Foto nº 1 > No rescaldo do ataque a Candamã, na madrugada de 30/7/1969: granadas de canhão s/r, e de RGG, 1 granada de mão, munições, restos de fardamento, etc,
Foto n.º 2 > Em Mansambo, o Henrique Cardoso, alf mil, cmdt do 1.º Gr Comb, 2.ª cmdt da CART 2339 (1968/69)
Foto nº 3 > A tabanca de Candamã, transformada em "alvo militar" pelo Mamadu Injdai...
Fotos: © Henrique Cardoso (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Em todas as guerras as grandes vítimas são sempre as criança, as mulheres e os velhos que não podem pegar em armas... E logo seguir os combatentes, os que pegam as armas, convencidos de que lutam por uma causa justa ("justum bellum")... E depois ainda os combatentes que lutam contra a sua própria guerra, os combatentes sem causa, arrebanhados para a guerra, como eu e tantos outros, de um lado e do outro... Quantos dos que morreram nas guerras, sabiam por que lutavam e podiam morrer?
Este foi "o meu querido mês de julho de 1969" em que tive o primeiro contacto, brutal, com a guerra e as suas insanáveis contradições... Foi aqui que comecei a perceber que não se pode fazer uma guerra sem tomar partido e sem odiar... É preciso "objetivar" o outro, o "inimigo"... Não há guerras justas, muito menos sem ódio... O resto é ideologia...
Amílcar Cabral falava, não poucas vezes, dos "cães dos colonialistas"... Amílcar Cabral usou, não poucas vezes, esta expressão racista, referindo-se aos guineenses que não tomaram partido pela sua causa, o seu partido... (É verdade que ele sabia fazer a distinção entre os portugueses e o "regime colonialista" português; mas também é verdade que, não poucas vezes, se referia a nós, "tugas", em sentido depreciativo, se não mesmo racista...).
Para os comandantes e demais combatentes do PAIGC, seguindo esta ordem de pensamento (único), o termo "cães dos colonialistas" tinham um sentido explicitamente racista e um alvo concreto: os fulas, os manjacos e outros grupos étnicos, menos permeáveis ao apelo da "guerra de libertação", da "justum bellum"...
O comandante biafada (ou mandinga, não sabemos ao certo...) Mamadu Indjai levava a peito a "justum bellum": um "cão" dos colonialistas bom, era um "cão" morto... Infelizmente, alguns dos meus soldados fulas também partilhavam a teoria inversa: um balanta bom era um balanta morto... Cada um tinha a sua "justum bellum" e os seus ódios de estimação...
O meu papel, como graduado da CCAÇ 12, na minha esfera de ação muito limitada, foi impedir que, em situações-limite, os meus "mamadu indjai" fulas, fardados com a farda do exército do meu país, levassem a teoria à prática... O verdadeiro Mamdu Indjai, biafada ou mandinga, comandante do PAIGC; esse, nunca se coibiu de praticar a teoria...
Dizem os cronistas que terá sido ferido três vezes em combate. À quarta, sucumbiu sob o pelotão de fuzilamento dos triunfadores da "justum bellum"... Mas Amílcar Cabral já não estava lá para ver... Já estava no olimpo dos deuses e dos heróis... A história (ou uma certa historiografia...) encarregou-se de o 'santificar'... Em boa verdade, ele teve, apesar de tudo, a sorte dos criadores que não sobrevivem às suas criaturas...
2. Confirmei a sequência dos acontecimentos na história do BCAÇ 2852 (1968/70), Cap. II, pag. 90, bem como na história da minha CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71).
As coisas andavam "feias e bravas" lá para aqueles lados dos regulados a norte do Corubal, depois da retirada de Madina do Boé em 6/2/1969... O "chão fula" ficou desguarnecido a sul e sudeste, incluindo o setor de Galomaro (vd. carta de Duas Fontes ou Bangácia, nome do sede do posto administrativo que, com a guerra, terá perdido importância, em detrimento de Galomaro):
Na madrugada de 30 de Julho de 1969, eu estava em Candamã, ainda as armas dos defensores da tabanca fumegavam ... O espetáculo dessa madrugada ficou-me na memória e inspirou-me um poema que vou sucessivamente revendo...
Eis o filme desse mês (só registo a actividade da guerrilha que, haveríamos de saber mais tarde, era comandada pelo Mamadu Indjai, na zona de acção da CART 2339, Mansambo, 1968/69):
(1) No dia 1 de julho, às 20h00, um Grupo IN, estimado em 30 elementos, flagelou à distância o destacamento de Dulombi, a sudeste de Galomaro / Duas Fontes... durante duas horas (!). Os camaradas do PAIGC utilizaram Mort 60, LGFog, Metralhadoras Ligeiras e armas automáticas. Causaram 1 morto e 7 feridos, todos civis. Retiraram na direcção Norte...
(2) Em 10, um outro grupo IN, em número não estimado, emboscou um grupo de 4 civis de Dulombi, a partir de uma árvore, em Paiai Numba [, a sul de Padada, vd. carta da Padada]. Só dois dos civis conseguiram regressar a Dulombi, para contar o sucedido...
(3) Quatro dias depois, a 14, por volta das 16h05, um bigrupo (equivalente a um Gr Comb nosso, reforçado, c. 40 homens) - que presumivelmente se dirigia a Dulombi - reagiu a uma emboscada nossa em (PADADA 2E4), com Mort 60, LGFog e armas automáticas durante cerca de 35 minutos... Antes de retirar para Sudoeste, o IN causa às NT 1 morto, 2 feridos graves (1 civil), 3 feridos ligeiros, além de danos materiais num rádio CHP (de mal o menos)...
(4) No dia seguinte, às 20h00, um grupo IN (estimado em cerca de 40 elementos) atacou as tabancas de Cansamba e Madina Alage, durante 60 minutos, com Mort 60, LFog e armas automáticas mas, desta vez, felizmente, sem consequências... O IN retirou na direcção da tabanca de Samba Arabe, levando consigo um elemento da população...
(5) A 20, pelas 20h00, tocou de novo a vez à tabanca de Cansamba, flagelada por um grupo de 30 guerrilheiros, durante 20 minutos, sem consequências... Retirou na mesma direcção (Samba Arabe)...
(6)A 24, às 00h45, é atacado o destacamento de Dulombi, da direcção SSW. O IN, estimado em 60 elementos, utiliza LGFog e armas automáticas.
(7) Nesse mesmo dia, às 17h20, o aquartelamento de Mansambo é flagelado, a grande distância, com Mort 82, a partir da direcção sudoeste. Sem consequências. Na outra ponta do Sector L1, o Xime é flagelado, às 19h45 por canhão s/r.
(8) Meia hora depois, a sul de Madina Xaquili, a cerca de 1 Km, um grupo IN não estimado reagiu a forças da CCAÇ 2445, causando 6 feridos ligeiros, entre os quais 2 milícias. Simultaneamente, este destacamento é flagelado à distância, com Mort 60 e LGFog. Há apenas danos numa viatura GMC. O IN retira na direcção de Padada. Três Grupos de Combate da CCAÇ 12 (na altura, ainda CCAÇ 2590) tiveram aqui, nesse dia, o seu baptismo de fogo... em farda nº 3 (!).
(9) No dia seguinte, à 1h20, é atacado o destacamento de Quirafo, durante 3 horas (!), por um grupo estimado em mais de 100 elementos, que utilizam 3 Canhões s/r, 3 Mort 82, vários Mort 60, RPG 2 e 7, Metr Lig e outras armas automáticas... Felizmente, há apenas 1 ferido, mas as instalações do destacamento ficam praticamente destruídas, bem como os rádios DHS e AN/RC-9 e quatro G-3... O arame farpado fora cortado em vários pontos... Quirafo, na altura é guarnecido por um pelotão da CCAÇ 2406.
(10) A 26, há uma nova flagelação do Xime, às 17h45, da direcção Sul. Com Canhão s/r e Mort 82 durante 10 minutos. No Xime está a CART 2520, com menos dois pelotões (um destacado em Galomaro e outro - duas secções - na Ponte do Rio Udunduma).
(11) No dia seguinte, 27, às 16h50, Mansambo volta a ser flagelado, à distância, durante 10 minutos, com Mort 82. Sem consequências.
(12) Em 28, por volta das 22h30, o destacamento e tabanca de Madina Xaquili vai conhecer o inferno: durante 1 hora e meia, é atacado de todas as direcções, por um grupo de cerca de 60 elementos, com Mort 82, Mort 60, LGFog e armas automáticas. Há dois feridos. Na altura era defendido pelo Pel Mil 147.
(13) A 29, às 10 da manhã, um grupo IN reagiu, durante 10 minutos, a um patrulha nossa, a 200 metros a SW de Dulombi, que acabava de sair na sequência do rebentamento de uma mina A/C. O IN, que utilizou Mort 60, LGFog e armas automáticas, causou 2 feridos civis.
(14) A 30, às 18h00, Mansambo sofre nova flagelação à distância, da direcção SW, durante 20 minutos, com Canhão s/r e Mort 82. Sem consequências.
(15) A fechar o mês (quente) de julho de 1969, é a vez da tabanca em audodefesa de Candamã [, já no limite leste da ZA da unidade de quadrícula de Mansambo,] conhecer o inferno: a 30, às 3h40, um numeroso grupo IN (80 a 100 elementos) ataca a tabanca, até de madrugada, durante 2 horas e 20 minutos, utilizando 2 Canhões s/r, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora Pesada, Pistolas-Metralhadoras e Granadas de Mão Defensivas, causando um 1 ferido grave e 4 feridos feridos às NT e 2 mortos, 3 feridos graves e vários ligeiros à população civil... Valeu o comportamento heróico dos homens - menos de pelotão - de Mansambo!...
Registe-se para a história: o 1.º pelotão da CART 2339, comandado pelo alf mil Henrique Cardoso foi quem, com a população civil, defendeu a bela tabanca de Candamã... Por feitos muito menos heróicos, distribuíram-se a torto e a direito muitas cruzes de guerra durante a guerra colonial...
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de:
26 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18357: Efemérides (269): 30 de julho de 1969, quando o famigerado comandante Mamadu Indjai (, um dos carrascos de Amílcar Cabral), quis pôr Candamã, a última das duas tabancas do regulado do Corubal, a ferro e fogo... Recordando um raro e precioso vídeo sobre uma tabanca fula em autodefesa, da autoria de Henrique Cardoso, ex-alf mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), que vive hoje na Senhora da Hora, Matosinhos
4 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16444: Manuscrito(s) (Luís Graça) (95): Por aqui passou Mamadu Indjai, o terrível
(**) Último poste da série > 15 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18321: (Ex)citações (329): Da Restauração da Independência de 1640 à guerra na Guiné (1963/1974). Batalhas em campos e tempos desiguais (José Saúde)
1 comentário:
"Amílcar Cabral... (É verdade que ele sabia fazer a distinção entre os portugueses e o "regime colonialista" português; mas também é verdade que, no poucas vezes, se referia a nós, "tugas", em sentido depreciativo, se não mesmo racista...)"
Ainda hoje, os habitantes da Cova da Moura viraram contra as autoridades portuguesas a opinião internacional, como sendo os portugueses (tugas) dos mais racistas da Europa.
O relatório internacional foi publicado ontem nos jornais.
Ainda hoje nós (e os europeus em geral) não sabem dar a volta aos "Estudantes do Império".
Eles tinham razão em dizerem que cá a" bola era quadrada".
E eu digo mais, era quadrada no tempo do Matateu, do Peyroteo, do Coluna e Eusébio, e agora no tempo do Gelson de Jesus, 2019.
Continuam a crescer "asinhas" a muita gente por cá, mas não há nada a fazer.
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