quarta-feira, 28 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6263: Ser solidário (65): Solidariedade não é caridadezinha (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 19 de Abril de 2010:

Caros Luis, Vinhal, Magalhães. Briote e restante Tabanca Grande
Este texto é dedicado a todos camaradas, que na amizade recolhem algum conforto para as suas dificuldades.

Um abraço para todos
JA


SOLIDARIEDADE

Não nos vemos há 38 anos e mais uns pozinhos. Voltámo-nos a encontrar aqui no blogue no inicio de 2008, quando pela primeira vez reparei num poste, em que ele dizia ter pertencido ao meu Batalhão.

Trocámos e-mails e recordações, enfim tornámo-nos amigos embora à distância, uma vez que em Galomaro só nos conhecemos de vista.

No último almoço no Cartaxo esperava encontrá-lo, mas tal não aconteceu, quando o questionei sobre isso, ele disse-me que a vida não estava fácil e nunca mais tocámos no assunto.

Há largos meses atrás, comunicou-me que estava doente e possivelmente deixaria de responder por algum tempo aos e-mails, que trocava com um grupo de amigos ex-combatentes.

A nenhum avisou da gravidade do seu estado de saúde.

Ofereci-me para falar com alguém e ajudá-lo no que pudesse, mas o nosso camarada, nunca mais respondeu às minhas mensagens.

Fiquei a pensar no orgulho, que todos precisamos de ter e na confusão que por vezes se faz entre solidariedade e caridade.

O meu camarada pensará, que quem aceita a caridade dificilmente se revolta.

A caridade pratica-se com os vencidos, ela afoga-nos, torna-nos seres perto do abismo e presa fácil do que sempre rejeitamos.

Lá dizia o poeta Aleixo sobre;

A ESMOLA NÃO CURA A CHAGA;
MAS QUEM A DÁ NÃO PERCEBE
QUE ALVITA, QUE ELA ESMAGA
O INFELIZ QUE A RECEBE

Brincar à caridadezinha é profissão de certas classes que assim mostram aos outros “ olha que bonzinhos que nós somos” “que seria destes pobrezinhos se não fôssemos nós?”

A caridade só existe, porque uns cada vez têm de mais e outros cada vez têm de menos.

É pois, se assim se poderá chamar, uma distribuição injusta pois eles não dão os que lhes faz falta, mas sim um pouco das suas sobras e dão a conta gotas porque assim mantêm a necessidade.

É isso que eles entendem por caridade pois solidariedade eles não sabem o que é.

Solidariedade é repartir o último cigarro, o último pedaço de pão, a última água do cantil. Dar o que nos faz falta a nós e não o que nos sobra.

Nós ex-combatentes sabemos do que falamos.

Depois de tentar saber dele por diversas vezes, finalmente sobe que estava relativamente bem após a primeira fase dos tratamentos de quimioterapia e que entretanto recomeçaria nova dose dos mesmos.

Penso no meu camarada, que no seu sofrimento e apesar dele, mantêm uma atitude de desprezo perante a adversidade.

Serão assim os que embora possam ser derrotados, nunca serão vencidos.

Nunca estenderão a mão suplicante, para que lhes dêem migalhas.

Quando a tempestade passar, voltaremos a trocar e-mails, fotos, recordações e quem sabe bebermos uma bem fresquinha, em memória daqueles tempos.

Um abraço solidário do teu camarada
Juvenal Amado


2. Comentário de CV

Sei quem é o camarada em causa, mas acho que ele tem direito à sua privacidade, logo não divulgo a sua identidade.

Ele disse-me que ia deixar de nos contactar por estar muito doente e precisar de tratamento agressivo que o ia afastar durante uns tempos. Enviei uma mensagem desejando-lhe as melhoras e coragem para vencer a adversidade, mas já não obtive resposta.

Caro camarada, se nos leres, fica a saber que estamos todos a torcer para que venças a doença e voltes a enviar-nos a tua música por muitos já esquecida.

Sei que o Juvenal é teu amigo e quer ajudar-te. Responde-lhe. Entre camaradas não há que ter orgulho.

Um abraço solidário para ti e um bem haja para o Juvenal, sempre atento.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6166: Tabanca Grande (212): Manuel Carvalho Passos, Pel Rec Inf/CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/73 (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6216: Ser solidário (64): Teixeira Pinto (actual Canchungo). Manjaco Francês (Fabien Gomis)

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro Juvenal Amado.

Não posso deixar de enaltecer o teu sentido de camaradagem e solidariedade para com um teu / nosso camarada que atravessa situação complicada.

No texto dizes as verdades todas acerca da caridade entendida como tal, e percebo a tua necessidade de ajudar, mas quando as desgraças da vida nos tocam, evitamos dar trabalho a quem mais gostamos.

Desejo que rapidamente tu e o teu amigo se possam encontrar, será sinal de que o pior já passou, faço votos sinceros para que tal aconteça.

Um grande abraço para ti, e para o nosso camarada.

Manuel Marinho

Hélder Valério disse...

Caro Juvenal

Já por mais que uma vez pudemos ser testemunhas do teu alto sentido de solidariedade, que não caridadezinha, como bem salientaste.

Felicito-me por te ter como amigo, 'achado' aqui no nosso Blogue, embora se calhar, sem o sabermos, já o fossemos há tanto tempo...

Com o complemento que o Vinhal deu ao teu desabafo penso que foram criadas condições para que esse teu amigo e nosso camarada, se e quando ler o que lhe dedicamos, perceba que, para além de lhe desejarmos uma pronta e rápida recuperação, também manifestamos o desejo que se sinta bem no aconchego possível que lhe conseguirmos proporcionar.

Um abraço
Hélder S.

Joaquim Mexia Alves disse...

Meu car camarigo Juvenal

Tu nunca me "enganaste"!!!

Um coração aberto aos outros!

Ah se fossemos todos assim e em todas as circunstâncias!

Percebo o que dizes sobre a caridade, porque infelizmente a palavra caridade anda pelas ruas da amargura.

Mas a verdadeira caridade é coisa diferente.

Caridade é uma das sete virtudes teologais . Tem o mesmo significado que o Ágape.
Ágape (em grego "αγάπη", transliterado para o latim "agape"), é uma das diversas palavras gregas para o amor.

E não conheço melhor definição para a caridade, para o amor, que a descrita na 1ª Carta aos Coríntios de São Paulo, em que algumas Bíblias utilizam mesmo a palavra caridade em vez de amor.

Aqui fica.

«Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos,
se não tiver amor, sou como um bronze que soa
ou um címbalo que retine.
Ainda que eu tenha o dom da profecia
e conheça todos os mistérios e toda a ciência,
ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas,
se não tiver amor, nada sou.
Ainda que eu distribua todos os meus bens
e entregue o meu corpo para ser queimado,
se não tiver amor, de nada me aproveita.
O amor é paciente,
o amor é prestável,
não é invejoso,
não é arrogante nem orgulhoso,
nada faz de inconveniente,
não procura o seu próprio interesse,
não se irrita nem guarda ressentimento.
Não se alegra com a injustiça,
mas rejubila com a verdade.
Tudo desculpa, tudo crê,
tudo espera, tudo suporta.
O amor jamais passará.
As profecias terão o seu fim,
o dom das línguas terminará
e a ciência vai ser inútil.
Pois o nosso conhecimento é imperfeito
e também imperfeita é a nossa profecia.
Mas, quando vier o que é perfeito,
o que é imperfeito desaparecerá.
Quando eu era criança,
falava como criança,
pensava como criança,
raciocinava como criança.
Mas, quando me tornei homem,
deixei o que era próprio de criança.
Agora, vemos como num espelho,
de maneira confusa;
depois, veremos face a face.
Agora, conheço de modo imperfeito;
depois, conhecerei como sou conhecido.
Agora permanecem estas três coisas:
a fé, a esperança e o amor;
mas a maior de todas é o amor.»

Coloco o nosso camarada nas minhas orações.

Um forte e camarigo abraço para todos

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Bravo, Juvenal, por trazeres até nós as tuas preocupações e reflexões sobre mais um caso de infelicidade (associado à doença e à solidão) de um camarada nosso do teu batalhão...

Valha-nos ao menos a(s) nossa(s) palavra(s) de afecto, de compaixão, de solidarieddae, de camaradagem, numa época em que a tendência é para o agravamento dos egoísmos e individualismos.

Obrigado ao Carlos Vinhal por estar atento.

António Tavares disse...

Caro.....

Quero continuar a lembrar-me de ti como eras há mais de 50 Anos...
enérgico,voluntário,generoso,...
Estivemos em Galomaro, um pequeno período de tempo, o teu BCaç.3872 rendeu o meu BCAÇ.2912.
Cá espero correspondência tua.
Para ti um abraço...
Ao Juvenal,que conviveu contigo naquelas matas da Guiné,o meu agradecimento pelo seu escrito tão rico em qualidades.
Um abraço aos dois do,
António Tavares