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segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27268: Notas de leitura (1843): "Vestígios Portugueses no Senegal", edição da Embaixada de Portugal em Dacar, 2008 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Certamente que não passa de mera curiosidade, havendo, no entanto, de reconhecer que todas estas referências alusivas a património português se devem a presença multissecular, a ilha de Gorée foi paradoxalmente ponto de venda de escravos e lugar de retempero para navegadores; estudiosos portugueses como Teixeira da Silva Mota, Carreira, Silva Horta, Costa Dias, entre outros, estudaram a presença luso-africana neste ponto da então Senegâmbia, onde podemos incluir judeus e cristãos novos até ao início do século XVII; um historiador francês que aqui já se fez referência, Jean Boulègue também estudou esta expressão da luso-africanidade, que podemos situar entre o fim do século XVI até ao século XVII, autores de viagens como André Álvares de Almada e Francisco Lemos Coelho deram nota dessa presença; o padre jesuíta Baltasar Barreira pregou em Joal e Portudal, no século XVIII eram já só uma memória e os últimos luso-africanos na Senegâmbia viviam no século XIX em Joal. É uma curiosidade mas faz parte do nosso itinerário pelas partidas do mundo.

Um abraço do
Mário



Vestígios Portugueses no Senegal

Mário Beja Santos

Trata-se de uma edição da Embaixada de Portugal em Dacar, 2008, e merece atenção o texto com que o embaixador António Montenegro apresenta a obra:
“Olhando uma panorâmica aérea de Gorée, por exemplo, a primeira imagem desta obra, como o navegador Dinis Dias em 1444 não viu certamente, parece-nos ver uma miniatura de África, com o grande e côncavo golfo da Guiné retido na pequena enseada da ilha, onde muitos navegadores, portugueses, holandeses, ingleses, franceses, sossegaram dos perigos do mar e gozaram os prazeres da tranquilidade.
Quando os navegadores portugueses encontraram esta pequena ilha, a que chamaram ilha da Palma, estavam sôfregos do Oriente, onde queriam chegar depressa. Mas só chegaram ao Oriente mais de cinquenta anos depois, em 1498, com Vasco da Gama. Gorée, então ainda Palma, ficou sempre, nos dois séculos de presença portuguesa, como lugar de repouso, de encanto, de aguada para naus e navegadores recuperarem forças.
Poderá assim dizer-se que os portugueses anteciparam Gorée e a ‘petite côte’ mais a Sul, como lugar de turismo. Mal imaginavam os portugueses que, continuando pela costa de África, avistando e dobrando o Cabo da Boa Esperança, no extremo Sul, subindo a costa Leste, iam encontrar uma outra pequena ilha, a ilha de Moçambique, simétrica de Gorée. Ilha de Gorée e Ilha de Moçambique, ambas Património da Humanidade.
Na sua passagem pela Costa Ocidental de África que hoje é o Senegal, os portugueses deixaram marcas na designação geográfica (Pikine, Roufisque, Portudal, Cap Vert, Almadies, Casamanse, Ziguinchor, etc.), mas deixaram sobretudo uma serena imagem de gente do lado de cima do mar, se sente bem em toda a parte do mundo no meio de toda a gente.
Foram os cartógrafos portugueses quem desenhou os primeiros mapas do território que hoje constitui o Senegal.”


Selecionámos um conjunto de imagens que se prendem com a ilha de Gorée, de construções onde é patente a arquitetura portuguesa; a publicação inclui um conjunto de artigos alusivos à história da Igreja Católica no Senegal, aos luso africanos da Senegâmbia, e também um interessantíssimo artigo de António Carreira referente a aspetos da influência da cultura portuguesa na área compreendida entre o rio Senegal e o Norte de Serra Leoa. Penso que tem muito interesse referir algumas dessas designações: Pikini, de pequenino ou pequeno; Pintade, pintada, ou seja, a galinha do mato ou galinha da Índia; Portonké, é vocábulo composto de porto, abreviatura de Portugal mais o sufixo de origem ou procedência, da língua Mandiga, Nké, homem: homem do porto, ou seja, homem de Portugal; Portugalais, designação dada ao mestiço de origem ou de língua portuguesa; Almadie, do árabe al-madia: difundido pelos portugueses. Usado com o significado de canoa ou piroga; Argamasse, de argamassa, usado para significar barro amassado; Cebessaire, de cabeceira. Usado com o significado de: o que vai (ou está) à frente (o guia); Cheval marim, de cavalo-marinho ou hipopótamo; Cobra, de cobra; Conta de terra: colares que servem de adorno; Coutumes, de costumes. Utilizado com mais frequência para definir direitos de tráfego, impostos, tributos que, outrora, os régulos exigiam para consentir na passagem ou no estacionamento de negociantes europeus ou mestiços nos seus territórios.

Outro aspeto muito curioso da publicação é a indicação de nomes de origem portuguesa de famílias senegalesas que se encontraram na lista telefónica de Dacar, são exemplos: Alcântara, Alexandre, Gomis, Monteiro.


Ilha de Gorée
Mapa manuscrito de Casamansa, cerca de 1800.
Pela convenção de 12 de maio de 1886 entre Portugal e a França, Casamansa passou para a administração francesa
Comissariado de polícia, construído no local onde existiu a primeira capela e cemitério portugueses em Gorée
Casas de traça portuguesa, São Luís (antiga capital)
Saly Portudal, construção sobre fortim português
Casa da traça portuguesa, Ziguinchor, Casamansa
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Nota do editor

Último post da série de 27 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27259: Notas de leitura (1842): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte I: Apresentação sumária (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P27267: PAIGC: quem foi quem ? (15): Leopoldo Alfama (Duke Djassi) (1945-2025), comissário político em 1974, governador da região do Cacheu até 1980; o pai era era o dono da Ponta Alfama, perto de Bula


 PAIGC > s/l > s/d > O "comandante Duke Djassi", algures, em conversa com um simples guerrilheiro. De seu nome civil, completo, Leopoldo António Luís Alfama, nascido em 1945, no antigo território da Guiné Portuguesa, de pai cabo-verdianmo, dono da Ponta Alfama, nos arredores de Bula. Foto original do Arquivo Amílcar Cabral / Portal Casa Comum, com a devida vénia

Citação: (1963-1973), "Leopoldo Alfama em conversa com outro combatente do PAIGC", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43548 (2025-9-29)



PAIGC > s/l > s/df > "Comandante" Duke Djassi, nome de guerra de Leopoldo António Luís Alfama (guineense, de origem cabo-verdiana, nascido em 1945; foi comissário político e, depois da independência, governador da região do Cacheu até 1980; deve ter "caído em desgraça" depois do golpe de Estado de "Nino" Vieira, dada a sua origem cabo-verdiana, pelo lado do pai... (Recorde-se que Amílcar Cabral, "Abel Dajssi", nome de guerra, também era  guineense, com origem cabo-verdiana, pelo lado do pai.)

Leopoldo Alfama, em 2014, aos 69 anos. Morreu em 2025, aos 79.
Casado com Fátima Alfama, tinha três filhos.

Fonte: Cortesia de  Barros Brito


1. Através do nosso camarada José Macedo (Zeca, para os amigos, nascido na Praia, ex-ten fuzileiro especial, DFE nº 21, Cacheu 1972/74, e que vive nos EUA), soubemos da morte do Leopoldo António Luís Alfama, antigo "comandante do PAIGC" (nome de guerra, "Duke Djassi" ou "Duke Djassy").


O falecimento ocorreu em 15 do corrente. Em Lisboa, num hospital do SNS. A notícia também a li no Facebook. Mas não chegou aos jornais de referência de Cabo Verde (Expresso das Ilhas, A Nação, A Semana, este último mais próximo do PAICV, agora na oposição)...

Duke Djassi não foi propriamente um dirigente do PAIGC de 1ª linha (*). Embora o elogio fúnebre que passou nas redes sociais, da parte de militantes ou simpatizantes do PAIGC, vai no sentido de destacar o seu papel na guerrilha (como "comandante" e, depois da independência, cvomo governador da região do Cacheu, cargo que exerceu até 1980, "continuando sempre fiel aos ideais de justiça, liberdade e unidade nacional" (Página do facebook de Henrique Monteiro, de 15 de setembro de 2025).

2. No portal de Barros Brito (Genealogia dos cabo-verdianos com ligações de parentesco a Jorge e Garda Brito...), ficamos a saber algo mais sobre o Leopoldo Alfama:

(i) nasceu em 23 de setembro de 1945, na antiga Guiné Portuguesa, muito provavelmente na Ponta Alfama, perto de Bula, e que era propriedade do pai;

(ii) o pai era Luís António Alfama (1886-1947), natural da cidade da Praia, e falecido em Bissau, aos 60 anos; a mãe, Maria Irene da Costa, nascida na Guiné;

(iii) o Luís Alfama instalou-se na região de Bula; foi ponteiro, na "Ponta Alfama (que ainda hoje pertence à família) plantava,  entre outras frutas, abecaxis".


Este pormenor biográfico é interessante: como outros "históricos" do PAIGC (onde passou a militar "muito jovem"), o Leopoldo era filho de pai cabo-verdiano,  ponteiro, cidadão português; pertencia, portanto, a uma pequena burguesia, neste caso rural. com acesso à catequese e à escola. Na região de Bula havia inúmeras pontas: identifiquei mais de uma dúzia, ao longo do curso dos rios Dingal, Bula, Binar, afluentes do rio Mansoa (vd,. infografia, a seguir):

Quem vinha para estas terras inóspitas, palúdicas, inseguras ?... Só os cabo-verdianos, fugidos da seca e da fome... Deviam, naturalmente, usar nas suas pontas, mão de obra local, indígena, com destaque para os desgraçados dos balantas, que era pau para toda a colher... Os seus filhos, os dos ponteiros, os Semedos, os Brandões, os Alfamas, etc.,  irão ser "comandantes" e "comissários políticos" e os seus "balantas" carne de canhão do PAIGC... 

Afinal, Rosinha, tal como que o que aconteceu na tua "terra", Angola, foi o luso-tropicalismo que "nos tramou"... na Guiné. Os filhos dos "ponteiros": ora cá está uma pista para se perceber melhor a história do PAIGC...

"Duke Djassi" era "comissário político-militar" (sic), Corpos do Exército 199 e 70 (sic), em 1 de junho de 1974  (**).



Guiné > Região do Cacheu > Sector de Bula  > Carta de Bula (1953) / Escala: 1/50 mil > Posição relativa de Bula, Ponta Alfama e mais de um dúzia de outras pontas, bem como os rios Dingal, Bula, Binar e Mansoa.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)



Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > "Mensagem de Duke Djassi comunicando as perdas de soldados coloniais nas minas colocadas pelo PAIGC na estrada de São Domingos. Data: Domingo, 1 de Agosto de 1971"... Cortesia da Casa Comum / Fundação Mário Soares.

Campada  [Frente São Domingos-Sambuia e Frente Nhacra-Morés]

SG [Secretário Geral:] Informa-se que dia 27/7  um contingente inimigo caiu em duas minas infantaria reforçada sofrendo 5 mortos 12 feridos confirmados [. ] Minas montadas na estrada S. Domingods  [- ] Fronteira por Raul Nhaga. Stop Duke Djassi. 1-8-71.


Como os demais comandantes e comissários políticos do PAIGC, o "Duke Djassi" gostava de impressionar o chefe, em Conacri, a 700 km de distância, com notícias deliberadamente fabricadas como esta... que depois da "Maria Turra" transmitia na "Rádio Libertação"... Acontece que em 27 de julho de 1971 não morreu nenhum militar português (ou guineense, milícia ou do recrutamento local), vítima de mina A/C ou AP/ ou emboscada IN ou por outro motivo.


Citação:

(1971), "Comunicado - Campada", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40630 (2025-9-29)

Guiné 61/74 - P27266: Manuscrito(s) (Luís Graça) (273): Vindimas, ainda são o que eram ? - Em Candoz, sim, no essencial - Parte I


 Foto nº 1 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > As uvas estavam no ponto; nestas vindimas (as segundas e últimas, sendo a colheita destinada à Casa Aveleda; as primeiras, a 11, foram para fazer o "nosso vinho",  Nita, Doc, Escolha, 2025)... O grau atingiu o recorde histórico de 13,8 graus de álcool provável...Muita gente, no Sul, não sabe que o vinho branco verde faz-se com uvas maduras, bem maduras, como se pode ver pelas fotos a seguir...

 Foto nº 2 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > A 250/300 metros de altitude, em encostas roubadas à antiga floresta de carvalhos, sobreiros e castanheiros, com muros de pedra seculares ou reconstruídos, alguns de 2, 3, 4 metros de altura, é difícil a mecanização.  Sobretudo em pequenas quintas como a de Candoz... Aqui fazer a vitivinicultura ainda é  arte, não indústria... É um ato de amor, em que cada cacho é colhido como uma flor...

 Foto nº 3 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > Uvas da casta Pedernã... Ao fundo,  a Linha do Douro, o viaduto da Pala, entre as estações do Juncal (Marco de Canaveses) e a Pala (Baião), já na albufeira da barragem do Carrapatelo... É a partir daqui que a Linha do Douro passa a acompanhar de perto as margens do rio Douro, o que a torna uma das linhas férreas mais cénicas do mundo. Fazer uma viagem de Mosteiró ao Pocinho é uma experiência que vale a fazer, pelo menos uma vez na vida!

Foto nº 4 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > A propriedade confina, a nascente, com a estrada municipal nº 642 (Paredes de Viadores, Marco de Canaveses). A vinha, que se estende para poente, pela encosta acima, em cinco parcelas, todas suportadas por muros de pedra ("socalcos", como se diz aqui), pertence à subregião de Amarante, da Região Demarcada dos Vinhos Verdes. Principais castas: Pedernã (ou Arinto) e Azal; e, em menor quantidade, Trajadura, Avesso, Loureiro, Alvarinho...

Foto nº 5 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  A parcela principal, a que chamamos o "campo": há meio século era um campo de milho, e a vinha era de bordadura... Do lado esquerdo, junto à estrada (CM nº 642), no início da propriedade, há dois soberbos sobreiros (que aqui crescem, tal como os carvalhos e os castanheiros, a "olhos vistos").


Foto nº 6 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 


Foto nº 7 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >


Foto nº 8  > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (1): a Madalena (Lisboa), a Zezinha (Matosinhos)... Numa sexta feira, alguns tiraram férias...


Foto nº 9 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (2): a Susana (Porto)...


Foto nº 10 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (3):  a Zezinha (Matosinhos) e a Susana (Porto), num momento de descontração...e de pose (para a fotografia); em segundo plano, o vizinho e amigo da casa, o  Zé do Chelo e o Adriano (Matosinhos)...


Foto nº 11 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (4): o Adriano, o Eduardo, ambos de Matosinhos..



Foto nº 12 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (5): o Eduardo...



Foto nº 13 
 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (6): a Joana (Lisboa)...


Foto nº 14  > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (7): a Berta (Madalena / V. N. Gaia)...


Foto nº 15 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (8):  Miguel (Matosinhos), Xico (Matosinhos), Adriano (Matosinhos), Gusto (V. N. Gaia)...Mas  o pior são as bordaduras, é preciso escadote (1)...



Foto nº 16 
 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (9):  mas o pior são as bordaduras, é preciso escadote (2)...


Foto nº 17 
> Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (10): mas o pior são as bordaduras, é preciso escadote (3)




Foto nº 18  > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (11): o  Xico (Matosinhos), o Miguel (Matosinhos), o Luís F'lipe (Porto), o Gusto (Madalena / Vila Nova de Gaia)...O transporte dos cestos de uvas... Antigamente, era tudo às costas...Uma canseira, com aqueles desníveis todos...


Fotos (e legendas): © Luís Graça 2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. E as vindimas no Norte ainda são o que eram ?, perguntam-te cá no Sul.

Há dias vi, no Facebook,  uma máquina de vindimar, gigantesca, marca New Holand (passe a publicidade) a operar numa empresa de vinhos, conhecida, da Península de Setúbal (tem mais de 500 hectares de vinha, mas só usa a vindima mecânica num terço das vinhas, já adaptadas para esse efeito)... Agora imagino o que serão as vindimas em grandes explorações, com milhares e mlhares  hectares, em  países como os EUA, a Austrália, a França, a Espanha, a Itália... 

As nossas maiores empresas (Sogrape, Ermelinda, Aveleda...) produzem entre 50 a 20 milhões de litros de vinho).  São empresas de pequena dimensão à escala global, onde as maiores produzem entre os 300 milhões e  os 3 mil milhões de litros...

Não fiquei nem deslumbrado nem invejoso com o solitário vindimador mecânico, confortável na sua cabine climatizada... Despacha aquilo em meia dúzia de dias... Claro que o vindimador mecânico (amanhã um robô...) vem aumentar a produtividade das vindimas, baixar custos, "democrtatizar" o consumo do vinho, etc. Mas também vem acabar com o encanto, a magia, a alegria, a festa, o romantismo, a poesia, a convivialidade, a solidariedade, etc., que tinha a colheita da uva nosso tempo de meninos e moços... E que ainda tem hoje.  Aqui, em Candoz... Passei lá quase 4 semanas, desde fins de agosto...

No passado, havia as "serviçadas", um termo que desgraçadamente nem vem nos nossos dicionários... Os especialistas da língua ainda não grafaram o termo que aqui se usa (ou usava) para designar o sistema de troca de serviços ou ajuda mútua entre vizinhos e membros da comunidade, especialmente em tarefas agrícolas sazonais, de grande esforço, como as vindimas,  a malha do centeio, a desfolhada do milho, a espadelada do linho, a 
a limpeza dos "montes" (pinhais e carvalhais), a manutenção das levadas (a "água de Covas"), etc., e até a matança do porco e o fabrico dos enchidos...  

A mão de obra era rotativa, não havia "jornaleiros", "ganhões", como no Sul: quando uma família tinha uma tarefa agrícola urgente e pesada (como a vindima), os vizinhos iam ajudar, oferecendo a sua mão de obra gratuitamente. A remuneração não era em dinheiro, mas  em troca de serviços.

 Numa agricultura de quase subsistência, numa economia fracamente monetarizada, e ainda no tempo de fortes laços comunitárias, em regiões de povoamento disperso, e com elevada percentagem de "rendeiros" (antes do 25 de Abril), não havia o "vil metal"... (Até as "rendas", pagas ao "fidalgo", eram em géneros!)... 

Nas "serviçadas", o "patacão" era (é), em Candoz,  a boa vizinhança, a solidariedade, o dom, a convivialidade, a festa.  

O trabalho era duro, mas transformava-se  em  momentos de amziade, convívio, canto e alegria. O dono da terra que  que beneficiava da "serviçada"  esmerava-se em oferecer  uma refeição abundante e  vinho com fartura. As mulheres animavam a vindima com os seus fabulosos "cantaréus"... A família (de fora, os parentes do Porto) também vinham, nesses dias, reforçar a mão de obra... Alguns faltavam ao trabalho na fábrica para ir ajudar a família nas vindimas...

Outros tempos: nos anos 50, na Lourinhã, no meu tempo de escola primária,  já não apanhei nada disso. As vindimas eram já feitas pelos "ratinhos"... 

Os chamados "ratinhos" ou "malteses" era trabalhadores rurais sazonais, sobretudo das Beiras, que vinham em bandos (às vezes famílias inteiras!),  em especial para as vindimas na Estremadura, as mondas no Ribatejo, as ceifas no Alentejo.

Eram mão-de-obra barata, muitas vezes maltratada, mal alojada e mal alimentada, mas indispensável ao funcionamento das médias e grandes quintas agrícolas no sul. Mas também das pequenas, quando a mão de obra familiar não bastava.  (H0je , os "ratinhos" vêm da Ásia, da África..., para os morangos, a pera rocha, a abóbora, as hortícolas...)

Esse fenómeno (o dos "rationhos") insere-se numa tradição de migração interna que antecedeu as grandes vagas de emigração externa. Com o passar do tempo, sobretudo a partir dos anos 60, a miséria do campo, a guerra colonial, a falta de oportunidades e a repressão política levaram muitos a procurar futuro nas cidades de Lisbao e Porto e sobretiudo fora de Portugal: primeiro em França, Alemanha, Luxemburgo, depois espalhados um pouco por toda a Europa (e antes pelo Brasil, EUA, Canadá)...

Sou desse tempo, conheci os "ratinhos" que faziam as vindimas na Quinta do Bolardo, Nadrupe (de meus tios), e as quintas todas à volta... E  tive vizinhos   que começaram a ir para a Índia..., para a Angola, para a guerra...E depois tive colegas de escola e de rua que iam com os pais, de mala aviada,  para as Américas... Até que começaram a desatar a fugir,  muitos outros, "a salto", para França... E depois fui eu para a Guiné...E quando voltei o mundo estava a mudar... E tive dificuldade a reconhecer a minha terra... Acabei por ir para Lisboa...Regressei só agora...

Vindimas ? Já nada é como dantes... Aliás, na minha terra, arrancaram as vinhas todas. Mas hoje é a Região Demarcada da Aguardente da Lourinhã... Só há mais duas no mundo: Cognac e Armagnac... Já me perguntaram, no Norte, como é que a "a gente fazia aguardente sem vinho"... Claro, não tomei a pergunta como uma provocação, mas como simples ignorância... 

Com paciência expliquei que há dois produtores, a Adega Cooperativa da Lourinhã e a Quinta do Rol... E que fazem excelentes aguardentes vinícas, regularmente premiadas, capazes de rivalizar com as outras duas, que há no mundo, o Cognac e o Armagnac... A única diferença é a tradição, o mareketing e a escala... A região de Cognac pode produzir 200 milhões de garrafas por ano... A de Armagnac 7 milhões... E a Lourinhã 200... mil. 

É como Candoz e a Aveleda: mandamos para lá as melhores uvas, mas somos apenas um "quintal"... A Aveleda tem uma quinta, aliás tem várias, e centenas de fornecedores de uvas... e exporta para todo o mundo o nosso "binhinho berde", incluindo alguns milhares de litros de Candoz... A Aveleda produz 20 milhões de garrafas de vinho, tem uma máquina que engarrafa 6 mil por hora... Em Candoz, engarrafamos mil, à mão, e só estão prontas daqui a um ano, depois de estagiarem nas nossas minas (de água), à temperatura do interior da terra... 

Mas ainda se diz, aqui no Norte, em tom de brincadeira: "Mas tu julgas que eu sou da Lourinhã ?!"...Em Penafiel, sede da Aveleda, devem perguntar o mesmo: "Mas tu julgas que eu sou de Candoz ?!"... 

Em suma, felizmente que ainda há algumas coisas boas na vida que não têm preço. Mas o nosso "engenheiro", que é economista, lembra-nos que têm um custo... Tudo afinal tem um custo, direto, indireto, oculto... A começar pelo feroz individualismo, o mercantilismo, o imediatismo consumista, incompatíveis, no passado, com as "serviçadas"...

Respondendo à pergunta "as vindimas ainda são o que eram ?" Hoje, já não, na maior parte dos sítios. Não, felizmente, por muitas razões. Não, infelizmente por outras... Mas em Candoz, sim, no essencial... (*)

(Contimua)


PS - Declaração de conflito de interesses: a Quinta de Candoz (passe a publicidade: tem um "site" próprio, visitável por quem tem  mais mais de 18 anos...) é apenas um dos cerca de quatrocentos produtores-engarrafadores da região demarcada do Vinho Verde, num universo de mais de 13 mil produtores e de 24 mil hectares de vinha... 

A vindima também já não é como era  "antigamente", se bem que ainda seja (e será) manual, dada a pequena dimensão da propriedade.  A dimensão média das explorações na Região Demarcada dos Vinhos Verdes é inferior a dois hectares (1,832 ha), sabendo-se que a área total é de 24 mil hectares, mesmo assim uma das maiores da Europa, e que o nº de produtores é de 13,1 mil. 

A feitura do vinho, essa, modernizou-se, com a introdução das cubas de aço, o controlo de frio, o serviço de enólogo, etc. (**)


(**) Vd. outros postes  relacionados com as vindimas em Candoz:

24 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25975: Manuscrito(s) (Luís Graça) (255): Tabanca de Candoz. Vindimas de 2024 - Parte I: menos quantidade, mas ainda de melhor qualidade do que em anos anteriores

25 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25979: Manuscrito(s) (Luís Graça) (255A): Tabanca de Candoz. Vindimas de 2024 - Parte II: à mesa, para 2 dezenas de "bicos", o prato forte foi dobrada à moda da "chef" Alice, uma variante mourica, com coentros, das tripas à moda do Porto

24 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21388: Manuscrito(s) (Luís Graça) (191): Quinta de Candoz: vindimas, a tradição que já não é o que era... (Augusto Pinto Soares) - Parte I

Guiné 61/74 - P27265: Parabéns a você (2420): António Bastos, ex-1.º Cabo At Inf do Pel Caç Ind 953 (Cacheu, Farim, Canjambari e Jumbembem, 1964/66)

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Nota do editor

Último post da série de 23 de Setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27243: Parabéns a você (2419): Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto da CMD AGR 16 (Mansoa, 1964/66)

domingo, 28 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27264: Ser solidário (289): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (16): Mercatino em Merano (Itália) no dia 04 de outubro de 2025 (Renato Brito)

1. Mensagem com data de 30 de Agosto de 2025 do nosso amigo Renato Brito, voluntário, que na Guiné-Bissau integra um projecto de construção de uma escola na aldeia de Sincha Alfa, trazendo até nós a Cartolina número 16:

Boa tarde Carlos Vinhal,
Com a presente venho por este meio partilhar a “cartolina” que prossegue com a campanha de angariação de fundos para construir uma escola na aldeia de Sintcham Arafam – Guiné-Bissau.

Desta feita mais um mercatino em Merano no dia 04 de outubro.

Sobre a migração das aves interessante este documentário: https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=w8e5bBIeL3s

Envio também o catálogo dos objetos do projeto África Sacra_tecidos que tem por objetivo comprar material didático no início de cada ano letivo.

Cumprimentos,
Renato













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Notas do editor:

Vd. post anterior de 2 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27177: Ser solidário (287): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (15): Cancoran II, e Convite para a apresentação do projecto de construção de uma escola na Guiné-Bissau e jantar com prova de produtos da Guiné-Bissau, a levar a efeito no próximo dia 13 de Setembro, a partir das 16h30, na Associação Macaréu, Rua João das Regras, 151 - Porto (Renato Brito)

Último post da série de 24 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27252: Ser solidário (288): No Dia Nacional da Guiné-Bissau, a ONGD Afectos com Letras comemora o 16.º ano da sua criação

Guiné 61/74 - P27263: Casos: a verdade sobre... (56): Os dois militares mortos por um só tiro de metralhadora, em Bissalanca, em 2 de março de 1963, quando um mecânico da FAP procedia à manutenção de um avião (Armando Fonseca, o "Alenquer", sold cond, Pel Rec Fox 42, 1962/64)


Armando Fonseca, ex-soldado condutor, Pel Rec Fox 42, Bissau, Mansoa, Porto Gole, Buba, Bedanda, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64; também conhecido como o "Alenquer", integra a nossa Tabanca Grande desde 22 de setembro de 2010; tem 18 referências no nosso blogue.

1. Formulário de Contacto do Blogger

Data - sexta, 26/09/2025, 12:04  

Assunto - Mortos em acidente em Bissalanca em 1963

Em tempos enviei uma mensagem de um caso que assisti no hangar do aeroporto de Bissau que nunca foi publicada, talvez por não se encontrar registado nos casos da guerra, como tantos outros, só eram registados os que lhes convinham e, por vezes, com algumas aldrabices à mistura, desde aí nunca mais teve interesse no bogue.

Cumprimentos,
Armando Faria da Fonseca | arfafon40@hotmail.com

2. Nota do editor LG:

Armando, tens razão, por lapso (ninguém é perfeito), a tua mensagem de 4/12/2011 (já vão vão quase 14 anos!) não foi publicada. 

Tu, entretanto, mudaste de endereço de email. Sejas bem aparecido, fazendo prova de vida. Reproduz-se a seguir a mensagem, que ainda lá estava, na caixa de correio...

Quanto à identidade dos mortos e à data precisa em que se deu o infeliz acidente (2 de março de 1963,  dizes tu, fazendo apelo à tua excelente memória), vejamos:

(i) segundo uma rápida pesquisa minha, esses infortunados camaradas deviam pertencer à FAP, os seus nomes não constam na lista dos mortos sepultados no cemitério de Bissau (a lista da CECA só inclui os mortos do Exército, tanto quanto sei); 

(ii) pode ser que algum dos camaradas da FAP, e nomedamente membros do blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74, nos possa dar alguma ajuda (*)

(iii) julgo que nessa altura ainda não havia a BA 12: inicialmente Bissalanca foi ativado como Aeródromo-Base n.º 2 (AB2), a 25 de maio de 1961, data da publicação da primeira Ordem de Serviço (fonte: ab4especialistas.blogspot.com); em 1965 a AB2 foi transformada formalmente em Base Aérea nº 12 da FAP.


3. Mensagem de Armando Fonseca (antigo endereço de email: armandofonsecaff@hotmail.com)

Data - domingo, 4/12/2011, 19:0

Assunto -  Mortos em acidente

Caros camarigos, ao consultar o dicionário, o das minhas recordações, encontrei um caso que me parece por bem divulgar se os digníssimos editores, se assim o acharem por bem.

Aconteceu que, no dia 2 de março de 1963, salvo erro,  quando um mecânico da força aérea procedia à manutenção de um avião no hangar do aeroporto de Bissalanca, fez disparar, involuntariamente, uma metralhadora que com um só tiro atingiu dois camaradas,  causando-lhes morte imediata.

Os funerais realizaram-se no dia seguinte para o cemitério de Bissau.

Nesse dia eu estava de serviço no aeroporto e assisti ao acidente, mais um entre muitos do género, mas com um só tiro causar tanto mal não tenho memória, e não sei se ocorreu mais algum.

Despeço-me com um abraço amigo para toda a Tabanca e em especial para os editores da mesma que tão bom trabalho vêm realizando.

Armando Fonseca (o "Alenquer")


4. Temos de recordar, em próximos postes, as andanças do "Alenquer" com a sua Fox, de que era condutor...

Chegou a Bissau a 28 de maio de 1962 no navio António Carlos (nunca até agora ouviram falar deste navio)... 

Durante os primeiros meses em que o Pel Rex Fox 42, permaneceu em Bissau fez a segurança ao aeroporto, e uma vez uma por outra ao Pilão...

Depois veio a guerra e os seus horrores: o "Alenquer" percorreu grande parte da Guiné, de Mansoa a Porto Gole, de Bedanda a Guileje...

Para já fez prova de vida. Folgamos em saber notícias dele... 

Um alfabravo. 
Luís Graça.
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Nota do editor LG: