terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15726: Em bom português nos entendemos (13): "Nhanhero" e não "nanheiro": é o nome para o instrumento fula, cordófono, do qual o Valdemar Queiroz "Embaló" contou aqui uma edificante história (Cherno Baldé, Bissau)

1. Mensagem de hoje do Cherno Baldé, o nosso "agente" em Bissau (na realidade, este "menino" de Fajonquito, hoje homem grande, pai de 4 filhos, casado com um bonita nalu, quadro superior com formação universitária na ex-URSS e em Portugal, representa todos os nossos amigos guineenses que não têm forma de comunicar connosco, e que mantêm, com os portugueses,  antigos combatentes, fortes laços afetivos, baseados numa experiência e num respeito comuns).... 

E mais do que "agente", o Cherno é um grande conhecedor e apaixonado defensor do melhor que a sua terra tem, a sua cultura, a sua história, o seu património (material e simbólico), as suas línguas e as suas gentes... Ele é o nosso assessor científico para as questões culturais, artísticas,  sociais, económicas e religiosas da comunidade fula a que pertence, com muito orgulho. Tem já mais de 130 (!) referências no nosso blogue.


Bom dia Luis,

No mesmo poste (*) inseri um comentário a tentar corrigir a grafia do instrumento, pronuncia-se "Nhanhero",  nome derivado do som que ele produz "nha..nhe...nhi". E uma versão africana (fula) do violino europeu.

Em Fajonquito nos anos 60/70 tinhamos um grande Nhanherista, infelizmente não tenho imagens do tempo.

Um grande abraço,

Cherno A. Baldé


2. Comentário, com data de 1 do corrente,  do Cherno Baldé,  ao poste em questão (*):

Caro amigo Valdemar,

Nhanheiro. Foto de Valdemar Queiroz (2016)
O tempo e a intensidade da tua vivância no chão fula autorizam que tomes o apelido Embaló.

O instrumento em questão chama-se nhanhero e normalmente faz-se acompanhar do dondon ou tama.
Deve ser o instrumento musical mais simples e mais antigo de todos os que conheço na região oeste africana e os fulas, provavelmente, já o utilizavam antes da sua longa digressão para oeste. Infelizmente os efeitos da colonização cultural e a globalização fazem com que a juventude não valorize a cultura ancestral.

O nhanhero não é propriamente um brinquedo qualquer e, caso fosse,  seria o brinquedo dos herdeiros da tradição, isto é, os filhos do artista, tocador de nhanero. No ocidente o equivalente do nhanero é o violino.

Pois é, na sociedade tradicional fula a criança pode ser detentora provisária de um nhanero se o pai é, digamos assim, nhanherista, mas não pode ser detentora do dinheiro que contem em si os germes do bem e do mal em duas faces unidas na mesma moeda, pois segundo a tradição antiga faz falta à criança o sentido completo do discernimento que habilita à escolha certa entre o bem e o mal. E quando é assim os espíritos do mal tendem a prevalecer. É o que temos actualmente nas nossas sociedades ditas modernas.

Com um abraço amigo, Cherno Baldé-

3. Comentário do editor LG:

Bom dia, Cherno!...É valiosíssima e oportuna a tua observação. Vou já corrigir e dar conhecimento ao Valdemar Queiroz, que é do meu tempo do Centro de Instrução Militar de Contuboel (junho/julho de 1969), onde se formaram entre outras as CART/CCAÇ 11 e a CCAÇ 12, as duas primeiras companhias da "nova força africana" de que o gen Spínola tinha muito apreço e orgulho, ainda antes da formação dos Comandos Africanos... Acho que lhe fica bem o apelido fula "Embaló"!...

Quanto ao "nhanhero", lembro-me do instrumento, mas não o associava ao violino. O kora era mais apreciado (e mais usado pelos mandingas, se não erro). E a propósito tenho um filho violinista, por acaso está agora de férias na Grécia...

Como vai a nossa terra querida ? E a tua família ? Não deve ser fácil viver em Bissau, com 4 filhos. Tenho muito respeito e admiração por ti e família. Mantenhas. Um alfabravo. Luís

PS - Cherno, não preciso de fazer força para propor que seja grafado o vocábulo "nhanero" (e não "nanheiro", como escreveu o Valdemar, e que me passou, embora tenha consultado os dicionários). Na realidade, o termo existe, pelo menos no Dicionário Houaiss da Língua Portugesa, Tomo V, Mer-Red  (Lisboa, Círculo de Leitores, 2003, p. 2613)... Vou transcrever (**):

Nhanhero, s.m., MÚS G-BS:
1 instrumento cordófono  dos fulas cuja caixa de ressonância é uam cabça pequena revestiada de couro e cuja corda única se fere com um arco; 2 músico que toca esse instrumento; 3 espetáculo em que se apresenta esse músic. Etim. orig. obsc.
 _____________

(**) Últim poste da série > 2 de setembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15066: Em bom português nos entendemos (12): Casamança ou Casamansa ? Como se deve grafar este topónimo do Senegal ? A resposta do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

6 comentários:

Luís Graça disse...

Cherno, a minmha dúvida é se se deve dizer "nhanhero" ou "nhanheiro"... Pode haver uma gralha tipográfica no dicionário, não sei... Tu próprio usastes as duas grafias: "nhanhero" e "nhanheiro"...Beja Santos escreve "nhanheiro"...


14 de junho de 2003 > Guiné 63/74 - P11705: Notas de leitura (491): Atlas dos Instrumentos Tradicionais da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

(...) Passando para a família dos instrumentos cordofones, o realce é dado ao korá, simultaneamente uma harpa e um alaúde, toca-se nos eventos mais importantes e os mandingas consideram-no um instrumento sagrado;quissinta, a cabaça é pequena com a parte de cima forrada de pele de cabra ou vaca, é aparentado com o korá; Tonkoron, dispõe de 4 a 12 cordas, é um instrumento musical que pode aparecer em todas as manifestações culturais, acompanha o canto e a dança; bolombato, a cabaça é inteira, com forma de circunferência ou globo, toca-se em cerimónias do régulo e na luta tradicional, aparece associado ao korá, ao balafon, nhanheiros e outros; nanheiro, dispõe de uma única corda feita de couro de cauda de cavalo, a cabaça é pequena e coberta com couro de crocodilo, o tocador pode tocar e cantar ao mesmo tempo. (...)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2013/06/guine-6374-p11705-notas-de-leitura-491.html

Luís Graça disse...


Mais uma achega: é "nhanhero", está correto, vem do crioulo guineense... LG
_____________

nhanhero
nha.nhe.ro [ɲɐˈɲɛru]
nome masculino
1. Guiné-Bissau cantador de histórias; cantador de lengalengas
2. Guiné-Bissau instrumento musical usado pelo cantador de histórias, constituído apenas por uma cabaça pequena e aberta, coberta de couro, que serve de caixa de ressonância, e uma corda que se tange com um arco

Do crioulo guineense ñañero, «idem».

Fonte:

nhanhero in Dicionário da Língua Portuguesa sem Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2016. [consult. 2016-02-09 12:37:32]. Disponível na Internet: http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa-aao/nhanhero

Valdemar Silva disse...

Viva, caro Cherno.
É muito interessante essa do nanheiro, nhanheiro ou nhanhero.
Eu também lhe chamava nhanheiro, exatamente da mesma forma que os soldados fulas
do meu Pelotão.
Mas por ter lido um artigo de Beja Santos emendei para nanheiro, mas não convecido.
Está resolvido. O nome correcto do instrumento é Nhanhero.
Mas, muito embora houvesse muitos soldados fulas na CART 11 com o nome Embaló, não
sei o seu significado. O que quer dizer Embaló.
Os soldados às vezes diziam-me: á bó suma rola.
Abraço
Valdemar Queiroz e, que seja, Embaló

Cherno Balde disse...

Caro Amigo Luis Graca,

Ainda bem que conseguiu descobrir, pois estava admirado que nao tivesse entrado ja no dicionario portugues se desde o sec. XIX ja se falava desse instrumento em varios escritos em prosa e poesia romantica. Ficou grafado "Nhanhero".

A corda junto a cabaca (caixa de ressonancia) numa das maos, eh feita de pelos (finos) de rabo de cavalo bem esticados, assim como o arco que com a outra mao (direita ou esquerda)faz sair o som com a friccao.

Caro amigo Valdemar,

Eu sou um dos teus admiradores e tenho acompanhado com muito interesse as tuas narrativas sobre a vida passada nas nossas aldeias. O teu percurso eh unico e muito especial, por ex: voce deve ser dos poucos ou unico portugues que pode falar de Guiro-Iero-Bocar que eh uma aldeia la dos confins da area de Paunca, junto a fronteira com o Senegal. Muitos foram os destacados para companhias africanas (indigenas), mas poucos foram os que se adaptaram e se integraram tao alegremente com tu sem os habituais preconceitos que conhecemos.

Eu te dei o apelido Embalo por ser o mais caracteristico da regiao de Gabu por onde passou mais tempo durante a tua comissao militar. Embalo eh tambem o apelido dos regulos de Gabu, a tal linhagem de Bacar Demba Coiada e de Monjur(o) Embalo, principes reinantes em Forrea e Gabu. Nao conheco a sua origem e significado, mas parece que faz parte dos apelidos locais que surgiram mais tarde, nao fazendo parte dos originais, antes da grande migracao para o reino mandinga de Gabu nos sec. XII e XIII. Algumas fontes orais sustentam que todos os Embalo e Seidi, originalmente eram Balde, mas esta afirmacao carece de provas.

Um abraco amigo,

Cherno Balde

Antº Rosinha disse...

Pelos esclarecimentos (poucos, mas ajuda) do Cherno Balde, ficamos com o previlégio como acompanhantes deste blog, de verificarmos quanta ignorância possuíamos sobre as pessoas que nos rodeavam.

Como não falávamos nem compreendíamos qualquer dos idiomas da Guiné, nem havia "patrícios" integrados nas diversas comunidades étnicas, só por milagre e boa vontade dos guineensess em maioria comprovadamente, é que durante tantos anos aguentámos aquela guerra contra tanta gente apoiada pela própria ONU.

Talvez o próprio insucesso do projecto de Amílcar Cabral se deva também à mesma igorância linguística.

Ninguém falava a mesma língua dos principais interessados num bom desfecho, os guineenses.



Valdemar Silva disse...

Caro Cherno.
Então que seja Embaló, mas nada de régulo ou príncipe. Eu até sou republicano.
Também gosto de ler os teus escritos e concordo com os teus ponto de vista.
Abraço
Valdemar Queiroz e Embaló