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sábado, 27 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27259: Notas de leitura (1842): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte I: Apresentação sumária (Luís Graça)


 






Crachá dos "Có Boys" > Divisa: "Quatro Chapos e Bolinha Baixa"...


1. Chegou-me às mãos, por intermédio do Joaquim Pinto de Carvalho, este livrinho, de 184 pp., edição de autor, 2ª ed. revista e aumentada, e que foi expressamente feito para comemorar, em 2/8/2024,  os 50 anos do regresso da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74). 

Prometo fazer uma recensão da obra, que de 2024 para 2025 foi aumentada e melhorada, integrando preciosos comentários dos seus camaradas.

Para já quero fazer a sua apresentação sumária. E dar os parabéns ao Luís da Cruz Ferreira ( de alcunha, o "Beatle", antes da tropa"), natural da Benedita, Alcobaça.  Teve o posto de 1º cabo aux enf, mas também foi "barman" e depois professor do Posto Escolar Militar nº 20, na tabanca de Có, onde a companhia estava sediada.

"Os Có Boys" é o nome de guerra da companhia. Já de si, um achado. Mas atente-se na sua divisa: "Quatro Chapos e Bolinha Baixa"... Nada mais pícaro e irreverente (face ao RDM)!

É mais uma camarada que se sentiu na obrigação de cumprir a nobre função de "guardião da memória".  Vou convidá-lo a integrar as fileiras da Tabanca Grande. 

Não temos nenhum representante desta subunidade, embora o José Joaquim Martins Morgado, ex-sold cond auto, já tenha 2 referências no nosso blogue, e também está convidado para se juntar ao Luís. É  ele quem nos tem trazido notícias dos convívios dos "Có Boys".

O livro faz parte de um projeto autobiográfico mais vasto. Como diz o autor, é uma pré-publicação do livro que há de sair com a sua história de vida, e está é apenas a  parte que corresponde à tropa e à guerra ( 3 anos de vida). Para já cumpre a função de um roteiro de memórias desse  tempo.

Não tem um índice, mas podemos listar alguns dos principais tópicos abordados:

  • Serviço militar obrigatório, RI 7, Leiria  (pp. 7/18)
  • Coimbra: Regimento do Serviço de Saúde (pp. 18/27)
  • Hospital Militar Principal (pp. 27/34)
  • Penafiel: formação do BART 6521/72 e partida para o CTIG  (pp. 34/45)
  • Bissau e Bolama: chegada e IAO (pp. 45/59)
  • Có: as primeiras impressões, o quartel e a sobreposição (pp. 59/73)
  • A coluna de Teixeira Pinto: o batismo de fogo (pp. 73/85)
  • A rendição da CCAÇ 3308, os "velhinhos" (pp. 86/100)
  • De enfermeiro a "barman" (pp. 100/108)
  • De "barman" a professor (pp. 109/126)
  • Marcelino da Mata, uma referência (pp. 126/132)
  • Rancho, levantamento de rancho, ataque à messe, prepotências (pp. 133/152)
  • Um senhor negro vestido com uma "thobe" branco (pp. 153/156)
  • O ataque à coluna de Có + diversos apontamentos  (pp. 156/162) 
  • O 25 de Abril  que veio da Metrópole (pp.162/174)
  • O regresso a casa (pp. 174/179)
  • 50 anos depois (pp. 180/184).
O autor garante que escreveu esta parte da sua "brochura", de memória, sem ter tirado notas de nada... É "obra", tiro-lhe o quico!... Há quem, quando se pergunta sobre esse passado, responda: " Guiné ?Varreu-se-me tudo da memória?"... Não são casos de amnésia, mas de denegação... 

(Continua)
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Nota do editor LG:

Último poste da série > 25 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27254: Notas de leitura (1840): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte I: Apresentação sumária (Luís Graça)

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27258: Agenda cultural (902): "Venham Mais Cinco", o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa, 1974-1975, exposição fotográfica para ver até 23 de Novembro de 2025, no Parque Tecnológico da Mutela, Almada (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Setembro de 2025:

Queridos amigos,
Para mim, é a exposição do ano, poder mergulhar nas imagens que grandes fotógrafos estrangeiros tiraram do nosso período revolucionário. Exposição inigualável, seguramente irrepetível, goza de todos os condimentos para poder percorrer o país. Impressionou-me a afluência, a alegria e a espontaneidade das observações de quem observava as chaimites, os soldados prostrados pelo cansaço, aquele memorável 1.º de maio, a maior festa que houve em Portugal. Cingi-me às muitas dezenas de imagens que falam do período libertador, voltarei para mergulhar na revolução, nos conflitos militares, na reforma agrária, no desaguar do PREC. É bom sentir-me um octogenário que vibra com imagens daquele passado transformador, estão ali as raízes da nossa democracia, e este olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa dá-nos acalento.

Um abraço do
Mário



Venham mais cinco, o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa, 1974-1975:
De visita obrigatória, própria para a Educação para a Cidadania, oxalá que percorra o País todo


Mário Beja Santos

A exposição decorre no Parque Tecnológico da Mutela, em frente das ruínas da Lisnave, pode ser vista até 23 de novembro. Porquê "Venham mais cinco"? É o título de uma canção de José Afonso, inicialmente escolhida para ser tocada na Rádio Renascença na madrugada de 25 de abril de 1974, como senha do início do golpe militar. Mas, como esta canção estava proibida na rádio, a senha acabou por ser substituída por "Grândola, Vila Morena". Através deste título, os organizadores prestam homenagem a José Afonso.

Na folha de sala o curador da exposição, Sérgio Tréfaut, recorda in memoriam Margarida Medeiros, pelo seu papel essencial neste levantamento único de imagens:
“Venham mais cinco foi uma ideia que surgiu no verão de 1993, quando Margarida Medeiros e Ana Soromenho propuseram que se fizesse uma grande exposição com as imagens dos fotógrafos estrangeiros que haviam retratado o processo revolucionário português. No ano seguinte seria comemorado o vigésimo aniversário do 25 de abril. Margarida e eu rumámos a Paris e mergulhámos nos arquivos das grandes agências internacionais, vasculhando milhares de provas de contacto.
Três décadas depois, a expedição abre as suas portas. Entre o início da nossa pesquisa, no outono de 1993, em Paris, e o seu recente desaparecimento, Margarida Medeiros tinha-se transformado numa das maiores especialistas de fotografia em Portugal, autora de livros de referência, curadora de exposições e responsável pela formação de várias gerações de estudantes. Esta exposição nasceu da nossa amizade.”


Dá-se hoje ao leitor uma imagem muito parcelar da exposição, o nosso património histórico fica muitíssimo mais enriquecido com os olhares de grandes profissionais que por aqui passaram desde o golpe de Estado até ao fim do PREC. Procurei focar-me na primeira secção centrada nos atos libertadores, também tenho direito à comoção, a memórias que ganham eletricidade, podendo apanhar um metropolitano à porta de casa até ao Cais do Sodré, meter-me num barco Transtejo e um autocarro da Metropolitana, preferi uma visita mais cuidada, que irei continuar nas próximas semanas, esta exposição inesquecível merece que se venha e que se volte, há imagens luminescentes que vieram completar o nosso acervo e a obra dos nossos grandes fotógrafos. Prometo continuar.

Entrada do Parque Tecnológico da Mutela, Almada, exposição a aguardar visitas até novembro
Henri Bureau, Sygma/Corbis via Getty Images, 27 de Abril 1974, Lisboa
Jean-Claude Francolon, Gamma-Rapho via Getty Images, 26 de Abril 1974, Rua do Alecrim, Lisboa
Henri Bureau, Sygma/Corbis, via Getty Images, 26 de Abril 1974, Lisboa
Jean-Claude Francolon, 1º de Maio 1974, Lisboa, entrada do estádio onde tem lugar o comício
Henri Bureau, Sygma/Corbis, via Getty Images, 1.º de Maio 1974, Avenida Almirante Reis, Lisboa
Henri Bureau, Sygma/Carbis, via Getty Images, 28 de Abril 1974, Estação de Santa Apolónia, Lisboa, multidão espera Mário Soares, líder do Partido Socialista no seu regresso do exílio
Elementos da PIDE/DGS presos em Caxias, 1975
Jean-Claude Francolon, Gamma via Getty Images, 26 de Abril 1974
Largo do Carmo, Lisboa
Paola Agosti, Abril 1974, Lisboa
Jean-Paul Miroglio, Lisboa, 1975, Crianças saúdam a passagem de una manifestação
Serge July Fotolib/Bibliothèque Historique de la Ville de Paris
Abril 1975, Lisboa, Visita de Jean-Paul Sartre a Portugal
Jean-Paul Miroglio, 1975, Alverca, Cantina da Fábrica Mague, Arroz-doce
Guy Le Querrec Magnum Photos, maio de 1975, Parada de Ester, Beira Alta, Campanhas de Dinamização Cultural, Convívio de militares e camponeses
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Nota do editor

Último post da série de 23 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27247: Agenda cultural (901): Convite da Liga dos Combatentes para a Festa do Livro, a decorrer entre os dias 25 e 28 de Setembro nos Jardins do Palácio de Belém, conforme o programa

Guiné 61/74 - P27257: Ocorrências em viagem nas Lanchas de Desembarque (3): Lua a bombordo/Lua a estibordo (Alberto Branquinho, ex-Alf Mil Art)


1. Em mensagem de 19 de Setembro de 2025, o nosso camarada Alberto Branquinho, (ex-Alf Mil Art da CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), advogado e escritor, autor de, entre outros livros, "Cambança"; "Cambança Final" e "Deixem a Guerra em Paz", enviou-nos três pequenos contos sobre "Ocorrências em viagem nas Lanchas de Desembarque (JD's). Hoje publica-se o terceiro com o título "Lua a bombordo/Lua a estibordo".


OCORRÊNCAS EM VIAGEM NAS LANCHAS DE DESEMBARQUE (LD’s)

III – Lua a bombordo/Lua a estibordo

Não me recordo se seguiam um pelotão ou dois pelotões em cada LDM.

Navegávamos junto à costa, com um luar intenso e céu limpo de nuvens ou neblinas.

O meu pelotão dormitava ou dormia. No silêncio da noite e apesar do ruído surdo do motor, ouvia-se o coro e contra-coro (mais grave, menos grave) do ressonar vindo dos vários cantos da Lancha.

Tinha-me sido comunicado que o meu pelotão seria o primeiro a desembarcar, com a missão de proteger, em terra, o desembarque do restante pessoal e material. Matutava sobre a melhor forma de o fazer.

Concluí que, antes de a prancha baixar já uma secção devia estar alinhada junto à amurada esquerda da lancha e a outra junto à da direita, com os furriéis à frente. Logo que a prancha baixasse, sairia o da esquerda, correndo pela margem cerca de duzentos metros e, depois, torceria noventa graus sobre a esquerda, correndo o espaço suficiente para que ficassem suficientemente espaçados antes de se instalarem. O furriel do lado direito faria o mesmo que o primeiro, mas correndo para a direita.

Assim preveniríamos qualquer eventualidade e, quase imediatamente, tínhamos uma linha de fogo para proteger o desembarque do restante pessoal.

Quase a dormitar, imaginava a movimentação e onde me deveria colocar e ia apreciando o luar intenso que batia na água com ondulações muito pequenas, as ilhotas de um lado e do outro, os recortes da costa, os ramos das palmeiras que pareciam querer agarrar a lua, os pequenos riachos (ou canais) no recorte da costa. Tudo fortemente iluminado pelo luar.

Toda uma paisagem que empurrava a guerra para longe, muito longe. Mas estava ali tão perto!

De repente ouviu-se um barulho dentro da cabina e, a seguir, a voz do “patrão da lancha”:
- Porra! Quando me deitei, a lua estava a bombordo e, agora, está a estibordo!!! Estás a dormir?

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Nota do editor

Último post da série de 24 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27248: Ocorrências em viagem nas Lanchas de Desembarque (2): Ataque à LDG a partir da margem (Alberto Branquinho, ex-Alf Mil Art)

Guiné 61/74 - P27256: Júlio Vieira Marques, violonista, ex-sold corneteiro, CCAÇ 1418 / BCAÇ 1856 (Bula, Buruntuma e Fá Mandinga, 1965/67): senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 907



Júlio Vieira Marques, ex-sold corneteiro, CCAÇ 1418 (1418 (1965/67)

Natural de Paços de Gaiolo, Marco de Canaveses, criado em Santa Leocádia (já no cocnelho de Baião), vive hoje em Matosinhos. Membro da Tabanca de Candoz, da Tabanca de Matosinhos e agora da Tabanca Grande (nº 907)



1. Júlio Vieira Marques: faz parte há muito da Tabanca de Candoz e da Tabanca de Matosinhos. Foi sold corneteiro da CCAÇ 1418, "Os Facas" (Bula, Buruntuma e Fá Mandinga, 1965/67). Mora em Matosinhos. É marceneiro, de profissão. Tem página no Facebook (Júlio Marques).

O Júlio faz parte do grupo musical Os Baiões, e é um entusiástico representante da tradição das tunas rurais que tiveram, nomeadamente na região do Marão (e do Alvão, acrescente -se) o seu apogeu nos anos 50. Temos muitos vídeos dele, em ensaios e atuações ao vivo, incluindo na Tuna Rural de Candoz

Até por volta dos seus 40 anos, o Júlio  também era um excelente tocador de violão. Um acidente com uma máquina de cortar madeira,  levou-lhe a falange do indicador da mão direita. Acabou  por  trocar o violão pelo violino. (Repare-se na mão que segura o arco do violino,  no vídeo que aqui pode ser visualizado )... 

O Júlio é um exemplo extraordinário de força de vontade, talento, sensibilidade, coragem, disciplina e persistência. É, além disso, um homem afável e amigo do seu amigo. A morte, há largos anos,  de um companheiro e amigo, tocador de violão, levou-o a fazer um prolongado processo de luto em que deixou pura e simplesmente de tocar. Um luto de bastantes anos. 

Para felicidade dele e nossa, acabou o luto, e hoje é capaz de estar um dia ou uma noite a tocar violino, sozinho ou acompanhado. 

O seu reportório é impressionante. Animou inúmeros bailes na sua região. Autodidata, também é construtor de violinos. Tem afinidades com a família de Candoz, é cunhado do Quim e da Rosa, a irmã mais velha da Alice, a "chef" Alice, também nossa tabanqueira.

 Tem  tocado diversas vezes  na Quinta de Candoz, em festas de família. 

A sua atuação em Candoz, em 20/10/2012, juntamente com outros músicos (tudo prata da casa, tudo "tios" e  "primos": além do Júlio, o João, o Tiago, o Luís Filipe, o Miguel, o Nelo, o Joãozinho, violas, violões, bandolins, cavaquinhos, etc.), foi no âmbito das Bodas de Ouro de Casamento da Rosa & do Quim (que é também, ele, um excelente "mandador de baile mandado", como se comprova neste outro vídeo disponível na nossa conta You Tube).

Ao fim destes anos todos, o meu/nosso amigo e camarada Júlio acabou por aceitar  o convite para integrar formalmente a Tabanca Grande, a mãe de todas as tabancas.

Ficamos seguramente mais ricos com a sua presença humana e o seu talento musical.  Ele tem página no Facebook mas lida mal com o email e os blogues.  Vai precisar da ajuda do filho. E nossa.

 Passa a ser o grão-tabanqueiro nº  907. E o primeiro representante da CCAÇ 1418 / BCAÇ 1856. Já lhe demos as boas vindas pelo telemóvel. 


2. Ficha de unidade:CCAÇ 1148 / BCAÇ 1856 

2.1. BCAÇ: 1856 

Unidade Mob: RI 1 - Amadora
Cmdt:  ten cor  inf António da Anunciação Marques Lopes
2º Cmdt: Maj Inf Manuel João Fajardo
OfInfOp/Adj: Cap Inf José Olavo Correia Ramos

Cmdts Comp:
CCS: Cap SGE Júlio Augusto Esteves Grilo
CCaç 1416: Cap Mil Inf Jorge Monteiro
CCaç 1417: Cap Inf José Casimiro Gomes Gonçalves Aranha
CCaç 1418: Cap Inf António Fernando Pinto de Oliveira

Divisa: -

Partida: embarque em 31ju165; desembarque em 06ag065 | Regresso: Embarque em 15abr67

Síntese da atividade operacional

(i) Inicialmente, ficou instalado em Bissau (Brá), com a missão de reserva, à ordem do Comando-Chefe e orientado para a Zona Leste, tendo as suas subunidades actuado em diversas operações nas zonas Oeste e Leste da Guiné, atribuídas em reforço a outros batalhões.

(ii)  Em 02mar66, o comando foi deslocado para Nova Lamego, enquanto a CCS se instalou em Piche, até 23abr66, com vista à próxima rendição do BCav 705. 

(iii) Em 01mai66, o batalhão assumiu a responsabilidade do Sector L3, com sede em Nova Lamego e abrangendo os subsectores de Bajocunda, Canquelifá, Piche, Buruntuma, Madina do Boé e Nova Lamego.

(iv) Nesta situação desenvolveu intensa atividade operacional, principalmente na execução de patrulhamentos, reconhecimentos ofensivos, ações de interceção e de defesa dos aquartelamentos e das populações, com vista a evitar o alastramento da luta armada na região do Gabú; pela duração, importância das áreas batidas e esforço desenvolvido, destacam-se as operações "Lagos" e "Lenço", entre outras.

(v) Dentre o material capturado mais significativo, destaca-se: 
  • 2 espingardas,
  • 1 pistola-metralhadora, 
  • 50 granadas de armas pesadas, 
  • 1332 munições de armas
  • ligeiras 
  • e a deteção e levantamento de 50 minas.

(vi) Em 15abr67, foi rendido no sector de Nova Lamego pelo BCav 1915, recolhendo a Bissau para embarque.
Brasão da CCAÇ 
1418,
recuperado
 do poste P26794

 
2.2. CCAÇ 1418, "Os Facas" (Bula, Buruntuma e Fá Mandinga, 1965/67):  

Síntese da atividade operacional: 
  • após o seu desembarque, a CCAÇ 1418 ficou colocada em Bissau durante quinze dias como subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe;
  • tendo seguido, em 21ago65 para Bula, a fim de realizar uma instrução de adaptação operacional sob a orientação do BCAV 790 [ 28Abr65-08Fev67; do  ten cor cav Henrique Alves Calado], e seguidamente reforçar este Batalhão em ações realizadas nas regiões de Naga, Inquida e Choquemone, entre outras;
  • até 20out65, continuou depois a ser atribuída em reforço de outros batalhões, com vista à realização de diversas ações na região do Jol, em reforço do BCAÇ 1858 [24ago65-03mai67; do ten cor inf Manuel Ferreira Nobre Silva], de 05 a 18Nov65; na região de Gussará-Manhau, em reforço do BART 645, de 16 a 23dez65;
  • nas regiões de Naga e Biambe, em reforço do BCAV 790, de 2 a 16jan66 e novamente de 12 a 26mar66; na região do Morés, em reforço do BCAÇ 1857 [06ago65-03mai67; do ten cor inf José Manuel Ferreira de Lemos], de 13 a 23fev66, onde tomou parte na Op Castor [em 20fev66], um golpe-de-mão à base central do Morés bem-sucedido, já que foi capturada elevada quantidade de armamento e outro material;
  • deslocada seguidamente para Buruntuma, assumiu, em 08mai66, a responsabilidade do respetivo subsector, em substituição da CCav 703, ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão , tendo destacado uma secção para Camajabá e a partir de 21 set66, um pelotão para a ponte do rio Caium;
  • em 03abr67, foi rendida no subsector de Buruntuma pela CCaç 1588 e seguiu para Fá Mandinga, onde substituiu, temporariamente, a CCaç 1589 na função de reserva do Agr 1980;
  • em 09abr67, seguiu para Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.
Fonte: Excerto de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 63/65.

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)


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Nota do editor LG:

Último poste da série > 14 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26919: Tabanca Grande (576): Jacinto Rodrigues, ex-Alf Mil Art, CMDT do Pel Caç Nat 57 (Cutia e Mansabá, 1969/71), que se senta à sombra do nosso poilão no lugar 906

Guiné 61/74 - P27255: Felizmente ainda há verão em 2025 (39): Quem se lembra do vinho verde branco, "Gatão, em garrafa de cantil com argola, que depois servia para fazer candeeiros de mesa de cabeceira nos nossos "resorts" turísticos ?



Foto nº 1 > Vinho verde Gatão, da Sociedade Portuguesa dos Vinhos Borges & Irmão Lda (passe a publicidade): a garrafa em forma de cantil, com uma argola, foi lançada em 1950. Foi esta garrafa e este rótulo que conhecemos nos nossos bares, messes e cantinas na Guiné...


Foto nº 2 > Vinho verde Gatão, da Sociedade Portuguesa dos Vinhos Borges & Irmão Lda.. Um rótulo histórico.

Fonte: Cortesia de sítio oficial da marca Gatão


1. Felizmente que ainda há verão em 2025 (*)... Ou vai havendo. Até ao São Martinho, se Deus quiser.  Ou até quando a gente... puder!

Não conhecia a história do vinho verde Gatão (**)... Lembrava-me que se vendia e bebia em Bambadinca, no meu tempo, no bar e messe de sargentos (1969/71).  Já não me lembro do preço: mas devia andar à volta dos 20, 25 "pesos", como as outras marcas mais populares (Casal Garcia, Três Marias, Gazela, etc.). Mais caro nos restaurantes (Bafatá, Bissau...), c. 30/35 "pesos" (o "patacão" da Guiné).

A garrafa e o rótulo eram originais: a garrafa era (e continua a ser) "em cantil, com argola"; o rótulo, um gato, um gatão, felpudo, de  botas e pingalim na mão esquerda, segura com a mão direita uma garrafa... (Depois, por volta de 1990, estilizaram o gato: eu gostava mais do rótulo original e da garrafa; havia quem fizesse candeeiros de mesa de cabeceira com a garrafa, nas nossas casernas de mato).

 Já não me lembrava que a marca era comercializada pela Borges & Irmão. Nem sabia que a Sociedade Portuguesa dos Vinhos Borges & Irmão Lda  era, originalmente,  de dois irmãos tripeiros que fundaram o Banco Borges & Irmão. E que hoje já não existem, nem a empresa de vinhos nem o banco... Ou melhor: continua a existir a Sociedade Portuguesa dos Vinhos Borges & Irmão Lda, embora integrada desde 1998 no Grupo JMV - José Maria Vieira SA (passe a publicidade...).

Num caso e o noutro, seja vinho, seja banca, são ativos de outras empresas... De qualquer modo as marcas vivem sempre mais do que as empresas... As marcas são como as almas, dizem que sobrevivem aos corpos...

 Enfim, outras histórias. Como diria o Teixeira de Pasdoaes,  as coisas são como são, são possibilidades realizadas contendo inúmeras possibilidades realizáveis...

A marca Gatão e a marca Borges... continuam no mercado. Eu é que nunca mais bebi Gatão.  Desde 1969/71, quando estive na Guiné a cumprir o meu dever cívico, o serviço militar obrigatório (quase 3 anos, de meados de 1968 a março de 1971). 

Agora, tenho, na Quinta de Candoz, as mesmas castas, Pedernã, Azal, Trajadura, Avesso, Loureiro... Candoz pertence à subregião de Amarante, da Região Demarcada dos Vinhos Verdes...Estamos ali a 30 km de distância... Em suma, somos vizinhos.

Há dias lembrei-me desta marca, Gatão, quando, em Amarante, fui visitar uma exposição sobre o espólio, a vida e a obra do escritor amarantino Teixeira de Pascoaes (1877-1952).


Amarante, Gatão > Casa de Pascoaes.
Cortesia de Wikimmedia Commons.


Sabia que existia a Casa-Museu Teixeira de Pascoais, nos arredores de Amarante, sito na  Casa de Pascoaes , da família Teixeira Vasconcelos (o topónimo Pascoaes vai o escritor adotá-lo como pseudónimo literário, juntando-o ao apelido Teixeira). 

Ora essa casa, onde o autor viveu a maior da vida e onde morreu, aos 75 anos, fica na antiga freguesia de Gatão, ali mesmo, nos arredores de Amarante.

Nunca fui a Gatão,  que tem uma bela igreja, dos séc. XIII/XIV, monumento nacional desde 1940, e que faz parte da Rota do Românico. 

Bolas, nunca fui a Gatão, ali mesmo ao lado de Amarante, embora conheça uma boa parte da Rota do Românico (um projeto turístico-cultural, que reúne, atualmente, 58 monumentos e dois centros de interpretação, distribuídos por 12 municípios dos vales do Sousa, Douro e Tâmega: Amarante, Baião, Castelo de Paiva, Celorico de Basto, Cinfães, Felgueiras, Lousada, Marco de Canaveses, Paços de Ferreira, Paredes, Penafiel e Resende).

Tenho, portanto, que ir a Gatão, ainda em vida. Há um motivo acrescido para lá ir: no cemitério local, repousam os restos mortais do poeta, que mandou inscrever como epitáfio o seguinte aforismo (ele adorava aforismos): "Apagado de tanta luz que deu, frio que tanto calor que derramou».
 
Mas já desfiz a minha  dúvida (que nada tinha de existencial): o vinho verde branco Gatão que eu bebia em Bambadinca na messe de sargentos (eu,  o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o Roda, o Branquinho e outros), em garrafa em forma de cantil com argola (foto nº 1), não tem nada a ver  com a Casa de Pascoaes, em Gatão, Amarante,  mesmo que o Pascoaes tivesse vinhas herdadas do pai. 

Refira-se, a propósito, que deveria ser, para ele, uma cruz,  a vitivinicultura. Uma cruz que ele comparava à coroa do Rei Dom Carlos que, por ter nascido filho de rei, teve que ser rei... (Mas, justiça se lhe faça: além de grande  poeta de corpo e alma, Pascoaes parece que também não era mau podador...).



Amarante > 5 de setembro de 2025 > Casa da Cadeia, agora “Lugar Saudade – Teixeira de Pascoaes” > Exposição temporária “Teixeira de Pascoaes" (...) > Excerto de Drama Junqueiriano. Dom Carlos teria sido visita do Solar de Pascoaes...


Foto (e legenda): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



História do Gatão

O Gatão é uma marca portuguesa de vinho verde pertencente ao grupo Borges.   No sítio oficial da marca, consta que a história do Gatão começou a ser construída em 1895, altura em que a Borges usou pela primeira vez a imagem de um gato num rótulo (foto nº 2).

Recorde-se que a Região Demarcada dos vinhos Verdes foi criada em 1908.

Em 1935 foi lançado oficialmente o vinho Gatão, inicialmente como um vinho verde tinto.  A marca foi amplamente exportada, e hoje tem  presença em cerca de 50 países nos cinco continentes. O vinho verde (sobretudo branco) é um produto de que nos devemos orgulhar.

Nos anos 90, foi lançada nova imagem e a garrafa de tipo bordalesa. Enfim, mudam-se os tempos, os gostos, as modas, etc,

Pergunta-se: qual a possível origem do nome Gatão na marca de vinho  Gatão (Borges) ?

Num sítio de vendas (Casa Portuguesa, Áustria, citado pelo sítio oficial da marca Gatão) há uma explicação, curiosa,  que nos parece verosímil:

“A designação Gatão deve-se  uma aldeia com o mesmo nome, de onde provinham as uvas que serviam de base à sua produção. 

"Fruto do aumento das vendas,  a proveniência das uvas diversificou-se. À medida que se criou uma lei que obrigava que o nome de uma marca que coincidisse com nome de uma região produtora, só pudesse usar uvas dessa região, levou os responsáveis a encontrar outra justificação para o nome.

"Dado tratar-se de uma marca já bem implantada no mercado, o Gatão passou a ser, não a designação da origem das uvas, mas um 'gato grande' "...

Em Gatão continua a existir a  Casa de Pascoaes, agora alojamento local (rés do chão) e casa-museu Teixeira de Pascoaes (1º andar). Casa que, ao que parece, também produz excelentes vinhos verdes de quinta. (Declaração de interesse: nunca os provei, nem os vi ainda no mercado.)

Também não encontrei, na Net, dados sobre a exportação ou o consumo de vinho verde branco no Ultramar Português, e muito menos na Guiné, ao tempo da guerra colonial (1971/74). Que foi um excelente mercado para os nossos vinhos, isso foi. O mercado militar e o civil.  Mas também tenho ideia de que muito vinho branco leve da Região de Estremadura foi parar ao Ultramar, gazeificado e com rótulo de vinho verde. Nos anos 60 a Região produzia muito mais vinho verde tinto do que branco (numa proporção talvez 9 para 1).

As marcas que eu conheci (comprei, provei ou vi) na Guiné, em 1969/71, continuam a existir no mercado: Palácio da Brejoeira, Aveleda, Casal Garcia, Gatão, Lagosta, Gazela, Três Marias, Campelo, Casal Mendes, etc. 

Atenção: o vinho verde era só para os "dias de festa"... Chegava caro a África, em parte também pelos custos de transporte. A preços de hoje, uma garrafa de vinho verde branco, para o militares, em oito euros.

Hoje, o Vinho Verde permanece como o DOC não licoroso mais exportado entre os vinhos portugueses ( historicamente, Alemanha, Estados Unidos, França, Angola, Canadá, Brasil, Suíça e Reino Unido representam mais de 80% das exportações do nosso Berdinho).

  Bibó o Binho Berde!  (Declaração de interesse: tenho mais de 18 anos,  não sou produtor de vinho verde, é a "chef" Alice...).
 
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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 23 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27246: Felizmente ainda há verão em 2025 (38): "Poema de Outono", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

(**) Vd. 20 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27232: Felizmente ainda há verão em 2025 (35): os vinhos verdes que aprendemos a gostar na guerra: Casal Garcia, Aveleda, Gatão, Três Marias, Lagosta, Palácio da Brejoeira (...sem esquecer o Mateus Rosé, da Sogrape)

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Giuiné 61/74 - P27254: Notas de leitura (1841): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte I: Apresentação sumária (Luís Graça)


 Capa do último livro de Bártolo Paiva Pereira, padre da diocese de Braga, capelão militar, capelão-chefe do CTIG (1965/67); nascido em 1935, em Santo Tirso,  foi ordenado sacerdote em 1959, em Braga; foi capelão militar desde 1961, em Angola, e serviu nas Forças Armadas durante 30 anos (um caso raro de dedicação á Pastoral Castrense; é hoje major do exército na situação de reforma;  também exerceu o seu múnus espiritual no seio da diáspora portuguesa na Suíça; é autor de uma dezena de livros; vive em Vila do Conde, é vizinho e amigo do nosso camarada Virgílio Teixeira.

Esta última obra, que acaba de sair,  é edição de autor (Vila do Conde, 2025, 120 pp.). A capa é de Joaquim António Salgado de Almeida. Depósito legal nº 548769/25. Não tem ISBN. Impressão: Gráfica São João, Fajozes, Vila do Conde. 

O autor não tem endereço de email. Não sabemos se o livro está à venda. Nem como adquiri-lo.  Um exemplar autografado foi gentilmente oferecido ao nosso blogue. Agradecemos ao autor e ao Virgílio Teixeira, que no-lo enviou pelo correio. 

Oportunamente faremos mais notas de leitura. Esta é uma primeira apresentação. Para já temos a devida autorização para reproduzir excertos que possam interessar aos amigos e camaradas da Guiné.



Dedicatória autografada ao editor LG. Infelizmente o autor não conhece o nosso blogue.Mas registamos, com apreço, a oferta de um  exemplar do livro que iremos divulgar. Temos a sua autorização para o reproduzir no todo ou em parte. Interessa-nos particularmente a sua visão e o seu testemunho sobre o papel dos capelães militares durante a guerra colonial.

O capelão padre Bártolo Paiva Pereira (nascido em Lama, Santo Tirso, a 3 de setembro de  1935) conheceu o cap cav comando Carlos Matos Gomes (1946-2025), no Regimento de Comandos da Amadora, quando ali era capelão, a convite do então tenente-coronel, graduado em coronel, Jaime Neves (1936-2013). Já na altura era capelão graduado em major. Para um conhecimento detalhado do seu currículo militar, como capelão, vd. o portal UTW - Dos Veteramos da Guerra do Ultramar.



Índice da obra: demasiado descritivo e detalhado, ocupando 5 páginas e meia de uma obra que tem 120 pp., e é ilustrado com cerca de 2 dezenas de imagens.



Padre Bártolo Paiva Pereira
(n. 1935). Vive em Vila do Conde.
Foto: Virgínio Teixeira (2025)

1. No essencial, o livro, parcialmente autobiográfico e memorialístico, tem 6 capitulos: 1. Manhã de Todos os Santos: novembro de 1961; 2. Assistência religiosa às Forças Armadas; 3. O capelão  militar: perfis; 4. Ter uma Pátria na cabeça dói muito; 5. Pessoas & acontecimentos; e 6.  Para evangelizar não é preciso  aportuguesar.

O livro lê-se muito bem, num ápice. O autor escreve bem,  é expressivo, e tem uma excelente memória para quem já está na casa dos 90. Enviei anteontem, 23 do corrente, ao Virgílio Teixeira, uma primeira mensagem, que ele fará o favor de dar a ler ao nosso padre Bártolo:

Virgílio: fui levantar hoje o livro aos correios (na Lourinhã). Mas já estou em Alfragide. Fico-te muito grato pela gentileza. A ti e ao nosso capelão... Dei uma vista de olhos. Já percebi que o autor é pessoa lida, culta, experiente, viajada, frontal, inteligente...

Vou fazer várias notas de leitura (**) e reproduzir alguns excertos mais relevantes para a malta do blogue. É um testemunho imprescindível para a história 
da capelania militar. 

Tem, naturalmente, algumas inexatidões. Mas só vi por alto. Por exemplo, o padre Arsénio Puim, açoriano, capelão no meu tempo, em Bambadinca, só deixou o sacerdócio em 1979 (tenho que confirmar). Vou mandar alguns textos sobre ele, para o padre Bártolo o conhecer.

O Mário de Oliveira foi, sem dúvida, um homem e um padre mais polémico. Ainda ao tempo do Bártolo, e do gen Arnaldo Schulz. Depois de vir da Guiné, e antes de ir para a Lixa, foi pároco da freguesia onde se situa a nossa quinta de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses. Conheci-o no meu...casamento, no dia 7 de agosto de 1976. Lá em Candoz, já ele tinha saído desta paróquia.

Enfim, com tempo e vagar falaremos dos nossos capelães, todos eles estimados. O seu papel não era fácil. Dá os parabéns ao teu amigo, e nosso camarada. E que Deus lhe dê vida e saúde para poder continuar a escrever, a publicar e a partilhar connosco memórias de uma vida cheia. É um exemplo notável de como podemos continuar a caminhar na nossa picada da vida, a partir do km 90, de maneira ativa, proativa, produtiva e saudável. (...)

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Notas do editor LG:

(*) Vd. postes de:


14 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27218 Efemérides (467): Homenagem do povo de Vila do Conde, no passado dia 9, ao Padre Bártolo Paiva Gonçalves Pereira, capelão-chefe no CTIG (1966/67) e autor do recente livro de memórias "O Capelão Militar na Guerra Colonial" (Virgílio Teixeira, ex-Alf Mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, 1967/69)

(**) Último poste da série > 22 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27241: Notas de leitura (1840): Mais perguntas do que respostas nestas fotografias em tempos de Império (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27253. Timor-Leste: passado e presente (33): tenente Manuel de Jesus Pires (Porto, 1895 - Díli, 1944): os timorenses não o esqueceram, Portugal levou muito tempo a reabilitar a sua memória




Homenagem de Timor- Monumento erigido em Dili: "Ao adminsitrador Ten. Manuel de Jesus Pires (1895-1944)". Foto: Ludwig Müller. Cortesia: Wikimedia Commons


O actor Marco Delgado no papel de Tenente Pires, na série "Abandonados" (realização de Francisco Manso, produção RTP, 2022). 
A série, em sete episódios, pode ser vista iu revistra na RTP Play.

Imagem: cortesia de RTP e
 

1. Oitenta anos depois da rendição do Japão aos Aliados e da retirada das suas tropas do território de Timor-Leste, a patir de 6 de setembro de 1945 (*), há uma história que não pode ser esquecida, a do tenente e administrador colonial Manuel de Jesus Pires (Porto, 1895 - Dili, 1944). Os timorenses não o esqueceram. Portugal levou muitos anos a reabilitar a sua memória. Tem oito referências no nosso blogue.

(...) "É uma história de filme, um drama épico. A história de um oficial português que ajudou a evacuar de Timor, invadido pelos japoneses, centenas de portugueses, em três operações heróicas. Morreu às mãos do invasor".

In: Tenente Pires | São José Almeida | Público, 10 de Fevereiro de 2008, 0:00


Deste artigo, de 10/2/2008, permitimo-nos fazer uma condensação, a partir de alguns excertos. Este homem, este militar, este português, merece ser melhor conhecido. Morreu, há 81 anos, às mãos dos carrascos, sem ver a terra, Timor, que ele tanto amava, liberta dos seus invasores e ocupantes nipónicos.

Maria de Lourdes Cal Brandão, viúva de Carlos Cal Brandão (1906-1973) tinha 93 anos quando deu esta entrevista ao "Público", em 2008. Ficamos a saber, por este valioso  trabalho de pesquisa da jornalista São José Almeida, que:

  • em 1943 tinha 27 anos;
  • era a esposa de um deportado político (em Timor desde 1931), o dr. Carlos Cal Brandão, jovem advogado do Porto;
  • nesse ano conheceu Elisa Pires, a filha do tenente Manuel de Jesus Pires, e de uma timorense, Domingas Boavida, que tinha apenas 8 meses;
  • tornou-se amiga da Elisa e da mãe num campo de refugiados na Austrália.


Maria de Lourdes havido fugido de Díli com mais 80 pessoas. O grupo havia atravessado a ilha pelo Monte Ramelau ( "Foho Ramelau", em tétum, a mais alta montanha da ilha, que se eleva a quase  3 mil metros). A fuga fora organizada pelo marido e pelo tenente Pires.

(...) Quando chegou ao sul, embarcou num dos navios australianos que transportaram 700 pessoas, todas brancas, a partir da praia de Betano.(...)

A Elisa e a mãe, timorense, embarcariam a 10 de janeiro de 1943, na praia de Aliambata, com mais 54 pessoas, num navio holandês. O embarque foi organizado pelo tenente Pires. Foi o primeiro, com destino à Austrália, em que foram evacuados timorenses.

(...) Este é o resultado (...) de uma bem sucedida pressão do tenente Pires e de Cal Brandão junto dos australianos para que a evacuação inclua também timorenses. (...).

A jornalista cita o investigador António Monteiro Cardoso em "Timor na 2ª Guerra Mundial - O Diário do Tenente Pires" (editado pelo ISCTE). (O historiador morreu, entretanto, aos 65 anos, em 2016.)

A partir da Austrália, e com apoio dos australianos, os dois resistentes portugueses, o Cal Brandão e o tenente Pires, empenham-se em salvar mais gente, e nomeadamente mulheres e crianças.

(...) Um mês depois, a 10 de fevereiro de 1943, a partir da praia de Barique, o tenente Pires aceita ser evacuado com um grupo de timorenses e portugueses num submarino americano, porque acredita que fazer contactos diretos na Austrália será mais eficaz para salvar os que ficaram para trás. (...)

E até junho desse ano, de facto, o tenente:
  • desdobra-se em contactos com as autoridades australianas;
  • escreve a diversas personalidades (Salazar e Getúlio Vargas, presidente do Brasil, entre outros outros);
  • o seu apelo ("libertem Timor e salvem os portugueses e timorenses escondidos nas montanhas") não é atendido;
  • tem, contra si, um conjuntura geopolítica e militar desfavorável.

Timor, de facto,  era um mero peão no "tabuleiro de xadrez" da guerra do Pacífico. Os Aliados (a começar pelos EUA) tinham outras prioridades.

Salazar, por outro lado,  sempre se manifestara contra toda e qualquer evacuação: os portugueses residentes em Timor tinham o dever de ficar, mesmo à custa da vida de alguns (ou até da maior parte), sendo essa a única forma de garantir a recuperação, a reafirmação e o reconhecimento da soberania portuguesa no final do conflito.

Era, além disso, contra toda e qualquer manifestação de hostilidade em relação aos japoneses (com medo, nomeadamente, de perder Macau). Cautelosamente devia esperar que o peso das armas começasse a pender para o lado dos aliados.

Estima-se que terão morridos mais de 10 por cento 
(c. 40 mil) da população da ilha 

(...) "É então que o tenente Pires, persistente, consegue que os australianos o levem de novo para Timor com um pequeno grupo de operacionais portugueses - Patrício Luz, Casimiro Paiva e Alexandre Silva. (...)

No início de julho de 1943, ele e os seus companheiros juntam-se ao grupo de Cal Brandão. Fiel à sua palavra, a 3 de agosto faz evacuar para a Austrália, a partir de Barique, mais 87 civis, portugueses e timorenses.

Fica em Timor, à espera de boas novas dos Aliados e do Estado Português. Um mês e tal depois, já em setembro, o tenente Pires tem a infelicidade de ser ferido numa anca. Num terreno extremamente acidentado como o Timor, isso era fatal. É feito prisioneiro pelos japoneses, ele e os companheiros. Já não chegará a conhecer a alegria da vitória, morre mais de um ano antes. No cativeiro, em Dili, em circunstâncias que nunca foram esclarecidas.

Nessa altura, a pequena Elisa Pires, f vivia há nove meses no campo de refugiados de Armidale, com a jovem mãe, timorense, assim como Maria de Lourdes Cal Brandão.

Restabelecida a paz, regressam todos a Timor, em setembro de 1945. Carlos Cal Brandão e a mulher não 
são autorizados a desembarcar pelas autoridades portugueses da ilha.

Num gesto que só podia ser de grande amor maternal, Domingas Boavida, entrega a pequena Elisa, com 3 anos, a Maria de Lourdes e Carlos Cal Brandão, para que a possam educar no Porto. Os Cal Brandão passaram a ser os seus padrinhos.

A viagem de regresso a Portugal é penosa, o navio pára em todas as colónias, até que aporta em Lisboa em fevereiro de 1946. Os três chegam, finalmente, ao Porto onde Cal Brandão, advogado, tem os pais e o irmão Mário (que virá a ser governador civil do Porto a seguir ao 25 de Abril de 1974),

Em 2008, com 65 anos, quando dá esta entrevista ao jornal "Público", "a imagem que Elisa tem do pai biológico é construída":

(...) Uma espécie de memória dos outros que lhe foi transmitida. Elisa Pires nunca conheceu o pai, Manuel de Jesus Pires, oficial português que ficou para a história como o tenente Pires e viveu mais de 20 anos em Timor.(...).

Cal Brandão e a mulher, os padrinhos de Elisa, ensinaram-lhe a preservar a memória do pai. Fala dele, à jornalista, com orgulho:

(...) "Penso que, como militar republicano respeitava a pátria e a honra e que pôs isso em prática. Depois, a responsabilidade do povo que governava, fê-lo realmente lutar por aquilo que achava melhor para os timorenses. Foi uma pessoa de bastante coragem. Que se sujeitou a tudo para levar as ideias dele para a frente". (...)

Elisa nasceu a 22 de abril de 1942, em Baucau, distrito timorense de que o tenente Pires foi administrador. A mãe tinha então 16 anos.

(...) A minha mãe nunca me escreveu, apesar de educada numa missão católica. Conheci-a, quando [já adulta] regressei a Timor. Veio ver-me a Díli. Foi uma visita e um encontro não como mãe e filha, porque éramos desconhecidas. Gostei de a conhecer, mas éramos desconhecidas. Nessa altura já tinha outros filhos, já tinha refeito a sua vida. Ainda hoje vive perto de Baucau (...).

Elisa manteve o contacto com Timor, a mãe e os seus meios-irmãos, de acordo com o desejo expresso pelo casal Cal Brandão.

(...) "Os meus padrinhos, principalmente o meu padrinho, tiveram sempre a preocupação de não me deixar esquecer o meu pai. Levou-me aos meus avós paternos que viviam no Porto, fui várias vezes fazer visitas" (...)

Ao fim de quatro anos no Porto, Elisa entra, como interna, no Colégio da Liga dos Combatentes. Por outro lado, sendo filha de oficial, era pressuposto poder ingressar no Instituto de Odivelas. Mas em 1952 a sua entrada foi recusada.

(...) "A explicação que me deram foi que o meu pai não era casado com a minha mãe, isto quando um oficial português era proibido de casar com gentios. Não sei se foi por isso, se foi pela atitude do meu pai durante a guerra." (...)

Elisa fez então a escola comercial e, em 1967, volta a Timor, onde trabalhou durante dois anos na Repartição Provincial dos Serviços de Administração Central.

Em 1969, com o irmão Jaime destacado em Angola, na Força Aérea, Elisa vai para Luanda. Fica lá até à descolonização, altura em que veio para Lisboa como funcionária da empresa na qual trabalhava, a Celcat. Estava reformada quando deu a entrevista.

Quando regressou a Timor, Elisa Pires é confrontada com a força da memória do pai e o seu prestígio entre os timorenses.

(..) "Toda a gente me falava dele e depois, mais tarde, construíram-lhe um monumento [em 1973], mas antes já havia a Ponte Tenente Pires, em Viqueque. Era uma pessoa conceituada, até pelos próprios indígenas, porque lutava por Timor e por eles. Sempre foi muito igualitário, contribuiu para que houvesse evacuação de timorenses durante a guerra." (...)

Essa memória não se perdeu também em grande parte por mérito dos Cal Brandão que trouxeram, além de Elisa, os cadernos com o diário do tenente Pires.

A partir do Natal de 1942, em plena fuga pelo interior de Timor, o tenente Pires começara a escrever um diário. Que continuou na Austrália.  O último registo é anterior á sua entrada  no submarino no qual regressou a Timor para morrer.


2. O diário fora entregue ao Carlos Cal Brandão por um amigo comum. Chegou a Portugal escondido na bagagem de uma amiga de Maria de Lourdes.

(...) Para António Monteiro Cardoso, este diário é "o brado de um homem isolado e abandonado pelo seu país e pelos Aliados e que, não obstante não desiste, movido pelo cumprimento da palavra dada. O relato de um drama humano de alguém a quem ninguém dá ouvidos. A sua honestidade leva-o para a missão que sabe que não tem saída".(...)

Manuel de Jesus Pires nasceu no Porto, a 6 de março de 1895 Estudou na Faculdade de Ciências do Porto. Na Escola de Guerra, acabou o curso de Infantaria em 1917. No verão desse ano, foi para França, integrado no Corpo Expedicionário Português. Regressado a Portugal, ajudou a combater a Monarquia do Norte e a depor Paiva Couceiro no ano seguinte.

(...) Em junho de 1919 é requisitado pelo ministro das Colónias, João Soares, pai do ex-Presidente Mário Soares, para ir para Timor. O então alferes Pires chega a Timor a 25 de setembro de 1919, com 24 anos. É aí que passará o resto da sua vida até morrer, em 1943, aos 48 anos, como prisioneiro de guerra dos japoneses.(...)

(...) Logo em novembro de 1919 foi nomeado comandante militar de Viqueque, cargo que exerceu até 1928. Foi também chefe dos serviços de Fomento Agrícola, ajudante de campo do governador, comandante militar do enclave de Oecussi, administrador civil de Manatuto, governador de Fronteira e, a partir de 1937, governador de Baucau. (...)

(Recensão, condensação, fixação / revisão de texto: LG)


3. Recorde-se que, de entre alguns dos heróis (portugueses e timorenses) que resistiram à ocupação nipónica, estão sem sombra de dúvida (**):

  •  o chefe de posto de Laga, Augusto Leal de Matos e Silva, 
  • o chefe de posto de José Plínio dos Santos Tinoco 
  • e o tenente Manuel de Jesus Pires, administrador de Baucau. 

Os três morreram na prisão, às mãos dos japoneses, em 1944. Foram esquecidos na hora de honrar os mortos. Tinham cometido o erro de se  "aliarem" aos australianos, o que era imperdoável aos olhos de Salazar...

Todos deveriam ter sido louvados por atos heróicos... Recorde-se que  em 3 de agosto de 1943 ajudaram a embarcar, em duas vedetas australianas, perto da "alfândega" de Barique, um grupo de foragidos portugueses e timorenses (com destaque para mulheres e crianças). Mas em Timor ficou um grupo de voluntários, em missão, de observação, de que faziam parte os seguintes portugueses:

  • Tenente Manuel de Jesus Pires (Porto, 1895-Díli,1944);
  • Chefe de posto Augusto Leal de Matos e Silva (1905-1944);
  • Chefe de posto José [Plínio dos Santos] Tinoco;
  • Enfermeiro Serafim [Joaquim] Pinto;
  • Radiotelegrafista Patrício Luz;
  • Cabo de infantaria João Vieira. 

Todos eles morreram na prisão japonesa de Díli [em 1944] , com exceção do Patrício Luz que logrou  esconder-se entre timorenses, amigos da sua família.
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Notas do editor LG:

(*)  Último poste da série > 19 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27230: Timor-Leste: passado e presente (32): a rendição dos japoneses foi há oitenta anos, foram-se embora, sem castigo, lá deixando mais de 40 mil cadáveres de timorenses, portugueses, australianos, holandeses...


(**) Vd. postes de: