quarta-feira, 16 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23083: Recortes de imprensa (121): Debate sobre a Guiné-Bissau na Assembleia Geral da ONU em plena crise petrolífera (Diário de Lisboa, 23 de outubro de 1973)

 

Diário de Lisboa, 23 de outubro de 1973





Citação: (1973), "Diário de Lisboa", nº 18259, Ano 53, Terça, 23 de Outubro de 1973, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5334 (2022-3-15)

(Com a devida vénia)

Portal Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 06819.169.26520 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18259 | Ano: 53 | Data: Terça, 23 de Outubro de 1973 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Observações: Inclui supl. "DL Economia".| Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa


1. Notícia de caixa alta do "Diário de Lisboa", do dia 23 de outubro de 1973 (*), quando estávamos em plena guerra israelo-árabe e consequente crise petrolífera... 

A Assembleia Geral das Nações Unidas, reunida em sessão plenária,  votou, em 22 de outubro, o debate de uma resolução que condenava a "ocupação ilegal" de Portugal da autoproclamada "República da Guiné-Bissau". (Em 24 de setembro de 1973, o PAIGC havia declarado unilateralmente a independência do território.)

Foi decidido colocar o assunto na agenda, por 88 votos a favor, 7 contra e 20 abstenções. Além de Portugal, Votaram contra, Bolívia, Brasil, Espanha, Estados Unidos da América, Grécia e República da África do Sul. Entre os 20 que se abstiveram contavam-se membros fundadores da NATO como  a Bélgica, o Canadá, a Dinamarca, a França, a Holanda, a Itália, o Luxemburgo, a República Federal da Alemanha e o Reino Unido.

Em 15 de outubro de 1973, a "República da Guiné-Bissau" era já reconhecida por 60 países não alinhados e do bloco soviético da Europa de Leste. O embaixador de Portugal nas Nações Unidas protestou contra a resolução, alegando que a inclusão do assunto na agenda do plenário da Assembeia Geral era uma violação da Carta das Nações Unidas, e que a pretensa Guiné-Bissau era uma "república no papel", sem um governo soberano,  sem território definido  nem população sob o seu controlo.

O representante da Arábia Saudita disse que Portugal estava "declaradamente a brincar com  os direitos de autodeterminação do povo africano", e criticou os EUA, a França e a Inglaterra por não apoiarem a resolução.

O artigo do "Diário de Lisboa", de caixa alta, baseava-se em peças de duas agências: a Reuters  (R) e a ANI, a  Agência de Notícias e Informação,  criada em 1947 pelo  até aí redactor-chefe do "Diário de Notícias", Dutra Faria, juntamente com Barradas de Oliveira e Marques Gastão. Era uma agência muito próxima do regime de Salazar.

2. Sobre a crise petrolífera de 1973, recorde-se que foi desencadeada  por um  protesto dos países árabes, com destaque para a Arábia Saudita,  pelo apoio prestado pelos Estados Unidos a Israel durante a Guerra do Yom Kippur (de 6 a 23 de outubro de 1973), um conflito particularmente sangrento com milhares de baixas de um lado e do outro. 

Como represália, os países árabes organizados na OPEP (criada em 1960 pela Arábia Saudita, Kuwait, Irão, Iraque e Venezuela) o preço do petróleo em mais de 400%. Em março de 1974, os preços nominais tinham subido de 3 para 12 dólares por barril (a preços atuais, de 14 a 58).

O Canadá, o Japão, a Holanda, o Reino Unido e os Estados Unidos foram os principais alvos do embargo inicial que se estendeu depois a Portugal, a Rodésia e a África do Sul. Os efeitos económicos e financeiros, a nível internacional, fizeram-se sentir de imediato. Por exemplo, em Portugal, o litro de gasolina super passa de 7,5 escudos para 11 escudos ( o equivalente, a preços atuais, 
a 2,32 €). Esta crise, de 1973,  ficou conhecida como o  "primeiro choque petrolífero". Outro se seguiu em 1979. (Fonte: Wikipédia  > Crise petrolífera de 1973).  

No caso de Portugal, tiveram tremendas consequências económicas, financeiras  e político-militares, que já não cabe aqui analisar, mas que vão desembocar, indiretamente,  no golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 e no fim da guerra colonial, numa altura em que a situação militar, no terreno (incluindo na Guiné) estava longe de ser desfavorável para o exército português.
_________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 12 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22991: Recortes de imprensa (120): A seca e os incêndios florestais fora de época... (Apontamento de Carlos Pinheiro no semanário O Almonda de Torres Novas)

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

Todos os meses ou quase todos os meses ia â Assembleis da ONU o problema colonial português, mais ou menos com o mesmo resultado, sempre os mesmos a votar contra e as abstenções e votos a favor pouco mais ou menos, sempre os mesmos.

Seria interessantíssimo lermos os discursos pronunciados pelos 2 ou 3 dos nossos ministros que em geral falavam para as paredes como aconteceu um dia destes com o ministro Russo por causa da votação sobre a invasão da Ucrania, em que todos os países abandonaram o recinto quando o Russo começou o seu discurso.

Pena Beja Santos não encontrar os discursos dos nossos ministros na ONU naqueles 13 anos.

Sem complexos nem saudosismo, mas fizeram tão parte da guerra como ataques e emboscadas no terreno e ajudavam a completar este blog.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Citando A. E. Duarte Silva (in: O litígio entre Portugal e a ONU (1960-1974. Análise Social, vol. xxx (130), 1995 (1.°), 5-50):

(...) 5.2. O ANO DE 1973

A visita da missão especial à Guiné e o correspondente relatório, além de
comprovarem a viabilidade interna e internacional da declaração unilateral de independência que o PAIGC preparava, tinham tido vastas consequências
jurídicas e políticas — sobretudo no isolamento internacional do governo
português e no reconhecimento dos movimentos de libertação. Em 20 de
Janeiro de 1973, Amílcar Cabral foi assassinado, mas o «andamento» (como
gostava de dizer) do processo de independência manteve-se e em 24 de
Setembro de 1973 era solenemente proclamada a República da Guiné-Bissau.

Durante a xxviii sessão da Assembleia Geral, a independência da Guiné-
-Bissau foi a questão central dos trabalhos relativos aos territórios não autónomos.

Ao todo, foram aprovadas cinco resoluções com incidência directa
sobre os territórios portugueses:

a) Uma resolução única na história da ONU e do direito da descolonização:
depois de intensa discussão, em 2 de Novembro, por 93 votos contra 7
e 30 abstenções, a Assembleia aprovou a resolução 3061, onde, além do
mais, «reconhecia» a independência da República da Guiné-Bissau;

b) Uma resolução com alguns antecedentes, mas formulada em termos
inovadores: em 16 de Novembro, através da resolução 3067, a
Assembleia convidava a República da Guiné-Bissau (e não apenas o
PAIGC) a participar na Terceira Conferência das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar;

c) Uma resolução talvez surpreendente: ao aprovar os poderes das delegações
dos Estados membros, a Assembleia precisou expressamente, a 17
de Dezembro, que aprovava os poderes da delegação de Portugal, «tal
como ele existe no interior das suas fronteiras na Europa», e que esses
poderes não se estendiam «aos territórios sob domínio português de
Angola e de Moçambique», nem à «Guiné-Bissau, que é um Estado
independente»;

d) A 12 de Dezembro já a Assembleia votara duas outras resoluções sobre
os territórios portugueses: a resolução 3113, através da qual aprovou
o relatório da Comissão de Descolonização sobre os territórios portugueses
(que já não abrangia a Guiné, por se entender que passara a ser
um Estado independente), e a resolução 3114, que constituía uma
comissão de inquérito aos massacres de Moçambique;

e) Quanto ao estatuto dos movimentos de libertação, e além das implicações
resultantes das resoluções citadas, a Assembleia aprovou novamente
a respectiva participação na IV Comissão, na qualidade de observadores,
e as propostas de afectação de um crédito suplementar destinado
a cobrir as despesas inerentes e adoptou, através da resolução 3103, os
princípios de base respeitantes ao estatuto jurídico dos combatentes
contra a dominação colonial e estrangeira e os regimes racistas.

Não parece, pois, nada exagerado concluir que este conjunto de resoluções
«não deixa de ser um sintoma evidente do elevado grau de deterioração
a que havia já chegado a imagem de Portugal na ONU» (...)

Fonte:
http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223379275O6tBL0an1Az23CC9.pdf