1. Escreveu o VB, nosso co-editor, a propósito do making of do livro do de memórias do Alf Graduado Comando Amadu Djaló (foto à esquerda, em Lisboa, junto ao memorial dos mortos da Guerra do Ultramar)(*);
(...) "E depois, Burontoni e o Malan, um miúdo de 7 ou 8 anos que vivia com os pais, junto a um acampamento da guerrilha.
"Ninguém queria ficar com o Malan. O Saraiva não queria mascotes, o capitão L., da Companhia local [, Xime], respondeu negativo. Amadu trouxe a criança para Brá. Depois, com 4 metros de tecido que um camarada tinha apanhado num acampamento, foi a um alfaiate fazer 4 calções e 3 camisas. Uns sapatos e uns chinelos completaram o guarda-roupa do Malan, que teve de mudar o apelido para Djaló.
"Malan Djaló passou a viver na grande família Djaló. Nunca ninguém soube a história do rapaz até 1973. Malan cresceu, andou na escola, aprendeu bem o português.
"Quando chegou a independência voltou a ver os pais, mas à noite regressou à família Djaló. Passou a dar aulas de português em quartéis do PAIGC, até conhecer uma jovem por quem se apaixonou. Casou e nasceu-lhe uma menina. A sorte da vida não estava com o Malan. Uma doença rápida, em dias, matou-o numa cama do hospital de Bafatá. Um ano depois, a menina morreu também, vitima da mesma doença, presume o Amadu" (...).
2. Comentário de L.G.:
Histórias dentro da história, VB! E que histórias! E esta é particularmente comovente!... Nos anos de brasa (c. 1965), quem é que se preocuparia com um miúdo, aterrado, as mãos atrás da nunca, que é encontrado no mato, turra, futuro turra... ? Miúdo é como velho e mulher, só atrasa o regresso da tropa e põe em causa o sucesso da operação e a segurança dos camaradas... Nesse tempo, no subsector do Xime, o velho guia e picador das NT, Seco Camará, era encarregue das tarefas mais vis da guerra suja, que repugnava ao tuga, cristão... Seco Camará, mandinga, leal às NT, e também bom muçulmano, viu-o morrer à roquetada em 26 de Novembro de 1970 (**)...
Esta história do puto Malan, recolhido por um comando africano, revela o homem grande e o grande homem que é, deve ser, o Amadu Djaló (de que tens sido o confidente nestes últimos meses). E, além disso, é bom crente em Alá, bom muçulmano, que vai todas as sextas-feiras rezar à mesquita de Lisboa, na Praça de Espanha...
VB, essas memórias do Amadu Djaló estão-se a revelar uma autêntica Caixa de Pandora. E tu estás a fazer um trabalho fantástico, dando voz a um homem sem voz, exilado na pátria que escolheu: só por essa razão é que eu perdoo a tua deserção (temporária) do nosso blogue...
Conheci o Buruntoni, como outros camaradas nossos que estiveram na CCAÇ 12 (Humberto Reis), no Pel Caç Nat 52 (Beja Santos), no Pel Caç Nat 63 (Jorge Cabral)... Ou nas unidades de quadrícula do Xime: na região de Baio/Buruntoni, a sudeste do Xime, e fazendo ligação com o Poi´ndon/ Ponta do Inglês, na margem direita do Rio Corubal, havia pelo menos um 1 grupo com meia dúzia de roqueteiros que emboscavam as nossas embarcações, em Ponta Varela... Fomos lá várias vezes com o Seco Camará, demos e levámos muita porrada...
A população era beafada e balanta. O Malan Nanque era o nome do puto antes de ser perfilhado pelo Amadu Djaló...
Peço-te, VB, que faças um poste com esta história, reveladora da grandeza de alma dos homens, mesmo quando andam na guerra... ou são obrigados, muitas vezes a escolher um dos lados da guerra. Uma história também reveladora de que tudo na vida e na história não pode ser visto a preto e branco, como tendemos a fazer por razões de comodidade mental... É sempre empobrecedor ver a guerra da Guiné e os seus protagonistas, a preto e a branco... (LG)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Legenda do fotógrafo: "O milícia e guia das NT, Seco Camará: 56 minas detectadas e muitas guerras" (TM)...
Foto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.
___________
Notas de L.G.:
(*) 21 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4229: Os nossos camaradas guineenses (7): Amadu Djaló, as memórias do Comando Africano continuam (Virgínio Briote)
(**) Vd. poste de 26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
O Amadu Djaló apareceu hoje na RTP1, no 6º episódio da II Série de A Guerra, o programa de Joaquim Furtado... Não sei quando foram feitas as gravações, mas já devem ter algum tempo... Achei-o precocemente envelhecido, desdentado, doente... Falou sobretudo da dura experiência do treinos dos Comandos Africanos... Diz ele que foi a única vez na vida em que chorou, se bem percebi. O português dele não é famoso...
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