quarta-feira, 24 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25773: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (6): Et maintenant que vais-je faire / De tout ce temps que sera ma vie... ?!

A. Marques Lopes, s/l
(EPI, Mafra ?)
 s/d (c. 1966 ?)
1. Os seminários da Igreja Católica forneceram às forças armadas portuguesas, e sobretudo ao exército (mas também à FAP e aos paraquedistas), importantes contingentes de graduados, milicianos, durante a guerra colonial. Furriéis, alferes, capitães. Mas também cabos e soldados, que não quiseram dar as habilitações literárias (ou que não chegaram a completar o 5º ano). (*)

Em quantidade e qualidade. Em geral, eram jovens com boa formação humana, moral e intelectual, com hábitos de disciplina, sacrifício, resiliência e abnegação, mas também de treino físico e prática desportiva... E em princípio estariam mais protegidos contra as "ideias subversivas" (ou "dissolventes") que grassavam nos liceus e universidades, sobretudo a partir da crise estudantil de 1962…
 
Tinham, além disso, competências relacionais (liderança, trabalho em equipa, 
comunicação, gestão de conflitos,  do tempo e do stress) que eram relevantes para a condução de grupos de combate, em difíceis teatros de operação como o da Guiné.  Tinham também uma boa cultura geral (com bons conhecimentos de latim e  do grego, e da literatura da antiguidade clássica), a par do gosto pela música.   Alguns animaram os "jornais de caserna" no mato e escreveram a histórias das unidades…

Muitos eram oriundos do meio rural, ou de pequenas cidades e vilas do interior, mais conservador do que o meio citadino. Vinham de famílias pobres ou remediadas, um ou outro excecionalmente da elite ou da classe média alta.  Em geral, eram cooptados por toda uma vasta rede informal de professoras do ensino primário, catequistas e párocos, angariadores de potenciais vocações sacerdotais de entre os melhores alunos do ensino primário obrigatório.

Os seminários menores e maiores, tanto diocesanos como das ordens religiosas (salesianos, franciscanos, dominicanos, jesuitas...) , ofereciam a estes jovens oportunidades de educação e mobilidade social ascendente que, à partida, lhes eram vedadas pela sua origem sociofamiliar e a tacanhez da terra onde viviam. O acesso, nomeadamente ao ensino liceal, era limitado a certas camadas da população urbana. A barreira começava na preparação e nos exames de admissão ao liceu. As provas, escritas e orais, eram feitas em geral nas capitais de distrito, bem longe das pacatas vilas e aldeias do interior do país…

Está por estudar o papel dos ex-seminaristas na nossa longa guerra colonial (1961/74)… Muitos deles, depois da saída do seminário (em geral, na sequência de uma dupla crise, vocacional e de fé), eram rapidamente chamados para a tropa… 

Recorde-se que, por força da Concordata de 1940 (assinada entre Portugal e o Vaticano), os sacerdotes católicos estavam dispensados do serviço militar obrigatório, podendo depois servir a Pátria como capelães castrenses, dependendo da vontade do seu bispo e das necessidades das Forças Armadas. Os seminaristas gozavam do mesmo privilégio no período da sua formação.

Sobretudo os que deixavam de frequentar o seminário maior (curso de teologia, que se iniciava no 7º ano, de um total de 12 anos letivos) eram rapidamente chamados às fileiras do exército. Recorde-se que as suas habilitações literárias não eram automaticamente reconhecidas pelo sistema de ensino oficial. Davam equiparação apenas para efeitos de emprego público e para a tropa. 

Os ex-seminaristas, com o 7º ano ou mais, não podiam inscrever-se automaticamente (e prosseguir os seus estudos) na escola pública e muito menos na universidade. Ou seja, o 7º ano do seminário (equivalente a 11 anos de escolaridade) não tinha os mesmos efeitos legais do 7º ano do liceu, para efeitos académicos.

Não tinham, por isso, direito ao famoso "adiamento", de que beneficiavam  os estudantes universitários que não reprovassem (e que se "portassem bem", não se metendo em "encrencas")… Não admira, por isso, que em quase todas as unidades ou subunidades houvesse um ou mais alferes miliciano, furriel miliciano, ou 1º cabo, ex-seminarista.  

Faltam-nos histórias de vida, relatos autobiográficos, diários, depoimentos, entrevistas, trabalhos de investigação, estatísticas… Temos mais de meia centena de referências com o descritor "seminário", no nosso blogue. 

Há já alguns romances ou livros de cariz autobiográfico sobre este tema (o seminário e a guerra colonial): recorde-se aqui, entre outros, a talhe de foice (todos eles com referências no nosso blogue): 

(i) "Construção e Desconstrução de um padre", de Horácio Neto Fernandes  (Porto, Papiro Editora, 2009) 

(ii) "O Seminarista e o Guerrilheiro”, de Cândido Matos Gago (Grândola, edição de autor, 2015); 

(iii) "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) (Lisboa, Chiado Editora, 2015);

(iv) "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", de José Maria Martins da Costa (Lisboa, Chiado Books, 2021);


2. Retomamos o livro do A. Marques Lopes, "Cabra Cega", que tem no subtítulo, de maneira explícita, a figura do seminário: "do seminário à guerra colonial" (**). 

Este excerto do seu livro de memórias, é retirado das pp. 219/223 , seguindo a seleção que ele próprio fez na sua página do Facebook, na postagem de 27 de setembro de 2022, às 16:32 (aqui a narrativa era já feita na 1ª pessoa do singular, assumindo o autor que o "Aiveca" do livro era o seu "alter ego"...). Mantemos a versão do livro de 2015 ("Cabra Cega", Lisboa, Chiado Books).

Aiveca e os outros alferes da companhia, acabados de serem promovidos (Zé Pedro, Aprígio, Castro) falam da "missa de despedida", a que o primeiro se furtou de ir, argumentando que estava farto de missas, e que era bem melhor que o capelão pegasse no tema do Gilbert Bécaud, que se cantava na instrução em Lamego, no curso de operações especiais: "Et maintenant que vais-je faire / De tout ce temps que sera ma vie..." (E, agora, o que é que eu vou fazer / De todo este tempo que vai ser a minha vida...)


Et maintenant que vais-je faire, de tout ce temps que sera ma vie... ?!

por A. Marques Lopes (1944-2024)


Fomos promovidos a alferes antes do embarque. Ia haver também aquilo a que chamaram cerimónia de despedida, a que se seguiria uma missa na parada.

Aiveca não tinha vontade nenhuma de assistir à missa quando soube que ia haver. Com muito menos ficou quando o capitão, que os tinha reunido para falar do que havia, acrescentou que era o major-capelão Euclides que ia celebrar a missa.

– Que filho da puta  sussurrou entre dentes.

Os outros alferes olharam para ele.

 Disse alguma coisa, Aiveca ?  
– perguntou o capitão.

Ainda bem que não o ouvira.

 Meu capitão, estava a dizer que não vou à missa – r
espondeu.

Agora eram todos espantados, inclusive o capitão. Viu que tinha de dar uma explicação, mas não ia dar a verdadeira.

 É que eu não sou católico  
– foi a razão mais rápida que encontrou.

Admiração geral. O capitão ficou hesitante, parecia embuchado, sem palavras.

 Tá bem, se é assim…   
– lá acabou por dizer, mas pareceu contrariado por não ter argumentos.

Ainda se lembrava da conversa parva do padre Euclides quando o encontrara no Cais do Sodré, estava ele a trabalhar no porto de Lisboa. Quando soube disso abriu os olhos horrorizado: "Cuidado com os comunistas!"... 

Era uma besta, não gostava nada dele. Já sabia que ele e o padre Gama tinham ido para capelães-militares, o Gonçalves dissera-lhe quando estava no RI1, mas estava longe de ver aquele gajo ali. Se fosse o Gama,  era diferente. Ele fora o seu professor da instrução primária no colégio dos padres, dera-lhe uma ou outra palmatoada, é verdade, mas fora sempre um bom amigo dos miúdos. Se fosse ele até iria à missa e gostaria de falar com ele no final.

Meteu-se no bar de oficiais durante a missa mas não se livrou de a ouvir e ao sermão do Euclides, porque os altifalantes gritavam para todo o lado. Nada de novidade, já sabia que daquele não sairia outra coisa. Fez uma bela dissertação sobre o amor à pátria, a defesa do património nacional, etc. Esqueceu-se é de falar contra os comunistas.

Passado algum tempo depois de tudo terminar, apareceram os outros alferes. O Zé Pedro olhou para o meu copo e disse ao barista para lhe trazer também um whisky.

 Então, gostaram da missa?
 perguntocau o Aiveca.

O Castro e o Zé Pedro disseram que sim, mas sem grande ênfase. "Estão com receio de ferir as minhas crenças", pensou com um sorriso irónico. Ficaram silenciosos depois.

 
– Olha lá – decidiu-se o Aprígio, que não dissera que sim nem que não  , afinal qual é a tua religião?”

 
– Estava a ver que não me perguntavam – riu-se.  – Eu vou dizer. Mas não vão bufar nada ao capitão, tá bem?

Todos abanaram a cabeça e disseram seriamente que nem pensar, pá.

 Ó meus amigos, eu tenho de ser católico, apostólico, romano. Batizaram-me quando era bebé, ainda não sabia dizer nem que sim nem que não, só me deu para chorar, é o que dizem os meus pais. Depois, quando era puto e andava num colégio de padres, fiz a comunhão solene e fui crismado. Se dissesse que não queria corriam comigo, mas nem pensar pois estava lá de borla e os meus pais não me podiam pôr noutra escola. Mas, olhem, na altura até achei piada àquilo, foi giro. É isto. Como vêem sou oficialmente católico desde a nascença, como a maioria em Portugal.

Ficaram perplexos. Aiveca percebeu-se que esperavam uma novidade, algo que desse para fazerem mais perguntas. O Aprígio, sobretudo, pareceu desiludido. Só o Zé Pedro reagiu.

 Ó Aiveca, mas, então, porque não quiseste ir à missa?

– Não quis porque já estou farto de missas, é isso.

Não quis dizer que não gostava do major-capelão para não ter que explicar porquê. Nem porque estava farto. Fizera contas e chegara à conclusão que assistira a mais de 4.200 missas, contando as do seminário e as do colégio dos padres. Nunca lhes dissera que tinha estado no seminário e não era agora que ia dizer.

 
– É a tua maneira de ver  – continuou o Zé Pedro.   – Mas eu acho que esta missa foi importante para malta que vai para a guerra. Deu-nos mais calma e confiança na ajuda de Deus.

 
– Talvez, no geral, uma missa tenha esse objetivo, tá bem, pode ser que sim. Mas o desta não foi este. Foi antes um apelo à guerra, bem patente no sermão do major-capelão, nada diferente do que disse o comandante do Regimento na cerimónia da despedida nem do que dizem os membros do Governo.

– Isso é verdade, é todos o mesmo  – disse o Aprígio.  – E olhem, se eu não fosse para a guerra é que era uma grande ajuda de Deus. Podem ter a certeza que assim é que ficaria bestialmente calmo.

– Ó Aprígio, estou a ver que tu e o Aiveca não estão a entender.

–  Diga lá, doutor Castro.

O Aiveca sorriu sem o hostilizar, embora imaginasse que ia sair dali palermice.

 Não gozes. Os discursos de Salazar visam mentalizar o povo para a necessidade de fazer a guerra e o que disse o comandante do Regimento e o sermão do padre tiveram como objectivo motivar os soldados para se empenharem nela. Acho importante isso.

 O coronel e o Salazar percebo, é o papel deles. O padre é que não tinha nada que se meter nisso, fazer pandã com eles, não é esse o papel dele. Era melhor que glosasse aquela do Gilbert Bécaud que tu conheces lá de Lamego.

Quis ser mau e cantou: “Et maintenant que vais-je faire, De tout ce temps que sera ma vie, De tous ces gens qui m’indiffèrent.”

O Aprígio e o Zé Pedro riam-se, o Castro estava sério.

– Disto é que ele devia falar
 disse Aiveca acabando de cantar. – Mas estou a ver que não percebem nada de francês, nem tu, Castro. Ouvias sem saber o que o Bécaud dizia. Só fazia que saltasses da cama.


António Marques Lopes

Página do Facebook do A. Marques Lopes | 27 de setembro de 2022, às 16:32 e livro "Cabra Cega" (2015, pp. 219/223)


(Seleção, revisão / fixação de texto, título, negritos, itálicos, parênteses retos: LG)

_________





Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) 
(Lisboa, Chiado Editora, 2015, 582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, 
Colecção: Bíos, Género: Biografia).



Capa do livro "Cabra-cega", de A. Marques Lopes, lançado no Brasil (Paperblur, São Paulo, 2019). Não está à venda nas livrarias, é impresso sob encomenda, é um novo conceito de edição.
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18954: (Ex)citações (343): porquê tantos ex-seminaristas nas fileiras do exército, durante a guerra colonial? (António J. Pereira da Costa / Virgílio Teixeira / José Nascimento / A. Marques Lopes / Juvenal Amado)

(**) Postes anteriores da série:

terça-feira, 23 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25772: Casos: a verdade sobre... (45): O "incidente" de 1/12/1973 que levou à morte de 7 civis no Xime, por "fogo amigo": nessa data não havia obuses em Mansambo e Gampará já tinha o obus 14 (António Duarte,ex-fur mil, CART 3493, Mansambo, e CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, dez 71 - jan de 74)

1. Mensagem de António Duarte, um histórico do nosso blogue para o qual entrou em 18/2/2006


Data - terça, 9/07/2024, 22:06
Assunto - Fogo amigo

Boa noite, Luís

Se me permites,  gostava de clarificar e acrescentar alguns pontos, sobre o relatado pelo Sousa Castro e outras observações feitas (*).


(i)  tenho a certeza que,  no dia 1 de dezembro de 1973, em Gampará estavam obuses 14 cm e, portanto,  se refizeres as contas, à distância entre as duas localidades, vais constatar que as granadas podem cair dentro do quartel/tabanca do Xime;

(ii)  não havia obuses em Mansambo, em 1 de dezembro de 1973;

(iii) no Xime estavam obuses de 10.5 cm, nessa data;

(iv) os comandantes de companhia no Xime (Ccaç 12) e da companhia de Gampará, cuja identificação não me recordo, articulavam-se para bater a  zona a partir de Gampará, para a zona de atuação da nossa Ccaç 12; penso que era para ensaiar alguma necessidade, em caso de ataque ao Xime,

(v)  não foi a primeira vez que tal sucedeu, nunca tendo havido incidentes;

(vi) foram perfeitamente audíveis as saídas aquando dos disparos do 14 em Gampará; de seguida ouviram-se os rebentamentos, um na tabanca, com o resultado já conhecido, e um segundo junto à escola do Xime, relativamente perto do local onde rebentou a primeira, a qual ficou, pelo menos com um buraco grande na parede;

(vii) o nosso tabanqueiro, José Carlos Mussá Biai, menino à época, viveu esta tragédia de perto e sei que se recorda (**).


Um abraço a todos os camaradas,
António Duarte
Cart 3493 (Mansamno) 
e Ccaç 12 (Bambadinca e Xime) 
(dez 71 a jan de 74)

2. Comentário do editor LG:

Sabemos que nessa data o comandante da CCAÇ 12 era o cap mil inf José António de Campos Simão (médico ortopedista do SNS, em Évora, hoje seguranente reformado), e o comandante da CCAÇ 4142/72 (Ganjauará, set 72/ ago 74) era o cap mil cav Fernando da Costa Duarte.

O Sucena Rodrigues, infelizmente já falecido, deu uma informação errada: o nº de mortos foi de 7 e todos civis, de uma mesma família (segundo me confirmou, ao telefone, o António Duarte) (e já o sabíamos do depoimento do J. C. Mussá Biai) (**) . 

Por outro lado, uma das granadas de obus 14 caiu na bolanha.

A informação fornecida pela CECA está errada: já havia de facto obus 14 em Gampará / Ganjauará (27º Pel Art), e Mansambo não tinha nenhuma artilharia nessa data  (!) (*)

___________


(**) Vd. poste de 20 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P554: Sete mortos civis no ataque ao Xime (Dezembro de 1973) (J.C. Mussa Biai)

(...) Acabo de ler o relato do António Duarte sobre o trágico acontecimento que ocorreu em Xime (...)

Devo dizer que, apesar de ser criança à época, ainda me lembro porque afinal morreram sete pessoas nesse ataque, para além das mortes serem a menos de cinco metros da casa onde eu dormia.

Ainda por cima morreram lá duas pessoas (João Jorge e o irmão mais novo) com os quais eu e mais outras crianças à época estavamos a brincar. Só que a avó deles foi buscá-los para irem dormir e passados mais ou menos 30 minutos eu também fui dormir.

Antes de adormecer ouviu-se um estondo enorme de uma granada de canhão em cima da casa deles e eles começaram a gritar, passados talvez 2 ou 3 minutos caiu um segunda granada de  canhão e foi o silêncio total. Passados mais uns 2 ou 3 minutos caiu uma terceira granada a talvez 50 - 100 metros para a frente.

Depois disso não se ouviu mais nada e mais ninguém dormiu. Daquela família, dos que estavam em Xime, só se salvaram três pessoas. O chefe de família que tinha pernoitado no mar (na pesca) e a filha mais velha e a filha desta, porque estavam de zanga e tinham-se mudado para a casa duma outra família.

Esse acontecimento foi dos que mais mais me marcaram pela negativa. Nessa altura já tinha consciência que havia uma gerra, as razões desconhecia-as.Talvez seja próprio da infância, o certo é que pereceram amigos de brincadeira e vizinhos...

As datas não sei, mas os factos ocorridos são esses (...)

Guiné 61/74 - P25771: Aristides de Sousa Mendes - Um dos nossos grandes que eu admiro (Carlos Silva, ex-fur mil inf, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71) - II (e última) Parte: Visita ao museu da História do Holoscausto / Yad VaShem, Israel, Jerusalém, 2017

Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

~
Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8


Foto nº 9


1. Continuação da publicação de fotos relativas ao Aristides de Sousa Mendes (Cabanas de Viriato, Carregal do Sal, 1885 - Lisboa, 1954), o cônsul de Bordéus, que, para ser fiel a Deus e à sua consciência, teve de desobedecer aos homens (neste caso, a Salazar).

São fotos do álbum d0o  Carlos Silva, ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71), advogado, natural de Gondomar, régulo da Tabanca dos Melros, com 145 referências no nosso blogue, para o qual entrou em 20/7/2007.(*)

Nesta segunda parte mostram-se imagens da sua visita (em companhia da esposa e de uma irmã, fotos nº 4 e 5), ao Museu de História do Holocausto, em Jerusalém, em 2017. (Em hebraico, Yad VaShem, criado em 1953, foto nº 6).

A foto nº 7, no interior do museu é o "hall dos nomes das vítimas do Holocausto, de origem judia" (há mais de um milhão ainda por identificar).  

Na foto nº 8, a legenda diz (em inglês e hebraico): "Um envelope postal e um selo, emitidos em memória de Sousa Mendes, em Portugal, 1995. Na parte inferior do selo pode ler-se: 'Lisboa, a porta para a liberdade- com a sua assinatura salvou milhares de vidas' ".

Na foto nº 9, pode ler-se: "Aristitides de Sousa Mendes, Portugal: por sua iniciativa própria, emitiu vistos de entrada em Portugal a milhares de refugiados judeus em França". 

A entrada no museu é gratuita, mas sujeita a inscrição prévia "on line". Três portugueses figuram aqui com o titulo de "justos entre as nações": além de Aristides de Sousa Mendes (nº 264,  entrado em 1996), Carlos Sampaio Garrido (nº 11758 /2010) e Joaquim Carreira (nº 12893 /2014).

Fotos (e legendas): © Carlos Silva (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

______________

Nota do editort:

Último poste da série > 21 de julho de  2024 > Guiné 61/74 - P25768: Aristides de Sousa Mendes - Um dos nossos grandes que eu admiro (Carlos Silva, ex-fur mil inf, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71) - Parte I: Casa do Passal (Cabanas de Viriato), Museu do Holocausto (Jerusalém) e capas de livros

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25770: Notas de leitura (1711): Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista: Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
Procura e acharás, sempre desejei chegar a este documento, bati a várias portas, nada. Entro numa loja de comércio justo, aqui está ele, entre outras publicações, o leitor paga o que quiser e mete na caixinha. Não coube em mim de contente, sou confesso admirador destes cientistas sociais suecos, de um rigor intocável. Dir-me-ão, desta síntese do olhar de Kenneth Hermele que esta sua visão sobre a quebra de alianças era algo de óbvio, fatal como o destino, não só houve falta de entendimento sobre o que devia ser uma política de reconciliação e perdão como se cavalgou nas nuvens, agravaram-se as dívidas externas, isto quando os patronos de Leste caminhavam paulatinamente para o definhamento, aquilo que Mikhail Gorbachev chamou de estagnação. Kenneth Hermele faz no seu ensaio um apelo a uma reformulação de políticas internas, como sabemos, era demasiado tarde. Vamos seguidamente dar a palavra a Lars Rudebeck, iremos cair em cheio na Guiné.

Um abraço do
Mário



Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista:
Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (1)


Mário Beja Santos

Entro numa loja de comércio justo ligada ao CIDAC, à procura de uma publicação sobre Cabo Verde e encontro a tradução portuguesa de um documento de que há muito ando no encalço: o que representou o ajustamento estrutural em três países africanos de língua portuguesa que foram insurgentes (esclarecedor documento de Kenneth Hermele) e a profunda análise que Lars Rudebeck faz do que significou o ajustamento estrutural numa aldeia a cerca de 100 quilómetros de Bissau, foi matéria de um seminário que decorreu na Universidade de Uppsala em maio de 1989, organizado por AKUT.

Cabe a Kenneth Hermele a grande angular: ajustamento estrutural e alianças políticas em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. Este último assinou em 1984 o Acordo de Nkomati, um pacto de não agressão com a África do Sul, abriu assim caminho para ser membro do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, era o fim da destabilização internacional e da mudança de um processo de transformação socialista numa economia de mercado. Logo nos primeiros anos da década de 1980, Moçambique estava confrontado com o serviço da dívida e, entretanto, o COMECOM não aceitou apoiar Moçambique, o país viu-se obrigado a alterar as suas alianças internacionais. Em Angola o processo foi diferente, o regime do MPLA quis evitar a imposição de condições estabelecidas pelo FMI e pelo Banco Mundial, mas a comunidade internacional dos doadores obrigou o país a apresentar o país de adesão ao FMI. O caso da Guiné-Bissau revelava-se dramático, o país tinha-se tornado quase completamente dependente da ajuda estrangeira para sustentar, não só a sua dívida externa, mas praticamente todo o aparelho de Estado. O trabalho de Kenneth Hermele põe uma questão basilar: em que aspetos é que o processo de ajustamento estrutural que Moçambique e a Guiné-Bissau estavam a viver, e que a Angola estava à beira de iniciar, tem relação com as fases anteriores à constituição da nação nestes três países, mais concretamente lança o seu olhar sobre as alianças políticas na luta da libertação.

Observa que durante estas lutas estabelecera-se uma aliança entre o campesinato e os nacionalistas. Os dirigentes vinham de um estrato social a que se pode chamar pequena burguesia, com sentimentos nacionalistas muito fortes. Era um estrato que tinha laços de família com a classe camponesa média, francamente apoiada pelos nacionalistas portugueses. Nas três colónias, os respetivos líderes procuraram criar frentes amplas para poder unir a ação política e militar, sob a consigna de que tinham direito a ser independentes. Juntaram grupos sociais com notórias diferenças: camponeses sujeitos a trabalho forçado, nacionalistas burgueses, agricultores e pequenos capitalistas, grupos religiosos e culturais que se consideravam excluídos, bem como alguns representantes do poder tradicional.

Após a independência, os vencedores reivindicaram que a luta de libertação conduzira a uma nova ordem social em que os camponeses tinham dado os primeiros passos no sentido da propriedade coletiva das terras e distribuição equitativa de bens e rendimentos. Só que as alianças do passado foram quebradas pelas estratégias de desenvolvimento adotadas pelos movimentos de libertação.

A coletivização da terra não era apreciada pela maioria dos camponeses, havia mesmo um estrato camponês que aderira à luta de libertação para readquirir as terras de onde os portugueses os tinham expulsado. Muitos chefes tradicionais também se sentiram traídos, eram permanentemente acusados de tribalistas e obscurantistas. Também nas áreas urbanas, a estratégia de desenvolvimento colocou as antigas alianças sobre grande pressão. Pretendia-se, no caso de Angola e Moçambique, uma estratégia industrial que visava o restabelecimento rápido dos níveis de produção do último ano colonial (1973). As necessidades do setor rural ficaram secundarizadas. Veja-se o exemplo de Moçambique onde a produção local de enxadas baixou a níveis muito inferiores do tempo colonial.

Em Angola e Moçambique, as frentes nacionais de libertação não estiveram para meias medidas, apresentaram-se como partidos marxistas-leninistas, promovendo a partir do topo a transformação socialista. Vinha muita inspiração da Europa de Leste, mas a implementação práticas das políticas foi basicamente da responsabilidade do que restava da burocracia portuguesa e de poucos africanos. Tudo somado, as políticas pós-independência vieram a significar uma nova aliança, uma partilha do poder entre o partido dirigente e a burocracia do Estado. Na Guiné-Bissau, deu-se claramente uma dissolução da aliança camponesa, pretendia-se um desenvolvimento numa dependência total em relação à ajuda externa, assim cresceu um aparelho de Estado que se tornou cada vez mais irrelevante para a maioria dos camponeses. Em Moçambique, a tentativa de modernizar a agricultura em cooperativas e machambas estatais foi um verdadeiro golpe para a antiga aliança. E a interferência externa (Rodésia e África do Sul) e a destabilização de RENAMO enfraqueceu ainda mais a aliança. Em Angola passou-se algo de idêntico, o MPLA acabou por se isolar pela falta de atenção à importância do setor camponês.

No início dos anos de 1980, o falhanço nos três países era evidente. Não chega pôr em cima da mesa as pressões externas e as mudanças na situação internacional, quebrada a aliança ampla, foi crescendo o apoio a uma economia de mercado. E Kenneth Hermele põe nova questão: qual o tipo de desenvolvimento capitalista que estava a ser promovido. Havia defensores do ajustamento estrutural que afirmavam que os programas de reforma não pretendiam ir mais longe do que lanças as bases do crescimento económico. Da observação deste cientista social, o capitalismo que se estava a promover não apresentava nenhum dos aspetos relevantes do chamados capitalismo milagre do Sudeste Asiático. Aí, a direção do Estado, reforma económica e social, incluindo reforma agrária, políticas de longo alcance promovendo a educação, por exemplo, constituíam uma condição prévia necessária para as fases posteriores do crescimento de exportação. Ora nada de semelhante estava a ser implementado na Guiné ou em Moçambique. Parece razoável concluir que aquilo que estava a ser criado através do ajustamento estrutural na Guiné-Bissau e em Moçambique era um capitalismo fraco e subserviente. Observa igualmente Hermele que no que dizia respeito à Angola e Moçambique, o objetivo final das políticas impostas era preparar a África austral para uma situação pós-Apartheid.

Em termos de conclusão, o autor refere que as alianças nestes três países passaram por três fases: luta de libertação apoiada por uma frente ampla; tentativa de modernização que falhou em parte devido a uma alteração de aliança entre os camponeses e as burocracias estatais e o partido líder; na terceira fase, com a imposição do pacote de política de ajustamento estrutural estava a ser criada uma nova aliança entre capitalistas e instituições internacionais de finanças e cooperação, estando as burocracias de Estado a desempenhar uma papel complementar independente.

E o autor dizia que não se estava a verificar qualquer desenvolvimento, nem capitalista nem socialista, na ausência de um aparelho de Estado que se baseasse numa aliança interna, havia uma tendência das agências doadoras para enfraquecer ainda mais as funções do Estado. A erosão da base política interna entre o campesinato guineense, por exemplo, destituiu o regime do apoio interno que teria sido necessário para poder resistir às condições impostas pelo sistema financeiro internacional. Concluiu o autor que as organizações não-governamentais, grupos de solidariedade e as agências de desenvolvimento deviam pôr em prática ações adequadas no sentido de fortalecer o poder de resistência interna. Mas que não houvesse ilusões, era a capacidade de Angola, da Guiné-Bissau e de Moçambique em estabelecer internamente alianças políticas novas que permitiria lançar em simultâneo as bases do desenvolvimento socioeconómico. E termina de forma taxativa: pessoas do exterior só poderão desempenhar um papel secundário; mas nós poderemos contribuir para certificar que os poderes ocidentais e as suas instituições não imponham a continuação do subdesenvolvimento e da dependência e que – pelo menos – se encontrasse resistência dentro do país.

Vamos seguidamente dar a palavra a Lars Rudebeck, vamos até uma tabanca guineense.

Kenneth Hermele
Lars Rudebeck
O antigo hospital militar nº241, imagem do Triplov, com a devida vénia
A casa comercial Taufick-Saad, imagem do Triplov, com a devida vénia
Fevereiro de 1965, o governador Arnaldo Schulz passa revista a uma unidade da Mocidade Portuguesa, no ato inaugural de uma escola, Arquivos da RTP, com a devida vénia
Nino Vieira e Luís Cabral na Suécia, 1973, imagem retirada do blogue Herdeiro de Aécio, com a devida vénia
Nota de 100 Pesos da Guiné-Bissau, emissão de 1975, reverso da nota na face está a efígie de Domingos Ramos

(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 19 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25761: Notas de leitura (1710): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1868 e 1869) (12) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25769: Timor Leste: passado e presente (13): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte V: a invasão de tropas australiano-holandesas, em 17 de dezembro de 1941



Timor > Arquivo Fontoura (c. 1936-1940) >Entrada do campo militar de Taibessi


Timor > Arquivo Fontoura (c. 1936-1940) > Maubisse


Timor > Arquivo Fontoura (c. 1936-1940) > "Missões Católicas"


Timor > Arquivo Fontoura (c. 1936-1940) > "Baleeira governamental quando da chegada de S. E. o Governador (1937)"



Timor > Arquivo Fontoura (c. 1936-1940) > "O navio de guerra 'Gonçalves Zarco' na sua visita a Oecussi (1938)"


Fotos do Arquivo de História Social > Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa > Álbum Fontoura. Imagens do domínio público, de acordo com a Wikimedia Commons. Editadas por blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024). Com a devida vénia...


1.  A descolonização e a autodeterminação de Timor Leste foram um processo doloroso, trágico, para todos nós, portugueses e timorenses... A história recente deste povo, com quem partilhamos língua, história e afetos, não é conhecida de muitos dos antigos combatentes da Guiné. Daí fazer sentido publicar aqui notas de leitura e excertos do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (*), disponível em formato digital no Internet Archive.

Timor Leste foi o único território ultramarino (na altura, designado como "colónia" , até 1951) que foi invadido e esteve ocupado por forças estrangeiras, durante a II Guerra Mundial (entre dezembro de 1941 e setembro de 1945): tropas anglo-australianas e holandesas, primeiro, e japonesas depois).

Atualizámos a ortografia e a grafia dos topónimos. O livro foi redigido no principio da década de 1970, sendo uma edição da Livraria Portugal Editora, na Rua do Carmo 70 (que já não existe como editora), tendo sido composto e impresso na Gráfica de Lamego. (O autor, médico de saúde pública,  seria natural do concelho vizinho de Armamar.)

~
A invasão de Timor por uma Força Australiano-Holandesa , em 17 de dezembro de 1941 (pp.31)

por José dos Santos Carvalho

 



Carlos Cal Brandão: "Funo: guerrra em Timor". 
 Porto, edições "AOV", 1946, 200 pp.


(i) O autor estava em Bacau, onde tinha tomado posse do cargo de autoridade de saúde. (Em 1941 havia 4 médicos para cerca de 435  mil  habitantes !). 

Bacau estrava a mais de 120 km da capital, Díli. Ficava na parte oriental do território. E era conhecida, na época, por "Vila Salazar". Daí ter-se socorrido de outras fontes, como o livro  do deportado dr. Cal Brandão (1906-1973), "Funo: guerra em Timor" (Porto, 1946). 

O admistrador da circunscrição de Bacau era o tenente Manuel Pires, que se irá depois destacar como um dos heróis da resistência contra os japoneses. Era um homem igualmente nascido no Porto, como Cal Brandáo.

Contrariamente à invasão e ocupação dos japoneses, dois meses depois, o contingente australiano-holandês  (menos de 1600 homens) instalou-se em Díli aparentemente sem dar um tiro. Mas a decisão dos Aliados, violando a neutralidade portuguesa, ao desembarcar tropas no território para proteger a costa norte da Austrália, irá ter consequências trágicas para os timorenses: cerca de 60 mil  (15% da população) morrerá devido à fome e à violência dos invasores e ocupantes (os japoneses e os seus aliados, c. 20 mil, que vieram da parte ocidental da ilha, as temíveis "colunas negras" que semearam o caos e a morte na colónia portuguesa).


(...) A 17 de dezembro de 1941, muito cedo, o cônsul da Inglaterra, sr. David Ross, deslocou-se ao palácio do governador, em Lahane, pedindo-lhe para receber, às oito horas, um delegado do Comando Aliado, que solicitava uma conferência (1)

O governador dirigiu-se, a essa hora para a secretaria da administração civil em Díli e aí recebeu o tenente-coronel Stressmann, do exército holandês, que se apresentou como comandantes das forças aliadas que deviam desembarcar e fixar-se  em Díli, imediatamente, conforme ordens superiores que ele recebera e que impreterivelmente teria de cumprir até às nove horas.

O governador convocou uma reunião dos oficiais da guarnição de Díli e mais o coronel Castilho, concluindo unanimemente que era impossível resistir pela força a esta prepotência dos Aliados, cujos aviões sobrevoavam a cidade e tinham dois navios de guerra à vista.

Deste modo, o desembarque aliado fez-se sem luta após o governador ter energicamente protestado contra a invasão e ordenado que se hasteasse permanentemente a bandeira nacional em todas as repartições e edifícios públicos da colónia e mandando comunicar o acontecido às circunscrições.

Para vincar a atitude de neutralidade para com os beligerantes, que recomendou a todas as autoridades administrativas, recclheu-se à sua residência e ali, por livre determinação, se considerou prisioneiro (1).

Entraram assim em Timor trezentos e oitenta oficiais e soldados australianos, comandados pelo major Spencer, e mil e duzentos soldados do exército holandês, quase todos naturais de Java, enquadrados por alguns oficiais e sargentos europeus (1).

Os australianos bivacaram no campo de aviação e, depois, transferiram o seu acampamento para a montanha de Nai-Suta, cerca de quinze quilómetros para o interior. Os holandeses instalaram-se na casa da Ásia Investment Company, representada pelo alemão, sr. Max Sander que aí residia (1) .

As tropas holandesas iniciaram, em Díli, os trabalhos de entrincheiramento, ao longo da praia, construindo redutos para as metralhadoras anti-aéreas e sarilhos de arame farpado para, no momento próprio, fechar as ruas e estradas. Todas estas obras militares eram levadas a efeito, na melhor ordem, sem afrontar ou prejudicar quem quer que fosse (1).

«Logo no dia da sua chegada, a polícia militar holandesa, sob o comando do major Hagerbeck, que ao rebentar da guerra viera para Díli, a título de comprar cereais, procedeu à captura de alemães e japoneses» (1) .

O cônsul nipónico, com sua família e pessoal, ficou detido na sua residência, e os outros ficaram em regime de prisão nos escritórios da sua Companhia de Aviação (1) .


(ii) A única força militar portuguesa, no território, era a Companhia de Caçadores de Timor, comandada pelo cap inf Freire da Costa  (e tendo como adjunto o tenente Liberato). foi forçada a desçlocar-se para o interior, para o quartel de Maubisse

A população civil refugiou.se nas montanhas (Aileu, Liquiçá, Maubara). As escassas centenas de portuguesesww que lá vivia, (funcionários públicos, missionários e deportados) alimentavam a secreta esperança do socorro de uma força militar portuguesa que teria partido de Moçambique. Mas em vez dos portugueses, quem desembarca em 20 de fevereiro de 1942 são... os japoneses.

(...) No dia 18 de dezembro, o tenente-coronel Van Stratten, comandante das forças aliadas, avistou-se com o Governador e comunicou-lhe as informações que possuía, segundo as quais os oficiais da Companhia de Caçadores de Timor projectavam um golpe de força contra as tropas estrangeiras. Embora com mágoa, ver-se-ia obrigado a desarmar a Companhia (2).

O Governador, não conseguindo demover o tenente-coronel da sua decisão, resolveu, para evitar o vexame, afastar da capital a Companhia de Caçadores de Timor, ficando no quartel de Taibessi somente um destacamento sob o comando do tenente Ramalho (2).

Assim, seguiu a Companhia para o quartel de Maubisse, recentemente acabado de construir, levando o seu comandante, capitão Freire da Costa e o tenente Liberato como oficial subalterno, tendo chegado ao seu destino na noite de 19 de dezembro (2).

A população civil de Díli com exceção de alguns funcionários, abandonou a capital e foi viver para o interior, sobretudo para Aileu, Liquiçá e Maubara.

Os funcionários distribuiram-se por pequenas «repúblicas» que a ausência da família obrigara a organizar (3), sendo alguns deles carinhosamente acolhidos na Missão de Lahane, pelo Padre Jaime que generosamente a todos hospedou.

Os muito poucos portugueses que se mantiveram em Díli, entre os quais o dr. Cal Brandão, iam fazendo a sua vida usual, convivendo com as forças estacionadas em Timor, cujo porte correto e simpático havia arredado toda a ideia de ocupação (1).

Assim, os dias decorreram sem que qualquer incidente viesse prejudicar a convivência amigável entre os estrangeiros e alguns elementos da população europeia. O Governo, porém, dera instruções aos funcionários n sentido de manterem com as forças ocupantes uma atitude correcta mas sem qualquer espécie de familiaridade ou colaboração (2) .

«Tudo parecia indicar um breve regresso à normalidade. Algumas famílias preparavam-se para regressar à capital. Dizia-se que, em virtude de um acordo assinado entre os governos português e inglês, as tropas aliadas abandonariam o nosso território após a chegada de um contingente de forças portuguesas que, a bordo do João Belo, comboiado pelo aviso Gonçalo Velho, partira de Lourenço Marques com destino a Timor. Em Díli trabalhava-se afanosamente no arranjo do alojamento para as tropas e as culturas intensificavam-se em toda a colónia.

"As forças expedicionárias estavam já em comunicação direta com Timor e aguardava-se a sua chegada para 21 ou 22 de Fevereiro de 1942. Escolhera-se para seu desembarque a costa de Baucau a fim de evitar possíveis conflitos com as tropas estrangeiras que ocupavam a capital. Corria que estas tropas já estavam a enviar, para o território holandês, parte do seu material» (2).

Com inevitável ansiedade procurávamos, em Baucau, encontrar no mar sinal dos nossos tão almejados navios, quer de dia, quer de noite, pois já era tempo da sua chegada.

Mas, na manhã do dia 20 de fevereiro de 1942, surgiu a mais tremenda desilusão. Um telefonema do tenente Pires deu-me a brutal notícia. Quem desembarcara em Díli, haviam sido os japoneses!

Compreendi eu, então, que as três dezenas de aviões que no dia anterior tinham passado sobre Baucau, voando a grande altitude, não pertenciam às forças aliadas.

Eram, de facto, aviões japoneses e dirigiam-se para Port Darwin onde reduziram os edifícios a escombros e afundaram os navios encontrados na majestosa e magnífica baía militar, fazendo este raide de surpresa para proteger o seu desembarque em Timor (1).

(iii) Vd., aqui o dramático discurso de Salazar, na Assembleia Nacional, em 19 de dezembro de 1941, e que a Emissora Nacional acompanhou:

RTP> Arquivos > Discurso de Salazar sobre Timor > 1941-12-19 00:36:09 (Ficheiro áudio, com a devida vénua...)

Sinopse: "Reportagem da Emissora Nacional no Palácio de São Bento, acompanhando o discurso do Presidente do Conselho António Oliveira Salazar na Assembleia Nacional, onde informa que a soberania portuguesa em Timor foi violada por tropas australianas e holandesas. Inclui palavras de ordem proferidas pelo público."




Fonte: Portal Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 05768.032.08295 | Título: Diário de Lisboa | Número: 6853 | Ano: 21 | Data: Sexta, 19 de Dezembro de 1941 | Directores: Director: Joaquim Manso | Edição: 2ª edição | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa |

Recorte, com a devida vénia

(1941), "Diário de Lisboa", nº 6853, Ano 21, Sexta, 19 de Dezembro de 1941, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_25120 (2024-7-23)

______________

Notas do autor:

(i) Vide Carlos Cal Brandão, Funo. Porto, 1946.

(2) Vide Capitão António Oliveira Liberato, O Caso de Timor,Portugália, Lisboa.

(3) Informação a mim prestada, directamente, pelo senhor Moreira Rato.

Fonte: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pp. 31-34-

(Continua)
 
(Seleção, revisão / fixação de texto, título, notas intyrodutórias, itálicos e negritos: LG)

______________

Nota do editor:

Último poste da série > 14 de julho de  2024  > Guiné 61/74 - P25742: Timor Leste : passado e presente (12): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte IV: A vida de um médico de saúde pública, Baucau, 1941

domingo, 21 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25768: Aristides de Sousa Mendes - Um dos nossos grandes que eu admiro (Carlos Silva, ex-fur mil inf, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71) - Parte I: Casa do Passal (Cabanas de Viriato), Museu do Holocausto (Jerusalém) e capas de livros


Foto nº 1 > Carregal do Sal, Cabanas de Viriato, Casa do Passal, em restauro (c. 2018)


Foto nº 2 >  Foto nº 2 > Carregal do Sal, Cabanas de Viriato, Casa do Passal, em restauro (c. 2018) > Cartaz, afixado na parede exterior, mostrando a casa em ruínas


Foto nº 3>  Israel > Jerusalém > 2017 > Museu do Holocausto / Yad Va Shem 

  
Foto nº 4 >  Lisboa > Salão Nobre do Palácio da Independência, Largo de S. Domingos, 11 > 31 de outubro de 2017, às 18h30 > Sessão de lançamento do livro "Aristides de Sousa Mendes: memórias de um neto" (da autoria de António Moncada S. Mendes; Lisboa, Editora Desassossego, 2017, 352 pp. )  > Apresentação a cargo da historiadora Irene Pimentel.



Foto nº 5 > Lisboa > Salão Nobre do Palácio da Independência, Largo de S. Domingos, 11 > dia 31 de outubro de 2017, às 18h30 > Sessão de lançamento do livro "Aristides de Sousa Mendes: memórias de um neto" > O Carlos Silva e o autor

 

Foto nº 6 > Dedicatória, a Carlos Silva, do autor do livro, António Moncada S. Mendes, neto de Aristides de Sousa Mendes (1885-1954)










Fotos de 7 a 13 > Capas de livros sobre Aristides deSousa Mendes, da biblioteca do Carlos Silva

Fotos (e legendas): © Carlos Silva (2024. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Carlos Silva,
Jerusalém, 2017

1. Mensagem do Carlos Silva, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71), advogado, natural de Gondomar, régulo da Tabanca dos Melros, com 145 referências no nosso blogue, para o qual entrou em 20/7/2007.


Data - sábado, 20/07/2024, 20:06
Assunto - Aristides Sousa Mendes


Meu Caro Luís


A propósito do Post 2755 e 25762 sobre o Cônsul Aristides Sousa Mendes e relativamente à inauguração como Museu da Casa do Passal situada em Cabanas de Viriato, onde pelo carnaval se faz a tradicional “Dança dos Cus”, c
oncelho  de Carregal do Sal, já lá estive 3 vezes, porque tenho dois amigos/camaradas que são daquela localidade, sendo um da minha CCaç 2548.

Fui levado em 2015 pelo camarada mais velho da CCav 1905 ( Companhia dos Bigodes ) que foi sediada em Teixeira Pinto e Bissorã, o qual me levou a visitar a povoação e o cemitério local para ver o jazigo onde jaz Aristides Sousa Mendes.

O dito camarada, Carlos Rodrigues, falou-me desta figura ímpar da nossa História que eu não conhecia, tendo eu ficado maravilhado com o que ele me ia contando sobre o seu conterrâneo, pois, embora pequeno ainda chegou a conhecê-lo e toda a azáfama que havia em torno daquele palacete.

Deste modo, envio-te umas fotos de 2015 e 2018 da Casa do Passal e do cemitério.

A partir daí fiquei muito interessado em conhecer verdadeiramente a História do nosso cônsul em Bordéus e os seus feitos, pelo que fui adquirindo alguns livros sobre a sua personalidade e dos quais junto fotos das capas dos mesmos, assim como do livro que adquiri no Palácio da Independência em Lisboa na altura da sua apresentação em novembro de 2017 e da autoria do seu neto António Moncada Sousa Mendes, que tem a sua dedicatória.

Em setembro de 2017 estive em Israel e claro fomos a Jerusalém onde tive a oportunidade de visitar o Museu do Holocausto/ Yad Va Shem e aí a Senhora que nos atendeu perguntou-nos de que nacionalidade éramos, tendo eu respondido que éramos portugueses e face a esta resposta foi de uma simpatia inexcedível, de mediato informou-me que figurava no Museu um “Justo” português de seu nome Aristides Sousa Mendes, pelo que fez várias cópias sobre o seu historial e ofereceu-me, bem como, explicou-nos onde se encontrava exposto, só que não se podia tirar fotos, mas como sempre o fruto proibido … eu consegui fazer duas fotos que junto e outras.

Podes, se assim entenderes fazer a respectiva publicação

Abraço
Carlos Silva
20-07-2024

Guiné 61/74 - P25767: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (27): "Um beijo no cinzeiro"

Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"


Um beijo no cinzeiro

É uma delícia para os olhos ver a paisagem de belas pernocas com que muitas jovens calcorreiam diariamente a cidade. Deu-lhes para usarem minissaias curtíssimas e calções sem pernas, vestir o sétimo véu de Salomé, espremer e desenhar as formas em jeans apertadíssimos ou libertar o corpo dentro de finíssimos vestidos que lhes moldam sensualmente as íntimas curvas… o que, a mim, muito me agrada.

A mulher, especialmente nestas idades da florescência, é uma obra-prima da Natureza, um ser muito bonito, de magnífico encanto. Pena é que, muitas vezes, dê cabo da sua atraente beleza camuflando-a com artifícios de maquilhagem, com ridículos arabescos e tatuagens, ou quando se empoleira naqueles horrorosos sapatos que lhe conferem metade da sua altura, ou ainda quando queima a beleza na ponta de um cigarro. Sim, sobretudo quando envolve a sua beleza na tosca fumarada de um cigarro. Ao contrário do que se possa pensar, o cigarro não é bonito, não é elegante, não é fino, não é bom, não arrasta consigo essa tal ideia de independência, antes pelo contrário, e reflete, de uma maneira geral, desprezo pela inteligência, ainda que uma mulher que fume possa ser muito inteligente. O cigarro agarrou-se à vida feminina como carraça em pele de cão.

A indústria do tabaco não anda a dormir. Tomada como um novo e promissor mercado, a mulher tornou-se um dos alvos da publicidade que sempre procurou conferir-lhe a ela, mulher, essa falsa e perversa sensação de emancipação e independência. O número de mulheres fumadoras aumenta vertiginosamente em todo o mundo, sobretudo nos países em desenvolvimento, colocando o tabaco no patamar de uma das maiores ameaças à saúde da mulher e da humanidade. Uma grande parte das graves enfermidades da mulher de hoje não existia antes de ela começar, massivamente, a fumar. O homem já começou a ter algum juízo. É altura de a mulher parar para pensar.

O cigarro é muito mau, porque para além dos males descritos, transforma o delicioso beijo de uma mulher num desagradável beijo no cinzeiro.

_____________

Nota do editor

Último post da série de 14 de Julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25743: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (26): "Metade com outros tantos"