quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21268: Historiografia da presença portuguesa em África (227): Aleixo Justiniano Sócrates da Costa - Um outro olhar sobre a Guiné em 1885 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
É um dos documentos mais esclarecedores do olhar colonial prevalecente sobre o sistema de alianças que se iria impor no final do século XIX entre a potência colonial e os Fulas. Não faltam os preconceitos de que o negro era calaceiro e selvagem, ignaro e insubmisso aos valores da civilização europeia. Exaltam-se os valores dos Balantas mas a questão da época era o peso militar dos Futa-Fulas, impunha-se a negociação, o aliciamento, daí a proposta de grandes alianças com eles, era o Rio Grande que mais importava, daí a ênfase posta na prosperidade agrícola e nas experiências de novas culturas que competia ao governo introduzir.
Sócrates da Costa abominava Bolama e procederam a um trabalho exaustivo sobre as condições higiénicas e de saúde de Bissau, que ele considera deploráveis e cuja erradicação era tida por muito dispendiosa, daí ele propor o Ilhéu do Rei como a melhor solução para a capital da colónia.
Impossível estudar este período ainda de ténue ocupação sem atender a este precioso e incontornável documento que o médico produziu para a Sociedade de Geografia de Lisboa e onde não se ilude que ele tem pretensões políticas na região.

Um abraço do
Mário


Um outro olhar sobre a Guiné em 1885 (2)

Beja Santos

O seu nome é Aleixo Justiniano Sócrates da Costa, era médico militar goês, prestou serviço em Cabo Verde e na Guiné, sócio ordinário da Sociedade de Geografia de Lisboa e nos boletins da instituição, 4.ª série, n.ºs 2, 3 e 4, de 1885, lançou-se ao trabalho para descrever aos seus confrades da Sociedade de Geografia, o que era a Guiné. O facultativo esmera-se por repertoriar todas as questões consideradas essenciais para uma boa política ultramarina, como vimos anteriormente, nada lhe escapa, desde a religião, passando pelos elementos etnográficos e etnológicos, até ao tema que mais o preocupa que é a saúde e a higiene. Mas que estudar a agricultura e as atividades comerciais é patente do seu escrito, é um homem com preconceitos e não destoa da mentalidade colonial da época, como se pode ler:
“Procurar agricultura em Guiné, na terra clássica dos negros, isto é, da raça conhecida em todo o mundo pela sua invencível tendência à ociosidade e vagabundagem, é quase o mesmo que buscar agulha em palheiro. Agita-se actualmente, em todos os pontos da monarquia, na imprensa e no parlamento, e com vivíssimo interesse, a gravíssima questão do trabalho rural africano, de que dependem a sorte no futuro das nossas vastas possessões.
É coisa assente que a primeira e capital dificuldade, e dificuldade que se antolha invencível e faz desesperar os mais filantrópicos amigos dessa degenerada praça e quase que descoroçoa os mais ardentes propugnadores da sua emancipação e liberdade: esta dificuldade está em sujeitar o negro ao trabalho.
Essencialmente selvático, de uma preguiça abjecta, vegetando em crassa ignorância, e bebendo com o primeiro leite as tradições do mais estúpido e feroz gentilismo, o negro é apenas um cancro hediondo no corpo social: nutre-se da corrupção, e tudo corrompe, destrói tudo!
Pretender sujeitá-lo ao trabalho, é para ele o mais revoltante dos despotismos, uma aberração sem nome, um enorme atentado, um mal pior do que a morte. Procurai trazê-lo à civilização, e ele fugirá para o mato, porque lá tem tudo quanto deseja, e que a natureza, tão fecunda e tão pródiga até para com os mais ínfimos dos seus filhos, lhe fornece em larga cópia sem trabalho nem sujeição alguma. Todavia, há excepções.

Vemos os republicanos Balantas, a mais laboriosa tribo da Guiné, cultivando em larga escala o arroz e fornecendo deste precioso género, não só todos os distritos daquela vasta região mas ainda muitos outros mercados da África e Europa. O Balanta, porém, apesar do seu carácter laborioso, ama tanto a terra que o viu nascer, que não larga as margens do opulento Geba, e, se por ele desce em suas canoas, não passa além de Bissau.
Nos últimos anos, uma revolução feliz, sob o ponto de vista do desenvolvimento da agricultura em Guiné se operou no Rio Grande. Dominava naquela região, uma das mais férteis da Senegâmbia, a tribo Beafada, modelo do negro indolente e vicioso. Esta tribo avassalava, de há longo tempo, a dos Fulas, que viviam em perfeita condição de escravos, cultivando o solo em proveito dos seus dominadores, e sendo oprimidos por eles com as mais cruentes exações. Ultimamente, em 1873, a política sagaz, embora bárbara, do chefe de uma poderosa tribo do interior, a dos Futa-Fulas, procurando sujeitar os Beafadas nos últimos territórios ocupados por estes, compeliu e auxiliou os Fulas a uma revolta, com que de escravos se tornaram senhores, dominando hoje em quase toda a região até então ocupada pelos Beafadas. Ora, a tribo dos Fulas, ou por condição natural, ou por hábito adquirido na servidão, é quase tão laboriosa, senão tanto como a dos Balantas: de sorte que, sob o ponto de vista agrícola e comercial, se pode prever grandes vantagens para aquela importante zona do Rio Grande, talvez a mais fecunda da Guiné, ocupada como está por um povo agricultor.


Sem aconselhar propriamente a intervenção armada entendo que se deve, primeiro do que tudo, tratar com os novos senhores do terreno, e especialmente com os seus aliados e protectores, os Futa-Fulas. E não vai nisto desdouro algum, mormente quando se considere que a Inglaterra paga ao chefe dos Futa-Fulas um estipêndio anual de três mil pesos para que favoreça o comércio inglês, ou, por outra, o deixe livre e sossegado; e o mesmo procedimento segue o governo francês.

Haveria manifesta desvantagem em ceder ao orgulho e empregar a força, porque não se tratava já de punir insultos como na Abissínia, Argélia, etc., mas sim de impedir perturbações comerciais e atalhar os efeitos de ardilezas que estão muito na índole de todos os gentios da Guiné. Os Futa-Fulas são hoje talvez a nação mais poderosa daquela região. Mantendo em permanente pé de guerra dez mil homens de cavalaria, aguerridos e exercitados, dirigidos por um general tão hábil como político e sagaz, são eles o terror de todos os gentios da Senegâmbia. Pretender dominá-los, seria improfícuo e estéril; porque, além da impossibilidade manifesta de o conseguir com as poucas forças de que poderíamos dispor permanentemente na Guiné, o comércio ali obedece a convenções excepcionais, que não são as do orgulho e pundonor ou das leis do direito internacional. Boa política é ter por aliados os mais poderosos, os verdadeiros senhores da terra.
Conseguido este principal resultado, estabelecidas boas e vantajosas relações com os actuais dominadores do Rio Grande, os agricultores fulas, e firmado entre eles o nosso predomínio moral, restar-nos-ia, pelo mesmo método pacífico, mantê-los e dirigi-los nas suas boas tendências naturais, que se encaminham ao máximo desenvolvimento da agricultura naquela feracíssima região, em que já temos não poucas feitorias”.

E discreteia sobre a mancarra, o café, o algodão e o cacau, a purgueira, sugere que o governo distribua sementes, havia que ensaiar todas estas culturas em grande escala, ensaiar a cana-sacarina, o algodão, o tabaco e o cacau, eram culturas preferíveis à da mancarra.

No final do seu extenso trabalho, o não comedido médico, em que momentos há que nos parece um forte candidato a governador, dá sugestões muito precisas para o futuro da governação, e atira-se aos maiores excessos, como se pode ler:
“A Guiné Portuguesa é a chave d’oiro que nos abre as portas do continente africano. Bem aproveitada, aquela possessão pode tornar-se para nós um segundo Brasil: porque em nenhuma parte temos tanta facilidade de nos estendermos em território e domínio como ali. Constituí a Senegâmbia Portuguesa um vastíssimo território muito importante, mas completamente inexplorado. A Guiné precisa de uma administração inteligente e de um braço robusto que possam erguê-la da prostração em que jaz. Conviria transferir a sede do governo para qualquer outro ponto mais conveniente. Sem bons empregados não há administração, não há prosperidade possível. Mas como havê-los, onde não existem os cómodos indispensáveis à vida, onde não há saúde, onde tudo enlanguece e morre? Ora, Bissau, sobre este ponto de vista, é o ponto mais impróprio que se poderia escolher para capital do distrito. O seu saneamento não é de todo impossível, contudo importaria em um grande consumo de tempo, de dinheiro e, o que é pior, de vida. Se na escolha do lugar para a nova sede do governo, houvermos de atender àquele que oferece melhores condições, eu escolheria o Ilhéu do Rei. Situado no ponto mais central do distrito, este ilhéu está quase a meio do curso do rio Geba. A constituição do seu solo e a sua situação e salubridade dão-lhe imensa vantagem sobre Bissau”.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21248: Historiografia da presença portuguesa em África (226): Aleixo Justiniano Sócrates da Costa - Um outro olhar sobre a Guiné em 1885 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21267: Parabéns a você (1851): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763 (Guiné, 1965/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21264: Parabéns a você (1850): Coronel Inf Ref António Melo Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465 (Guiné, 1969/70) e Maria Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21266: Memórias cruzadas da Região do Cacheu: Antecedentes do Plano de Assalto ao Quartel de Varela, proposto por dois desertores portugueses: o caso do António Augusto de Brito Lança, da CART 250 (1961/63) (Jorge Araújo)



Foto 1 – Base Aérea 12, em Bissalanca. 




O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada, está atualmente nos Emiratos Árabes Unidos; tem mais de 260 registos no nosso blogue.



MEMÓRIAS CRUZADAS

ANTECEDENTES AO "PLANO DE ASSALTO AO QUARTEL DE VARELA" PROPOSTO POR DOIS DESERTORES DO EXÉRCITO PORTUGUÊS A AMÍLCAR CABRAL EM JANEIRO DE 1963

- O CASO DE ANTÓNIO BRITO LANÇA, DA CART 250 (1961-1963) -


► Resposta (a possível!) aos comentários ao P21250 (13.08.20) (*) sobre o «Plano de assalto ao quartel de Varela» proposto por dois desertores das NT a Amílcar Cabral, em Janeiro de 1963, três semanas antes do início do conflito armado no CTIG.



◙ Sem prejuízo de voltar a este assunto, que acontecerá logo que tenhamos outras informações

relevantes, tomámos a iniciativa de acrescentar outros detalhes "historiográficos", já coletados anteriormente, mas que, como por nós foi referido na narrativa anterior [ponto 2.3], não se enquadravam naquele fragmento.

Com efeito, e ainda que não seja uma resposta objectiva ao pretendido pelo camarada Cmdt Pereira da Costa: "os arquivos militares (histórico e geral) devem ter algo, mesmo que pouco sobre estes homens" (…) "parece-me que a procura dos 'dois homens' será a via a seguir".


O que desde já poderei adiantar são alguns antecedentes que culminaram com a "elaboração do Plano" em título, nomeadamente alguns factos atribuídos ao António Augusto de Brito Lança, fur mil art da CART 250 (1961-1963), com início na mobilização da sua Unidade.



1. - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG DA CART 250


Mobilizada pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 (RAP 2), em Vila Nova de Gaia, para servir na província ultramarina da Guiné, embarcou em Lisboa, no Cais da Rocha, em 10 de Agosto de 1961, 5.ª feira, sob o comando do Capitão Art José Maria Eusébio Alves, tendo desembarcado em Bissau na 4.ª feira seguinte, dia 16 de Agosto. 



1.1 - SÍNTESE DA MOBILIDADE OPERACIONAL DA CART 250


A CART 250 foi colocada em Bissau, onde manteve a sua sede durante toda a comissão (16Ago61-06Nov63), sendo integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 236 [o mesmo da CART 240], em substituição da CCAÇ 52 [18Ago59-17Ago61; do Cap Inf Frederico Alfredo de Carvalho Ressano Garcia], a fim de assegurar a segurança e defesa das instalações e das populações da área.


Por períodos variáveis, a CART 250 cedeu pelotões para reforço de outros batalhões e intervenção em acções de nomadização e batida nas regiões de Mansodé/Mansabá, em Jul63, sob dependência do BCAÇ 507 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Hélio Augusto Esteves Felgas] e Xime, em Ago63, sob a dependência do BCAÇ 506 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Luís do Nascimento Matos].


Em 04Nov63, já na dependência do BCAÇ 600 [18Out63-20Ago65; do TCor Inf Manuel Maria Castel Branco Vieira], foi substituída no sector de Bissau pela CCAÇ 555 [03Nov63-28Out65; do Cap Inf António José Brites Leitão Rito], a fim de efectuar o embarque de regresso (Ceca; p 434).


2. - ANTECEDENTES AO "PLANO DE ASSALTO AO QUARTEL DE VARELA" ELABORADO POR DOIS DESERTORES DO EXÉRCITO PORTUGUÊS E DIRIGIDO A AMÍLCAR CABRAL, EM 04 DE JANEIRO DE 1963


Partindo dos vários registos que encontrámos relacionados com a pessoa do António Augusto de Brito Lança, leva-nos a concluir que, para além do seu envolvimento no «Plano Varela», existem outros a merecerem destaque.


Vejamos outros antecedentes, por ordem cronológica:


2.1 - DAKAR; 31-10-1962 = CONTACTO ESCRITO COM AMÍLCAR CABRAL


Transcreve-se (a partir do original abaixo) a carta manuscrita por António Augusto de Brito Lança, em Dakar, em 31 de Outubro de 1962, 4.ª feira, e dirigida a Amílcar Cabral:


"Exmo. Sr. Eng. Amílcar Cabral


Devido às dificuldades de vida aqui no Senegal penso em partir para a Argélia, por intermédio de Marrocos, visto aqui não haver embaixada Argelina. Já falei com o consulado de Marrocos, mas como não possuo passaporte, ofereceram-me algumas dificuldades. Perguntaram-me se eu não conhecia lá ninguém e eu disse-lhe que a única pessoa que conhecia era V. Exª.


Perguntaram-me ainda se eu não levava intenções de ir matar alguém. Evidentemente, disse que queria ir para um país, onde possa trabalhar e viver tranquilo, devido às condições em que me encontro e se possível trabalhar com o movimento democrata português.


Então queria pedir a V. Exª se me podia auxiliar a ir para Marrocos. Antecipadamente agradeço no que V. Exª me poder auxiliar.


Muito respeitosamente. António Brito Lança.



Citação: (1962), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_37783, com a devida vénia. (1)


A morada indicada em rodapé: (137, Rue Blanchot, Dakar) era provavelmente a da «Maison Augustin Ly (Casa de Hóspedes)», situada na Ilha de Gorée [, ou Goreia, símbolo da escravatura], e que ainda hoje existe, conforme localização sinalizada no mapa abaixo (Google)




Mapa da região de Dakar (Senegal) com infografia da provável residência do António Brito Lança em Outubro de 1962 (fonte: imagem satélite da Google, com a devida vénia).


2.2 - Memória descritiva do Aeroporto de Bissalanca, em 08 de Dezembro de 1962 e respectivo croqui


As informações detalhadas do Aeroporto de Bissalanca, bem como o seu respectivo croqui, foram elaboradas por António Lança e enviadas, em 08 de Dezembro de 1962, para o Bureau de Dakar, ao cuidado de Amílcar Cabral, conforme se dá conta abaixo.


"A aeronáutica tem cerca de cem homens, mas o serviço de segurança do aeroporto é mantido pelo exército, se bem que a todos os homens da aeronáutica esteja distribuída uma pistola-metralhadora F.B.P.


A aeronáutica tem somente dois a três homens de serviço diário. Um encontra-se em frente da aerogare militar, outro pelos lados da aerogare civil ou da torre de controlo. Tem ainda um oficial de serviço. O exército envia de manhã para o aeroporto uma secção que fica na casa da guarda e montam dois postos: um no cimo da torre e outro junto à porta de entrada.


Por volta das 7 horas da tarde, chegam mais duas secções e então montam os postos designados na figura por letras maiúsculas.


As armas que utilizam nos postos são G-3 (espingarda automática e semiautomática que carrega vinte munições). Quando estão de alarme, entregam a cada sentinela uma granada ofensiva. Durante a noite o jeep faz várias rondas à pista e costumam por vezes passar nas estradas indicadas na figura, por traços vermelhos. Durante o dia está uma autometralhadora antiaérea de 4 cm com uma secção de cavalaria e à noite vem outra, ficando ambas dentro da aerogare militar.


Os traços que fiz a lápis na gravura indicam ervas ou pequenos arbustos. Sobre árvores não sei dar um esquema mais ou menos exacto, pois quando abalei andavam a cortar muitas e não sei como aquilo está presentemente. Agora os postos de sentinela devem permanecer na mesma pois são os pontos melhores que têm. Os sentinelas não têm abrigos feitos no terreno para se esconderem só por detrás das paredes e se o fizerem ficam sem qualquer possibilidade de fazerem fogo.


No paiol do aeroporto encontram-se duas secções e montam os pontos os postos indicados na gravura por letras maiúsculas. Em volta do paiol há um muto de arame farpado. Nos quatro cantos principais há uma guarita de sentinela mas estes só a utilizam quando chove.

08/12/962, António Augusto de Brito Lança.



 Citação: (1962), "Informações sobre o aeroporto de Bissalanca", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_ 40304, com a devida vénia. (2)




Citação: (1962), "Mapa do aeroporto de Bissalanca", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40236, com a devida vénia. (3)




Foto 2 – Base Aérea 12, em Bissalanca. [Foto do álbum do Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando – P15303], com a devida vénia.


2.3 - DAKAR; 03-01-1963 = CONTACTO ESCRITO DE JOSÉ ARAÚJO


Transcreve-se (a partir do original abaixo) a carta dactilografada por José Eduardo Araújo (1933-1992), responsável do PAIGC do Bureau de Dakar, enviada a António Augusto de Brito Lança, com data de 03 de Janeiro de 1963, ou seja, no dia anterior à elaboração do «Plano de Ataque ao Quartel de Varela».


"Prezado companheiro,


Cá me chegou às mãos a sua carta de 25 último [Dez'62]. Tenho a agradecer-lhe a prontidão com que me respondeu, e que revela que o conteúdo da minha primeira carta lhe mereceu a atenção que eu esperava.


Sobre o que me pede, envio-lhe aqui junto uma lista contendo os dados sobre os nossos amigos portugueses.


Devo dizer-lhe que na Embaixada do Brasil se mostraram um tanto pessimistas quanto à possibilidade da ida daqueles seus compatriotas para o Brasil. Não falei com o Embaixador mas sim com uma pessoa próxima dele. Parece que a dificuldade resulta de aqueles companheiros não terem passaporte. Julgo, porém, que uma ordem vinda de ai eliminará todos os obstáculos. A si agora de agir.


Espero, no entanto, uma resposta sua com as sugestões que tenha a fazer.

Saúdo-o cordialmente o amigo."

 



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35963, com a devida vénia. (4)


3 - MEMÓRIAS CRUZADAS DA AUTORIA DE ZAIN LOPES [RAFAEL BARBOSA] EM 1961


Transcreve-se do texto original manuscrito por Zain Lopes [Rafael Barbosa] os diferentes pedidos/acções a desenvolver pelo Partido, incluindo o ataque ao Aeroporto de Bissalanca.


▬ Ponto 1 = Insistimos



"Continuamos a insistir sobre o pedido que, até agora, não foi atendido, o que ignoramos o motivo disso. Materiais de grande necessidade, sem os quais é imprescindível [para] continuarmos na luta; botes de borracha ou qualquer outro material necessário ao transporte dos [nos] rios. Salva-vidas de tipo colete, visto haver pessoas que não sabem nadar; granadas de mão muito mais vantajosas, em certos casos, do que pistolas e metralhadoras, equipamento completo para um soldado, viveres e medicamentos."

 

▬ Ponto 2 = Ataque




"Há necessidade de atacar o aeroporto [Bissalanca] com granadas de mão em pleno dia e destruição dos depósitos de gasolina à noite. Após o ataque convém avançar logo para a capital [Bissau]. É necessário armas antiaéreas para as diversas localidades do país."

 

▬ Ponto 3 = Fronteira do Senegal




"Avisamos e continuamos a avisar em manter muito cuidado com aquela fronteira, pois há toda a conveniência de fechar toda a fronteira com o Senegal, e há ainda pessoas a quem devem ser entregues armas até depois da luta."

 

▬ Ponto 4 = Fotografias




"Fotografia n.º 1 – Braima Sori Djalló, de 29 anos de idade [n-1932], natural de Guileje, área de Bedanda, guarda da P.S.P., tendo ingressado no Partido em 17-11-1960.


Fotografia n.º 2 – Albino Sampa, guarda do arquivo, da tribo mancanha, de 28 anos de idade [n-1933], natural de Bula, ingressou no Partido a 22-08-1960."

 

Citação: (s.d.), "Mensagem de Zain Lopes sobre o desenvolvimento da luta clandestina em Bissau e o problema da fronteira do Senegal", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41719, com a devida vénia. (5)


► Fontes consultadas:


Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04604.039.093. Assunto: Solicita ajuda para entrar em Marrocos a fim de seguir para a Argélia com o objectivo de trabalhar com o movimento democrata português. Remetente: António Brito Lança, Dakar. Destinatário: Amílcar Cabral. Data: Quarta, 31 de Outubro de 1962. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Correspondência 1962 (interna PAIGC, MPLA, FRELIMO, UGEAN, CONCP). Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07062.035.024. Título: Informações sobre o aeroporto de Bissalanca. Assunto: Documento assinado por António Augusto de Brito Lança com informações sobre o serviço de manutenção da segurança do aeroporto de Bissalanca. Data: Sábado, 08 de Dezembro de 1962. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Clandestinidade Bissau e outros documentos. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (3) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07062.035.023. Título: Mapa do aeroporto de Bissalanca. Assunto: Mapa desenhado do aeroporto de Bissalanca contendo informações sobre as forças militares portuguesas de serviço na base. Desenhado por António Augusto Brito Lança. Data: Sábado, 08 de Dezembro de 1962. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Clandestinidade Bissau e outros documentos. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (4) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04622.146.014. Assunto: Envio de lista contendo dados sobre amigos [desertores?] portugueses. Remetente: José Eduardo Araújo. Destinatário: Não identificado. Data: Quinta, 3 de Janeiro de 1963. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada 1963. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  (5) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07063.036.044. Título: Mensagem de Zain Lopes [Rafael Barbosa] sobre o desenvolvimento da luta clandestina em Bissau e o problema da fronteira do Senegal. Assunto: Mensagem assinada por Zain Lopes [dirigida a Amílcar Cabral] solicitando o envio de botes de borracha, coletes salva-vidas, granadas e pistolas-metralhadoras, e mencionando o ataque ao aeroporto de Bissau e o cuidado a ter com a fronteira do Senegal. Data: s.d. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Cartas de Bissau 1960-1961. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); p 434.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

15AGO2020


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15 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21254: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (17): António Augusto de Brito Lança, natural de Castro Verde, fur mil art, da CART 250, e António de Jesus Marques, natural da Covilhã, sold aux enf, CART 240, que desertaram em 1962, e que são os presumíveis autores do "plano de assalto ao quartel de Varela"

Guiné 61/74 - P21265: Manuscrito(s) (Luís Graça) (189): A Alice Carneiro, Rainha do Dia e Por um Dia...


Alice Carneiro, em 2020, em plena pandemia de Covid-19...Faz hoje anos e diz... que mais vale ser a Rainha do Dia, e por um Dia, do que ... Duquesa Toda a Vida. Um"selfie" para a história... Vd. página da Maria Alice Carneiro, no Facebook.


No 75º aniversário da minha Chita / nossa Alicinha

 

D’zoito d’ agosto está no nosso coração,

Nasceu em quarenta e cinco uma Alicinha,

Não foi em berço de ouro de princesinha,

Mas em casa farta… de vinho e de pão.

 

Aventureira, veio cá para o sul,

Sendo ela do Norte, da Casa de Candoz,

E logo se afeiçoou a todos nós,

E ao seu príncipe, que não era de sangue azul.

 

Sua segunda terra fez da Lourinhã,

Adora aqui  receber os filhos e a neta,

Sempre foi uma grande amiga e anfitriã.

 

Mesmo com três quartos de século em cima,

Ainda se acha uma boa atleta,

E está grata… p’lo nosso amor e estima.


Lourinhã, 18 de agosto de 2020

75º aniversário da minha / nossa Alicinha,

Rainha do Dia e por Um Dia

(… que mais vale sê-lo, 

do que… Duquesa toda a vida!)

 

O Príncipe Com Sorte,  Luís Graça


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Aviso ao Povo:

Estes versos (um soneto escrito pelo Príncipe com Sorte) foram feitos a pensar nos convivas de um projetado almoço, plebeu, mais alargado, que poderia juntar, hoje, a família da aniversariante e alguns dos seus amigos, mais à mão, aqui da Lourinhã & arredores, incluindo o aniversariante do dia seguinte Dom Orlando Rolim, alcaide da praça forte da Praia da Areia Branca.

A DGS chumbou o plano de um repasto no restaurante "Atira-te ao Mar", no Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã, pertença da ilustre "Casa do Cadaval", invocando razões de higiene e segurança e sobretudo limitações da lotação da sala de comes & bebes. A lista de possíeis comensais   era enorme e não havia cadeiras para todos.

Depois, a ementa, à base de produtos "gourmet",  cá da nossa região ( batatada de peixe seco - raia, safio, sapata, cação, tamboril...). também não era do agrado da maioria... Parece que não era comida para gente de sangue azul ou. como diz o fado, não é coisa que vá à mesa de Reis & Rainhas...

Por fim, os filhos e a neta reclamaram. de viva voz, nesse dia, a presença e o usufruto, em exclusividade, da Senhora Sua Mãe e Avó... 

Dito isto, e não tendo, como Deus, o dom da ubiquidade, a Rainha do Dia ( com o consentimento informado do seu Príncipe Com Sorte, que vai atrás do real séquito ) teve que se render aos argumentos da "dentadura do proletariado"... e do "fascismo sanitário".

Fica, pois, por decreto real, adiada a batatada, esperando-se por um melhor dia do calendário, mas autorizando-se desde já, a partir da meia-noite, o início dos festejos natalícias da nossa amada Rainha Alicinha.

75 anos é muita realeza e o povo tira-lhe o barrete mas não a máscara que, essa, já faz parte do busto (, dizem que talvez até morrer...).

Há uns meses atrás ainda havia força para gritar: "Abaixo a Covid"... Agora, por detrás da máscara, espera-se que o povo ainda consiga sussurrar: "Deus Abençõe a Rainha e Lhe Dê Longa Vida Com Saúde... porque a gente quer continuar a beneficiar do seu amor, amizade, afeição e estima."

E até os poetas e os bobos da Corte gritam: "Esperemos ainda cá poder estar todos/as para o Centenário"!... 

a) Assina: P'los presentes e ausentes, e em nome do Príncipe Com Sorte, o poeta e bobo da corte ao serviço.de Sua Majestade a Rainha do Dia e do Por um Dia. 

(Assinatura ilegível)

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21264: Parabéns a você (1850): Coronel Inf Ref António Melo Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465 (Guiné, 1969/70) e Maria Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira


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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21261: Parabéns a você (1849): José Manuel Cancela, ex-Soldado Apontador de Metralhadora da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21263: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (14): No "Chez Alice", as ostras da Lagoa de Óbidos




Lourinhã > Julho e Agosto de 2020 > "Chez Alice" e Restaurante "Atira-te ao Mar" > Ostras ao natural... (São da Lagoa de Óbidos).


Fotos (e legenda): © Alice Carneiro  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Depois destes meses todos (e já lá vão quase seis!)  de pandemia de COVID-19,  com as todas as medidas que nos impuseram "por mor da saúde pública" (confinamento, distanciamento social, máscara, higienização das mãos e das superfícies, etc.), e  agora em pleno agosto (o nosso outrora "querido mês de agosto"...), estamos todos a recordar coisas antigas e aprender coisas novas: por exemplo, fazer "férias cá dentro",  matar saudades dos entes queridos e dos amigos,  redescobrir os nossos sabores, as nossas comidinhas).

Os nossos vagomestres da Tabanca Grande não têm dado notícias. Mas, nós, por cá, na Tabanca da Lourinhã, continuamos a deixar algumas iguarias, junto ao tronco do nosso  poilão,   porque é preciso alimentar os nossos bons irãs...que nos protegem (a saúde mental). 

Como os nossos leitores já sabem, aqui  não comemos tudo o que cozinhamos, ou melhor, o que a "Chef" cozinha no "Chez Alice"... ou que partilhamos com outros amigos, como os "Duques do Cadaval", do Restaurante "Atira-te ao Mar", no Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã, e outros que nos visitam como o Zé Teixeira e família, do Padrão da Légua. Matosinhos,. e que passam também a ser membros de pleno direito desta tabanca moura.

Por acaso, o petisco  de hoje não dá partilhar. Esta semana são (ou foram) ostras. Ora  as ostras nunca sobram, ficam só as cascas (, que, trituradas, sõa boas para dar às galinhas, mas a gente não criação, cá na Tabanca ). Também não sabemos se os irãs gostam de ostras. Admitindo que não, mais sobram para nós.

O único "senão" da ostra é que dá trabalho a abrir.  É preciso um abre-ostras e o ato tem a sua arte & ciência.  O "Duque do Cadaval" é o mais perito de todos... A abrir (e  a comer) ostras, não há pai para ele... Depois é só só limãozinho (e gelo, para quem gosta de as comer mais fresquinhas)...

 
Em louvor das ostras da Lagoa de Óbidos

por Luís Graça


Não, não há ostras, na festa da Atalaia, Lourinhã.
Não sei porquê,  se é um festival de marisco... 
Os portugueses não gostam de ostras,
também não sei porquê.
Mas também não importa,
este ano não haverá festa da Atalaia, Lourinhã,
nem a do Seixal, Miragaia, Marteleira ou Ribamar.
Calaram-se os santos e as santas padroeiras.
Diz o povo etem razão:
"Quando Deus não quer, mudos estão os santos".

Mas, felizmente, há ostras.
Foi preciso o confinamento
para eu voltar a comer ostras.
Há muito tempo que as não comia,
e que saudades,  deus meu!

Os franceses, ou melhor, os parisienses, 

adoravam as nossas ostras.
E acompanhavam-nas com champanhe... 
E as melhores do mundo
eram les portugaises, diziam.

Crassostrea Angulata, dizem os biólogos marinhos.

Os refugiados europeus
que encontraram um Portugal um porto de abrigo
no meio da barbárie que foi a II Guerra Mundial,
adoravam a nossa ostra
e a nossa lagosta
e a nossa amêijoa,
the  small Portuguse female clams
with garlic and coriander,

vulgo amêijoa à Bulhão Pato. 

Até que veio a industrialização, 

a siderurgia nacional, 
as químicas do Barreiro, 
a ponte,
as lisnaves, 
os superpetroleiros,

e as tintas dos barcos,
o capitalismo sem rei nem roque,
e mataram o Tejo e o Sado
e as ostras do estuário do Tejo e do Sado...

Estupidamente,
como todas as mortes ecológicas por ação humana.

Só agora, lentamente,
estamos a recuperar a ostreicultura nacional, 
no Tejo, no Sado,
na ria de Aveiro,
na lagoa de Óbidos,
na ria Formosa, no rio Mira,
e por aí fora...
Temos condições excecionais
para esta fileira da atividade económica
ligada aos recursos marinhos.
Uma mina de ouro, dizem-nos.

Confesso:
aprendi a comer ostras em Bissau,
à beira do Geba,
no intervalo da guerra...
Ao natural, as ostras,
apenas com lima e piripiri.
Passei por Tavira
mas não me lembro das ostras que lá comi.
Se é que havia ostras, no último trimestre de 68,
na ria Formosa que servia de campo de tiro.
E, se as comi, eram amargas.
 
Se calhar, a maior parte de nós,
dos ex-combatentes,
aprendeu a comer ostras em Bissau...
Calhaus de ostras!...
Conglomerados!...
Com molho de lima e piripiri...
Passava-se um tarde
a matar a fome e a sede, 
à volta de uma travessa de ostras,
longe do Vietname,
que começava logo ali a partir de Nhacra.
A 20 pesos a travessa.
Não havia exercício mais anti-stressante
do que esse, de abrir e comer ostras,
nas esplanadas de Bissau,
à beira rio, com o cheiro a tarrafe,
e saudades do Tejo ou do Douro,
cada um tinha o seu rio de estimação.

Não, não  havia depuradoras,
mas nunca apanhei nenhuma diarreia.
Talvez por sorte.
Em Bambadinca, no rio Geba Estreito,
não havia ostras,
mas havia belíssimos lagostins
a 50 pesos, na tasca do Zé Maria Turra.
Entre duas saídas para o mato,
no intervalo da guerra.
Outro dos nossos exercícios anti-stressantes.

Hoje nem pensar comê-las, às ostras,
na Guiné-Bissau...
Já não há ostras em Bissau...
Há uma imensa cloaca a poluir a ria, o canal.
Talvez em Quinhamel, dizem-me...
E quando lá voltei, em 2008,
nem sequer o caldo de ostras provei,
com pena minha...
O famoso pitche-patche de ostras
da nossa querida Guiné-Bissau.

Depois do 25 de abril,
gostava de ir a Vigo,
comer ostras das rias Baixas.
Nunca fui a Vigo, antes do 25 de Abril.
Muito menos antes da tropa.
Seria logo considerado refratário.
Não tinha sequer passaporte,
Nem mo dariam,
Era um luxo só para alguns privilegiados.

Temos excelentes vinhos brancos,
a começar pelo Verde e os Espumantes,
para acompanhar as ostras ao natural...
São um manjar do pecado...
(Por que é que todas as coisas boas da vida
são pecado, meu deus ?)
Um sabor intenso, a maresia,
a sol, a sal, a azul,
como diria o meu poeta O'Neil
que tinha costela céltica...
Os portugueses são mais fálicos,
gostam mais de percebes...

O'Neil devia gostar de ostras,
que são femininas e delicadas como as amêijoas.

Temos uma gastronomia riquíssima
ligada aos frutos do mar,
de Norte a Sul do país...
Oxalá saibamos defender,
preservar e valorizar,
cada vez mais  este manjar dos deuses,
que são os crustáceos, os bivalves,
o peixe, as algas,
e todas as coisas boas que o mar nos dá...
O polvo, a navalheira,
a sapateira, a sardinha,
a cavala, a sarda, a raia,
outrora comida dos pobres da minha terra.
Mais as lapas e os ouriços e os burriés.

No céu não há disto,
os deuses e os heróis têm que vir cá baixo
comer estes petiscos...
Partindo do princípio
que têm baixo ventre 
e os mesmos baixos apetites dos humanos.

A sobrepesca, a apanha de alhas,
a pesca de arrasto, a poluição urbana e industrial,
as alterações climáticas,  o tráfego marítimo, 
a caça submarina, 
os adubos  e os pesticidas da agricultura intensiva
e muitos outros horrores
deram cabo de muita coisa boa,
ligada aos nossos sabores ancestrais
de quando éramos simples recoletores,
mariscadores, pescadores artesanais
e caçadores oportunísticos.
Ainda não éramos  os temíveis predadores de hoje.

Felizmente que há coisas 
que estão a recuperar, 
por exemplo, as ostras.
Há  ostras aqui ao lado,
da nossa bela lagoa de Óbidos,´
a maior de Portugal,
e que dá de comer
a mais de duas centenas de mariscadores.
Só é pena que a lagoa não vá banhar
as muralhas da bela vila das rainhas,
como no passado.
 
O sucesso da ostra nas nossas rias e lagoas
é um bom sinal:
são amigas do ambiente
e são capazes de filtrar 200 litros de água por dia...

Lourinhã, 15 de agosto 2020.
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