terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15729: Manuscrito(s) (Luís Graça) (76): A vida são dois dias e o Carnaval são três (Provérbio popular)


Dez teses 

(mal cheirosas 
e muito pouco carnavalescas) 
sobre a ciência e a merda

por Luís Graça






O 1º cabo Carlos Alberto Alves Galvão,
do 3º Gr Comb / CCAÇ 12, amparado por
dois camaradas da sua secção.
Foto de Arlindo Roda (2010)

Em memória dos meus camaradas
que há 46 anos fizeram, comigo,
a Op Boga Destemida,
em que apanhámos
uma violenta emboscada
em Gundagué Beafada,
subsetor do Xime:
CCAÇ 12, CART 2520
e Pel Caç Nat 63...

Era segunda feira de carnaval,
e íamos mascarados,
que um homem,
quando nasce,
não vem de camuflado e G3. 

Era merda,
o que trazíamos no corpo e na alma.
quando chegámos ao Xime,
33 horas depois (*)



1
Onde estão os cientistas,
grávidos da sua ciência,
a proclamar na televisão
urbi et orbi,
a última palavra,
ex cathedra,
sobre esta merda ?

Não sei quem pergunta,
sei que é uma pergunta de investigação.



2
Comenta o último Nobel da Ciência:
É a liberdade da ciência 

e a ciência da liberdade,
que são postas em causa,
com tão insolente pergunta de merda.


Felizmente que esta merda não é objeto de ciência,
e ainda não há, por enquanto,
e, se calhar, graças a Deus,
uma ciência da merda.


3
Diz o guarda-mor da ética da ciência:
tal como a justiça,
a ciência é cega, surda e muda,
face ao estado
a que chegou esta merda.



4
Acrescenta o fisiopatologista do trabalho da ciência:
se o cientista tivesse
os cinco sentidos apurados,
talvez ele desse um bom perdigueiro de caça,
e talvez esta merda,
tal como a mostarda,
lhe chegasse ao nariz,
mas não chega.


Nasceu sem nariz,
ou já não tem nariz,
ou, se o tem, não o usa,
tendo perdido o faro.


5
Escreve, off record,  o sociólogo da ciência:
não lhe convem,
ao cientista,
sobretudo ao pobre bolseiro
do Fundo para Ciência e Tecnologia (FCT),
debruçar-se sobre a merda do mundo
e o mundo da merda.

E, depois, em boa verdade, 
o que fazer, afinal,
com tanta merda ?

Não lhe convém
cheirá-la (à dita merda),
recolhê-la,
tratá-la,
manipulá-la,
testá-la,
fazer-lhe a prova química e organoléptica,
empacotá-la,
e, por sim, disseminá-la,
sob a forma de conhecimento,
liofilizado,
pronto a servir.


6
Reporta a  jovem repórter da TVI:
mas esta merda cheira mal,
muito mal,
mesmo muito mal,
esta merda fede, 

senhores telespectadores,
mesmo aqui atrás de mim,
e é repelente,
à vista desarmada,
para o comum mortal
que se recusa a falar em direto à TVI.

As pessoas têm medo da merda,
mas ainda mais de falar, para as câmaras,
sobre o estado da merda
a que isto chegou.


7
Manda dizer a secretária
do senhor ministro da Ciência e a Tecnologia (MCT);
por favor,
não incomodem quem trabalha
em prol da humanidade;

e muito menos nosso Gabinete da Ciência Viva (GCV);
da merda, meus senhores,  

tratam os SMAS,
os moderníssimos serviços municipalizados
de águas e saneamento,
que tanto orgulham o país.

Em último caso,
se a tripa rebentar,
liguem para o 112
ou chamem a ASAE
ou mudem a fralda.


8
Que diria o grego Arquimedes ?
Eureka, achei!

Mesmo atolado na merda até ao pescoço,
o cientista não dá conta
da grande merda,
da merda a que isto chegou.


No seu microscópico,
só vê a micromerda,
as micromerdas
que podem estragar a terça feira de Carnaval.


9
E o povo, alarve,
o que diria o povo,
se o povo tivesse opinião qualificada ?

Se a merda valesse ouro,
até os cientistas teriam nascido sem cu.
Vão bardamerda,
que a vida são dois dias
e o Carnaval são três!


10
E, por fim, o último cientista,
a quem foi retirada a idoneidade científica
por querer estudar a merda
a que isto chegou,
e se ter mascarado de cientista da merda,
no carnaval de Torres Vedras
que, dizem, é o mais português 
e o mais antigo 
de Portugal.

Cientistas de todo o mundo, 
juntem a vossa à nossa merda! (**)


______________

Notas do editor:

(*) 9 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8071: A minha CCAÇ 12 (16): O 1º Cabo Galvão, ferido duas vezes em 9 de Fevereiro de 1970, segunda feira de Carnaval...Uma violenta emboscada em L em Gundagué Beafada, Xime (Op Boga Destemida)

(...) A fim de bater a área do Baio/Buruntoni foi planeada a Op Boga Destemida em que tomaram parte 6 grupos de combate: Destacamento A, constituído por 3 Gr Comb da CCAÇ 12 (Dest A); Destacamento B, formado por forças da CART 2520 (unidade de quadrícula do Xime), reforçadas com o Pel Caç Nat 63, aquartelada em Fá Mandinga (sob o comando do Alf Mil Art Jorge Cabral). (...)

(**) Último poste da série > 28 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15682: Manuscrito(s) (Luís Graça) (75): sabedoria alentejana: viver até aos cem anos... p'ra quê ?

5 comentários:

José Nascimento disse...

Nove de Fevereiro de 1970, dia trágico para a Cart 2520. Neste dia faleceu o soldado Manuel Maria do Rosário. O 1º. Cabo José António Oliveira Bagio, viria a falecer na Metrópole no dia 20 de Março em consequência dos ferimentos recebidos. A Cart 2520 sofreu também 5 feridos graves e a C Cac 12, 3 feridos. Eu estava no Enxalé, mas assim que soube da tragédia, desloquei-me imediatamente para o Xime e ainda ajudei a equipa do Fur. Enfº. Costa, no tratamento dos feridos, nomeadamente do Fur. Pestana, com ferimentos muito graves nas costas, sobreviveu, mas nunca mais voltou à nossa Companhia. Passados vários anos contactei o Pestana, via telefone e quando me identifiquei, senti do outro lado da linha, a sua emoção e um reconhecimento com um: = Àh, és tu Nascimento=. Já falei várias vezes pelo telefone com o Pestana, mas pessoalmente ainda não, tem recusado a ir aos nossos convívios. Que descansem em paz estes valentes militares da Cart 2520. Curiosamente o IN atacou o Enxalé no dia seguinte, causando 3 feridos à população, 2 deles tiveram que ser evacuados para Bissau (entre eles uma criança).Várias tabancas arderam devido às granadas incendiárias. Para toda a camaradagem da nossa tabanca, Um Grande Abraço.

Luís Graça disse...

Em 9 de Fevereiro de 1970, segunda feira de Carnaval em Lisboa, e nesse dia embarcava para a Guiné o nosso camarada Cap Mil Jorge Picado...

Luís Graça disse...

/(...) Próximo da antiga tabanca beafada (Xime 3F7-11), cerca das 13h, as NT sofreriam uma violenta emboscada montada em L e com grande poder de fogo, especialmente de lança-rockets e mort 60. A secção que ia na vanguarda do Dest B [CART 2520] ficou praticamente fora de combate, tendo sido gravemente feridos, entre outros, o respectivo comandante e a praça encarregada da segurança do prisioneiro Jomel Nanquitande que, aproveitando a confusão, conseguiu fugir, embora algemado e muito provavelmente ferido. (O 1º Cabo José António Oliveira Bagio era o encarregado da segurança do prisioneiro, ficou gravemente ferido, vindo a morrer no HM 241 em 20/3/1970).

Devido ao dispositivo da emboscada, quase todos os Gr Com foram atingidos pelo fogo de armas automáticas e lança-rockets (testa e meio da coluna) e mort 60 (retaguarda).

Devido à reacção das NT, o IN retirou na direcção de Poindon e Ponta Varela, tendo ateado o fogo ao capim para evitar a sua perseguição. O incêndio lançaria sobre as NT um enxame de abelhas, obrigando-as a fugir para uma mata próxima onde se trataram os feridos.

Em resultado da acção fulminante do IN, as NT sofreriam 1 morto (Sold Manuel Maria do Rosário) e 7 feridos entre graves e ligeiros, sendo 2 da CCAÇ 12 (1º Cabo Galvão, do 3º Gr Comb, e Soldado Samba Camará, nº 8211816, do 2º Gr Comb, evacuados para o HM 241). Ficaram também feridos os Fur Pestana e os Sold Frade e Pinheiro [, pertencentes à CART 2520]. Ferido ligeiro da CCAÇ 12: Sold Arv At Inf Totala Baldé, nº 82108769. Não sei se o Pel Caç Nat 63 teve alguma baixa nesta operação (O Jorge Cabral pode confirmar).

Houve uma tentativa por parte do IN de capturar o 1º Cab Bagio. Devido á atenção do Sold Costa, que abriu fogo sobre eles, esse intento foi gorado. O Costa virá a ser ferido por estilhaços de LGFog.

Feito o reconhecimento, não foi encontrado o prisioneiro. Apesar do incêndio provocado pelo fogo pegado ao capim, ainda se conseguiu recuperar parte do material abandonado, na sequência da emboscada e do ataque de abelhas. (...)

Anónimo disse...

Pois Caro Comandante Luís

Foi assim o destino de tantos, naqueles tempos "de merda", que sem se conhecerem se foram cruzando, para no fim de tantos anos, aqueles que sobreviveram "à merda" onde estiveram, se virem a conhecer, acabando alguns por verificar que estiveram tão perto.

Também é por isso que "A NOSSA TABANCA É GRANDE".

Grande Abraço

JPicado

José Nascimento disse...

Esta emboscada teria sido eventualmente comandada por um cubano da "merda". Houve quem ouvisse ordens gritadas em espanhol, durante o combate.