terça-feira, 21 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4227: O meu Furriel parece um passador (Santos Oliveira)

1. Mensagem de Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66, com data de 16 de Abril de 2009:


“O MEU FURRIEL PARECE UM PASSADOR!”

Foi Publicada, a 15DEZ2007, Post 2352 (1) esta descrição: “A 16 de Novembro de 1964, avistei dois charutos estampados no escuro do céu, de forma difusa, que aparentavam dois cigarros acesos atirados ao ar, desde o fundo do aquartelamento. A recriação, mais ou menos fiel dos Fortes de defesa contra os Índios, em que a paliçada era construída de troncos de Palmeira, que, como se sabe, são moles e duram cerca de três meses; aquelas tinham mais que isso. Portanto, eram apenas uma defesa psicológica.

Acordei. A Rádio Portugal Livre (a) havia sido extremamente suave e comedida no seu estilo linguístico.
-Fogo! Rápido!”
Considerando que, em média o tempo de percurso da saída do Morteiro, até o atingir o objectivo, naquelas circunstâncias, seriam uns escassos 36 segundos, corri até aos dois Postos de Sentinela, do lado da Mata, e onde se situavam duas das três “Bredas” a fim de dar o alarme; como era consabido, as Armas Ligeiras do IN, só se iniciavam simultaneamente com os rebentamentos das Granadas de Morteiro. Na altura, nem pensei se iria, ou não, dar tempo.
Duma coisa estava seguro: quando aquelas granadas rebentassem, o IN já não teria mais tempo para apontar os seus Morteiros, já que, quando tal aconteceu, já estavam a caminho, em objectivos diferentes, umas 9 a 12 Granadas dos nossos Morteiros.

Na verdade, nunca comentei e nunca o neguei a quem afirma terem caído duas Granadas dentro do Quartel (apenas omiti) aquelas traziam a direcção correcta e na verdade, caíram cerca de um terço do espaço da Parada (Parada?). Desconheço se traziam o destino do Gerador, que era uma peça visível desde a Mata e que estava um tanto ao lado dos locais de impacto…
Eu fui apanhado, em plena correria de regresso ao meu Posto, fui projectado para trás, uns bons dez metros. Meio atordoado levantei-me e não senti nada de especial a não ser o característico zumbido nos ouvidos, provocado pela proximidade do rebentamento.
Naquela escuridão e debaixo da chuvinha molha tolos, tudo continuou conforme já foi descrito no Post.
Entretanto, por rotina, após cada ataque, como muito bem refere o Camarada Carvalho no seu Comentário ao Post 3544 (2) e que foi, posteriormente, destacado no Post 3566 (3).

“…Este era o furriel que depois de cada ataque vinha saber de posto em posto, como estávamos e dizia-nos que já tinha terminado tudo, que esta já se tinha passado e outras coisas. Tinha sempre uma palavra que nunca ouvimos dos nossos alferes ou furriéis.”

Eu segui os Caminhos habituais de "revista às Tropas”. De lanterna na mão (a tradicional garrafa de cerveja com petróleo e uma mecha a arder) fiz a pergunta sacramental:
-Por aqui, está tudo bem?

Por resposta, um ar de perplexidade e espanto e o dedo do meu interlocutor apontado para mim com uma expressão que não mais esquecerei:
- O meu Furriel parece um passador!

Olhei-me, passou-me o filme da Granada a rebentar na minha frente e aí, sim, senti a DOR dos estilhaços e a RAIVA de nem sequer haver sentido nada naquelas longas duas horas e meia.

Acho que o Ten Médico Rogério (CCaç 557) demorou mais umas quantas horas a retirar os múltiplos estilhaços da minha carne cauterizada e com pouco derramamento de sangue.
Ficou estabelecido, por minha vontade, que não seria registado Ferido em Combate e assim se fez. Das Cicatrizes, ficou a cicatriz moral, outra do corte (5cm) provocado por estilhaço de dimensões razoáveis e que se ficou pelo fémur (foto actual) e o corte do tendão que me impossibilita o movimento da falangeta no dedo mínimo da mão direita. Das restantes, talvez existam alguns fragmentos no meu corpo, mas que não se têm manifestado muito incómodos pelo que não lhes dou outra importância.
Para mim, na altura, a decisão que tomei, teve duas vertentes deveras importantes:

1.º - Providenciar por manter o desconhecimento, por parte do IN do acertar dos tiros efectuados (hipótese remota, mas, temporalmente provável), logo
2.º - Se transpirasse a notícia de ferido, iria dar no mesmo ponto de acerto do Tiro de Morteiros em acções futuras.

Este, o outro testemunho que faltava acrescentar àquele relato e que muitos Camaradas reclamavam fosse divulgado.

Apenas uma nota final: o EP do PAIGC estava em Formação e as Armas Pesadas no seu todo, já tinham como Instrutores/Combatentes os Militares Cubanos. Uma fuga de informação, nesta circunstância, teria sido fatal para as NT.
Como referi no Post, estas são apenas amostras com as consequências de se ser Bando, por Ordem Expressa de SEXA o CEM e GOVERNADOR, Brigadeiro Arnaldo Schults, que superiormente (por Ordem Directa, pessoal e verbal) determinou tal procedimento.

Abraço a todos, do
Santos Oliveira

Cicatriz do estilhaço no Joelho

Cicatriz do estilhaço no Joelho
__________

Notas de CV:

(1) 15 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

(2) 30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3544: O segredo de... (2): Santos Oliveira: Encontros imediatos de III grau com o IN

(3) 5 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3566: Blogoterapia (80): Um elogio vindo da Bélgica (Soldado Carvalho / Santos Oliveira)

3 comentários:

Anónimo disse...

Oliveira
Não deixo de comentar este seu texto, demonstrativo das ímpares e reais qualidades que o tomaram por referência pela invisibilidade por que passou na Guiné.
Na verdade, todos os seus relatórios foram transformados, por ordens de Lisboa, em informação oral, pelo que acredito não dever existir outros documentos.
Atesto que conheço a maior parte das descrições que tem feito e quero dar-lhe força para relatar tudo o que ainda se lembre para memória futura, embora a Pátria que amava e certamente ama, jamais venha a reconhecer-lhe qualquer feito.
Cumprimentos
F.J.Freitas
24ABR09

Anónimo disse...

É assim, Oliveira
a única coisa visível exterior que mostravas e tinhas vaidade, era a boina negra e o cinturão azul. Sei do que é que o nosso Major está a reportar. Foste a discrição maior daquela guerra. Mereceste bem do QG e do Comando a plena confiança que depositaram em ti.
Era eu quem destruía, no bidão, os teus relatórios e notas, após a sua transmissão.
Não fazias convivência com a malta e, porque não alinhavas nas bebidas, todos te consideravam muito introvertido. Errado e eu sabia. Apenas faltaram as asas para pareceres o que não eras.
Quem conheceu da tua situação militar no CTIG poderia falar. Mas poucos o foram. Contam-se pelos dedos, acredita.
Continua a contar dessas coisas, que bem vale a pena. Tenhas força e lembrança para tal.
Ver-nos-emos em breve se estiver no Convívio.
C.C.
Srgt.QP

Anónimo disse...

S.Oliveira
Parece que aquela granada te retirou as memórias.Não fazes referências ás centenas de estilhaços que tinhas pelo corpo e não deste nenhuma importância aos dois grandes cortes que tiveste na testa e na cabeça que te custaram 6 e 9 pontos, cosidos sem anestesia. Recorda, que deve fazer calafrios. Nem um ai, nem um pio.Doía-me mais a mim e quando me lembro ainda me dói.
Moreira
Furr.Milº