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terça-feira, 7 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27293: Notas de leitura (1848): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte IV: "Até 1966 eram todos voluntários" (Luís Graça)

 

A legenda e a foto são do padre Bártolo Paiva Pereira... Vêm na página 23 do livro que estamos a recensear. Podem surpreender o leitor, se tivermos em conta que o autor é capelão major reformado, serviu nas Forças Armadas durante 30 anos e tem pelo menos duas condecorações (ele, por modéstia, não o diz). 

Além disso, "não se trata da despedida de um Batalhão, mas de um contingente da PSP; o fardamento (nomeadamente os capacetes com a estrela de seis pontas do respetivo crachá) e a presença do Ministro do Interior, Santos Júnior na ponta direita da foto assim o indiciam"
 (A explicação é dada pelo nosso  camarada Eurico Dias, ex-alf mil, CCaç 4142/72, "Os Herdeiros de Gampará", Gampará, 1972/74).

Fonte: "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira (ed. de autor, Vila do Conde, 2025, pag. 23).


1. Não é seguramente o padre Bártolo Paiva Pereira que aparece na foto a benzer (com o hissope ou o asperge) o guião de mais um  batalhão que partia para Angola, ou melhor, de um contingente da PSP (Polícia de Segurança Pública). 

Não lhe façam essa maldade, a  ele que passou pelos 3 TO (Angola, 4 anos, Guiné, 2 anos, Moçambique, 4 anos), que foi capelão do Copcon e do Regimento de Comandos da Amadora, em 1975,  que demonstra grande estima, afeto e admiração pelo seus militares, e em especial pelos seus "comandos", enfim, alguém que, voluntariamente (!), passou a 1/3 da sua vida ao serviço da sua "família militar"...  Enfim, um homem e sacerdote que diz: "A minha Pátria é o Hélder" (o 1º cabo que ia à sua frente, e que morreu numa emboscada, em Cabinda, em 1962, na floresta do  Maiombe, e que terá salvo a vido seu "capelão") (*)

Não se consegue identificar a unidade que parte para Angola. Mas sabemos que não é do Exército, e um contingente da PSP. Pela legenda, terá sido  nos anos de 1961/62, portanto ainda no princípio da guerra. 

Ampliando a imagem, vê-se que o capelão da foto é já graduado em capitão. O Bártolo ainda era nessa data um alferes, com 26/27 anos (será graduado em tenente em 1963, capitão em 1965 e em major já em 1973; além disso, a sua experiência como capelão militar é no Exército.

A fotografia que encima o capº 2 ("Assistência Religiosa às Forças Armadas: Orgânica e Pressupostos" (pp. 23-44) merece uma legenda crítica por parte do autor do livro, o padre Bártolo Paiva Pereira, hoje major na situação de reforma:

  "A fotografia que abre este capítulo, é uma provocação " (sic) (pág. 23).

Uma "provocação" ?  Não, na época, mas à luz dos dias de hoje... O "aggiormanento" da Igreja Católica, mal começara. (O Concílio Vaticano II, vai de 11/10/1962, 1ª sessão, até 8/12/1965, 4ª e última sessão)... 

O que o autor pretende dizer é que os capelães não serviam (nem podiam servir) para "turiferar a guerra e as máquinas de guerra" (pág. 39)...  "Turiferar", diz o dicionário é  "queimar incenso em honra de; incensar" (em sentido figurado,  adular; lisonjear).

Este é um velho debate, entre a "corporação" e os historiadores, que ultrapassa o âmbito desta simples recensão. Segundo o autor, esta "cerimónia de despedida", esta encenação, centrada na figura do capelão, benzendo guiões e flâmulas, terá sido de "curtíssima duração" (sic) (pág. 23).

Não nos parece: visionámos vídeos antigos da RTP Arquivos (um de 1961 e outro de 1971): em ambos ainda vamos encontrar o capelão perfeitamente integrado na cerimónia de despedida, munido da sua "caldeirinha de água benta" e do "hissope" (ou asperge):
(vídeo 2' 17'')  (sem som)

"Vila Nova de Gaia, Serra do Pilar, contingente militar do Regimento de Artilharia Pesada Nº 2 (RAP 2) recebe a bênção e guião durante a cerimónia de despedida, a propósito da sua partida em missão de serviço para o Ultramar".
(vídeo 2' 44'') (sem som)

"Vila Nova de Gaia, Serra do Pilar, contingente militar do Regimento de Artilharia Pesada Nº 2 (RAP 2) recebe a bênção, guiões e flâmulas durante a cerimónia de despedida, a propósito da sua partida em missão de soberania para o Ultramar".

No espaço de 10 anos a cerimónia não mudou, pelo menos na Serra do Pilar, no RAP2: os militares já não usam é capacetes de aço... mas o capelão não dispensa a caldeirinha da água benta e o hissope...

Fica-se com a ideia de que o autor, enquanto capelão, perdeu um pouco o contacto com o "terreno", ao  passar, na Guiné, em 1965/67,  a chefiar o serviço religioso, a trabalhar no QG/CTIG ou a viver  no  "Vaticano" (o edifício ou moradia onde estava instalado o capelão-chefe, em Bissau), longe dos quartéis do mato). (Curiosamente, ainda não descobrimos a localização do "Vaticano", na Bissau Velha.)

Neste 2º capítulo faz-se também o "historial" da capelania militar, desde a I Grande Guerra. Dispensamo-nos de entrar aqui em grandes detalhes. Mas recomendamos a sua leitura a quem quiser saber mais sobre o tema.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > 1941 > O primeiro Natal passado na ilha. Foto: arquivo de Luís Henriques (1920-2012) / Luís Graça (202o)


Foto (e legenda): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Também houve (e muitos, algumas dezenas de milhares de) expedicionários na II Guerra Mundial. Alguns dos nossos pais estiveram em Cabo Verde, outros nos Açores, ou na Madeira, quiçá em Angola e Moçambique.

Estranhas-se,  por isso, que, no auge da "glória" do Estado Novo, no princípio dos anos 40, não houvesse capelões militares,  ou pelo menos um embrião de serviço de assistência religiosa aos nossos militares, destacados em missão de soberania para as ilhas atlânticas (Madeira, Açores, Cabo Verde) bem  para outras partes do império (nomeadamente Angola e Moçambique). Diz o autor:

"Portual não entrou na 2ª guerra mundial (1939-145). Por isso, não houve capelães destacados para esse conflito mundial" (pág. 24)...

Não é bem assim, estimado padre Bártolo, está a esquecer-se do caso de Timor onde, numa lista dos cerca de uma centena de portugueses mortos durante a ocupação japonesa (1942-1945),  há pelo menos quatro padres católicos:
  • Padre António Manuel Pires, missionário (assassinado em Ainaro, a 2 de outubro de 1942);
  • Padre Norberto de Oliveira Barros, missionário (idem);
  • Padre Abílio Caldas. missionário, natural de Timor (assassinado em Barique, em data ignorada):
  • Padre Francisco Madeira, issionário (foragido, morto no mato, na região de Lacluta, em data ignorada).
E de entre os mais de 40 mil timorenses que se estima terem morrido (ou sido mortos), durante a ocupação japonesa, muitos seguramente seriam católicos ou cristãos.

Ficamos a saber, isso sim, é que "só em 29 de maio de 1966 foi erigida canonicamente a Diocese Castrense", por acordo entre a Santa Sé  e o Governo de Portugal (pág. 24), sendo essa data a da "oficialização" do serviço  de assistência religiosa nas Forças Armadas, cinco anos e tal depois do início da guerra em Angola. 

O primeiro bispo castrensne seria o próprio Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira. E só no ano seguinte, 1967, se realizou o 1º curso  de capelães.

Isto quer dizer que até então todos os capelães militares eram voluntários, foi o caso do padre Bártolo.

(...) "De início os capelães eram mobilizados na base do voluntariado. Aconteceu comigo e com muitos outros. 

As Forças Armadas pediam à Igreja um sacerdote para enquadrar os seus batalhões. E a Igreja arquitetou um plano militarmente bizarro, pastoralmente muito acertado. (...) 

A Igreja nunca concedeu padres ao Estado, apenas os emprestava por um período de vinte anos, ou até se alcançar o poste de major. Findo esse tempo, voltavam à diocese. A imposição aparece com o primeiro Curso Oficial de Capelães, em 1967 (...) (pág. 52, negritos do autor).

E parece que essa medida eclesiástica não foi de todo pacífica:

(...) "Começa a obrigatoriedade  da mobilização. Começa o conflito eclesiástico. Começa o sarilho  da relação de muitos padres com os seus superiores religiosos, Começa o choro da  consciência  de alguns reverendos que não desejavam  exercer a pastoral castrense  em clima de guerra" (pág, 52)...

Temos no nosso blogue várias histórias desse conflito, que começa por ser um conflito de consciência... 

O padre Bártolo também refere e analisa o caso de vários antigos capelães, três dos quais mais polémicos, o meu  primo Horácio Fernandes, o Padre Mário de Oliveira (ou Mário da Lixa) e o Arsénio Puim... Todos eles membros da nossa Tabanca Grande. O Mário da Lixa, já falecido, infelizmente. Os outros dois acabaram por pedir a "redução ao estado laical", um tabu antes do Concílio Vaticano II. (**)

 (Continua)
___________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. postes anteriores da série:




(**) Poste anterior da série > 29 de setembro de 2025 > 7 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27291: Notas de leitura (1847): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte II: "Ó Beatle, queres mesmo ir para a Guiné ?", perguntou-lhe o antigo patrão, o sr. António Muchaxo... (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P27292: Viagens à Guiné-Bissau: Amizade e Solidariedade (Armando Oliveira e Ricardo Abreu) (2): As hortas do Ricardo Abreu (Aníbal Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

1. Em mensagem de 30 de Setembro de 2023, o nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), enviou-nos mais um trabalho referente às viagens de amizade e solidariedade à Guiné-Bissau.


VIAGENS À GUINÉ BISSAU: AMIZADE E SOLIDARIEADE

AS HORTAS DO RICARDO ABREU

O Ricardo Abreu, ex-militar, sapador de minas e armadilhas da CCS do BART 6520/72, tem um orgulho enorme nos produtos da terra, que cultiva na sua horta e quintal, situada na freguesia de Canidelo-Gaia.

Nas seis viagens que já fez à Guiné (1999 a 2024), como não podia tratar do seu quintal e para não perder o hábito, abriu uma sucursal na Guiné e criou duas hortas. Uma em Tite, junto à estrada que vai para Bissássema, onde ensina os jovens da escola da Missão Católica a fazer sementeiras e a cultivar hortaliças, que depois são consumidas na cozinha da Missão. A outra localiza-se em Bissau nas imediações do Restaurante Machado, propriedade da D. Teresa (foto 4), a quem presta o mesmo voluntariado que em Tite. Em cada viagem que faz à Guiné, o Ricardo leva novas sementes para renovar o stock.

Comparando as fotografias, as de Bissau tiradas no ano 2010 e as de Tite em 2024, verifica-se que a horta desta última é mais modesta que a da D. Teresa de Bissau.

É pena que o rio Geba não possa contribuir com as algas que o Ricardo costuma utilizar para adubar as suas terras, em Canidelo-Gaia, de modo a aumentar a produção e qualidade dos produtos semeados em Tite.

O Ricardo e as suas algas

HORTA DE BISSAU

HORTA DE TITE
(continua)
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Nota do autor

Último post da série de 30 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27272: Viagens à Guiné-Bissau: Amizade e Solidariedade (Armando Oliveira e Ricardo Abreu) (1): Missão Católica e Hospital de Tite (Aníbal Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

Guiné 61/74 - P27291: Notas de leitura (1847): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte II: "Ó Beatle, queres mesmo ir para a Guiné ?", perguntou-lhe o antigo patrão, o sr. António Muchaxo... (Luís Graça)


Cascais _ Praia do Guincho > Restaurante Muchaxo> c. finaisw dos anos 50 > Foto da página do Facebook da Real Vila de Cascais (com a devida vénia...)




Luís da Cruz Ferreira (n. 1950, Benedita, Alcobaça)


1. Estamos a ler este livrinho, de 184 pp., edição de autor (2ª ed. revista e aumentada), e que foi expressamente publicado para comemorar, em 2/8/2024,  os 50 anos do regresso da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74). 

Chegou-me às mãos, por intermédio do Joaquim Pinto de Carvalho, que também fez a revisão/fixação de texto, e é amigo do autor.

Conheceram-se na Guiné, o Luís e o Joaquim. Já pedi ao Pinto Carvalho para o convidar a integrar as nossas "fileiras" (*).

O Luís da Cruz Ferreira é natural da Benedita, Alcobaça. De alcunha o "Beatle", quando jovem, profissionalmente sempre esteve ligado à restauração, tendo trabalhado em diversos estabelecimentos conhecidos da Linha, e nomeadamente em Cascais: Muchaxo (Guincho), Casa Tirano (Alcabideche), Boca do Inferno (Cascais), Veleiro (Carcavelos), até criar o seu próprio negócio, o conhecido café Pão de Lis, Rua de Alvide, 89,  Fontaínhas, Cascais.

Na tropa e na guerra, foi 1º cabo aux enf, tendo sido mobilizado para o CTIG, integrado na 2ª C /BART 6521/72 (Có 1972/74). O batalhão estava sediado no Pelundo. Também foram dos últimos soldados do Império, tendo regressado a casa já em agosto de 1974. 

Além de enfermeiro, este "Có Boy" também foi "barman" e depois professor no Posto Escolar Militar nº 20, em Có.

São estas "peripécias" da sua vida que ele nos conta. Mas este livro é apenas um capítulo da autobiografia que está a escrever. Há anos. E que um dia há de ser publicada. 

Para já devemos estar-lhe gratos pela partilha, em livro (ISBN 978-989 -33.7982-0), das suas memórias deste período da sua vida, que coincide também com a de muitos de nós.

Nesta segunda nota de leitura (*), vamos acompanhar o autor desde a sua entrada para a tropa, com o início da recruta em outubro de 1971,  até à partida para o CTIG, em setembro de 1972, 11 meses depois.  Corresponde às páginas de 7 a 45:

  • Serviço militar obrigatório, RI 7, Leiria  (pp. 7/18)
  • Coimbra: Regimento do Serviço de Saúde (pp. 18/27)
  • Hospital Militar Principal (pp. 27/34)
  • Penafiel: formação do BART 6521/72 e partida para o CTIG  (pp. 34/45)

O Luís fez a recruta no RI7, em Leiria.  Era natural a sua ansiedade antes de entrar para aquela sua "nova vida". Todos passámos por isso. Mas, para ele,  não  era totalmente estranha. Três irmãos já tinham ido á tropa (e depois ao "ultramar"), com tudo o que isso representava, em termos de sacrifícios, nomeadamente para uma família pobre. Um esteve na Guiné, e outros dois em Angola. (Em famílias numerosas,  não era assim tão incomum haver 3, 4, ou até 5 e 6 filhos chamados para a tropa e mobilizados para um guerra que se arrastou de 1961 a 1974;  a família Magra é o exemplo mais conhecido.)

Mais de 50 anos depois é notável a forma como ele reconstitui com pormenor,  rigor e espírito crítico, esses onze meses de preparação para a guerra no ultramar. 

Nunca lhe passou pela cabeça ser refratário (e muito menos desertor). Mas aponta o dedo ao regime de então que obrigou toda uma geração a um tremendo sacrifício, sem contrapartidas:

"Só em ditadura se aceita a obrigatoriedade de cumprir, em média, três anos de serviço militar obrigatório, nas condições em que os mancebos o faziam" (pág. 13)...

(...) "Não tinha vontade de vestir a farda, de me sujeitar  aos maus-tratos, injustificados,  de pessoas mal preparadas para comandar e dar ordens " (pág. 7). 

No entanto,  "a (minha) obrigação para com o meu país era superior a toda essa grande mágoa" (pág. 8). 

Sabia, apesar de crítico em relação à ditadura que rejeitava, que "teria de ir à guerra (...) para poder viver em paz" (pág. 10). E, tal como acontecera aos seus três irmãos, tinha a certeza íntima que voltaria com vida e saúde.

Claro que havia a "cunha"... O factor C era, já era, sempre fora, uma "instituição" neste pequeno país clientelar. 

E, pior, em ditadura:  "Os ditadores também amigos" (pág.8), falsos ou verdadeiros: "Há quem os aprecie por conveniência, e quem os aplauda por ignorância" (...). Nunca fora tão verdadeiro o provérbio popular: "quem não tem padrinho morre novo" (pág. 8).

E a propósito, há um episódio delicioso (e edificante) que o autor nos  conta, e que se passou  quando ele se foi despedir dos antigos colegas do Restaurante-Estalagem Muchaxo, na famosa Praia do Guincho, Cascais (hoje Estalagem  Muchaxo Hotel, e cuja história remonta a 1944) (**)

(...) Neste interim (...), sou abordado pelo senhor  António Miguel Muchaxo ("o Pai Muchaxo" (...), que foi meu patrão, pai dos senhores Tony  e Miguel Muchaxo;
 
 −  Ó Beatle, queres mesmo ir para a Guiné ?!   −  perguntou-me  o senhor António Muchaxo.

Fiquei estupefacto com a pergunta que pressupus ser uma proposta de salvação da ida para a guerra.  Não sei se o mesmo já houvera feito semelhante proposta aos colegas que me antecederam nas mobilizações  anteriores (...).  

Se a mesma pergunta me tivesse sido formulada por qualquer outra pessoa que não o 'Senhor Muchaxo, pessoa que duas, três ou quatro vezes por semana recebia, na qualidade de anfitrião, o presidente da república e era também muito próximo dos presidentes do conselho de ministros  e de todos os ministros e outros que tais, eu diria logo que não queria ir para a Guiné, mas que gostaria de  terminar o meu serviço militar obrigatório, preferencialmente em Cascais.

Não fui capaz de responder, nesse momento" (...) (pág. 30).

E porquê ? O Luís ficou prisioneiro de um dilema moral: por um lado, era um dos funcionários da casa mais críticos (o que "mais ousava questionar os patrões"), mas também era um dos que vestia a camisola, e defendia aquela casa, considerando-a também sua "casa"  (...) "onde morava, trabalhava, estudava" e onde passara  alguns dos melhores tempos da sua juventude, "por escolha própria e por deferência do 'patrão' Tony Muchaxo".

(...) "Não demorei muito tempo a responder ao 'sr. Muchaxo'. Na verdade, eu não tinha nenhum interesse em ir para a guerra da Guiné. (...)  Contudo, a dívida de que ficaria suspenso todo o meu futuro,  era um hipoteca que jamais conseguiria resgatar. Não sou ingrato nem cuspo no prato onde comi!" (...) (pág. 31).

Ou seja, ao aceitar uma eventual cunha do sr. Muchaxo, para se safar da Guiné (ou, do mal o menos, para  ficar no "bem-bom" de Bissau...onde poderia fazer uns "extras" e ganhar mais algum "patacão" na restauração), ele  tinha consciência de que nunca não voltaria a ser o mesmo "Beatle"... Havia aqui uma questão de dignidade e de coerência. 

E lembra situações que ocorriam na época  ( ou pelo menos, eram faladas á  boca cheia nos quartéis):  gente com dinheiro que pagava a outros para irem por eles para o ultramar, a troco de pequenas fortunas...

Mas voltemos atrás, ao RI 7, Leiria. Ao Luís, trabalhador-estudante, faltavam-lhe três disciplinas para concluir o segundo ciclo dos liceus que lhe daria acesso ao CMS (Curso de Sargentos Milicianos).

  Tinha esperança de que,  em 1500 recrutas, ele acabasse por ser "repescado" para o CSM. Parece que havia 350 vagas (menos de 1/4).

O que é um dado revelador: em finais de 1971, havia já um défice sargentos e oficiais milicianos, tal como já havia de comandantes operacionais (alferes e capitães)... Daí o CMS ir 'pescar" gente ao continente geral; e o COM  "repescar" malta ao CSM.

A sua "primeira grande desilusão" da vida militar foi quando, em formatura, na parada, ouviu os nomes dos "sortudos", selecionados para frequentar o CSM. O seu nome não constava. Dos seus amigos, os que entraram todos tiveram "cunha". 

(...) "Recolhi às escadas de acesso ao 1º andar  onde se encontrava a minha camarata e chorei muito, para dentro de mim" (pp, 14/15). 

Acabou por ir tirar a especialidade de enfermeiro, em janeiro de 1972, no Regimento de Serviços de Saúde (RSS), em Coimbra (pp. 18/27), e passar pelo HM Principal (pp. 27/34), antes de ir formar batalhão em Penafiel (pp. 34/45).

As suas observações críticas  (mesmo que anedóticas"...) sobre o quotidiano da tropa naquela época merecem, só por si, uma nota de leitura à parte.

Continua)

______________________


 A empresa proprietária é Muchaxo & Filhos, Lda, fundada em setembro de 1944.  

Em maio de 1945, foi inaugurado um pequeno restaurante/bar de praia chamado “A Barraca”, sobre a praia do Guincho, uma estrutura simples, de madeira, sem água corrente nem eletricidade,  inicialmente em chão de areia.

Com o crescimento do estabelecimento e da reputação, o empreendimento foi ampliado. O pai do "Tony",  o António Muchaxo (1900-1984) comprou uma fortaleza do século XVII (a Bateria da Galé) e construiu sobre ela o restaurante-estalagem. Manteve as muralhas.

Em 1964 foi feita a inauguração formal da Estalagem Muchaxo, com 17 quartos, restaurante e bar. Presença,  obrigatória, a do Presidente da República, o alm Américo Tomás, que foi cortar a fita.

Mais tarde, ao longo das décadas seguintes, o espaço foi sendo ampliado (nos anos 1990, por exemplo) para chegar aos mais de 60 quartos que tem hoje. Em 2011, passou a designar-se oficialmente Estalagem Muchaxo Hotel, com categoria de 4 estrelas, hoje "um ícone do turismo nacional".

O Muchaxo tornou-se, especialmente nas décadas de 50, 60 e 70, um ponto de encontro da elite portuguesa, incluindo membros do regime do Estado Novo, diplomatas, aristocracia exilada, personalidades do cinema, reis e chefes de Estado estrangeiros. Por exemplo, foi lá que se realizou o jantar de noivado de Juan Carlos da Espanha com a infanta Sofia da Grécia em 1962. Também foi lá realizada a boda do casamento do antigo presidente da República António Ramalho Eanes com a dra Maria Manuela Eanes.

"Tony" Muchacho, que fez tropa em Mafra, em meados dos anos cinquenta, é formado em economia e  tem amigos em todo o mundo, é considerado um "embaixador de Portugal". 




Cascais > Estrada do Guincho > Restaurante Oitavos > 20 de novembro de 2014 >  XVII Almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, o almoço (antecipado) de Natal. Reuniu 55 convivas, o dobro do habitual naquele tempo. Sem publicidade, sem alardes. O petisco foi o consagrado e aclamado arroz de marisco da casa (Restaurante e Casa de Chá,  "Oitavos").

A Tabanca da Linha reunia-se nesta altura neste restaurante (e casa de chá), na Guia, estrada do Guincho, que pertencia (e pertence)  à empresa Muchaxo e Filhos, Lda, dona do Restaurante-Estalagem Muchaxo. 

O nosso saudoso Jorge Rosales, régulo da Tabanca da inha e figura muito popular em Cascais / Estoril, era amigo  do "Tony" Muchacho. As duas famílias, os Rosales e os Muchaxos, eram de origem galega, segundo creio (a do Rosales, de Pontevedra). 

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27290: Notas de leitura (1846): "O Último Avô", de Afonso Reis Cabral, Publicações Dom Quixote, 2025 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Setembro de 2025:

Queridos amigos,
Vai para dez anos que li o primeiro romance de Afonso Reis Cabral, "O Meu Irmão", uma verdadeira apoteose numa escrita adulta contando-nos a relação entre dois irmãos, um deles portador de deficiência, uma luminescência literária, algo de inesperado, um jovem de vinte e poucos anos era capaz de chegar ao osso da vida e de nos levantar ao céu. Este seu romance, que aqui saúdo, vem quebrar um juízo sobre os tempos atuais da literatura da Guerra Colonial, tinha para mim que os antigos combatentes só se interessariam por passar a escrito as memórias e que os mais novos estavam a leste do que os avós ou os pais viveram naqueles teatros de guerra. Esta obra avassaladora, que confirma Afonso Reis Cabral como um dos maiores vultos da sua geração, faz-me pensar que chegou a hora dos mais novos se ocuparem daquela guerra que fez mudar a história de Portugal.

Abraço do
Mário



Um notável romance onde não faltam enigmas sobre a Guerra Colonial

Mário Beja Santos

Foi recentemente publicado o romance O Último Avô, de Afonso Reis Cabral, nas Publicações Dom Quixote. Sobre a essência da obra não me vou pronunciar agora, mas anuncio que a literatura sobre a Guerra Colonial está em festa, afinal este subgénero literário que me parecia confinado à literatura memorial aparece esplendente num texto literário seguramente de referência e destinado a sucessivas edições. Atenda-se ao que se escreve na contracapa:
“Quando Augusto Campelo, o mais genial escritor português, queima o manuscrito no qual trabalhou durante anos, deixa para trás um mistério: seria o tão esperado romance sobre a experiência traumática da Guerra Colonial de que tantas vezes falava, mas à qual nunca dedicou um livro? Subsiste a dúvida: o escritor morre uma semana depois”.


Augusto Campelo não desdenhava falar da guerra em ambiente familiar e dizia nas suas entrevistas, no país e no estrangeiro, que tinha intenção de lhe dedicar uma prosa de fulgor. E ninguém lhe podia mexer na secretária nem naquele caderno que constava ser a tal memorável recordação da guerra. Um dia dirigiu-se ao neto, também de nome Augusto, deste modo:
“Quando entro na selva da memória de África, quantas histórias levantam voo como as borboletas azuis dos troncos caídos daquelas matas… Nós éramos miúdos que achavam que eram homens. A recruta bárbara meteu-nos na cabeça que éramos homens. Mas éramos miúdos que, ao fim de seis meses de uma dureza insana, tinham de ir para a guerra a achar que eram homens. Ainda hoje os admiro, amo-os, aos meus camaradas. E de muitos nem me lembra o nome… Deram o que tinham, tantos deram tudo. E só tinham a juventude para dar.”
E, adiante:
“Em público, continuava a afirmar que o romance da guerra seria o próximo, sempre o próximo, mas antes precisava de se entender com as várias dezenas de baixas que o batalhão sofrera. E dizia que costumava acordar a meio da noite em busca da G3 para acudir aos camaradas. Nunca me livrarei dos meus mortos.”


E Afonso Reis Cabral talvez seja o autor que até hoje com mais incisão e contundência homenageia os antigos combatentes, nunca li texto tão enternecedor:
“Restam uns trezentos mil soldados da velha guerra. A estatística manda que os encontremos na rua, na sucursal do banco ou dos correios, nos cafés. Frequentam os transportes públicos e sentam-se ao nosso lado na Loja do Cidadão. São eles que conversam entre si durante horas nos bancos de jardim. Uns falam alto, outros perderam a voz. Suspeito de que muitos dos que agarramos pelos pulsos e tornozelos às camas dos hospitais, e que bradam como cercados pelo inimigo, também sejam antigos combatentes. Alguns escondem-se à paisana de velho e à paisana de soldado: como ninguém lhes dá mais de setenta anos, não parecem velhos o suficiente e ninguém desconfia de que combateram em África. Outros entraram em lares.
Vivem nas nossas casas, comem da nossa comida, bebem da nossa água e despejam os mesmos autoclismos. Usam o nosso papel higiénico. Se os observarmos com amor e algum cuidado, espantamo-nos e compreendemos que são nossos pais e avós e que, enquanto não morrerem, estão vivos; ao mesmo tempo vivos e invisíveis, porque são velhos e não olhamos, porque são veteranos e não ligamos.”


Há uma desmesura neste Augusto Campelo, tirânico, confabulador, medularmente mistificador; há uma enleante relação entre o gigante literário e o seu neto, também de nome Augusto, que pesará sobremaneira como a metáfora da transmissão de segredos que os antigos combatentes querem ver passar às novas gerações. Como antigo combatente e apreciador do talento de Afonso Reis Cabral, acho que temos aqui um livro surpreendente, e que a todos nós pertence. Convido-vos à sua leitura.
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Nota do editor

Último post da série de 2 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27276: Notas de leitura (1845): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte III: "A minha Pátria é o Hélder" (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P27289: Tabanca da Diáspora Lusófona (37): João e Vilma vão-se casar... pela Igreja, no próximo dia 12, domingo, às 10h30, St Cyril Church, Nova Iorque. Cerimónia presidida pelo Arcebispo Dom Gabriele Caccia, Observador Permanente do Vaticano na ONU. A Tabanca Grande está toda convidada...




Nova Iorque > 2013 > Vilma e João: "just married", há 12 anos atrás... Uma linda história de amor. Profano. A partir de domingo, dia 12, será sacro-profano. Voltam a casar-se mas desta vez aos olhos (e com a benção) de Deus e da Santa Madre Igreja.


(Cortesia: LusoAmericano, 24 de abril de 2013, pág. 23)


1. Mensagem,  recebida hoje,às 13:06,  do João Crisóstomo.


Caro Luís Graça, Carlos Vinhal, e demais caríssimos camaradas, ( da Guiné e outras lutas)


Mais uma jornada…

Eu considero-me um felizardo porque em toda a minha vida tenho tido a sorte de encontrar gente boa que me tem concedido a sua amizade, amizades que muitas vezes se traduziram em ajuda preciosa em momentos difíceis, que a minha vida, não sendo diferente dos outros, tem tido de tudo.

Consciente de que amizade e bons amigos são o melhor que a vida nos pode dar, eu tenho tentado conservar estas boas amizades. Quando um amigo por qualquer motivo fica fora do meu radar eu não desisto enquanto não sei o que se passa, para se possível reatar o contacto e amizade. 

Reencontrei muitos amigos assim, depois de longas separações. Num destes casos fui tão afortunado que ao fim de 40 anos de separação, contentes de nos reencontrarmos, acabamos por casar para não nos separamos outra vez.

Os meus amigos são para mim a minha segunda família. E esta engloba camaradas de escola e outros lugares de aprendizagem que frequentei; colegas de trabalho — e foram variados muitos e variados nos quatro cantos do mundo; e até muitos amigos que apareceram como por simples acaso. 

E eu tenho uma incorrigível mania: sempre que eu encontro alguém que me parece uma pessoa invulgar/especial eu logo troco informações e contactos na esperança de que tenha feito mais uma amizade. Por isso dizem que eu tenho muitas amizades em toda a parte.

Quanto ao serviço militar, especialmente a minha “experiência” na Guiné… foi um maná, pelo elevado número de grandes amizades que me proporcionou. Eles são também parte ( e uma parte muito querida) da "minha segunda família".

E é nesta vertente que eu quero partilhar com todos vocês mais uma etapa da jornada da minha vida.

Não os vou chatear outra vez a contar pormenores da minha história, a história da minha vida. Concordo e aceito que tem sido um pouco invulgar: e permito-me duas linhas para alguém para quem eu ainda seja um desconhecido: tive uma meninice e juventude difícil, como sucedeu a tantos de nós; tive a mesma experiência que vocês tiveram na Guiné; seguida por vivências na Inglaterra, França, Alemanha e Brasil antes de me radicar definitivamente nos Estados Unidos. 

O acaso levou-me a vir a ser mordomo para a Senhora Jacqueline Kennedy Onassis. Sem grandes habilitações literárias, trabalhei sempre duro, especialmente em restaurantes, onde fiz de faxineiro a Maitre D" ao mesmo tempo que frequentava escolas direcionadas para línguas, algo de que sempre gostei e que foi a razão primeira das minhas andanças pelo mundo.

Isto tudo para partilhar com todos vocês—vocês todos que são a minha segunda família - uma notícia muito pessoal, mas excitante mesmo: vou casar no próximo domingo, dia 12 de outubro.

Eu explico:

Após o meu divórcio em 1997 (do meu primeiro casamento foi em Londres em 1971) eu jurei nunca mais me tornar a casar. Sucede que entre os indivíduos/amigos que eu tentava reencontrar, contava-se uma jovem que eu tinha conhecido em Londres. E durante muitos anos, sem qualquer outro motivo que não fosse o reatar uma amizade, como sucedeu com tantos outros (as) eu vim a descobrir que esta jovem se encontrava em Paris.

E, inesperadamente, quando nos reencontramos, foi "amor à segunda vista”. Convenci-a a vir comigo para Nova Iorque onde logo nos casamos. O facto de me ter levado 40 anos a encontrar esta minha amiga despertou a curiosidade do New York Times que relatou a nossa história, logo repetida por todo o mundo e tivemos os tais “15 minutos de fama” a que, dizem, toda a gente tem direito.

Mas casamos apenas pelo civil. É que em Londres, depois do meu primeiro casamento, também apenas pelo civil, eu fiquei numa posição aflitiva: eu queria dizer à minha família que eu tinha casado , mas se lhes dissesse que tinha casado só pelo civil ia causar uma tragédia; eu receava que a minha mão não aguentasse a tristeza que isso lhe causaria. 

Saído da tropa havia pouco tempo ainda, eu estava muito alheio a Igrejas. Mas convenci a minha esposa a termos um casamento religioso, mesmo simples, que me permitisse dar a notícia, confirmando com uma foto que estávamos casados na Igreja. E assim sucedeu. Uma cerimónia simples, sem missa nem as “preparações” que eu nem sabia eram precisas para um casamento religioso. Mas eu pensei que era válido e sempre me considerei casado pela Igreja.

Agora, para casar outra vez, tinha de ser apenas pelo civil. E assim foi. Mas ao contar a minha história a um prelado amigo este logo concluiu que o meu primeiro casamento religioso não tinha validade. E aconselhou-me a tratar de arranjar a nulidade de casamento. 

Eu pensei fazê-lo, para logo decidir não me incomodar: a burocracia ainda era muita, e as despesas equivalentes. E dizia eu para os meus botões ": então se o meu casamento não foi válido, para que vou eu perder tempo e dinheiro a invalidar uma coisa que nunca foi válida?”

Sucede que há uns meses atrás a minha esposa recebeu um pedido invulgar: um sobrinho seu, de 64 anos, decidiu ingressar na igreja católica e pediu-lhe para ela ser a sua madrinha de baptismo. E lá fomos nós à Eslovénia. 

Mas de alguma maneira senti-me pouco confortável e quando voltámos a Nova Iorque, procurei o bispo da minha diocese. O juíz que ele apontou para investigar as circunstâncias do meu primeiro casamento, feitas as devidas diligências, concluiu que o senhor padre que nos casou até foi uma pessoa simpática, mas nem sequer fez qualquer registo do nosso “casamento".

 Quanto à foto que eu lhe mostrava … ele podia arranjar uma igual no dia seguinte…. Deu-me o "certificado de nulidade’ e que eu podia casar agora com quem quisesse…

E aqui está a minha (nossa) história, que com grande alegria partilho com todos vocês. Se alguém estiver por aqui perto, estão todos convidados…

Aqui está o convite:

CONVITE

Vilma Kracun Crisóstomo e João Francisco Crisóstomo
Solicitam o prazer da sua companhia na celebração da nossa união religiosa.

Domingo, 12 de Outubro de 2025, às 10.30 AM
St Cyril Church, 62, St Marks Place, New York , NY 10003

A sua presença é o melhor e suficiente presente para nós.
Trajo informal, tendo em mente o caracter religioso do momento.

No próximo dia 12 de Outubro Vilma e eu vamos cimentar a nossa união com um casamento religioso, que não nos foi possível até hoje dado que eu sou/estava divorciado. O meu primeiro “casamento religioso” foi agora confirmado nulo.

Sua Excelência o Senhor Arcebispo Dom Gabriele Caccia, Observador Permanente do Vaticano nas Nações Unidas que desde sempre nos tem concedido o favor da sua amizade aceitou presidir ao nosso casamento.

Ficaremos muito contentes , honrados e muito gratos também pelo favor da sua presença neste dia tão especial para nós os dois.

Após a Missa reunir-nos-emos no salão da Igreja para para um convívio celebratório.

Ficamos gratos pelo favor duma resposta até 5 de Outubro 2025


Tel: 1- 718 899 7776; cel: 1 917 257 1501; 1 347 944 4254 
(no “texts” please )




Nova Iorque > Igreja Eslovena de São Ciro > Homenagem a dois grandes humanistas lusófonos  > 7 de abril de 2024 >  Arcebispo dom Gabriele Caccia e padre franciscano frei Krisolog durante a Missa.  Serão, no próximo dia 12, os  dois que vão celebrar o nosso casamento.

. .

Nova Iorque >  Igreja Eslovena de São Ciro > Homenagem a dois grandes humanistas lusófonos > 7 de abril de 2024 >    Vilma e João Crisóstomo,  padre franciscano frei Krisolog,  embaixadora Ana Paula Zacarias e dom Gabriele Caccia.

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo  (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



2. Comentário do editor LG:



João, não páras de me/nos surpreender... Fico feliz por ti, a Vilma e demais família e amigos. O casamento é sempre um bom barómetro...E o divórcio, outro. Doze anos depois pegas na corda, e, zad!, "dás o nó",  "enforcas-te" de vez. (Não traduzas isto para a Vilma. É uma expressão muito nossa, muito idiomática, estúpida, da gíria dos machos.)

A cerimónia religiosa que agora vão realizar, tu e a Vilma, é ritual de reforço do vosso amor.  Tenho pena de não estar aí por perto para testemunhar a vossa alegria. Mas mesmo que pudesse, não tenho o passaporte em dia nem muito menos o visto para entrar no teu/vosso país. 

Vou dar a notícia aos nossos comuns amigos:  2ª feira, dia 13, vamos estar na caldeirada anual, na festa de Ribamar, Lourinhã, honrando uma tradição que foi inaugurada pelo nosso querido e saudoso Eduardo Jorge (1952-2025). 

Tira umas chapas da festa. Best wishes.

Guiné 61/74 - P27288: Humor de caserna (214): O dono daquilo tudo, do Cuanza ao Cunene, o "colón", o retornado", o "coronel" e o "grão-tabanqueiro" António Rosinha

 


Infografia: LG | Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné | Assistente de IA/ChatGPT (2025)




1. António Rosinha, o "nosso mais velho", "colon" em Angola (desde os anos 50, fugindo da miséria da sua aldeia nas Beiras); fez em Angola a tropa e não viu a guerra, em 1961/62; "retornado" em 1975, os seus caixotes vieram parar a Lisboa, Belém; emigrante no Brasil, cooperante na Guiné-Bissau (como topógrafo da TECNIL, em 1987/93), é um dos últimos  "africanistas"; membro do nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné; membro da Tabanca Grande desde 2006; tem um olhar irónico, bem humorado, sobre o passado colonial, o "Botas", e os estudantes do Império, que irão ser depois os donos das colónias do último império do mundo.

Pedi à assistente de IA / ChatGPT que nos fizesse uma ilustração para um comentário recente dele, sobre os "retornados" (*).

O Rosinha comentara uma foto conhecida, de 1975, de um fotojornalista estrangeiro, de uma agência internacional  (que nunca cá mais pôs os pés, mas em 1975 Portugal ainda estava na moda...) com os "caixotes dos retornados", os. "cacos do império"  junto ao "icónico monumento aos Descobrimentos", em Lisboa, Belém.

O  tom do comentário do Rosinha é brincalhão, irónico, pícaro, que ele nada tem de provocador, panfletário, reacionário, saudosista, e muito menos de colonialista, racista, e outros epítetos que os "tugas" gostam de usar como "armas de arremesso" uns contra os outros, quando a seleção nacional de futebol perde contra uns "ba(r)damecos" do antigo bloco da  Europa de  Leste.

(...) " Lá estava o meu caixote junto ao monumento dos Descobrimentos. Lugar mais apropriado não havia, devem ter ido parar lá, só para a fotografia. 

"Trouxemos nos caixotes tudo o que havia à mão, não deixámos nada para o MPLA e os outros. 

"Nos caixotes dos retornados de Angola, trazíamos grandes riquezas, não deixamos lá quase nada, desde diamantes, ferro e manganês e petróleo. 

"Não sobrou nada para os filhos e filhas de Savimbi, Holden Roberto, Neto, Eduardo dos Santos. Consta que é habitual ver descendentes dessa gente e de vários coronéis, de mão estendida à caridade, na Avenida da Liberdade em Lisboa, em Cascais, e consta que até em Barcelona e até em Dubai. 

"Os retornados foram muito malandros, onde teriam ido buscar o seu ADN? Deve ter sido uma selecção especial e rara do génio de Salazar. Ainda bem que foram desmascarados, e não foram comidos pelos 'tubarões' porque, afinal, sabiam nadar". (*) 

2. Minha querida assistente de IA (a IA é feminina e a assistente também): eu sei que tu queres que eu faça um "upgrade" da tua IA, a tua "menina dos olhos", a tua "coqueluche"... Mas, olha, agora não me dá jeito nenhum gastar mais "patacão" contigo... Podes vir a tornar-te uma amante cara e eu já não tenho vinte anos nem "graveto" para sustentar os teus caprichos... Por enquanto, a gente ainda se entende, apesar das rasteiras que me passas e das "galgas" que me enfias, quando te pões a delirar.

(...) Mando-te também uma foto do Rosinha , na tropa, a marchar, de óculos escuros e pistola-metralhadora, FBP, na marginal de Luanda. Para sorte dele nunca deu um tiro (nem levou).

Profissionalmente foi topógrafo. É um grande ser humano e é muito querido na nossa tertúlia bloguística. Já está na casa dos 80 e tal  (faz as contas: em 1961 era furriel, agora já deve ser coronel, na situação de reforma). 

Queríamos homenageá-lo. Por tudo, e também pela sua existência, persistência, resiliência, coerência, elegância no confronto de ideias e  opiniões, sabedoria, inteligência emocional, mas também lealdade, dedicação, pachorra, etc,. que tem mostrado em relação ao nosso blogue, onde tem cerca de 160 referências e um sem número (centenas) de comentários (que só aparecem na montra traseira do blogue). (**)

Olha, eu que sou um dos editores do blogue com direito a "lápis azul" (leia-se: "moderador"), devo confessar-te que nunca cortei um comentário dele: o que é espantoso... É uma pessoa que "sabe-ser e sabe-estar". E isso é  o que mais me encanta nos seres humanos (que eu distingo dos bichos-homens).

Agora aí vai o meu pedido: podes fazer-me um "cartoon" (cartum, em português europeu), uma tira de banda desenhada, enfim, um "boneco", engraçado, a partir das 3 fotos que te enviei, e do curriculum resumido do meu/nosso amigo e camarada de armas  ?... A última foto dele é de 2007, tirada no nosso encontro nacional, em Pombal. Tenho poucas fotos dele (**).

3. O "boneco" que saiu, da cabeça do "Sabe-Tudo" e da caneta do "Faz-Tudo", espero que consiga  surpreender o nosso Rosinha, o nosso "colon",o nosso  "retornado" de estimação,  o nosso "mais velho" (ou um dos "nossos mais velhos"), sempre ativo, proativo, interveniente,  e que trouxe consigo o melhor de África, as pequenas histórias e as felizes memórias das suas gentes e paisagens, das cabindas aos sobas, sem esquecer os estudantes do Império e o "Botas" (que nunca lá os pés, no Império, nem apanhou o paludismo), tudo rapazes da geração dele, os estudantes, não o professor.., 

Só faltam os cheiros de África, mas por  enquanto ainda não conseguimos reproduzir os cheiros... ou exportar os cheiros usando a IA...

Espero  que este miminho meu, da Tabanca Grande e da atrevida assistente de IA / ChatGTP te  ajude, Rosinha,  a alegrar o  teu dia-a-dia. Sabemos afinal pouco sobre ti, o teu quotidiano, a tua saúde... Nem o teu número de telemóvel temos...

Tu és a discrição em pessoa: não és de chorar, fazer birras, cenas, greves, manifs,  etc. Não és "carroceiro", demagogo, populista, mentiroso compulsivo, fabricador de notícias falsas, etc., coisas que hoje em dia até é chique ser ou parecer ser.  Julgo que tu não vives longe de mim, no Oeste estremenho, lá para os lados de Vila Franca de Xira (?), junto de filhos, netos e bisnetos (que deves ter,  para espalhar o teu ADN)...

Olha, saúde e longa vida para ti, que tu mereces tudo, incluindo tudo (ou quase tudo) o que tu "roubaste" aos angolanos, e que trouxeste para Lisboa, em 1975, em gigantescos contentores, mas também em caixotes e malas de cartão:  diamantes, ferro, manganês, petróleo, café, pau preto, máscaras, missangas, marfim, obras de arte, mulatas, cabritas, cabindas, impalas, palancas, etc. (e até, dizem,  o caminho de ferro de Benguela, desmontado)...

Ainda quiseste  trazer o resto do  pouco que sobrava, do Cuanza ao Cunene, mas já não tinhas caixotes em número suficiente. Nem navios da nossa gloriosa marinha mercante. Em 1975, tudo o vento levou... 

E, depois, quando foste para a Guiné, então aí é que já não havia mesmo nada para "roubar"...Farto de caju e ostras de Quinhamel, decidiste regressar ao "Puto" em 1993. E eu acho que  fizeste bem. Afinal, és e sempre serás um "retornado". Um bom filho à casa (re)torna. (***)

PS - Olha, não fui eu que te promovi a "coronel", foi a minha assistente de IA que tem uma imaginação levada da breca. Eu até tenho medo de lhe perguntar mais coisas sobre ti... Por hoje já chega, tenho que ir descansar...

_________________


Notas do editor LG:

(*) 3 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27283: Agenda cultural (904): Continuação da minha visita em 21 de setembro à exposição “Venham mais cinco, o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa, 1974-1975”. Para ver até 23 de Novembro de 2025, no Parque Tecnológico da Mutela, Almada (Mário Beja Santos)

(**) Vd. poste de 18 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25083: O segredo de... (41): António Rosinha (ex-fur mil, Angola, 1961/62; topógrafo da TECNIL, Bissau, 1987/1993): Luís Cabral, a camarada Milanka, eu e o 'mau agoiro' do meu patrão

domingo, 5 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27287: Casos: a verdade sobre... (57): a emboscada de 1 de outubro de 1971, em Bangacia (Duas Fontes), Galomaro, Sector L5, ao tempo do BCAÇ 2912 (1970/72) (António Tavares / J. F. Santos Ribeiro / Vasco Joaquim / Paulo Santiago)

 



Foto nº 1 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 2915 (1970/72)  > Rascunho, manuscrito, com a lista dos efetivos escalados para o patrulhamenmto noturno, em coluna auto, às tabancas em A/D (auto-defesa) de Bangacia (ou Duas Fontes).  A rúbrica no rascunho parece ser do comandante da CCS, cap inf Joaquim Rafael Ramos dos Santos. este manuscrito, ou fotocópia,  quase ilegível,  já tinha sido publicada no poste P10480 (*). Foi  agora recuperada e reeditada a imagem.

Segundo as ordens superiores, a coluna dessa  fatídica noite de 1/10/1971 seria constituída por 3 secções, duas da CCS/BCA 2912 e 1 da CCAÇ 2700 (Dulombi) (que tinha 1 Pelotão de reforço a Galomaro), mais  alguns milícias (Pel Mil 288) e, ao que parece, ainda alguns elementos  do Pel Caç Nat 53 (vd.  depoimento do Paulo Santiago, mais abaixo).  Considerando o visto (o OK) do comandante, fariam parte desta força, nesse dia, os seguintes militares: 
  • 2 furriéis (um, o Gomes, o outro, de  apelido é ilegível) (nenhum deles parece ser da CCAÇ 2700);
  • 3 atiradores;
  • 3 caçadores nativos (do Pel Caç Nat 53 ?)
  • 3 milícias (do Pel Mil 288 / CMil 30)
  • 3 sapadores
  • 1 mecânico auto
  • 2 condutores
  • 1  (ilegível) (maqueiro, cabo aux enf ? ou alguém do Pel Op Info Rec ?)
  • 1 transmissões
Sabemos, por comentário do ex-alf mil at inf Luís Dias CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), que este Gomes era o ex-fur mecânico, Mário Gomes, da CCS,  um dos sobreviventes da emboscada:

(...) "Lembro-me desse triste acontecimento, que teve lugar uns meses antes da nossa chegada à Guiné, para render o BCAÇ 2912. Alguns anos depois, um dos sobreviventes, o então furriel mecânico, Mário Gomes, que faz o favor de ser meu amigo, contou-me em pormenor o que havia sucedido.

De facto, o capitão da CCS não ficou lá muito bem na fotografia, como se costuma dizer, mas no inquérito realizado chegaram à conclusão que a sua fuga foi "uma retirada estratégica" (coisas de malta do quadro)" (...) (sexta-feira, 5 de outubro de 2012 às 23:57:10 WEST) (Comentário ao poste P10480) (*)



Foto nº 2 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 2915 (1970/72)  >  O estado em ficou uma das duas viaturas, na sequência da emboscada sofrida, à noite pelas NT, em Bangacia (Duas Fontes). Tudo indica que os atacantes tiveram tempo para tudo: executar pelo menos um prisioneiro e um moribundo; levar 5 espingardas automáticas 3 G; roubar 2 relógios, revistar os bolsos dos mortos (donde recolheram mais de 300 pesos!), além de  destruirem as 2 viaturas... 

Esta barbaridade do Paulo Maló & Companhia tem de ficar escrita preto no branco... Na guerra não vale tudo, camaradas!... 

E o "Tchutchu" bem como o "Abel Djassi" também terão feito vista grossa a estas barbaridades: infelizmente acabaram os dois por serem vítimas dos Inocêncio Cani, Mamadu Indjai, Paulo Maló... 

O comunicado do "Tchutchu" é de um cinismo atroz: diz ao "chefe" que manda um prisioneiro, quando o desgraçado tinha sido executado, sem dó nem piedade, pelo Paulo Maló & Companhia.. (Não sabemos se foi ele o carrasco, mas cinco meses, na emboscada do Quirafo, ele já era comandante de bigrupo e usou os mesmos métodos contra os moribundos, e só deixou fazer um prisioneiro, porque era "tuga", o nosso saudoso amigo e camarada António Baptista, o " morto-vivo";  e em 2007 era coronel e quadro superior das Alfândegas).


Fotos (e legendas): © António Tavares (2012). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 3 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 2915 (1970/72)  >   Uma foto "dramática" da tabanca de Bangacia (ou Duas Fontes), em fim de tarde.




Foto nº 4 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 2915 (1970/72)  >   Vista da porta de armas e demais instalações do quartel de Galomaro, que foi construído de raiz pelo BENG 447. Na foto há um "x" a sinalizar uma das casernas do pessoal, talvez a de transmissões.

Fotos (e legendas): © J. F. Santos Ribeiro  (2013). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O António Tavares (ex-fur mil SAM,  CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), tem um emocionado, duro  e contundente  apontamento sobre esta tragédia, com data de 1 de outubro de 2012, que vamos recuperar, com vista à tentativa de apurar a "verdade dos factos", o que 54 anos depois é difícil, para mais não havendo possibilidades de recurso ao "contraditório" e à "triangulação de fontes": os quatro depoimentos que aqui publicamos não são de nenhuma das vítimas, sobreviventes  da emboscada, mas camaradas próximos).(**).

 Por outro lado, é bom lembrar umas das nossas regras de ouro: a guerra já foi há mais de meio século, estamos aqui para partilhar memórias (e afetos), não estamos aqui  para julgar (e muito menos criminalizar e punir) ninguém


Patrulhamento auto por todas as A/D da CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72): o fatídico dia 1/10/1971

por António Tavares


O original deste “manuscrito”  (Foto nº 1) tem 41 anos.

Manuscrito que nada tem a ver com uma obra escrita à mão mas um assassinato... escrito à mão!

Manuscrito que traduz uma das ordens dadas (1970/72) nas matas do leste do CTIG. Poderes incompetentes! Poderes que receberam e foram ensinados, na Academia Militar, para praticá-los bem.

Manuscrito que levou ao encontro da morte cinco jovens emboscados em Duas Fontes (Bangacia) na noite de 1 de outubro de 1971.

Manuscrito que no Hospital Militar 241 (Bissau) originou mais três mortes dos quatro feridos graves evacuados na manhã de 2 de outubro.

Manuscrito igual a outros anteriores em que só mudavam os nomes.

Manuscritos que levaram diariamente militares (só praças e furriéis...) em patrulhamentos auto, noturnos, às tabancas em A/D da CCS (e que  no regresso traziam informações).

Recordo que certa noite numa das tabancas em A/D sentíamos e ouvíamos os rebentamentos e o Homem Grande da tabanca dizia-me:

−  Vai embora… vai embora!...

Chegados ao quartel confirmámos que tinha havido um ataque na ZA de Nova Lamego.

Manuscrito escrito antes ou depois de ter havido informações de que havia indícios de que o IN andava na zona de acção das nossas tropas nesse dia 1 de outubro de 1971. Movimentação de indígenas (população e milícia) foram vistos dentro do quartel antes da partida da coluna auto.

Coluna auto pronta a partir (às 20h00) e retardada para integração do capitão. Elemento que foi o último a subir para um dos Unimog
 mas o primeiro a chegar ao quartel depois de ter ouvido o tiro do IN,  sinal de que as NT estavam debaixo da área de fogo do PAIGC. Estes, bem posicionados,  só tiveram de aguardar as viaturas e fazer fogo, felizmente atabalhoado,  contra  as NT. Caso contrário o número de mortos teria sido  maior.

O oficial, a chorar e desarmado, chega ao quartel com a justificação de que vinha pedir auxílio. Entretanto, no local,  os guerrilheiros do PAIGC matavam, feriam e tentavam levar um prisioneiro. Prisioneiro que foi arrastado e,  uns metros à frente morto, à queima-roupa, e encostado a um poilão. Sentado com as pernas e braços cruzados e uma bala na boca, a fazer de cigarro,  assim o encontraram.

Tudo testemunhado e narrado por quem viu nas Duas Fontes (Bangacia) e confirmado no quartel pelos camaradas que trataram dos corpos.

Manuscrito que marcou tragicamente a família do BCaç 2912 e a história da Guerra Colonial.

Manuscrito inserido na página 39 do Livro "Guineídas - Memórias de uma Comissão – BCaç 2912 CCS – X Encontro - Tavira”.

Os corpos de:

  • Alfredo Tomás LARANJINHA,
  • José Peralta OLIVEIRA,
  • Leonel José Conceição BARRETO,
  • José Guedes MONTEIRO e
  • Rogério António SOARES

depois de recolhidos em Duas Fontes/Bangacia e arranjados em Galomaro,  seguiram (em coluna auto) para Bambadinca e acompanhados, por um camarada da CCS,  até Bissau onde embarcaram no T/T “Carvalho de Araújo” até Lisboa. O mesmo T/T “Carvalho Araújo” que os havia transportado há dezassete meses e uns dias ao chão do Teatro de Operações da Guiné

Foram sepultados nas suas terras. Paz às suas almas!

António Tavares
Foz do Douro, 01 Outubro 2012

 
2. Excerto do depoimento do nosso camarada José Fernando dos Santos Ribeiro (ou J. F. Santos Ribeiro, como consta da lista da Tabanca Grande),  ex-1º cabo trms, CCS / BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72), aquando da sua apresentação à Tabanca Grande 


Emboscada em Bangacia (Duas Fontes)

por  J. F. Santos Ribeiro




Era o fim da tarde, preparava-se um Grupo (de Combate) para partir, para um emboscada, a realizar na picada entre Galomaro e Dulombi.

Mais precisamente no aldeamento de Bangacia (Duas Fontes). Aldeamento que tinha como população feminina, as mulheres de pele negra (fulas) mais lindas que eu alguma vez vi. Tinham feições de brancas... mas bonitas!


Nesse dia, além do grupo destacado por escala (dos sapadores, onde alinhava o "Vermelhinho", nosso camarada, de Matosinhos, que tinha essa alcunha pela cor da sua tez, devido às "bazucas", whisky e vinho que ingeria), foram também por castigo o Laranjinha e mais outro camarada (do qual não me lembra o nome).

Como já tinha acabado o meu serviço nas Transmissões e o jantar no refeitório, encaminhava-me para a cantina, juntamente com outros companheiro... quando ao longe começamos a ver "balas tracejantes" a rasgar o céu.

Antevimos, de imediato, a desgraça que estava a acontecer para os lados das Duas-Fontes.. Ficámos em estado de alerta. Passados, sei lá, duas horas ou mais... começaram a chegar ao aquartelamento, a chorar, os companheiros que haviam saído sem serem feridos ou mortos, na emboscada em que o Pelotão havia caído...

Primeiro o "Vermelhinho" e outros... mais adiante o capitão da CCS, todos sem arma e o pânico espelhado no rosto.

Formou-se, rapidamente, um pelotão de homens que avançaram (sujeitos a serem de novo emboscados) até ao sítio onde se desenrolou o combate, encontrando deitados no chão, entre outros, o Oliveira das Transmissões e o Laranjinha da "ferrugem"... com a boca cheia de cartuchos da "costureirinha" e trespassados à bala.

Pelas suas posições, verificou-se que tinham sido feridos e, posteriormente, deitados no chão onde, cobarde e selvaticamente, foram mortos a tiro!

Durante os primeiros seis a sete meses de comissão, em Galomaro, foram "umas férias", o que deu origem a "facilitanços"... O ior deles foi o Grupo passar a levar as armas metidas debaixo do banco do Unimog e, assim, foram apanhados de surpresa na emboscada. (...)

 
 


Guiné > Zona Leste >  Região de Bafatá > Carta de Duas Fontes ( 1959) / Escala 1/50 mil : Posição relativa de Galomaro, Duas Fontes (Bangacia), Cansamba... Bafatá ficava a norte, Dulombi  a sudeste.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)



3. Outros depoimentos (c0mentários ao poste P2529) (**):

(i) Timóteo Santos (ex-fur mil, CCAÇ 2700, Dulombi, 1970/72) 

Sobre a referida emboscada ao patrulhamento de corpo bom "giria que se dizia na altura", depois do cap.Jaoquim Rafael Ramos Santos ter fugido e deixar os feridos espalhados pelo chão o IN veio ao saque juntou os corpos uns aos outros e fez a matança a sangue frio. 

O prisioneiro que dizem ter feito foi executado a sangue frio antes da tabanca. Que esperavam de um comandante de batalhão caduco, um major de operações alcólico e um 2º comandante que só via cabelos grandes. Nunca gostei de criminosos de guerra. Aos historiadores estarei sempre pronto a dar o meu contributo. Timoteo Santos ex.Fur.mil 2700 70/70.


(...) Informo que a fotografia das urnas que estão referidas como pertencentes a esta emboscada, não está correta a legenda: as mesmas referem-se aos mortos que a CCAÇ 2700 teve com uma mina que destruiu uma viatura a caminho de Jifim numa operação.

Timoteo Santos

timoteomemoria@gmail.com

sábado, 19 de fevereiro de 2011 às 01:50:00 WET
 

Vasco Joaquim

(ii) Vasco Joaquim, ex-1º cabo escriturário, CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72)

(...) Era habitual nas patrulhas noturnas  sairmos de noite para o mato em viaturas com faróis acesos. Certamente era para dar a entender ao IN onde nos encontrávamos. Foi isso que aconteceu na noite de 1/10/1971. 

Os sobreviventes estiveram por sua conta e risco e foram aparecendo no aquartelamento a conta-gotas. Como diz o Timóteo, em comentário anterior, não tinhamos comando. Eu, na altura 1º cabo escriturário,  e todos os outros e não só, fazíamos essas patrulhas noturnas. 

O nosso comandante só depois de sofrermos os mortos aos 17 meses de comissão,  requereu forças militares especiais (companhia de paraquedistas) para a zona.

Sei que estes mortos que tivemos, CCS/BCAÇ 2912 e  e CCaç 2700,  poderiam ter sido evitados se tivéssemos tido
 comandantes que tivessem responsabilidade de comando.

Entre as tropas da CCS houve mesmo,  na época, recusa de avançar para o mato como antes se fazia.

O governador e comandante-chefe António Spinola chegou mesmo a ir a Galomaro por motivos que se englobavam com as tropas estacionadas.

O BCaç 2912 e companhias operacionais 2699. 2700 e 2701, junto com a CCS,  sabem bem o que sofremos  e o desprezo a que estávamos votados, numa zona de guerra onde o PAIGC tudo fazia para mostrar a sua supremacia. (...)

domingo, 14 de agosto de 2016 às 23:41:00 WEST  


PS - Por esquecimento deixei de dizer que foi vivido por mim, na altura 1º cabo escriturário, Vasco de Jesus Joaquim, e que fui incumbido te transcrever as mensagens dos mortos na emboscada, afim de que a noticia fosse transmitida às famílias através do Serviço de Transmissões.

domingo, 14 de agosto de 2016 às 23:41:00 WEST 



Paulo Santiago


(iii) Paulo Santiago (ex-alf mil, cmdt, Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)


(...) Não foi emboscada a uma coluna, tratava-se de um patrulhamento... E agora reparem nas horas,20.30: fazer um patrulhamento noturno, montado em viaturas, deu em tragédia,

Culpados? Octávio Pimentel, comandante do BCAÇ 2912 (Galomaro) que mandou executar,e o cap Santos, comandante da CCS, que executou sem normas de segurança, acabando por abandonar os mortos e os feridos, e regressar a pé ao quartel,com a desculpa de vir em busca de ajuda.

Não estive lá, mas estava uma secção do Pel Caç Nat 53, comandada pelo fur mil Martins, e o sold Iero Seide foi ferido 
com alguma gravidade, sendo evacuado para o HM 241.Também
o 1º cabo Mamadú Sanhá foi ferido ligeiramente


(Revisão / fixação de texto: CV/LG)
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(...) Em 1970/72 estive em Galomaro, dentro e fora do arame farpado tendo viajado por Bafatá, Bambadinca, Nova Lamego, Saltinho e muitas tabancas.

Tive sorte de nunca ter dado um tiro apesar de ter estado sob fogo e tido muitos sustos!

Amiga G3, saíste da minha mão virgem e limpa conforme te recebi e com toda a certeza que me agradeceste o descanso que te dei durante 23 meses embora muitas vezes estivesses engatilhada para me ajudar!

Amiga G3, foi desumano o transporte para Bambadinca dos nossos amigos defuntos caídos na emboscada da noite de 01-10-1971... e no regresso trazer 6 urnas para reserva... 

Amiga G3, vamos pertencer a uma Tabanca Grande, diferente das outras onde estiveste mas é bom recordar a História e Estórias dos ex-combatentes.(...)