonha. É bonito, é enfim sinal que ainda não me bestifiquei.

Chorar é correr riscos e só quem arrisca é livre!

É, pois, o chorar o risco de parecermos sentimentais, assim como expor os nossos sentimentos é correr o risco de patentear o nosso verdadeiro eu. Sendo também o amar correr o risco de não sermos amados em troca. Estes riscos, conheço-os eu como as palmas das minhas mãos. Com tudo isso, não evitei o sofrimento e a tristeza, é verdade! Mas aprendi, senti, mudei, cresci, amei e vivi!

Chego ao limite, com apenas vinte e três anos. Que interessa que Tânia me não ame, se a amo eu?

Não é sonho! Um dia acontecerá, Tânia virá, amar-me-á e beijará as feridas da minha alma.

A eternidade não é poder humano! É incomensurável!...

Desculpa, Humberto, a divagação, mas tu também sabias, não sabias?!. ..

Vou-te escrever. Sei que é uma tentação, mas esta carta é só para ti.

"Sufoca-me esta sede de libertação. Quantas vezes o dizias?...

Todos os dias, a todas as horas e a todos os minutos. Pobre de til .. De que te serviu a merda do capacete? Sim, eras um aborto da própria natureza. De que te valeu morrer? Nada!

Que fizeste? O que deixaste? Simplesmente a dor de ser eu, este teu amigo, a enviar as tuas sucatas para tua mãe e as cartas para Luísa. Dezoito anos incompletos e já a levar assim bordoada ...

Mas, pobre de ti!... O tempo, dizem que tudo cura. Talvez seja verdade, acredito! Sim, porque ninguém mais te ligou. Aquilo que tu eras, tudo naquele momento terminou. Não sabes? Vou contar-te tudo o que se passou depois: ficaste com a cabeça horrivelmente grande, feita em duas!...

Passaste ainda dois dias connosco. À noite havia muitos mosquitos, mas não te deixámos só. Não chorámos! Talvez interiormente o tivéssemos feito, porque a garganta só consentia que algo escorregasse, quando à boca se levava o velho e sebento copo de bambu. Recordas-te dele? Ali se afogavam as mágoas e tristezas passadas. Nele chafurdámos como ratas nas sarjetas. Sabia bem matar a sede por ele. Estávamos unidos, e sempre estaremos, mesmo sem ti e os outros que ao nosso lado tombaram.

Olha, está aqui o Jata que também te quer falar, mas não consegue! É natural, vocês eram irmãos de guerra! ...

O Dabó, preto manjaco, chorou como um puto sentado no teu caixão, pois a última vez que te acompanhámos foi pela maldita estrada. Deves ter dado muitos saltos dentro do caixote!

Gosto de te escrever, pois tenho feito o mesmo com os outros. Espero que quando for a minha vez, tenhas uma garrafinha de Dimple à espera que eu levo o copo de bambu.

Um abraço dos outros Lassas.

Mamadu

P.S. - Afinal encontraste a liberdade desejada?”
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sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17650: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (19): Amigos e camaradas de Cufar - Parte II: O Rivoli, soldado do Pel Canhão s/r 3079, antigo jogador de hóquei em patins do Campolide


Foto nº 1


 Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 > 1973 >   O alf mil Luís Mourato Oliveira com o Rivoli. Conheciam-se desde a adolescência: o Luís Mourato Oliveira praticante de andebol (chegou a ser campeão nacional de júniores), o Rivoli, promissor jogador de hóquei em patins, no mesmo clube (CAC - Centro de Atletismo de Campolide, se bem percebi ao telefone)... Dois "pintas" de Campolide. O Rivoli já morreu há coisa de 3 anos, o Luís Mourato Oliveiro encontrou-o pela última vez num encontro da malta da CCAÇ 4740. Por causa do seu "fardamento" original, acabou por apanhar uma porrada desmedida (3 dias de prisão) do alferes miliciano Lopes, já falecido, da CCAÇ 4740. É caso para dizer que havia milicianos mais "chicos" do que os "chicos"... O Rivoli não voltou a praticar hóquei, e mudou de residência depois do regresso da Guiné...



Fotos (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro, que foi alf mil inf da CCAÇ 4740 (Cufar, 1973) e do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74). 

De rendição individual, foi o último comandante do Pel Caç Nat 52. Irá terminar a sua comissão no setor L1 (Bambadinca), em Missirá, depois de Mato Cão, e extinguir o pelotão em agosto de 1974.

Até meados de 1973 esteve em Cufar, a comandar o 3º pelotão da CCAÇ 4740, no 1º semestre de 1973. Tem bastantes fotos de Cufar, que começámos a publicar no poste P17388.

Hoje mostram-se mostram-se fotos dele com o Rivoli, um amigo de Campolide e um camarada de Cufar. Era do Pelotão de Canhões s/r 3079. Além da CCAÇ 4740, unidade de quadrícula, de origem açoriana, Cufar era uma verdadeira base militar, com pista de aviação e porto fluvial, contando com forças da marinha, da força aérea, do CAOP1, e ainda as seguintes: Pel Caç Nat 51; Pel Caç Nat 67; Pel Canhões s/r 3079; Pel Art 18; Pel Rec Fox 8870; PINT 9288; Milícias.

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