quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18365: Historiografia da presença portuguesa em África (110): Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca em O Mundo Português, por Edmundo Correia Lopes (1) (Mário Beja Santos)




1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Há quem suponha que foi preciso esperar pela vida do Governador Sarmento Rodrigues e o seu colaborador Teixeira da Mota para que se tivessem encetado os estudos etnológicos, antropológicos e etnográficos. Se é verdade que é a partir deste período que ganham profundidade tais estudos, eles são anteriores.
Cientistas de renome como Bernatzik tinham publicado estudos como o da originalidade da cultura Bijagó e Bernatzik chegou mesmo a dizer, no início dos anos 30: "É um trágico destino, na Guiné Portuguesa, o de uma cultura africana que em nada lhe fica atrás dos outros famosos ramos oeste-africanos. Um feliz acaso permitiu que esse mundo brilhante ainda se nos patenteasse no momento, podia dizer, do seu ocaso".
E também se encontram em Boletins Oficiais do Governo da Guiné respostas a questionários de inquérito que eram pedidos aos administradores. Mereciam uma nova visita, é de elementar justiça. Reconheça-se que estes trabalhos de Edmundo Correia Lopes têm um sabor de novidade, põem mesmo em cheque os trabalhos de caráter racista que era frequentes em certas escolas antropológicas da época.

Um abraço do
Mário


Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca (1)

Beja Santos

Tem-se aqui repetidamente falado da publicação O Mundo Português, da Agência Geral das Colónias, apresentava-se como revista de cultura e propaganda, incluía discursos das figuras gradas do Estado Novo, artigos de divulgação histórica, pequenas reportagens e até ensaios. Figuras importantes do modernismo português como Stuart, Bernardo Marques e Diogo Macedo, emprestaram a sua colaboração ao nível gráfico. Entre Maio e Novembro de 1943 apareceu em O Mundo Português um conjunto de artigos sobre a etnia Manjaca assinados por Edmundo Correia Lopes. Encontramos no Google os seguintes elementos sobre o autor: Edmundo Correia Lopes (1898-1948), filólogo e etnógrafo, distinguiu-se como estudioso africanista, e desde cedo a cultura das colónias portuguesas despertou nele um profundo interesse. Formado em Letras, publicara já um repositório de música tradicional, fruto do seu apego à cultura popular, quando embarcou para o Brasil em 1927 e se fixou no Rio de Janeiro e em São Paulo, tendo percorrido Pernambuco, o Ceará e a Amazónia. Faleceu no arquipélago dos Bijagós, onde integrava uma missão etnográfica ao serviço do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa.

Vamos ressaltar alguns dos aspetos mais interessantes do seu trabalho.

O autor reconhece que não foi bem sucedido com o estudo da língua dos Bijagós, e aproveitando a vinda a Lisboa de um grupo de Manjacos, sentiu-se atraído pela sua cultura e civilização, e daí o punhado de notas etnográficas decorrentes da sua investigação. Oiçamo-lo: “Que eu não tenha podido encontrar uma linguagem dos Manjacos expressões próprias para designar Norte e Sul, que os Mandingas designam “lua à direita e lua à esquerda”, deve-se à perda de memória dos meus informadores ou corresponde a uma deficiência da cultura? Que “dívida” empregue, do mesmo modo, uma expressão da nossa língua, a ponto de que a forma de depoimento nos pleitos da espécie levados ao conselho dos anciãos seja A deberul (devem-lhe) é caso para meditar. As dívidas não foram um presente novo da civilização. Existiam antes de 1914 (o ano de Teixeira Pinto), ocasionando até essa data a escravização dos insolventes".

“Ajuramentar”, “poder”, “mandar”, “coblar injudi” (receber indemnização) são expressões a que é difícil encontrar o correspondente vernáculo na linguagem falada pelos Manjacos que vieram a Lisboa. Para o autor dá-se como comprovado que as respostas linguísticas só poderão ser encontradas no estudo do meio. E termina o seu primeiro texto dizendo que o declínio das culturas negras na Guiné Portuguesa envolve toda a etnografia da colónia portuguesa pelo que o seu trabalho procurará estudar a cultura dos Manjacos nas seguintes vertentes: língua; vida material; clã e família; folclore e vida espiritual.

Falando da língua, começa por observar:
“Embora os Manjaco sejam um grupo mais numeroso que os Papel, destes, por estarem em contacto há muito com os centros dos europeus (Bissau e Cacheu), proveio o primeiro conhecimento da língua e o seu batismo. Os Brame falam também um dialeto Papel. Tão irmãos de língua e de raça são os Manjaco dos Bayum que consideram, como dos Bahuula (Brame) que despreza; e eles próprios não reconhecem, segundo me parece, a designação de Manjaco na sua língua.
A língua Papel, hoje falada por mais de uma centena de milhares de nativos na nossa Guiné, pertence ao grupo atlântico ocidental, e cita vários cientistas para relevar que o Banhum, o Nalu, o Balanta, o Landumâ e o Bijagó estaria em oposição ao Felupe, ao Papel e ao Beafada". 
Volta a recordar que o seu contacto com a língua Bijagó tinha sido muito penoso e espraia-se em minudências filológicas, disserta sobre a identificação das vogais e das consoantes, prefixos de classe, conjugações, etc, e termina dizendo: 
“Posso ficar por aqui. Não procurarei fazer uma gramática, que muita incompleta e errada deveria ser. Para o fim a que estas notas se destinam, pode ser que elas sejam boas. Consola-me das dúvidas e possíveis erros os muitos dias de trabalho que poupei ao estudioso que queira voltar a atenção para uma língua cujo conhecimento, como o das outras da nossa colónia da Senegâmbia, se impõe já de há muito, como uma obrigação da cultura nacional. Por isso me apresso a publicar resultados obtidos mais pelo gosto da pesquisa e do exercício que obedecendo a qualquer outro propósito”.



O investigador é bastante mais acessível no texto que dedica à vida material. Começa por dizer que o prestígio da realeza Manjaca irradiou do regulado de Bassarel, aquele de cuja confirmação dependia a escolha de todos os outros régulos. Era também o único de cujo poder emanavam direitos de sucessão familiar. Era dado que o régulo de Bassarel era escolhido pelo irã. Falando da propriedade, diz-se que os Manjacos conhecem a propriedade coletiva e a propriedade individual da terra. O régulo não pode ser o dispensador da terra, senão em relação ao usufruto que tem dos bens da reinança. É uma espécie de arrendamento. Cultivam o arroz que com o azeite de palma é a base da economia dos Manjacos da Costa de Baixo. É trabalho dos homens lavrar a bolanha no princípio da estação das chuvas para a cultura do arroz, tocando às mulheres semear, o quintal é lavrado pelos homens onde semeiam mancarra, inhame, batata ou feijão. No registo que faz da habitação, cita Vítor Hugo de Menezes que fora administrador da antiga circunscrição civil da Costa de Baixo. Refere a casa coletiva dos solteiros, a existência no andar térreo de uma cozinha e de que existem casas de planta retangular comparáveis às habitações palafíticas dos Felupes, determinadas pela mesma razão geográfica dos nossos palheiros do litoral, podendo mesmo filiá-las na influência Felupe. Estas casas de planta retangular têm três compartimentos: o da frente é destinado a tudo quando não seja dormir ou não vá invadir a parte do fundo, onde ficam as divisões das camas; por baixo do teto, fica o celeiro onde são recolhidas as provisões. O teto apoia-se em estacas enterradas no solo. À direita da porta levanta-se do solo um pau pequeno para exibir em rude escultura a imagem de um antepassado.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18341: Historiografia da presença portuguesa em África (109): I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, São Tome e Principe, Angola), no vapor "Moçambique", de agosto a outubro de 1935... A iniciativa foi da revista "O Mundo Português", sendo o diretor cultural do cruzeiro o jovem Marcelo Caetano (1906-1980), então com 29 anos, e que só voltaria a estes territórios em abril de 1969, com 62 anos, mas já então na qualidade de chefe do governo

1 comentário:

Anónimo disse...

Cherno Baldé
28 de fevereiro de 2018, 13:57

Caros amigos,

Este trabalho de Edmundo Correia Lopes vem mesmo a proposito para revelar a leveza e o abuso da linguagem de certas pessoas quando se referem a outras culturas que nao a sua, com crivos de altivez sem igual. Comparem o primeiro excerto do investigador com o segundo de Jose Claudino da Silva que ele faz questao de nao mudar nada das suas anotacoes dos anos 70. Um observador distante, eivado de desprezo e de etnocentrismo que so a sua ignorancia ou, como ele proprio diz, a “estupidez” de um Periquito no mato podia explicar, inserido no P18338, com o titulo: Ramadao....Ou um “Estupido” na guerra.

O estúpido ignorante e imbecil 1º cabo 158532/71 de 22 anos, escreve em 8/11/1972 :

“…. Elas é que trabalham e eles só comem e dormem pois cada um tem quatro ou cinco mulheres e eles não trabalham precisamente porque em cada noite dormem com uma diferente e precisam de ter forças para… Parece que não é preciso explicar melhor…”

O investigador Edmundo Correia Lopes, ja explicava num estudo publicado em 1943:

“ (…) Cultivam o arroz que com o azeite de palma é a base da economia dos Manjacos da Costa de Baixo. É trabalho dos homens lavrar à bolanha no princípio da estação das chuvas para a cultura do arroz, tocando às mulheres semear, o quintal é lavrado pelos homens onde semeiam mancarra, inhame, batata ou feijão. »

Esta situacao ou se quiserem esta divisao de trabalho entre homens e mulheres, em todos os grupos etnicos, é quase a mesma na Guine-Bissau, com ligeiras variacoes e foi assim desde sempre, mas ha quem queira sempre demonstrar que, primeiro o homem africano é ocioso e depois, quem trabalha sao as mulheres e nao os homens. Nao se sabe bem em nome de quê e em nome de quem sao proferidas estas barbaridades que de resto sao comparáveis aquelas que pretendem que na Europa ha os que, de facto trabalham e criam riqueza (os de Norte) e os outros (de Sul) que nao fazem puto ou melhor, passam o tempo na bebida e com as mulheres. Simplesmente estupido.

Com um abraco amigo,

Cherno Balde