
Queridos amigos,
Quando rememoro esta viagem, não esqueço a ingestão de líquidos e o bálsamo do ar condicionado. Foi um fim de Julho em que estrondeou um calor que deitava abaixo qualquer vontade de andar por ruas, entrar em igrejas, mirar fachadas de edifícios espetaculares, acresce que a Benedita há muito que falava na viagem e a tudo resistiu, divertiu-se à grande numa piscina numa bela casa de turismo de habitação em Terrenho, perto de Trancoso.
Andou-se por castelos, chegou-se a Foz Côa, a riqueza fabulosa das gravuras rupestres está à nossa espera.
Um abraço do
Mário
Pelos caminhos de Trancoso até chegar a Foz Côa (1)
Beja Santos
O passeio foi idealizado a uma certa distância, nada faria supor que se chegava a Trancoso e depois a belos lugares como Terrenho, Penedono e Marialva com temperaturas abrasadoras, o que confrangia, a Benedita estava com cinco anos e meio. É com redobrado prazer que entro em Trancoso, uma cidade que conheci graças à minha amizade com Luís Rodrigues, que habita em Rio de Mel, será aí que de algum modo nos iremos amesendar. Compraz-me o seu belíssimo centro histórico, as suas muralhas, o altaneiro castelo, as ruas e ruelas do passado, a presença judaica. Aqui estão as Portas do Prado, daqui se saía para Viseu ou Lamego, neste caso por aqui entrámos em grupo, o alvo era o centro histórico e depois uma sombra e uns líquidos para matar a sede.
Estamos em Terrenho, ficamos no Solar dos Almeidas, de um equipamento apodrecido um casal lançou-se à empreitada e conseguiu um milagre de renovar sem beliscar o passado de uma casa afidalgada, fez dela um conveniente turismo de habitação. A Benedita só queria piscina, de manhã, à tarde, sempre que possível. Por uso e costume, não exibo fotografias de familiares e outros viajantes. Mas esta imagem faz-me tremer de emoção, o sorriso da Benedita lembra-me o da sua mãe, nesta precisa idade, mostro-a com espevitado orgulho. E passeámos por Terrenho, aproveitámos as sombras.
Terrenho reúne paradoxalmente a imagem da renovação e do abandono, vemos residências quase apalaçadas na decrepitude e por toda a parte há sinais de que se partiu para sempre, mas há quem para aqui venha e refaça, o lugar, no essencial guarda caráter.
Não se pode resistir à esmagadora imponência de Penedono. Basta olhar para estas imagens e vemos que temos castelo antigo anterior a Portugal, aqui houve mesmo pancadaria da grossa no âmbito da reconquista. Em 1812, recebeu um visitante ilustre, Alexandre Herculano, que não escondeu a sua admiração. Escreve-se num folheto alusivo que é pequeno castelo de montanha gótico, de planta poligonal, encontra-se implantada a 930 metros de altitude, tem torreões nos ângulos, por vidros da matacães e flanqueando o acesso único inscrito num arco quebrado. O pelourinho é um monumento quinhentista, tipo gaiola, idêntico ao que encontramos em Sernancelhe. Assenta num soco de cinco degrau oitavados, tem fuste prismático encimado por capitel tronco-piramidal, que grande beleza!
Mudamos de rumo, estamos em Marialva, não muito longe da sede do concelho de Mêda, aqui se chega depois de passar por planícies de alguma aridez e arvoredo fugaz. Sempre o granito a preponderar. Tem cidadela no interior do castelo, agora despovoada, a vila está cheia de vida, percorremos com grande satisfação um empreendimento turístico, Casas do Coro, um exemplo admirável de inserção e recriação numa zona montanhosa cheia de história. Faz-se o percurso urbano e há passado nas pedras, mesmo nas que jazem ao abandono. Aqui chegaram romanos, godos e aqui se ajudou a fundar Portugal. A região é alvo de projetos turísticos interessantíssimos, passaremos mais adiante por Longroiva, outro caso admirável de boa inserção entre socalcos serranos onde vicejam oliveiras.
E chegámos a Foz Côa na mira de conhecer o museu de Côa e de visitar as gravuras. Consta que o seu microclima é mediterrânico, com aquela caloraça vizinha dos 40 graus o que apetecia era um lugar fresco, havia pouco entusiasmo por castelos, monumentos, solares, vilas romanas e até mesmo olhar com a feição os amendoais que ali preponderam. Mas houve coragem para ir ver o Côa e pasmar com as encostas que são verdadeiros cenários do chamado dúrio-trasmontano, assim se pode caraterizar a região. O viandante pôs-se à sombra e tirou do quarto uma fotografia à espetacular cenografia do Côa e antes do jantar tentou-se uma visita à apregoada riqueza da igreja matriz. Estava encerrada, mas a fachada é deslumbrante, como vêem. Amanhã é dia de gravuras e a Benedita não pára de falar no passeio de comboio, entre o Pinhão e a Régua. Depois contamos o que se passou.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 18 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16965: Os nossos seres, saberes e lazeres (195): Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (3) (Mário Beja Santos)