quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18367: Fotos à procura de... uma legenda (101A) : A técnica de construção da estrutura superior das moranças fulas... (Cherno Baldé / Luís Graça / António Rosinha / Armando Tavares da Silva)



Desenho manual da fase inicial de construcao de uma palhota
Infografia: Cherno Baldé (2018)




Foto nº 1


Foto nº 2

Foto nº 3


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > CART 2339 (1968/69) > Candamã > Reconstrução de moranças, depois do ataque de 30/7/1969. Fotograma de "slides", do Henrique Cardoso, retiradas, com a devida cortesia, do seu vídeo, disponível aqui, no You Tube / Henrique Cardoso.

Fotos: © Henrique Cardoso (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 4

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > Madina Xaquili > Junho de 1969 > A morança que foi destinada ao Fernando Gouveia quando foi destacado para Madina Xaquili, para reforçar o sistema de autodefesa.

Foto: ©  Fernando Gouveia  (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Comentário de Cherno Baldé ao poste P18357 (*):

Quero desafiar a capacidade de observação dos antigos combatentes com a seguinte questão:

- Quem sabe ou quem é capaz de descrever a técnica que os Fulas do campo usavam na construção daquelas casas (palhotas) redondas onde viviam? Quem acertar dou um preéio.

 PS: Nas imagens vemos algumas casas (palhotas) com a estrutura já pronta, faltando cobrir com a palha [Fotos nº 1 e 2]

2.  Comentário do nosso editor LG [Tabanca Grande]:

Cherno, é um bom desafio...Mas eu não me atrevo a ser o primeiro a tentar responder-te... 

Passei algumas semanas em tabancas em autodefesa, sobretudo no tempo das chuvas... A (re)construção das moranças, a mudança do colmo, etc., era feita no tempo seco... E o tempo seco era o das grandes operações, quando íamos aos 'santuários' [ou 'zonas libertadas']  do PAIGC, uma vez por ano...



3. Comentário de António Rosinha:


Respondendo à pergunta sobre a técnica dos fulas na construção das cubatas redondas e o colmo de palha no telhado, não sei bem a que se refere o Cherno, sei que são abrigadas contra o calor, o frio e os ventos de qualquer direcção.

Com aquele telhado que fica a aba a 1 metro do chão, temos uma climatização o ano inteiro.

Mas já vi jovens cooperantes suecos a fazer adobe e a construir,  com esses tijolos, uma escola nos arredores de Bissau, e os guineenses sentados à sombra dos mangueiros a ver aquela "novidade", adobe.

Também já vi japoneses a fazer arroz numa bolanha de Bafatá, e balantas e fulas a assistir àquela novidade agrícola, o arroz.

Acho que os suecos e os japoneses já foram todos embora e os guineenses não continuem sentados.


4. Resposta do Cherno Baldé:

Caros amigos Luis e Rosinha,

A última imagem do Post mostra uma armadura circular feita de canas de bambu enrodilhadas e suportada por paus à volta com um diâmetro de mais ou menos 4/5 metros (onde os dois rapazes estão encostados) [Foto nº 2] . É este o sítio onde se começa a montagem/construção das estruturas que vão servir de cobertura às casas (Palhotas).

Para começar, escolhem as melhores canas de bambu e encostadas uma a uma a volta da estrutura circular, vão cruzá-las no meio do círculo onde serão atadas, formando desse modo a parte que, quando invertida ou levantada para cima , vai constituir o topo da casa, chamada de cabeça.

Assim, mais de metade desta estrutura de cobertura de colmos é colocada ainda no chão e amarrada com cordas de ramos de palmeira (ráfia), antes de a levantar, colocando a parte que estava em baixo para cima, e fazer subir em cima das paredes redondas (ou outra estrutura qualquer de Kirintins) que servirão de base de apoio à cobertura feita de palha ou de folhas de cibes, conforme as regiões do país e a disponibilidade da palha de cobertura que se podia encontrar na orla das bolanhas, que é cada vez mais rara.

À primeira vista parece simples, da mesma forma que, aos olhos do leigo, parece simples matar uma galinha e dividi-la em partes, mas os mais novos tinham que aprender com os mais velhos e respeitar os procedimentos e o ritual subjacente, sem o qual o trabalho não tinha o devido valor aos olhos da comunidade e dos seus valores.

Se calhar, todos acham que sabem fazer o trabalho elementar de matar uma galinha é de a dividir em diferentes partes!?

Nada mais errado. Da forma como os metropolitanos matavam galinhas no quartel, nenhum Homem grande Fula aceitaria consumi-la. Primeiro por razões religiosas sim, mas também porque não correspondia às normas locais de procedimento e de respeito à vida do animal.

Uma casa que fosse construida sem respeitar as regras ancestrais, também podia ser rejeitada pelos mais velhos e transformar-se num trabalho inglório.

Tenho a quase certeza que o "alfero Cabral",  de Missira, sabia esfregar mamas de Bajudas, mas não aprendeu a arte de matar uma galinha ou da construção de uma bela palhota, palhota de receber hóspedes ilustres, como aquela que reservaram ao Fernando Gouveia em Madina Xaquili ou ao Luís Graça em Saré Ganá com os respectivos mobiliários, sem esquecer a "turpeça" do chefe.


4. Comentário de Armando Tavares da Silva:

Caro Cherno: sim, a cobertura ou cabeça da habitação em forma cónica é montada ao nível do solo à volta da estrutura circular de bambú que se vê na imagem do lado direito e onde estão encostados os dois rapazes [Foto nº 2].

As canas de bambú serão atadas no meio, mas penso que esta operação não será feita ao nível do chão, pois, de contrário os rapazes não chegariam ao topo onde as pontas das canas irão ser atadas.
Mas acrescenta que esta estrutura é ”levantada ou invertida”, fazendo crer que esta fase da construção pode ser realizada de 2 maneiras. Em qualquer caso isto obriga a levantar a estrutura alguns metros acima do solo, para se poder construir por baixo as paredes da habitação. E isto, como é que é feito? Não será preciso mais gente?

Agradeço estes esclarecimentos.


5. Resposta do Cherno Baldé:

Caro Armando,

Obrigado pelo interesse sobre o assunto.

O topo da cobertura das casas que estão a ver, estavam no chão e no centro da estrutura circular, mas invertidas e na posição contrária daquela que se ve nas imagens. Mais de metade desta cobertura em canas de bambu deve ser montada no chão, em posição invertida, antes de se colocar em cima da parede da casa. Para a colocar, o indivíduo que estava a montar e amarrar as canas  precisava do apoio de um número determinado de pessoas para colocá-la em cima da parede, dependendo do tamanho da casa em construção.

A fase seguinte consistia em meter mais canas de bambu, agora de baixo para cima e fechar todos os espaços vazios. É isto que o rapaz da primeira imagem { Foto nº 1] está a fazer, estando em cima da cobertura a fim de prender solidamente com as cordas de rafia fabricadas a partir de ramos de palmeiras.

Espero ter ajudado a compreender o procedimento,


 6. Nova pergunta Armando Tavares da Silva:

Caro Cherno:

Peço desculpa mas ainda não compreendi bem o procedimento. Invertidas significa que a parte de cima (ou de fóra)  é a que vai ficar da parte interior da habitação? O atar da extremidade das canas de bambú é feito quando estas se encontram ao nível do chão (no plano do chão)? Qual a utilidade da estrutura circular? Como é que ela é utilizada na momtagem das estruturas de cobertura? Eu pensava que esta estrutura servia para nela se encostarem as canas de bambú de modo a serem atadas no topo.

Abraço

7. Resposta  final do Cherno Baldé:

Caro amigo Armando,

Tenho umas fotos que vou tentar recuperar e enviar-te via  Blogue da Tabanca Grande, pois acho que não consegui explicar convenientemente, mas com a imagem será mais facil. Se quiseres, poderás indicar um contacto de e-mail para poder enviar-te directamente, caso consiga recuperar a tal imagem que tinha numa máquina fotográfica [, vd infografia acima]. (**)

Um abraço,
Cherno Balde

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Guiné 61/74 - P18366: Agenda cultural (631): Lisboa, Bairro Alto, Teatro do Bairro, hoje, 28, às 21h30: Lançamento do álbum de estreia do músico e compositor lourinhanhense Diogo Picão, "Cidade Saloia"



Cortesia da página oficial do Diogo Picão.


1. Álbum "Cidade Saloia":

"É o meu álbum de estreia.

"Gravado com músicos de várias nacionalidades residentes em Lisboa, este disco espelha o meu interesse por vários estilos musicais, e a influência das viagens na minha escrita, e na maneira de observar o mundo rural e citadino. É composto por doze canções autorais.

"O concerto de lançamento será no dia 28 de Fevereiro, às 21h30, no Teatro do Bairro com o apoio da Sociedade Portuguesa de Autores.

"Disponível nas plataformas digitais e em formato físico por encomenda no site."


2. Diogo Picão  tem página também no Facebook.

Apresenta-se de maneira bem humorada e originail:

(...) Nascido no oeste [, Lourinhã, distrito de Liosboa], apaixonado pelo sul, com a cabeça virada a norte. A leste mas orientado pela música. Canta, toca saxofone, e percute o que lhe aparecer à frente.
Chama-se Diogo Picão e gosta da canção mas nunca se nega a uma livre improvisação.

 (...) Influências: Cantautores Portugueses e Brasileiros, Música de Intervenção, Samba, Bossa Nova, MPB, Jazz, Blues, Salsa, Son Cubano, Música Clássica Indiana.

Press contact: Joana Garcia
email: joana@constroisons.com
telefone: +351 218 404 062
telemóvel: +351 961 357 906


3. Sinopse do espetáculo, hoje, no Teatro do Bairro [ Rua Luz Soriano, 63 (Bairro Alto),1200-246 Lisboa, Portugal]

Diogo Picão, um dos autores de canções mais promissores da sua geração, apresenta-nos agora o álbum de estreia Cidade Saloia.

Nascido na vila da Lourinhã, começou a aprender saxofone na Escola de Jazz de Torres Vedras, seguindo depois para a ESMAE, no Porto. Mais tarde viajou pela América Latina, território que influenciou fortemente as suas composições.

Filho de professora primária [, a trabalhar há muito em Macau], desde cedo se habituou a divertir com as palavras. O jogo completou-se quando as juntou à música. Em Lisboa, encontrou a sua mais recente morada, povoada de músicos em trânsito, com quem partilha e descobre afinidades musicais. 

Cidade Saloia é um disco que usufrui dessa família alargada. Composto por doze canções da sua autoria, todas em português excepto uma em espanhol, o disco conta com a participação do seu trio (Olmo Marín, Anders Perander e Matteo Bowinkelmann) e a de vários convidados incluindo Salvador Sobral, com quem partilha a interpretação da canção Sem Respostas.

Fonte: Bilheteira FNAC (com a devida vénia)


4. Comentário do editor:

O Diogo é meu conterrâneo e meu amigo. É filho e sobrinho de amigos meus, de uma grande família que deu combatentes para a(s) guerra(s) de África, pelo menos dois, das  minhas relações,  o tio paterno José F. Oliveira Picão (que esteve em Canquelifá, na Guiné, 1973/74) e o tio materno Jaime Bonifácio Marques da Silva, do BCP 21 (Angola, 1970/72), nosso grã-tabanqueiro.

É um jovem músico de grande talento, cantor, saxofonista, compositor, que merece o apoio da nossa Tabanca Grande. Eu vou lá estar esta noite do Teatro do Bairro, no Bairro Alto, a aplaudi-lo.

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de fevereiro de 2018 >  Guiné 61/74 - P18364: Agenda cultural (630): Seminário "Nos Mares da Memória", 4ª feira, dia 7 de março, às 15h00, em Paço de Arcos, Escola Superior Náutica Infante D. Henrique... Aberto a todos os que se interessam pela história dos portugueses nos mares da Terra Nova e da Gronelândia.

Guiné 61/74 - P18365: Historiografia da presença portuguesa em África (110): Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca em O Mundo Português, por Edmundo Correia Lopes (1) (Mário Beja Santos)




1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Há quem suponha que foi preciso esperar pela vida do Governador Sarmento Rodrigues e o seu colaborador Teixeira da Mota para que se tivessem encetado os estudos etnológicos, antropológicos e etnográficos. Se é verdade que é a partir deste período que ganham profundidade tais estudos, eles são anteriores.
Cientistas de renome como Bernatzik tinham publicado estudos como o da originalidade da cultura Bijagó e Bernatzik chegou mesmo a dizer, no início dos anos 30: "É um trágico destino, na Guiné Portuguesa, o de uma cultura africana que em nada lhe fica atrás dos outros famosos ramos oeste-africanos. Um feliz acaso permitiu que esse mundo brilhante ainda se nos patenteasse no momento, podia dizer, do seu ocaso".
E também se encontram em Boletins Oficiais do Governo da Guiné respostas a questionários de inquérito que eram pedidos aos administradores. Mereciam uma nova visita, é de elementar justiça. Reconheça-se que estes trabalhos de Edmundo Correia Lopes têm um sabor de novidade, põem mesmo em cheque os trabalhos de caráter racista que era frequentes em certas escolas antropológicas da época.

Um abraço do
Mário


Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca (1)

Beja Santos

Tem-se aqui repetidamente falado da publicação O Mundo Português, da Agência Geral das Colónias, apresentava-se como revista de cultura e propaganda, incluía discursos das figuras gradas do Estado Novo, artigos de divulgação histórica, pequenas reportagens e até ensaios. Figuras importantes do modernismo português como Stuart, Bernardo Marques e Diogo Macedo, emprestaram a sua colaboração ao nível gráfico. Entre Maio e Novembro de 1943 apareceu em O Mundo Português um conjunto de artigos sobre a etnia Manjaca assinados por Edmundo Correia Lopes. Encontramos no Google os seguintes elementos sobre o autor: Edmundo Correia Lopes (1898-1948), filólogo e etnógrafo, distinguiu-se como estudioso africanista, e desde cedo a cultura das colónias portuguesas despertou nele um profundo interesse. Formado em Letras, publicara já um repositório de música tradicional, fruto do seu apego à cultura popular, quando embarcou para o Brasil em 1927 e se fixou no Rio de Janeiro e em São Paulo, tendo percorrido Pernambuco, o Ceará e a Amazónia. Faleceu no arquipélago dos Bijagós, onde integrava uma missão etnográfica ao serviço do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa.

Vamos ressaltar alguns dos aspetos mais interessantes do seu trabalho.

O autor reconhece que não foi bem sucedido com o estudo da língua dos Bijagós, e aproveitando a vinda a Lisboa de um grupo de Manjacos, sentiu-se atraído pela sua cultura e civilização, e daí o punhado de notas etnográficas decorrentes da sua investigação. Oiçamo-lo: “Que eu não tenha podido encontrar uma linguagem dos Manjacos expressões próprias para designar Norte e Sul, que os Mandingas designam “lua à direita e lua à esquerda”, deve-se à perda de memória dos meus informadores ou corresponde a uma deficiência da cultura? Que “dívida” empregue, do mesmo modo, uma expressão da nossa língua, a ponto de que a forma de depoimento nos pleitos da espécie levados ao conselho dos anciãos seja A deberul (devem-lhe) é caso para meditar. As dívidas não foram um presente novo da civilização. Existiam antes de 1914 (o ano de Teixeira Pinto), ocasionando até essa data a escravização dos insolventes".

“Ajuramentar”, “poder”, “mandar”, “coblar injudi” (receber indemnização) são expressões a que é difícil encontrar o correspondente vernáculo na linguagem falada pelos Manjacos que vieram a Lisboa. Para o autor dá-se como comprovado que as respostas linguísticas só poderão ser encontradas no estudo do meio. E termina o seu primeiro texto dizendo que o declínio das culturas negras na Guiné Portuguesa envolve toda a etnografia da colónia portuguesa pelo que o seu trabalho procurará estudar a cultura dos Manjacos nas seguintes vertentes: língua; vida material; clã e família; folclore e vida espiritual.

Falando da língua, começa por observar:
“Embora os Manjaco sejam um grupo mais numeroso que os Papel, destes, por estarem em contacto há muito com os centros dos europeus (Bissau e Cacheu), proveio o primeiro conhecimento da língua e o seu batismo. Os Brame falam também um dialeto Papel. Tão irmãos de língua e de raça são os Manjaco dos Bayum que consideram, como dos Bahuula (Brame) que despreza; e eles próprios não reconhecem, segundo me parece, a designação de Manjaco na sua língua.
A língua Papel, hoje falada por mais de uma centena de milhares de nativos na nossa Guiné, pertence ao grupo atlântico ocidental, e cita vários cientistas para relevar que o Banhum, o Nalu, o Balanta, o Landumâ e o Bijagó estaria em oposição ao Felupe, ao Papel e ao Beafada". 
Volta a recordar que o seu contacto com a língua Bijagó tinha sido muito penoso e espraia-se em minudências filológicas, disserta sobre a identificação das vogais e das consoantes, prefixos de classe, conjugações, etc, e termina dizendo: 
“Posso ficar por aqui. Não procurarei fazer uma gramática, que muita incompleta e errada deveria ser. Para o fim a que estas notas se destinam, pode ser que elas sejam boas. Consola-me das dúvidas e possíveis erros os muitos dias de trabalho que poupei ao estudioso que queira voltar a atenção para uma língua cujo conhecimento, como o das outras da nossa colónia da Senegâmbia, se impõe já de há muito, como uma obrigação da cultura nacional. Por isso me apresso a publicar resultados obtidos mais pelo gosto da pesquisa e do exercício que obedecendo a qualquer outro propósito”.



O investigador é bastante mais acessível no texto que dedica à vida material. Começa por dizer que o prestígio da realeza Manjaca irradiou do regulado de Bassarel, aquele de cuja confirmação dependia a escolha de todos os outros régulos. Era também o único de cujo poder emanavam direitos de sucessão familiar. Era dado que o régulo de Bassarel era escolhido pelo irã. Falando da propriedade, diz-se que os Manjacos conhecem a propriedade coletiva e a propriedade individual da terra. O régulo não pode ser o dispensador da terra, senão em relação ao usufruto que tem dos bens da reinança. É uma espécie de arrendamento. Cultivam o arroz que com o azeite de palma é a base da economia dos Manjacos da Costa de Baixo. É trabalho dos homens lavrar a bolanha no princípio da estação das chuvas para a cultura do arroz, tocando às mulheres semear, o quintal é lavrado pelos homens onde semeiam mancarra, inhame, batata ou feijão. No registo que faz da habitação, cita Vítor Hugo de Menezes que fora administrador da antiga circunscrição civil da Costa de Baixo. Refere a casa coletiva dos solteiros, a existência no andar térreo de uma cozinha e de que existem casas de planta retangular comparáveis às habitações palafíticas dos Felupes, determinadas pela mesma razão geográfica dos nossos palheiros do litoral, podendo mesmo filiá-las na influência Felupe. Estas casas de planta retangular têm três compartimentos: o da frente é destinado a tudo quando não seja dormir ou não vá invadir a parte do fundo, onde ficam as divisões das camas; por baixo do teto, fica o celeiro onde são recolhidas as provisões. O teto apoia-se em estacas enterradas no solo. À direita da porta levanta-se do solo um pau pequeno para exibir em rude escultura a imagem de um antepassado.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18341: Historiografia da presença portuguesa em África (109): I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, São Tome e Principe, Angola), no vapor "Moçambique", de agosto a outubro de 1935... A iniciativa foi da revista "O Mundo Português", sendo o diretor cultural do cruzeiro o jovem Marcelo Caetano (1906-1980), então com 29 anos, e que só voltaria a estes territórios em abril de 1969, com 62 anos, mas já então na qualidade de chefe do governo

Guiné 61/74 - P18364: Agenda cultural (630): Seminário "Nos Mares da Memória", 4ª feira, dia 7 de março, às 15h00, em Paço de Arcos, Escola Superior Náutica Infante D. Henrique... Aberto a todos os que se interessam pela história dos portugueses nos mares da Terra Nova e da Gronelândia.





1. Convite para a participação no seminário "Nos Mares da Memória", 3ª edição, a realizar no próximo dia 7 de março, 4ª feira, às 15h00.

Local: Escola Superior Náutica Infante D. Henrique (ENIDH), em Paço de Arcos, 
Av. Engenheiro Bonneville Franco (9,39 km).

Programa: apresentação de 2 obras editadas pela Fundação Gil Eanes;:

(i) "Os navios da pesca à linha", do canadiano Jean Pierre Andrieux;

(ii) "Heróis que o tempo não  apaga - Um conto real de vida", do nosso amigo capitão Valdemar Aveiro;

e ainda a projeção do documentário “Nos Mares da Memória - estórias de uma faina maior...", um filme de Rui Bela, com guião de Senos da Fonseca,

Aberto a todos os que se interessam pela história dos portugueses nos mares da Terra Nova e da Gronelândia.

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Nota do editor:


Guiné 61/74 - P18363: Parabéns a você (1398): José Rodrigues, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1419 (Guiné, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18359: Parabéns a você (1397): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sapador Inf do BART 2917 e BENG 447 (Guiné, 1970/71)

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18362: Agenda cultural (629): Conferência Internacional "Amílcar Cabral: O 'Combatente Anónimo' pelos Direitos Fundamentais da Humanidade". Lisboa, 1, 2 e 3 de março de 2018, Universidade NOVA de Lisboa, Instituto de História Contemporânea, Av Berna, 26 C


Organização: Instituto de História Contemporânea (IHC) da Universidade NOVA de Lisboa,
e Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra.

 A conferência procura "promover o diálogo entre os estudos mais recentes que exploram as inúmeras facetas de Amílcar Cabral". Infelizmente não conseguimos apurar se o evento é aberto ao público não académico, se há inscrições prévias, como é nornal,  etc. Lamentavelmente, os académicos funcionam às vezes "em circuito fechado", falando apenas uns para os outros... 

Tentei, esta tarde, ligar, em vão, para o nº de telefone do IHC: Tel.: +351 21 7908300 ext. 1545 / Email: ihc@fcsh.unl.pt.

Aqui  fica o programa do evento que nos pediram para divulgar. Aqui fica também a página do Instituto de História Contemporânea.da NOVA .


Amílcar Cabral: O “Combatente Anónimo” pelos Direitos Fundamentais da Humanidade

Conferência Internacional
Lisboa, Portugal
Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa
Salas Multiusos 3 e 2, Edifício I&D, Piso 4
1, 2 e 3 de março de 2018

PROGRAMA

1 de março, 5* feira


9:00h-9:30h – Sessão de abertura

9:30h-10:15h – Conferência inaugural

Julião Soares Sousa – Universidade de Coimbra; Universidade Nova de Lisboa
Amílcar Cabral, a “Justum Bellum” e o Direito (Jus) dos Povos Oprimidos à Solidariedade e à Felicidade

10:15h-10:30h – Coffee break

10:30h-11:30h – Painel I

Helena Wakim Moreno – Universidade de São Paulo
Amílcar Cabral na Casa dos Estudantes do Império: Circulação de Ideias, Atividade Política e Produção Literária

Luciana Bastos – Universidade de Lisboa
Entre Vários Fogos: O Lugar da Ideologia Marxista no Discurso de Amílcar Cabral

11:30h-12:30h – Painel II

Aharon Grassi – University of California
Amílcar Cabral as an Early Engaged Political Ecologist: Relational Studies of Lusophone Land, Production and Capital Circulation, 1948-61

Maria-Benedita Basto – Institut des Mondes Africains
(Título a definir)

12:30h-14:00h – Almoço livre


14:00h-15:00h – Painel III


Suzana Martins – Universidade de Coimbra; Universidade Nova de Lisboa; Escola Superior de Educação de Lisboa
Amílcar Cabral e a Construção da Unidade Contra o Colonialismo Português


Artemisa Monteiro e Basualdo Gomes – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
Processo de Mobilização para Adesão à Luta Armada do PAIGC


15:00h-16:00h – Painel IV


Branwen Gruffydd Jones – Cardiff University
The Weapon of Culture: Anticolonial Thought and Practice from Paris and Dakar to Havana and Algiers

Vincenzo Russo – Universidade de Milão
“A Resistência Continua!”: Amílcar Cabral e o Terceiro-Mundismo da Esquerda Italiana

16:00h-16:15h – Coffee break

16:15h-17:00h – Conferência final

Mamadou Kabirou Gano – Université Cheikh Anta Diop
Amílcar Cabral, Anthropologue de la Tension

2 de março, 6ª feira


9:00h-9:45h – Conferência de abertura

Mustafah Dhada – California State University
Amílcar Cabral as an Object of Academic Studies

9:45h-11:10h – Painel V

Luís Carvalho – Universidade Nova de Lisboa
Sofia Pomba Guerra, Uma Mulher Portuguesa na Oposição ao Colonialismo e a Relação de Amílcar Cabral com o Movimento Operário Português

João Manuel Neves – Université Sorbonne Nouvelle-Paris 3
Amílcar Cabral, o Homem: Um Testemunho de Tomás Medeiros


José Augusto Pereira – Universidade Nova de Lisboa
Amílcar Cabral e a Luta de Libertação Nacional nas Ilhas de Cabo Verde na Encruzilhada da(s) Memória(s)

11:10h-11:30h – Coffee break

11:30h-12:50h – Painel VI


Frank Gerits – Utrecht University; University of the Free State 
Amílcar Cabral, the Diplomat and the PR Threat (1964-1974)

Marcos Cardão – Universidade de Lisboa
Amílcar Cabral, PAIGC e os Black Panthers. História de uma Ligação Imaginária

Leonor Pires Martins – Universidade Nova de Lisboa
As Pequenas Biografias de Cabral


12:50h-14:00h – Almoço livre

14:00h-15:20h – Painel VII

Renata Flavia da Silva – Universidade Federal Fluminense
De Nunga a Himba: A Propósito do Homem Novo

Erica Bispo – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro
Cabral Vive: A Permanência do Discurso de Amílcar Cabral na Literatura da Guiné-Bissau

Jusciele Oliveira – Universidade do Algarve
”Nossa Inspiração Deve Vir dos Aspectos Positivos da Nossa Sociedade”: Discurso e Memória de Amílcar Cabral nas Representações Cinematográficas de Flora Gomes

15:20h-16:00h – Conferência final
Natalia Telepneva – Warwick University
Amilcar Cabral and the Socialist Countries: New Findings

16:00h-16:15h – Coffee break


16:15h-17:00h – Filme
Apresentação: Rui Lopes – Universidade Nova de Lisboa
Labanta Negro (1966) – Pierro Nelli

3 de março, sábado


9:00h-9:45h – Conferência de abertura

Ângela Coutinho – Universidade Nova de Lisboa
Amílcar Cabral e a Participação de Mulheres no Movimento Independentista Liderado pelo PAIGC (1963-1973)

9:45h-10:45h – Painel VIII


Redy Lima – Universidade Nova de Lisboa; Universidade de Lisboa; Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais
“Street Soldjas”: Uma (Re)Leitura do Pensamento de Cabral a Partir das Narrativas dos Jovens em Situação de Marginalidade em Cabo Verde

Davidson Gomes e Paulino Canto – Universidade de Cabo Verde
O Legado de Amílcar Cabral Reproduzido em Jovens Líderes Comunitários Cabo-Verdianos


10:45h-11:00h – Coffee break

11:00h-12:20h – Painel IX

Adilson Barbosa A. Neto – Universidade de Cabo Verde
A Integração Económica dos Estados da África Ocidental na Perspetiva de Amílcar Cabral: O Exemplo da Unidade Guiné-Cabo Verde

Sílvia Roque – Universidade de Coimbra; ISCTE-Instituto Universtário de Lisboa
Amílcar Cabral: Memórias Transgeracionais

Paulo Cunha e Catarina Laranjeiro – Universidade de Coimbra
Amílcar Cabral: Representações, Imagem e Memória no Cinema


12:20h-14:00h – Almoço livre


14:00h-14:30h – Painel X


José Neves – Universidade Nova de Lisboa
Apresentação do Projecto “Amílcar Cabral, da História Política às Políticas da Memória”


14:30h-17:00h – Mesa Redonda: Fontes e Preservação da Memória de Amílcar Cabral

Moderador: António Leão Correia e Silva – Universidade de Cabo Verde
Pedro Verona Pires – Fundação Amílcar Cabral
Alfredo Caldeira
Centro de Investigação Para o Desenvolvimento Amílcar Cabral
Leopoldo Amado

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Nota do editor:

Último poste da série >  18 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18330: Agenda cultural (628): Apresentação do livro "Guiné-Bolama, História e Memórias", da autoria de Fernando Tabanez Ribeiro, dia 26 de Fevereiro de 2018, pelas 15 horas, no Salão Nobre do Palácio da Independência, Largo de São Domingos, 11 em Lisboa (António Estácio)

Guiné 61/74 - P18361: Blogpoesia (555): "Simplesmente um homem", por Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor do BCAÇ 3872



1. Em mensagem de 23 de Fevereiro de 2018, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos este poema.


SIMPLESMENTE UM HOMEM

Olhem para o Homem
Não um ser incorpóreo
Não transparente
Mas sem forma precisa
Universal!

Um misto de todos os homens
Passivo e contemplativo
Ora agressivo e destruidor
Insaciável e benemérito
Misto dos tempos que correm
Mistura de uma alma antiga

Receptáculo dos antepassados
Continuidade justificável do presente
Única garantia da sua ascendência
Esperança na descendência

Não apagou o seu percurso
Trilhou o caminho, caminhando
Escravizou e recusou ser escravo
Fecundou a Terra
Nela gerou a continuidade

Viveu nas trevas mas via
Encandeado pela luz, ficou cego
Não decifra o que ouve
Não vislumbra o que vê
Na idade da razão pensou ter certezas
Certezas e enganos iludiram-lhe as passadas

Tropeçou…
Levantou as mãos em busca da salvação
Ignorante, destruiu a paisagem
Quer o regresso da Natureza
Busca a salvação
Efémero
Nunca procurou a solução

Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18353: Blogpoesia (554): "Pedra Maria", "Feira das ideias...", e "Filho da natureza...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P18360: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XIX: Visita ao território, do Presidente da República Almirante Américo Tomás, com início em 2/2/1968 - II (e última) parte


Foto nº 12


Foto nº 13


Foto nº 14


Foto nº 15


Foto nº 16


Foto nº 17

Foto nª 18

Guiné > Bissau > 2 de fevereiro de 1968 > Início da visita do alm Améri o Tomás à Guiné, acompanhado da esposa, dona Gertrudes Rodrigues Tomás. e do ministro do ultramar. Silva Cinha.


Fotos: © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação da publicação de um seleção de fotos do  álbum do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), e que vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado. 

Virgílio Teixeira
II (e última) parte da visita presidencial à Guiné, iniciada em 2/2/1968, sendo governador e comandante chefe o gen Arnaldo Schulz (*)-

Esta visita presidencial teve uma extensa cobertura televisiva por parte da RTP. Ver aqui em RTP Arquivos a reportagem do dia 2/2/1968 (39' 49'').

Vd. também:


Guiné 61/74 - P18359: Parabéns a você (1397): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sapador Inf do BART 2917 e BENG 447 (Guiné, 1970/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18354: Parabéns a você (1396): João Carlos Silva, ex-1.º Cabo Especialista MMA da FAP (1979/82)

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18358: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XIX: Visita ao território, do Presidente da República Almirante Américo Tomás, com início em 2/2/1968 - Parte I


 Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8


Foto nº 9


 Foto nº 10


Foto nº 11

Guiné > Bissau > 2 de fevereiro de 1968 > Início da visita do alm Améri o Tomás à Guiné >

Fotos: © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I . Anotações e Introdução ao tema:

Este conjunto de fotos numeradas aleatoriamente, sem critérios de qualquer ordem dos acontecimentos, refere-se à visita de Estado do Presidente da República de Portugal, Almirante Américo de Deus Rodrigues Tomaz, realizada à Guiné, com início em Bissau, a 2 de fevereiro de  1968, ainda no tempo do Gen Arnaldo Schulz.

[Vd. RTP Arquivos > Vídeo (4'  27'') > 28 de janeiro de 1968 > Lisboa, Cais de Alcântara, Almirante Américo Tomás, Presidente da República, parte para visita oficial às províncias ultramarinas da Guiné e Cabo Verde, É acompanhado pela esposa Gertrudes Rodrigues Tomás. Manuel Gonçalves Cerejeira, Cardeal Patriarca de Lisboa, membros do Governo, António Oliveira Salazar, Presidente do Conselho e membros do Corpo Diplomático em Portugal, foram apresentar cumprimentos de despedida.]


II. Descrição:

Américo Tomaz chegou ao Porto de Bissau a bordo do navio Funchal, tendo sido recebido por uma enorme multidão da população civil, e representantes dos 3 ramos das Forças Armadas, com especial relevância para a Marinha e Fuzileiros, bem como a Polícia Civil, a Policia Militar, a Força Aérea, os Comandos e o Exército em geral, além das entidades oficiais da época, entre eles o General  Arnaldo Schulz, Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné.

Feita a recepção, a comitiva percorreu de automóvel em primeiro lugar a Estrada Marginal do Porto de Bissau, depois outras ruas mais importantes, como a Avenida da República que leva até ao Palácio do Governador. Ao longo de todo o percurso nas bermas da estrada e ruas encontrava-se grande número de pessoas guineenses apoiando com bandeiras, danças e outros roncos o Presidente de Portugal Almirante Américo Tomaz.

A população recebeu bem o nosso Presidente da República, demonstrado por vídeos e pelas fotos de arquivo do Arquivo Histórico Militar, e pelas minhas fotos pessoais de minha autoria.

Não estive em todo o lado porque não era possível, as dificuldades de passar barreiras eram enormes, não entrei no cemitério onde se realizou uma cerimónia, mas ainda assim pude fotografar a 2 metros o Almirante Américo Tomaz, e esposa Gertrudes, Spínola, Ministro do Ultramar e tantas outras individualidades, incluindo os seguranças da PIDE.

Como já disse antes, cada uma vale o que vale, são histórias e acontecimentos com meio século de idade...

Havia imensa gente civil e militar – apesar de ser dia de semana (sexta-feira).

Pude acompanhar a comitiva,  graças à minha motorizada, que tinha sempre em Bissau para as minhas longas deslocações, por isso as fotos cobrem o espaço todo das ruas de Bissau.

Encontrava-me em Bissau, a acabar e fechar as minhas contas para entregar na Chefia de Contabilidade, dando assim termo à minha função no Batalhão. Por isso tive a oportunidade de fazer esta reportagem, que julgo ser de algum interesse histórico.

As viaturas civis em que se deslocavam os membros da comitiva toda, e entidades oficiais, julgo que terão chegado de Portugal, pois nunca mais as vi, a não ser apenas neste dia, no dia 02-02-68.

À consideração dos visualizadores que podem fazer as críticas que entenderem, pois sei que se trata de matéria sensível, que pode não agradar a todos, mas é a nossa história, e a história daqueles militares que prestaram as honras militares ao Chefe do Estado Português.

Como há dois acontecimentos importantes e com o mesmo tipo de festas, paradas, carros, e toda essa panóplia de acontecimentos, podem as fotos da visita de Caetano e Tomaz serem muito parecidas e até poderá dar-se o caso de uma ou outra estarem trocadas, mas o efeito é o mesmo, ou quase. Não altera nada em termos históricos.

Virgílio Teixeira

Em, 15-02-2018

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».


III. Comentário do editor LG:

Tínhamos apenas, até agora, duas ou três referências ao almirante Américo Tomás, o último PR do Estado Novo. Chama-se a atenção para a excelente reportagem feita, por ocasião da visita à Guiné, por parte do nosso camarada Manuel Coelho. Na altura, escrevemos o seguinte:

(...) "Chegou a Bissau, no N/M Funchal e foi recebido, no Palácio do Governador e na Praça do Império, a "sala de visitas" da capital, com as honras que lhe eram devidas. O Manuel Coelho, misturado na multidão e no grupo dos fotojornalistas que fizeram a cobertura do evento, registou, para a posteridade, alguns aspetos da manifestação popular de boas vindas e de apoio. 

"Não faltaram os régulos, fardados a rigor, bem como grupos de músicos e dançarinos que mostravam a diversidade étnica da Guiné (mulheres fulas, homens balantas)... Naturalmente, que o regime da época quis tirar os dividendos políticos (e até diplomáticos) do sucesso desta visita, reafirmando o "patriotismo dos guinéus" e o repúdio pelo terrorismo do PAIGC. 

"A conjuntura político-militar era então delicada: Salazar ainda estaria no poder, até ao fatídico dia 3 de agosto de 1968, quando cairá da famigerada cadeira, no forte de Santo António, no Estoril, em período de férias. Portugal estava cada vez mais isolado no seio das Nações Unidas. E a herança (militar) de Schulz não era famosa. Seria substituída por Spínola, dentro de poucos meses." (...)
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Guiné 61/74 - P18357: Efemérides (269): 30 de julho de 1969, quando o famigerado comandante Mamadu Indjai (, um dos carrascos de Amílcar Cabral), quis pôr Candamã, a última das duas tabancas do regulado do Corubal, a ferro e fogo... Recordando um raro e precioso vídeo sobre uma tabanca fula em autodefesa, da autoria de Henrique Cardoso, ex-alf mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), que vive hoje na Senhora da Hora, Matosinhos


Vídeo (13' 55'') > You Tube / Luís Graça... Há um trecho sobre Candamã, a chegada do pelotão do alf mil Henrique Cardoso (na vésepra do ataque...) e o reforço do sistema de autodefesa da tabanca, a vida na  aldeia depois do ataque, o quotidiano da tropa e da população, as chuvas de agosto... (de 1' 11' a 7' 09''). (Ligar o som, o vídeo tem um fundo musical)


1. A CART 2339, Os Viriatos, foi uma subunidade que esteve na zona leste da Guiné, região de Bafatá, setor L1 (Bambadinca), ao tempo do BCAÇ 2852 (1968/70) e da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (1969/71), subunidade de intervenção ao serviço daquele batalhão.

Os Viriatos, unidade de quadrícula, construíram de raiz o aquartelamento de Mansambo, entre Bambadinca e o Xitole. E participaram em grandes operações como a Lança Afiada (Março de 1969). 

Esta sequência de cenas (a história da CART 2339, e em especial do pelotão do Henrique Cardoso) foi originalmente filmada em 8mm. O filme foi depois convertido para o formato digital. O vídeo é do ex-alf mil Henrique J. F. Cardoso  (que era o 2º comandante da CART 2339):  vive hoje em Custóias, Matosinhos, e gostaríamos muito que se juntasse à nossa Tabanca Grande. Reforço aqui o convite que já lhe fiz em 2012.

Uma cópia do vídeo foi gentilmente cedida pelo seu camarada Torcato Mendonça para divulgação no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Mais uma vez, fica aqui o nosso reconhecimento ao autor (e ao seu camarada e nosso colaborador permanente Torcato Mendonça).

Trata-se de um documento, raro e precioso, sobre o quotidiano de uma unidade de quadrícula no TO da Guiné. O vídeo está dividido em duas partes (*), com a duração de cerca de 50 minutos, abarcando toda a comissão da CART 2339 no CTIG. O nosso leitor tem aqui a Parte I (35´33'').

Na Parte II (13' 44'') interessa-nos sobretudo destacar  a  estadia do pelotão do Henrique Cardoso em Candamã, em uljho e agosto de 1969, resumida em cerca de 6 minutos.

Diz-me agora o Henrique Cardoso que as NT esgotaram as munições na resposta ao ataque de 30/7/1969,  a sorte foi o clarear do dia e a retirada da força atacantes com os seus mortos e feridos. No vídeo, mostram-se alguns sinais do ataque (incluindo cápsulas de munições espalhadas pelo chão e algumas granadas por utilizar). É na sequência deste  ataque que é feita a reparação do arame farpado, que já existia. Como s rádios não funcionaram, não foi possível pedir o apoio da artilharia de Mansambo (obus 10.5). O Henrique Cardoso lembra-se ainda de lá estar vários a comer conversas de cavala, que era os únicos mantimentos que possuíam.


 2. O nosso camarada Luís Branquinho Crespo, presidente da ONGD Resgatar Sorrisos, quer erguer   uma escola em Candamã (**).

Este topónimo obrigou-me logo a relembrar factos passados, há quase 50 anos, no TO da Guiné, que ainda estão bem presentes na minha memória, associados às primeiras idas para o mato e ao contacto com a brutalidade da guerra, logo nos primeiros dias da minha chegada a Bambadinca, em julho de 1969.

Candamã, tabanca fula em autodefesa do regulado do Corubal, é atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer do 30 de julho desse ano. Esse brutal ataque (o PAIGC utilizou dois bigrupos, reforçados, e armamento pesado) surgiu na sequência do recrudescimento da actividade IN no tradicional triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, após a Op Lança Afiada (8 a 18 de março de 1969).

Não resisto a "repescar" o vídeo,  já aqui publicado, do Henrique Cardoso (*), que, segundo informação que ele me transmitiu ao telefone, tinha acabado de chegar de véspera, a Candamã. Um dos objetivos do pelotão era, para além do reforço do sistema de autodefesa, construir mais uns abrigos para a população.

Constato, pela história do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), que já em dezembro de 1968, Candamã, no subsetor de Mansambo, tinha um pelotão destacado, pertencente à CCAÇ 2401, pelo menos até março de 1969 (***).

A partir de junho, a CART 2339 destaca um pelotão para Candamã (duas secções) e Afiá (uma secção). O vídeo do Henrique do Cardoso não é de junho, como eu pensava,mas sim de julho e agosto..

A partir de 18 de julho, a minha CCAÇ 2590/CCAÇ 12, entra em cena, como subunidade de intervenção no subsetor L1 (e outros), tendo logo o seu batismo de fogo em 24 desse mês (em Madina Xaquili)... Foi um mês alucinante, o de julho de 1969, para as NT e as populações sobre a nossa proteção no setor L1,

Recordo-me de ter chegada a Candamã, nessa madrugada de 30 de julho de 1969, vindo de Afiá (op Guita), quando as  armas dos defensores da tabanca ainda fumegavam... (****).

A tabanca em audodefesa de Candamã (, já no limite leste da ZA da unidade de quadrícula de Mansambo, entre Mansambo e Galomaro,)  tinha acabado de conhecer o inferno: às 3h40, um numeroso grupo IN (80 a 100 elementos) ataca a tabanca, até de madrugada, durante 2 horas e 20 minutos, utilizando 2 Canhões s/r, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora Pesada, Pistolas-Metralhadoras e Granadas de Mão Defensivas.

O ataque  causou 5 feridos às NT (dos quais 1 grave) e 2 mortos, 3 feridos graves e vários ligeiros à população civil, além da destruição de moranças e outros bens da população. O arame farpado foi cortado em vários pontos.

Valeu o comportamento heróico da população da tabanca e dos homens de Mansambo  (o 1º Gr Comb da CART 2339, comandado pelo alf mil Henrique Cardoso) - menos de um pelotão (já que uma secção estava na vizinha Afiá)!... Homens, que eu conheci e abracei, nessa mesma madrugada, quando a aldeia ainda fumegava, na sequência de incêndio de várias moranças.

Saberíamos mais tarde que: (i) as forças do PAIGC eram comandadas pelo tristemente célebre  Mamadu Indjai (*****); e (ii) tiveram 2 mortos e 6 feridos (relatório apreendido na Op Nada Consta).




Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > CART 2339 (1968/69) > Reconstrução de moranças, presumivelmente em Candamã, depois do ataque de 30/7/1969. Fotogramas de "slides", do Henrique Cardoso, retiradas, com a devida cortesia,  do seu vídeo, disponível aqui, no You Tube / Henrique Cardoso.

Fotos: © Henrique Cardoso (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


6 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10124: Vídeos da guerra (9): Vida e obra dos Viriatos - CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69) (Parte I) (Henrique Cardoso)

(**) Vd. poste de  24 de fevereiro de  2018 > Guiné 61/74 - P18351: Ser solidário (210): A ONGD Resgatar Sorrisos apresenta-se à Tabanca Grande e agradece desde já quaisquer apoios para poder construir a escola de Candamã (, no antigo subsetor de Masambo) (Luís Granquinho Crespo)

(***) Vd.  poste de  22 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13431: Memória dos lugares (271): Candamã, 19-9-69... Subsetor de Mansambo, setor L1 (Bambadinca): por lá passaram a CART 2339, a CCAÇ 2404, a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, etc.

(****) Último poste da série > 24 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18248: Efemérides (268): Faz 51 anos que chegámos a Bissau, no T/T Uíge, partindo depois numa LDM e num Batelão BM-1 para Gadamael (Mário Gaspar, ex-fur mil, CART 1659, Gadamael, 1967/68) - Parte II

(*****) Vd. poste de 4 de setembro de 2016 >  Guiné 63/74 - P16444: Manuscrito(s) (Luís Graça) (95): Por aqui passou Mamadu Indjai, o terrível

(...) Saberei apenas,
muito anos depois,
que, julgado e condenado em Conacri,
fuzilaram o Mamadu Indjai,
no Boé,
que diziam ser região libertada da Guiné…

O mesmo Mamadu Indjai,
acrescente-se,
fero e bravo comandante,
que ferimos gravemente
no decurso da operação Nada Consta,
o mesmo Mamadu Indjai,
que, três anos e meio depois,
chefe das "secretas",
será o Judas de Amílcar Cabral. (...)


Vd. também poste de 7 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6686: A minha CCAÇ 12 (5): Baptismo de fogo em farda nº 3, em Madina Xaquili, e os primeiros feridos graves: Sori Jau, Braima Bá, Uri Baldé... (Julho de 1969) (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P18356: Notas de leitura (1044): “Paralelo 75 ou O segredo de um coração traído”, por Jorge Araújo e Pedro Sousa Pereira; Oficina do Livro, 2006 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
Em 1984, mestre Eduardo Lourenço sublinhava o silêncio que parecia ter-se abatido sobre a experiência da descolonização, parecia sintomático de um desinteresse pelo fenómeno do colonialismo português, escrevia-se pouco sobre tudo o drama africano.
Em rigor, as coisas não se passavam assim. Por um lado, aflorava uma literatura da guerra e impunham-se nomes; mas a chamada literatura dos regressos, pujante de melancolia, de crítica virulenta à descolonização e memórias em conflito emergia nessa década e nunca mais parou. O livro "Paralelo 75" é uma bela metáfora de um retornado que irá regressar a África, é uma tessitura lírica muito arriscada, já que os autores primam pela absoluta e despretensiosa simplicidade.
É nesse retorno e nesse regresso que os autores abrem espaço para uma história muitíssimo bem contada da reconciliação com a vida.

Um abraço do
Mário


Paralelo 75 ou o segredo de um coração traído

Beja Santos

Jorge Araújo e Pedro Sousa Pereira venceram em 2003 o Prémio Literatura Gulbenkian com o livro Comandante Hussi, uma história enternecida de um jovem durante o conflito político-militar de 1998-1999, na Guiné-Bissau, um jovem herói que não esquecia os ferros da sua bicicleta, algures em perigo. “Paralelo 75 ou O segredo de um coração traído”, Oficina do Livro, 2006, marca o regresso desta dupla, desta feita uma história quase mágica de um colono regressado em 1975 e que 30 anos depois se põe a caminho da sua fazenda onde o espera a definitiva reconciliação com um amor traído. A memória da descolonização perfila-se com um género literário estuante, é uma literatura de regressos atravessada por nostalgia, traumatismos que ainda não sararam, testemunhos da derrocada imperial e até representações que podem albergar ressentimentos, ilusões e mistificações. Há os profundamente ressentidos, aqueles que escrevem memórias coloniais para dizer que queimaram, sabotaram e destruíram o que não puderam trazer, trata-se de uma raiva que não se apagou; há aqueles que reelaboram cenários políticos-ideológicos para justificar que houve traição e abandono; há aqueles que recordam o que era a vida das fazendas em África, o que era o doce viver naqueles anos 1950, 1960 e 1970 e que foram brutalmente interrompidos, e daí uma incompreensão tão amarga; há também quem testemunhe nas suas memórias coloniais o que era o racismo, a relação do colono com o colonizado, do colono com a família, do retornado com a metrópole. Como escreve Mário Machaqueiro em “O Adeus ao Império”, Nova Vega, 2015, a propósito das memórias em conflito: “A recente erupção editorial de memórias de África corresponde ao retorno do recalcado na nossa sociedade: o reenvio à presença, esquecida mas não dissolvida, dos ‘retornados’, simultaneamente emissores e recetores deste género de literatura memorialística”.
Relatos sob o trauma da pedra, associados à descolonização, uma onda revivalista que está longe de se esgotar.

Que trama urdem os autores de Paralelo 75? A um fazendeiro de café, retornado em 1975, é diagnosticado que tem um cancro, é o arranque do livro em grande estilo: “Um belo dia, assim, sem mais nem porquê, recebeu a notícia. Recebeu a notícia que ninguém quer receber. Sentiu o chão esconder por baixo dos pés, ficou soterrado pela revolta, esmagado pela angústia. Foi como se tivesse levado um soco no estômago, tão violento, que o deixou com as costas a arder. E caiu redondo na sua insignificância”.
O senhor engenheiro vive numa pensão na Praça da Alegria e o pouco que vai mudando ao longo das décadas foi a televisão que passou de preto e branco a cores. A notícia do médico é coincidente de um sofrimento físico incontornável, são vómitos em ondas sucessivas, acaba por se alimentar de iogurtes. Informa o médico que vai regressar a África, este repreende-o, é uma rematada loucura, fica exposto a várias doenças agora que o seu organismo está irremediavelmente débil. Mas o senhor engenheiro tomara uma decisão inabalável. Escreve então ao filho, Carlos, com quem cortou relações há 30 anos e anuncia-lhe o regresso. Carlos fica atónito quando lê que o pai pretende regressar às Terras do Mundo Perdido. De um reencontro difícil, as penosas circunstâncias da saúde do senhor engenheiro leva a que se reinstale a solicitude e o carinho. Lá vão, em viagem arriscada até à Fazenda das Terras do Mundo Perdido, está tudo num escombro, é então que aparece um leal colaborador do senhor engenheiro, o capataz Orelhas, “um tronco de ébano, fino mais possante, olhar felino em pose de aristocrata, cabelos cor de cinza, rosto enrugado mas rosado”, lá vão de carroça até à casa de caça de fazenda, deteriorada mas com o conforto necessário. Os revolucionários há muito que partiram, os cafezeiros morreram uns atrás dos outros. E ficou o agoiro de que aquela terra estava assombrada. Assistimos ao entretecimento da relação entre estes três homens e é nesta atmosfera que vamos conhecer a história da mulher do senhor engenheiro que abandonou a família devido a uma paixão por um norte-americano, um engenheiro de minas. É naquela casa de caça que além de recordações se alberga o segredo de um coração traído que nos vai ser desvelado, ponto por ponto. A saúde o fazendeiro deteriora-se, há um médico cubano que lhe procura mitigar as dores. Com o desenlace fatal, Carlos abre um baú que encerra o grande mistério da vida do senhor engenheiro. “Carlos compreendeu tudo. O amor, a mágoa, a dor do velho. Perdoou tudo. A indiferença, o rancor, o desejo de vingança do velho. O senhor engenheiro não tinha morrido ontem mas no dia em que a mulher fugiu com o cowboy americano. Não morreu, deixou-se morrer. Aquele amor era um eucalipto, nada nem ninguém podia sobreviver à sua volta. Nem mesmo as raízes que unem um pai e um filho”.

Jorge Araújo e Pedro Sousa Pereira abrem um veio nesta literatura memorialista de retornos e regressos, de paixões em lugares de conflito que deixaram memórias indeléveis. Assumem um estilo de grande risco, numa escrita de uma hábil simplicidade roçam o fácil, e conseguem ganhar sempre mantendo o leitor fixado na obstinação do senhor engenheiro que regressa à sua fazenda em África para regularizar uma estranhíssima contabilidade que decorria de um coração traído e até de um filho rejeitado. Porque é simples o modo da sua fábrica de escrita e sempre galvanizante, basta este exemplo: “Chorou naquele dia e nos dias seguintes. Chorou nos dias dos anos seguintes sempre que se lembrava daquele dia. Mesmo assim, não queria apagar aquela imagem do pensamento. Era a dose de ódio que lhe permitia continuar a caminhar, a injeção de rancor que lhe dava energia, a lufada de ressentimento que alimentava a ilusão.
A ilusão de que, um dia, ela regressaria, arrependida, e ele a faria pagar pelo dia, os dias de todos os anos, em que sofreu por ela”.

Bela metáfora nesta história bem contada, a reconciliação com a vida, tendo como pretexto e pano de fundo um retorno e um regresso.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18344: Notas de leitura (1043): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (23) (Mário Beja Santos)