sexta-feira, 24 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4242: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (2): Curiosidades, humor, histórias do Gasparinho (José Afonso)

1. Continuação do texto anexo à mensagem de José Afonso, ex-Fur Mil da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, com data de 22 de Abril de 2009, sobre a sua Companhia e seu Comandante, Capitão Salgueiro Maia.


CURIOSIDADES / CCAV 3420 (Bula, 1971/73)

[Fixação / revisão de texto / subtítulos: L.G.]

Quando a Companhia de Cavalaria embarca em Lisboa, leva já consigo a sua 1.ª receita: um jogo de Matraquilhos que em 6 dias de viagem esteve sempre ao serviço. Trabalhava de dia e noite sem parar. Foi um bom Fundo de Maneio. Quando chegámos a Bula, o mesmo jogo foi posto em frente do alçado da caserna dos soldados da Companhia, continuando ali a dar a receita pretendida.

Talvez vendo a fonte de receita que ali tínhamos, o Comandante do Batalhão pede a Salgueiro Maia que mande retirar dali os respectivos Matraquilhos, pois estavam em local central do Batalhão e não davam muito bom aspecto.

Não se tendo conseguido nessa altura demover a tomada de posição do Comandante do Batalhão, lá tiveram que ir os Matraquilhos para o Esquadrão de Reconhecimento Panhard. Aqui a receita era insignificante já que os homens eram muito menos, e também nem sempre o pessoal da Companhia ou Batalhão se deslocava cerca de 300 metros para jogar matrecos.

Salgueiro Maia tinha de arranjar maneira de os matrecos regressarem à origem. Como o Batalhão tinha falta de padeiros e os dois da Companhia estavam emprestados ao Batalhão, Salgueiro Maia vai dar a volta ao Comandante, dizendo que, com a falta de pessoal que tinha, necessitava dos padeiros da Companhia para alinharem para o mato. Levava já na manga a hipótese de deixar os padeiros onde estavam e, como contrapartida, os Matraquilhos regressarem ao Batalhão e colocados nas traseiras da caserna.

A esta proposta o Comando do Batalhão cedeu e uma vez mais Salgueiro Maia venceu.





Uma heli-evacuação

Quando a 28 de Novembro de 1971, um elemento da Companhia acciona uma mina, ficando sem uma perna e outro elemento também ferido, ambos do 3.º Grupo de Combate,  é solicitada a evacuação por Via Aérea para o Hospital de Bissau.

Ao chegar o helicóptero, sai dele uma enfermeira, que ao ver o soldado Santos sem roupa diz que assim não leva o ferido. Para ser socorrido, utilizaram-se os restos das calças para fazer garrotes à perna e ao braço. E com tiras da roupa seguram-se alguns pensos que tapam feridas menores. O homem estava nu.

Para satisfazer o pedido da enfermeira, foi pedido ao enfermeiro que tinha uma camisola interior vestida para que a tirasse e com ela tapasse o soldado ferido.


As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião


Em Abril de 1972 aos elementos da Companhia que estavam no período de descanso, Salgueiro Maia pede voluntários para ir ao Km 13 da Estrada Bula – S. Vicente onde o 1.º Pelotão da Companhia estava emboscado e necessitava de apoio devido a um grupo de Balantas, que vinha do Senegal onde tinha ido roubar vacas, ter caído no campo de minas e algumas vacas andarem na estrada. Assim vão elementos da CCAV 3420 até ao local.

São apanhadas 2 vacas que são carregadas numa GMC. Satisfeitos os elementos da Companhia, com Salgueiro Maia à frente entram em Bula, gritando:
- Queremos carne.

À entrada do Batalhão está o Comandante que manda parar a coluna de 4 viaturas. Quando se pensava que ia dar um louvor aos voluntários, houve-se uma reprimenda do Comandante por a tropa vir a fazer muito barulho e, dá ordens para que a coluna entre na sede do Batalhão (a CCAV 3420 era uma Companhia de Cavalaria independente mas de reforço ao Batalhão de Infantaria). Toda a actividade mais perigosa era desempenhada pela 3420.

Contrariando as ordens do Comandante, Salgueiro Maia manda avançar a coluna para o Esquadrão de Reconhecimento Panhard 2641 que ficava aí a 300 metros do Batalhão pois, era ali que as vacas iriam ser comidas. Ao regressar ao Batalhão o Comandante dá ordem a Salgueiro Maia para que entregue as vacas porque diz ele que todo o material capturado ao IN tem de ser entregue ao Batalhão. Salgueiro Maia diz então que as vacas não foram capturadas, mas sim oferecidas e que foi o pessoal da Companhia que as foi buscar estando de descanso e o Batalhão não mandou sair nenhumas forças.

Mais diz Salgueiro Maia:
- As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião.

O Fur Mil Afonso de calções... à POP

Um dia no Destacamento de Capunga aparece um helicóptero a sobrevoar a Zona e, de seguida, faz-se para pousar no minicampo de futebol. Desconhecia-se quem vinha nele, pois não havíamos sido informados. O furriel Afonso, que na altura estava a comandar o Destacamento, dirigiu-se tal como estava para receber quem nele vinha. Está vestido como normalmente se anda nos destacamentos. De chinelos, sem bivaque, de t-shirt e calções que já tinham sido calças, agora transformados em calções que, com as vezes que tinham ido a lavar e como não tinham baínhas, se encontravam todos desfiados.

Vinha no helicóptero o Coronel, Comandante do COP de Teixeira Pinto e o Comandante da Companhia 3420. Ao ver o Furriel naquela figura, o Coronel pergunta se está apresentável... Antes que o furriel Afonso diga alguma coisa, Salgueiro Maia olha para o Coronel e diz:
- Não vê, meu comandante,. que está com uns calções à POP!

O Velhinho, antigo refractário

Havia na Companhia um soldado que quis fugir à tropa e, então deu o salto para França. Mas, quando o irmão foi nomeado padre e disse a 1.ª Missa, não resistiu e, porque era de Monção, atravessou a fronteira para assistir à missa. Com a informação da Pide, o nosso amigo, foi preso e acabou por ter que fazer a tropa pelo que apareceu na Companhia já com os seus 30 anos. Era por isso conhecido como o Velhinho. Este era um elemento do 3.º Grupo de Combate que nas operações gostava de ir sempre à frente com a HK21 e faca de mato à cintura e dizia para o Capitão:
- Se um dia apanho um turra morto, o capitão vai deixar-me cortar uma orelha para fazer um porta-chaves e os testículos para fazer uma bolsa.

Era homem para isso, só que não estava autorizado a fazê-lo.


Guardando as costas dos senhores da guerra do ar condicionado


Havia determinadas datas em que se fazia a chamada Guerra de Bissau. Datas como Natal e Páscoa, datas do aniversário do PAIGC e datas em que Bissau sofreu alguns ataques.

Assim fazia-se deslocar tropa para os sítios donde o IN alguma vez atacou Bissau ou para zonas de onde era possível atacar. Assim, 2 Pelotões da CCav 3420 por duas vezes foram mandados para Nhamate. Foi o 1.º pelotão por 2 dias duma vez e o 3.º de 19 a 24 de Novembro de 1971.



Fizemos Bula – Binar - Nhamate a pé, para ali passar 5 dias. Em Nhamate, estava a Companhia de Artilharia 3330, não só aqui como nos destacamentos de Manga, Unche e Changue mas era em Nhamate a sua sede de comando.

Achamos estranho quando no primeiro dia, ao pôr-do-sol, toca o clarim para a formatura do arriar da Bandeira. É formada a secção em frente mas o engraçado é que depois da bandeira descida, em vez de o Furriel mandar direita volver, manda meia volta volver. E, nesta posição, de costas para o pau da bandeira, cantava-se:
- E viva a Pátria, viva o nosso General! 

Ao mesmo tempo mandavam como que um coice e gritavam:
- PUM!!!

Histórias do Gasparinho

O Comandante desta Companhia inicialmente foi o célebre Capitão Gaspar, mais conhecido por Gasparinho, que como foi promovido a Major foi para a COP de Mansabá. Na altura que estivemos ali, o Capitão Gaspar, já não estava mas as histórias contadas são hilariante e nem parecem ser reais. Eis algumas delas:

1 - Semanalmente de Nhamate ia uma coluna a Binar buscar os reabastecimentos. Era uma longa picada que deveria ser picada devido à hipótese de haver minas na zona. Isso não se fazia. Ou se montava uma HK21 na primeira viatura e se varria a picada à rajada ou então o Capitão Gasparinho picava-a à rajada de G3, tendo para isso sempre ao lado um homem que assim que acabava um carregador de imediato lhe passava outra G3. Era como ele dizia o reconhecimento pelo fogo.

2 - Em Junho de 1971, Bissau é atacado por foguetões de 122 mm. À Companhia do Capitão Gaspar é dada ordem para ocupar a Ponta Cuboi com um Pelotão, evitando outra possível flagelação de Bissau. Era difícil a esta Companhia dividir-se por 4 locais e a Companhia também não tinha rádios para o pessoal a destacar.

O Capitão Gaspar pedia muitas vezes através de mensagem algum material de que necessitava. Como já era demais conhecido em todas as Repartições de Bissau, quase nunca lhe era dado um sim. Desta vez pediu rádios AVP1. Responderam-lhe que Teixeira Pinto tinha sido o homem que havia pacificado a Guiné e conseguiu fazê-lo sem rádios. Resposta por mensagem:
- Então mandem-me o Teixeira Pinto.

Teixeira Pinto não veio mas o Capitão teve de cumprir a missão. Depois do Pelotão ter saído para Ponta Cuboi, enviou nova mensagem para Bissau:

Em referência às vossas mensagens, informo missão cumprida. Solicito autorização contratar 40 guardas-nocturnos a fim de garantir segurança às minhas posições.

O Pelotão de Ponta Cuboi fazia rotação entre os 4 da Companhia e patrulhava a zona 24 horas por dia. Ao sair para este patrulhamento, o Pelotão saía de modo muito original, com os homens equipados e armados em coluna de dois, cantando em coro, ao ritmo da marcha:

Cá vai a 30
Com arquinhos e balões
Vai P’rá Ponta Cuboi
Ver passar os foguetões!


3 - A Companhia de Nhamate necessitava de uns botes para um dos destacamentos patrulhar um rio. Claro que se pedem uns novos a Bissau pois os que existem metem água. Como sempre, a mensagem chega com um não. Mas, como o Capitão Gasparinho não era de desistir, manda nova mensagem dizendo que estava em época das chuvas, o quartel era subterrâneo, as casernas estão inundadas e o 1.º sargento não sabe nadar. E, assim sendo, que mandassem com urgência pelo menos um bote.

4 - Em Nhamate, como em toda a Guiné de vez enquanto aconteciam pequenos tornados, anunciando que pouco tempo depois iria chover torrencialmente. Uma das vezes voaram as chapas que cobriam algumas casernas do destacamento de Nhamate. Então o Capitão Gasparinho envia uma mensagem a todas as Unidades, com grau de urgência relâmpago, nos seguintes termos:

- Solicito e informem se viram passar as minhas chapas de zinco!

(O grau de urgência relâmpago obrigava a cessarem todas as comunicações rádio, pois era normalmente utilizado para pedir evacuações aéreas, quando havia vidas em perigo)

5 - Durante o período do Natal, o General Spínola visitava todas ou quase todas as tropas aquarteladas na Guiné, mesmo aquelas estacionadas em sítios mais perigosos. Deslocava-se quase sempre de Heli e um Heli-Canhão de apoio. Nestas deslocações toda a zona onde ele circulava e os sectores envolventes tinham instruções para toda a rede de rádios estar em escuta permanente. Como estava prevista a ida a Bula, o Comandante do Batalhão de Bula, ordenou que a Companhia do Capitão Gaspar informasse a sede do Batalhão logo que os hélis sobrevoassem Nhamate e se deslocassem para Bula.

Considerando a importância da missão, o Capitão Gaspar achou conveniente ir pessoalmente para o rádio e, assim, logo que ouviu barulho dos hélis a aproximarem-se chamou o comando do Batalhão de Bula ao rádio e informou:

- Informo Vexa (vossa excelência) que Sexa (sua excelência) passou na mecha !!! Terminado.

No dia seguinte todas as unidades do Teatro de Operações da Guiné receberam a seguinte mensagem:

- A partir desta data é expressamente proibido o uso de abreviaturas SEXA e VEXA.

São muitas e muitas as histórias do Capitão Gaspar ou Gasparinho, não só as passadas na Guiné mas também as de Moçambique. O Furriel de Transmissões desta Companhia deve ter um rol delas para contar pois por ele passavam todas as mensagens ou, pelo menos, tinha acesso a elas como responsável. E foi ele um dos que nos contou algumas quando por apenas 5 dias ali estivemos, não estando já lá o Capitão Gasparinho.

6 - E para terminar este rol de aventuras do Capitão Gasparinho, só mais uma história que, segundo consta, chegaram a vender-se cópias a 20$00 em Bissau. Era uma nota enviada de Nhamate em Março de 1971, ao Comandante de Engenharia de Bissau, com conhecimento do Comando Operacional n.º 3, às Repartições de Operações, População, Assuntos Civis e Acção Psicológica e ao Comandante de Batalhão de que dependia a Companhia.

O assunto da nota era o Quartel de Nhamate ou, mais propriamente “O ABARRACAMENTO.”

1 - Exponho a V. Ex.ª um dos assuntos mais vitais para a continuidade militar e humana de Nhamate.

2 - Passo a descriminar:

a) Depósito de Géneros: quando chover fico sem pão pelo menos 15 dias. Julgo que não é muito agradável.
Informo V. Ex.ª que não como pão.
Gordo, estou eu.
E os outros géneros?
E os autos subsequentes?
Só problemas.

b) Casernas: barracas de lona, todas oficialmente dadas incapazes. Na Birmânia, viveu-se assim um ou dois meses. Os quadros vivem-no há dez anos e os milicianos (os meus, de certeza) dão o litro até ao fim.

Os soldados dão tudo. Há que tudo lhes dar na medida do possível.

c) Cantina: e o tabaco? Desde Napoleão e Fredy da Prússia que o tabaco era uma das bases da eficiência do Exército.

Como combater ou trabalhar sem o velho cigarrinho? E os outros Géneros?
V. Exª. mais experiente meditará sobre o assunto.

d) Caserna de cimento: É único exemplar. Vou demoli-lo. Não tenho materiais. Solicito auxílio da Engenharia.

e) Messe: Desde o início das chuvas não necessita de garrafas de água. Basta as mesmas estarem abertas para que se encham com a água da chuva que cai na referida messe; Ponchos e gabardines: já temos.

f) Chapas de Zinco: ao mínimo vento já voaram no Quartel.

g) Gabinete do Comandante e 1.º Sargento: Com as chuvas, eu e o 1.º Sargento só temos como solução entrar no gabinete de escafandro, visto estar 2 metros abaixo da superfície do solo.

h) O meu pessoal só poderá transitar em canoas balantas. E, alguns não sabem nadar.
Conclusão: Siga a marinha!

3 - Este quartel tem de ser revisto por um oficial de Engenharia, senão começo a construir um novo com os materiais dos Reordenamentos, contra a norma, o que é aborrecido, contende com a disciplina e eu não gosto.

4 - Agradecendo a boa atenção de V. Ex.ª, gostaria de aqui ter como convidado um Sr. Oficial de Engenharia por vários dias, a fim de concordar ou condenar as minhas asserções supras.

Cumprimentos

__________

Nota de CV:

Vd. postes de:

26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1213: A CCAV 3420, do Capitão Salgueiro Maia, em socorro a Guidaje (José Afonso)

23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4240: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (1): Era uma vez... (José Afonso)

8 comentários:

Unknown disse...

Estas e outras estórias não darão um bom book ?
Parabens pela forma como as apresentaste.

Jorge Fontinha disse...

A propósito do Capitão Gasparinho, as Estórias, que lhe são atribuídas, são tantas e tão, variadas que já na altura, se tornaram lenda.Entre muitas e estou convicto que todas elas eram verdadeiras, a que mais me encantou, foi a dos ESCAFANDROS.
o Capitão Gasparinho, num acto de impotência para solucionar o problema de infiltração de água no seu destacamento, teve de recorrer a situação extrema.Na altura das chuvas, tudo quanto era sítio, metia água.O Capitão Gasparinho pra resolver o que era mais urgente, solicitou a Bissau, a requisição de meia dúzia de escafandos, pois alguns militáres e nomeadamente, o 1ºSargento da Secretaria, não sabia nadar...iouu.
É bom que quem tenha conseguido compilar estas Estórias do Capitão Gasparinho, as traga para o Blogue.Houve muita gente que o fez.
Um abraço de nostalgia e boas recordaçõs destes episódios.

JORGE FONTINHA

António Duarte disse...

Indispensável encontrar o Cap Gaspar. Por certo é homem de humor e nesse caso é uma éspecie em vias de extinção.
É imperativo "obrigá-lo" a contar todas a histórias (não escrevo estórias porque não gosto)por ele vividas.
António Duarte
Ex Cart 3493 e Ccaç 12 (71 a 74)

Miguel disse...

É pena que as inverdades contidas num sub-capítulo destas histórias possam pôr em causa a credibilidade do resto que ali está contado. E é pena porque quem é focado (e mal) já nem está cá para se poder defender. A Enfª Celeste não estava na Guiné em NOV71 (só foi para lá em princípio de 1972); a Enfª Celeste morreu em princípio de 1973 (penso que em Fevereiro); a Enfª Celeste embateu num hélice de um DO-27 quando se preparava para embarcar nesse avião para fazer uma evacuação.
Era bom que quem conta histórias sobre os outros tenha a certeza de saber o que está a dizer, sob risco de ofender a memória das pessoas focadas.
Miguel Pessoa

Luís Graça disse...

Meu caro Miguel Pessoa:

Houve aqui um lamentável lapso. Devo reconhecer que no melhor pano cá a nódoa...

Quem, em subtítulo, mencionou inicialmente o nome da malograda Maria Celeste Ferreira da Costa, Enf Pára-quedista, não foi o autor do poste, João Afonso, mas o editor L.G. [Luís Graça].

A nossa camarada da FAP morreu de facto, de acidente, em 10 de Fevereiro de 1973. Na data indicada pelo José Afonso (29 de Novembro de 1971) ela não estava de facto na Guiné...

A história contada pelo José Afonso mereceu, logo, da parte de malta da FAP, uma resposta de indignação, por estar em causa a honra e a memória da Maria Celeste...

O texto já foi corrigido hoje pelo editor L.G., por conter um grave erro factual: nenhuma enfermeira pára-quedista morreu, em 29 de Novembro de 1971, devido a acidente com uma hélice de um Nordatlas... E muito menos a Maria Celeste!

Fica por esclarecer, por parte do José Afonso, quem seria então essa enfermeira pára-quedista a que se refere este excerto:

"Quando a 28 de Novembro de 1971, um elemento da Companhia acciona uma mina, ficando sem uma perna e outro elemento também ferido, ambos do 3.º Grupo de Combate é solicitada a evacuação por Via Aérea para o Hospital de Bissau.

"Ao chegar o helicóptero, sai dele uma enfermeira, que ao ver o soldado Santos sem roupa diz que assim não leva o ferido. Para ser socorrido, utilizaram-se os restos das calças para fazer garrotes à perna e ao braço. E com tiras da roupa seguram-se alguns pensos que tapam feridas menores. O homem estava nu.

"Para satisfazer o pedido da enfermeira, foi pedido ao enfermeiro que tinha uma camisola interior vestida para que a tirasse e com ela tapasse o soldado ferido". (...)

As enfermeiras pára-quedistas (representadas aqui, no nosso blogue, pela Giselda Pesssoa) não gostaram desta história que parece estar mal contada... O Miguel, naturalmente, também não gostou...

Já houuve também reacções de indignação no blogue dos Especialistas da BA 12, Guiné, 1965/74:

Foi o caso, por exemplo, do Manuel Lanceiro, especialista MMA: Vd. poste
http://especialistasdaba12.blogspot.com/2009/04/voo-930-camarada-celeste-na-tabanca.html

Mais valia prevenir do que remediar... Acabámos por remediar, ou melhor atamancar... À Maria Celeste, que está no céu dos combatentes, aí vai uma prece,com pedido de perdão... Às suas camaradas enfermeiras pára-quedistas e aos demais camaradas e amigos da BA 12, Bissalanca, o pedido para que aceitem as nossas sinceras desculpas...

No caso do editor L.G., ele vem aqui reconhecer que foi traído pela pressa e pela memória... Além disso, não esclareceu, como devia ter feito, com o autor da história, José Afonso, este episódio que pode ser (ou é) considerado ofensivo para o bom nome e o comportamento ético das únicas mulheres que fizeram a guerra da Guiné...

Vou pedir ao Afonso que nos esclareça melhor sobre o que se passou... É bem possível que ele também seja sido traído pela memória...~É uma pessoa de boa fé e um bom camarada. Espero, por outro lado, que ele ou os seus camaradas da CCAV 3420 tenham ouvido e/ou interpertado mal as palavras da enfermeira que veio, em 28 de Novembro de 1971, fazer uma heli-evacuação...

Luís Graça disse...

Desde já, fico grato pela abertura de espírito e compreensão do nosso camarada Victor Barata, 'patrão' do blogue Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74. A mensagem que me mandou merece figurar aqui, como comentário:

"Olá, Luís.

"Desde já agradecido pela tua resposta. Realmente só com pessoas com este elevado grau de humildade e frontalidade, se pode ter um Blog com a dimensão do teu.

"Ao mesmo tempo as minhas desculpas pela reacção instantânea como reagi a este assunto, mas a falta de veracidade dos factos pode levar a muita coisa, inclusive,ao descrito do próprio Blog.

"Se concordares, nem precisas de publicar o mail dos Especialistas da BA12, penso que quanto mais se mexer nas coisas, mais...mal cheiram.

"Um abraço. Victor"...

Victor: Faz o que melhor atenderes. Eu, por mim, não tenho medo de dar a mão à palmatória... Quando erro, sou capaz de reconhecer o erro e pedir as minhas desculpas.

Como sabes, já corrigi no blogue o erro (factual): a pobre da Maria Celeste nã era ouvida nem chamada nessa história do militar, ferido, que ia ser evacuado de heli e estava nu... A haver alguma enfermeira pára-quedista que, inverosimilmente, se recussasse a levar um ferido nú (!), essa nunca poderia ser, em 28 de Novembro de 1971, a Maria Celeste...

Mas quem ler o teu blogue, vê que a malta da Tabanca Grande fez merda... Involuntariamente, mas fez merda. E a merda cheira sempre mal, como tu reconheces... Um abração para ti. Luís

Anónimo disse...

Mensagem do José Afonso para i editro do blogue:

Amigo Luis:

1 - Acerca da situação da enfermeira para-quedista ter falecido ou não nessa data, lamento se isso não é correcto. Os elementos feridos eram do meu grupo de combate, não da minha secção. Logo na altura se comentou o facto de a enfermeira exigir que se tapasse o soldado Santos que accionou a mina, ficando sem parte duma perna. Quanto à á morte da enfermeira fi-lo pelo referência que Salgueiro Maia fez no seu livro, pag 47 "Capitão de Abril"- Histórias da Guerra do Ultramar e do 25 de Abril-Depoimentos

2 - Falei -te na história da CCav 3420 mas não é para publicar nenhum livro pois será apenas para juntar à História que em parte foi feita na altura, alguns artigos publicados no jornal da Companhia, fazer uma ilustração com fotos das várias zonas por onde passamos e, no almoço que organizo anualmente em que há sempre uma lembrança a entregar aos antigos elementos, entregar um CD, isto em 2010 já que o próximo almoço é já dia 30 em Buarcos.

As minhas desculpas quanto à morte da enfermeira se não conrresponde à verdade mas isso eu referi pelo que foi escrito no livro atrás citado.

José Afonso
josebaptistaafonso1949@gmail.com

27/4/09, 18h51

Luís Graça disse...

O José Afonso foi induzido em erro por uma informação incorrecta do Salgueiro Maia, no seu livro Capitão de Abril..., 3ª edição (Lisboa: Editorial Notícias, 1995, p. 47).

O episódio do soldado da CCav 3420 que fica gravemente ferido numa mina antipessoal, não está datado (vd. Quando as cartas não dão sorte, pp. 46-47). Mas há uma referência do autor, Salgueiro Maia(quanto a mim infeliz...)a um enfermeira pára-quedista "bonita e loura", que faz uma observação sobre o nudez do ferido, e que deve ter sido mal interpretada...

Mas "por fim,, o heli levanta, o homem salva-se. No dia a seguir, a enfermeira, ao aproximar-se de um Nord-Atlas, distrai-se, não vê que uma hélice do avião está em movimento e é feita em pedaços"...

Já falei, ao telefone com o Victor Barata, que estava na BA 12, em Bissalanca, nesse funesto dia 10 de Fevereiro de 1973... Também pode acontecer que o triste episódio da mina e da helievacuação não tenha ocorrido em Novembro de 1971, como sugere o José Afonso, mas sim em Fevereiro de 1973...

Nessa altura Salgueiro Maia e o seu pessoal da CCav 3420 ainda estavam na Guiné: tinham chegado em Julho de 1971 e só regressam à Metrópole em Outubro de 1973, "com seis meses de comissão a mais" (p. 69), depois de uma heróica missão de socorro a Guidaje, cercada pelo PAIGC (em finais de Maio de 1973).

Entre camaradas não há ressentimentos, como eu e o Victor já tivémos ocasião de o dizer um ao outro.

É essa postura, de verdade e de frontalidade, que eu faço questão de cultivar no nosso blogue. Temos de ter mais cuidado quando há referências a nomes de camaradas nossos a datas, sobretudo se essas referências põem (ou podem pôr) em causa o "bom nome", a "honra", a "memória" de pessoas que já não está cá para infirmar ou desmentir os factos, ou apresentar a sua versão dos acontecimentos...