quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17660: Os nossos seres, saberes e lazeres (225): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 27 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Tenho tido o privilégio de viajar por lugares encantadores, de património riquíssimo, daquele que não só nos arrebata como nos leva à compreensão do que é ser europeu. Preparo as viagens o mais metodicamente que me é possível, sabia antecipadamente que Malta tinha muito para oferecer. Mas vim capitalizar surpresa, exultação nesta encruzilhada que o Mediterrâneo Central oferece, abençoados normandos, senhores italianos, árabes, cavaleiros de Malta e britânicos que nos deixaram tanto esplendor, tantas marcas de todas as civilizações que enformam a nossa índole europeia.

Um abraço do
Mário


De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: 
À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (4)

Beja Santos

O viandante começou o dia numa das chamadas três cidades de Valeta, Vittoriosa/Birgú, foi aqui a primeira residência dos Cavaleiros em Malta. Recorde-se que por esta ilha andou muita gente, foi ponto de passagem para as Cruzadas. Esta Birgú foi fundada por Normandos no século XI. Após a vitória no grande cerco foi rebatizada com o nome de Vittoriosa. Os guias apresentam-na como joia arquitetónica, e é mesmo, com os seus albergues e palácios medievais. Desfruta-se dos seus miradouros vistas espetaculares sobre o grande porto. Mas o que mais interessou ao viandante foi uma referência ao albergue de Castela e Portugal, seguramente este foi o primeiro onde andaram os nossos ancestrais. O viandante foi atraído por um grupo de jovens que falava sistematicamente no albergue de Castela, o viandante pediu a palavra para lembrar que se falava de Portugal, naquela altura ainda não existia a Espanha e Portugal levava séculos de independência. Os jovens, catalães, aplaudiram.


Voltamos e Mdina e a Rabat, ainda há muitíssimo para ver na primeira capital de Malta. Trata-se de uma magnífico enclave fortificado no topo de uma colina, tem muralhas grandiosas, por aqui andaram romanos, árabes e normandos. Quando a capital foi transferida para Vittoriosa, Mdina perdeu a sua influência, mas são patentes os seus belíssimos palácios e mansões, algumas ordens religiosas têm aqui instalações. Volta-se a mostrar o palácio Vilhena erigido em 1720, veja-se o gosto do barroco italiano e as oliveiras que o grão-mestre trouxe de Portugal, mais propriamente do Alentejo.



Não se perca de vista que o barroco é o estilo dominante. A catedral de S. Paulo em Mdina tem muitas lembranças com a Concatedral de S. João em La Valetta, é aí que está sepultado o Grão-Mestre António Manoel de Vilhena. Um dos grandes artistas que trabalharam na catedral foi Mattia Preti, mal sabe o viandante que ao fim da tarde de hoje irá, por portas e travessas, ouvir falar do dito.


Há que confessar que para uma bolsa comedida, entrar em todos estes palácios e museus é dispendioso, requer muita prudência, nada se compara aos preços portugueses. Ali ao lado da catedral está o museu, diz o guia que conta com uma das mais ricas coleções da arte sacra da Europa, há ali mesmo esculturas em madeira de Albrecht Dürer. A hora vai tardia e o viandante quer sentar-se à mesa, mas não resiste a mostrar a muita beleza da porta, coisa curiosa, já viu em cidades como Paris, Viena, Praga, Budapeste e S. Petersburgo entradas de edifícios com estas figuras agigantadas, com toque ciclópico, mas não se pode esconder que quem a concebeu deixou aqui um primor de harmonia e de grandiosidade contida.


Mdina reserva ao viandante a agradável surpresa de um museu com arte romana, ruas e ruelas de intensa cultura medieval, anda-se por aqui e desemboca-se em praças com belas mansões e palácios.



É nesta circunstância que se depara um portão sóbrio, maciço, de onde se destacam em esplendor estes puxadores. Era impossível não captar a imagem, aliás o viandante não estava só, outros, pacientemente, aguardavam a oportunidade para os fotografar, são imponentes, magnificentes, quantos não andaram a cobiçar estas joias em bronze?


Interrompe-se o passeio a Mdina para ir a Rabat, não visitar Rabat é como ir a Roma e não ver o Papa, estão aqui as catacumbas de S. Paulo e Santa Ágata, a sua igreja não rivaliza com a catedral de Mdina mas tem uma fachada soberba. E antes de partir captou-se um belo panorama sobre o vale, regressa-se a Valeta para a última visita do dia.
Pelo caminho ainda se foi visitar um vídeo sobre os cavaleiros de Malta e aonde se refere um grão-mestre português Manuel Pinto da Fonseca, gostava do luxo e da pompa, fez-se tratar por Sua Alteza Eminentíssima, o viandante estava entristecido com as vulgaridades do seu ancestral e pompas ridículas, que sempre as tivemos. E recordou, sabe-se lá porquê, a entrada do humanista Clenardo em Évora, na Corte, onde os príncipes falavam grego e latim. Pediu um barbeiro e apareceu-lhe um disfarçado de nobre, inchado na sua pompa trazia dois escudeiros, para dar sinais nobiliárquicos… É a dimensão mesquinha da vacuidade que nunca nos largou.


Na Praça de S. Jorge, frente ao palácio que hoje pertence ao presidente da República, está o Instituto Italiano de Cultura, tem a sua sede na casa que foi do grão-mestre Alof de Vignacourt, no século XVII, tem frescos de Nicolau Nasoni, que também trabalhou em Portugal. O que vem ao caso este Instituto Italiano de Cultura? Tem atividades culturais, e duas exposições interessaram ao viandante: as dedicadas aos pintores Mattia Preti, um dos expoentes da arte italiana do século XVII, e a exposição intitulada de Hayez a Boldini, 100 anos de história de arte, o século XIX italiano. Frente ao retrato da Princesa Radzwill, com as suas mãos voluptuosas e fato recamado, o viandante lembrou-se do assombroso quadro de Giovani Boldini que pertence ao Museu Gulbenkian, uma obra de arte que durante décadas esteve nos reservados até que um dia um diretor a colocou em exposição para nosso desfrute, um quadro soberbo de uma família burguesa à saída da ópera ou do teatro, risonhos, contentes com o seu destino, cores magníficas. Foi um dia e peras, agora apanha-se o autocarro para o local onde o viandante se alberga, Sliema, perto da ilha Manoel, o Grão-Mestre é uma omnipresença. Ainda bem.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17642: Os nossos seres, saberes e lazeres (224): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do grão-mestre António Manoel de Vilhena (3) (Mário Beja Santos)

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