Segunda parte da mensagem de apresentação do nosso camarada Fernando Oliveira (*), ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné 1968/70), com data de 10 de Abril de 2009:
A minha tropa [1]
Guiné -> Out.68 a Dez.70 -> 26 meses [1]
Há cerca de três meses, vi na televisão parte de uma reportagem desenrolada em Guidage, no norte da Guiné, a respeito da identificação, para posterior trasladação, dos restos mortais de soldados que no início dos anos 70, devido a situações dramáticas vividas lá na altura da guerra colonial, tiveram de ser sepultados naquela zona [procedimento ao arrepio do que era normal, ou seja, o envio dos corpos para a metrópole e a sua entrega aos familiares].
Lembrei-me, então, que estive na Guiné durante 26 meses da minha tropa, e que dois ou três deles foram passados naquela povoação. Recordei também algumas das peripécias que lá vivi ou presenciei. E recordei ainda a boa sorte que me acompanhou durante todo aquele tempo.
Cheguei a Bissau em finais de Outubro/68, após uma viagem de uma semana a bordo do "Uíge". Na época, este navio de passageiros estava requisitado para o transporte de tropas destinadas ao Ultramar e, por isso, seguiam a bordo mais de dois mil militares. E, destes, a grande maioria era constituída por soldados rasos que viajaram nos porões em péssimas condições.
N/M Uíge (1954/1974) pertencente à Companhia Colonial de Navegação.
Com a devida vénia a http://navios.no.sapo.pt/
O meu grupo viajou em camarotes e era constituído por vinte e poucos furrieis milicianos das Informações, especialidade que tínhamos tirado juntos em Tavira no fim do ano anterior. Fomos todos mobilizados em rendição individual para a Guiné [numa altura em que já estávamos esperançados de não ir para o Ultramar, visto que um mês depois outra fornada de milicianos terminaria a especialidade].
Como aquele navio era de grande calado, teve de ficar ao largo do porto de Bissau. O transporte das tropas para o cais foi feito em barcaças. A meio da tarde, o meu grupo chegou ao cais, todos vestidos com fardas de camuflado, novas a estrear, compradas umas semanas antes no Casão Militar. [E, por causa dessas fardas novas, os militares chegados pela primeira vez à Guiné eram apelidados de periquitos].
Fomos, então, os vinte e tal, distribuídos por viaturas Unimog e GMC [viaturas militares de caixa aberta e banco corrido ao centro] a caminho do Quartel General. A mim e a mais cinco, calhou o transporte numa velhinha GMC. A meio do trajecto, a nossa viatura avariou e... nem para a frente, nem para trás. O soldado que a conduzia apanhou uma boleia e foi ao QG arranjar outro meio de transporte, enquanto nós, os seis periquitos, ficámos à espera, sentados no banco central da gê-éme-cê.
Entretanto, o tempo ia passando e... nada! O transporte alternativo tardava. E o tempo continuava a passar. Eram mais ou menos seis da tarde e... de repente, anoiteceu! E nós, os periquitos, acabados de chegar a Bissau, sentados na GMC, às escuras numa estrada sem luz, estávamos ali todos cagadinhos de medo. Olhávamos em redor e apenas conseguíamos vislumbrar vultos a passar a pé ao lado da viatura. Seriam turras?... [designação dada aos combatentes das forças de libertação que o regime salazarista chamavava de terroristas].
Após duas horas e tal de espera, finalmente chegou o condutor com outra viatura. E, já noite feita, lá nos conduziu ao QG.
Mas, daqueles caguefes e de algumas cuecas borradas, já ninguém nos livrou!
Fernando Oliveira
ex-Fur Mil Rec Inf
Guiné 1968/70
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4214: Tabanca Grande (135): Fernando Oliveira, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1968/70)
Vd. último poste da série de > 18 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4206: Estórias avulsas (29): Fur Mil Aguinaldo Pinheiro, o morto-vivo do BART 1913 (Jorge Teixeira)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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