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sábado, 22 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27452: Os nossos seres, saberes e lazeres (710): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (231): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 3 (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Há uma nota curiosa de visita de amigos estrangeiros, tudo quanto se passa em Lisboa trazem completamente listado, desde o elétrico 28, os comes e bebes, os passeios pela Baixa Chiado e Bairro Alto, os miradouros. Uns vêm com o Michelin, outros trazem livros focados na arte, uns querem ver os azulejos, em visita anterior houve alguém que me pediu para ver algo que até então nunca ninguém pedira, a Basílica da Estrela, e não foi por causa dos presépios do Machado Castro. Desta feita, o casal alemão, que não é a 1.ª nem a 2.ª vez que visita Portugal, falou explicitamente em Tomar, Óbidos e Alcobaça. Procurei satisfazer os seus intentos, aqui fica uma síntese desse dia, esta itinerância continuará, pedem-me para no dia seguinte irmos visitar o Museu Nacional dos Coches, custa-lhes a acreditar que Portugal tenha o maior património de viaturas de aparato, como é que é possível um país tão periférico da Europa? Viram e confirmaram, não escondiam o entusiasmo.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (231):
Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente – 3


Mário Beja Santos

Passeios inusitados ou programados a Tomar, Óbidos e Alcobaça, para mostrar belezas a amigos estrangeiros que me vieram visitar, deram-se a agradável oportunidade de captar imagens com forte apelo cultural, até pretextos houve para tirar fotografias a estes amigos, que depois as colocam nas redes sociais. Vejamos o que resta de três passeios, todos eles me encheram a alma, volto lá se necessário for, há para ali, na arquitetura, na escultura e na pintura dedadas da nossa identidade, ali se exibem as nossas maneiras de ser, tratando carinhosamente algum património, desdenhando de outro.

Vamos começar por uma peça magnífica que nunca foi concluída, a Casa do Capítulo de Tomar, onde, no primeiro andar e no terraço subsequente se aclamou Filipe II de Espanha como Filipe I de Portugal. É obra de João de Castilho, um mestre de obras e arquiteto hispano-português, homem com formação gótica que irá ter um papel determinante no estilo renascentista em Portugal e nos seus últimos anos de vida pendeu para o classicismo sob a forma maneirista. Ele encontra-se ligado a cinco monumentos históricos classificados pela UNESCO como Património Mundial: o Mosteiro dos Jerónimos, o Convento de Cristo, o Mosteiro de Alcobaça e a construção da Fortaleza de Mazagão. Trabalhou duas vezes em Tomar (provavelmente entre 1516 e 1530) e um segundo período que decorre na década de 1930, em que trabalhou no Claustro Grande, vários claustros interiores, como o da Hospedaria, Corvos e Micha, concedeu esta Casa Capitular em mistério a desvendar as razões que impediram a sua conclusão.

O que o leitor vê são as paredes robustas, a fotografia que foi tirada da zona do arco triunfal e do altar, vê-se a antecâmera por onde entravam os frades. Caiu completamente o piso que separava a sala dos frades da sala dos cavaleiros. Aquela porta que se vê na torre dos cavaleiros estava prevista para ser a porta de acesso a esses cavaleiros; ao fundo vemos o topo da Charola e uma nesga da Igreja.

Casa Capitular a requerer com urgência trabalhos de conservação e restauro.
Sempre que acompanho amigos a Óbidos, falo-lhes de uma extremosa pintora de origem espanhola e filha de um artista que deixou obra em Portugal, Josefa de Óbidos, ela tem obra num altar lateral da Igreja Matriz e está também representada no Museu Municipal de Óbidos. Noto que os visitantes vão ali também admirar um túmulo e o impressionante forro azulejar da igreja, a mim cativa-me aquele Santo António bonacheirão e o Menino de braços abertos, gosto particularmente daquele teto pintado com tanta simplicidade, é como o emaranhado de uma renda que faz suspender Nossa Senhora guardada pelos anjos.
Este é um pormenor da pintura do teto do nártex da igreja.
Eram as últimas horas de sol, consultados os visitantes, houve acordo em visitar a igreja do Mosteiro de Alcobaça, deixamos para a próxima visita o precioso Museu. Mesmo habituados a este gigantismo das paredes do gótico-alemão que se pode encontrar desde o mar Báltico até perto de França, o casal alemão estava boquiaberto com a sobriedade da igreja, a solução dos pilares estarem reforçados por botaréus, tomaram nota que as riquezas vieram depois. D. Pedro I tomou esta igreja como seu mausoléu, tratou de igual maneira a sua apaixonada, Inês de Castro, túmulos de uma enorme beleza, marcados pelo vandalismo das invasões francesas.
No altar-mor atraiu-me prontamente esta Virgem de manto barroquizado, parece que pedala, tem umas linhas muito elegantes, gabo-lhe a Majestade e o panejamento em movimento.
Com as limitações da minha câmara foi esta a imagem que consegui da dimensão entre o nártex e o altar-mor.
Túmulo de Dona Inês de Castro, deste lado os danos são menos evidentes.
Conjunto escultórico que dá pelo nome Retábulo da Morte de São Bernardo, é todo em terracota policromada, obra de monges barristas do mosteiro, finais do século XVII.
Túmulo de D. Pedro, aqui o vandalismo é mais do que evidente.
Trata-se do sarcófago de Dona Urraca, mulher de D. Afonso II, está depositado no Panteão Régio, obra concluída em 1782 e atribuída ao engenheiro William Elsden, foi a primeira obra neogótica em Portugal. O panteão primitivo localizava-se na galilé que existiu à entrada da igreja. Posteriormente os túmulos foram transferidos para o transepto sul onde permaneceram até ao final do século XVIII.

Aqui se dá por terminada esta itinerância, segue-se outra que nos fará viajar até ao Museu Nacional dos Coches.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 15 de Novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27423: Os nossos seres, saberes e lazeres (709): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (230): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 2 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27451: Efemérides (474): Foi há 55 anos a Op Mar Verde, a invasão anfíbia de Conacri... Uma das vítimas colaterais foi Mamadou Barry, "Petit Barry" (n. 1934), colaborador próximo de Sékou Touré, encarcerado 7 anos em duas das mais sinistras prisões do regime


Capa do livro de Mamadu Barry, "Petit Barry" - "Camp Boiro: Livre 1: Sept  ans sous le Mont Gagan: Récit d'un prisonnier politique sous Sékou Touré" (2022, 298 pp.) 



Mamadou Barry 

1. Desde 26/10/2024, temos sido contactados por Lamine Bah, sobrinho de Mamadou Barry (n. 1934), uma das vítimas colaterais da Op Mar Verde, a invasão de Conacri em 22 de novembro de 1970, faz agora justamente 55 anos. 

Tem-nos falado do seu tio e dos livros que vai publicando com as suas memórias como prisioneiro político sob o regime de Sékou Touré, e de que ele foi um dos braços direitos... até cair em desgraça. 

Recomendou o nosso blogue ao seu tio, que também é conhecido pela sua alcunha de criança, "Petit Barry" (e que é hoje um alto quadro das Nações Unidas, reformado).  


Mensagem de Lamine Bah, dirigida ao nosso blogue e ao seu tio Mamadu Barry:

Data - sexta, 2/05/2025, 22:12

 (...) Caro Luís Graça, gostaria de aproveitar esta oportunidade para apresentar o sr. Mamadou Barry, conhecido como "Petit Barry", uma das vítimas de Sékou Touré, que ficou detido durante anos no Campo Boiro. 

Ele foi acusado de ser cúmplice na agressão portuguesa que vocês chamam de Operação Mar Verde, em 22 de novembro de 1970. Ele foi submetido a torturas e tratamentos desumanos, degradantes, que vocês podem imaginar, para fazê-lo "confessar" crimes que não cometeu.

Naquela época, ele era o chefe de Gabinete de Imprensa da Presidência da República da Guiné, ou seja,  um colaborador muito próximo de Sékou Touré. Isso significa que ele acompanhou de perto os acontecimentos de 22 de novembro de 1970, estando na rádio "La Voix de la Révolution ("A Voz da Revolução", em português).

Ele escreveu um livro que será o primeiro de uma série sobre as suas condições de detenção no Campo Boiro e depois em Kindia. Este livro "7 Anos Sob o Monte Gangan" (traduzindo o título original, em francês, para português) está (ou estava na altura) disponível na Amazon e é descrito nos seguintes links:

https://www.visionguinee.info/sept-ans-sous-le-mont-gangan-recit-dun-prisonnier-politique-sous-sekou-toure/

https://www.amazon.fr/Sept-ans-sous-Mont-Gangan/dp/B0B4KFSP51

Ele planeia escrever um livro sobre o 22 de novembro de 1970, como  testemunha do ocorrido.

Caro tio Mamadou Bowoi Barry, apresento-lhe também o sr. Luís Graça, um ex-militar português que se interessa pelas guerras coloniais travadas pelo exército português nas suas colónias, particularmente na Guiné-Bissau. Ele é um dos animadores de um blogue criado por eles para relembrar suas ações nas colónias portuguesas, nomeadamente na Guiné-Bissau. Já lhe dei o endereço deste blogue que é uma fonte interessante de informações sobre 22 de novembro de 1970. (...)
 
Ao preparar a continuação do seu livro, você poderá ter informações em primeira mão sobre esse episódio doloroso da nossa história. (...)
 
Lamine Bah


2. Outra mensagem, de que reproduzimos a versão em português:

Data - terça, 6/05/2025, 22:26

Luís Graça, as minhas saudações para ti,

Obrigado pelo teu acolhimento e resposta.

A Op  Mar Verde, pelo facto de se ter passado na Guiné-Conacri, teve repercussões muito graves para centenas de pessoas, acusadas, sem provas, de cumplicidade com  os portugueses.

Os vossos testemunhos no blogue permitiram dar uma outra versão dos acontecimentos que não a do governo da República da Guiné. (...)

Lamine Bah

3. Mas falemos do autor e do seu primeiro livro, de 2022,  que, segundo julgamos crer, não foi traduzido para português. Foi apresentado em Paris em 23 de maio de 2023. 

Uma sinopse do livro e da vida do autor está aqui disponível, assinada por  Alpha Sidoux Barry. Vamos apresentar, em português, alguns excertos selecionados (na realidade, o essencial do texto, com a devida vénia).

Sept ans sous le Mont Gangan : Récit d’un prisonnier politique sous Sékou Touré…
Vision Guinnée Info > Mai 15, 2023


Mamadou B. Barry (n. 1934), mais conhecido pelo seu "petit nom"  "Petit Barry", encontrava-se, em 2023, reformado como alto funcionário das Nações Unidas, e acabava de publicar uma obra intitulada "Sete anos sob o monte Gangan" que narra os seus longos anos como prisioneiro político durante o regime de Sékou Touré, passadas no anexo do sinistro campo Boiro, e depois na prisão civil de Kindia.

Antigo diretor do Gabinete de Imprensa do primeiro presidente guineense, Sékou Touré, e simultaneamente ex-diretor do serviço internacional da "Voz da Revolução" e deputado á Assembleia Nacional (portanto, um dos "meninos bonitos" do ditador), ele acabou por ser vítima da repressão, cega e selvagem, que se seguiu aos trágicos acontecimentos  de 22 de novembro de 1970 (Invasão de Conacry, Op Mar Verde, de que temos uma centena de referências no blogue)

"Sept ans sous le Mont Gangan" (em francês), "Sete anos sob o Monte Gangan" (traduzindo para português) é o primeiro de sete volumes da série "Campo Boiro", que ele está a redigir e que irá publicar aos poucos como testemunha ocular e vítima do regime de terror, instaurado por Sékou Touré na Guiné-Conacri, durante a Primeira República (1958-1984). (...)

O autor fez, ele próprio, o seguinte resumo da sua história de vida.

O presente Livro, primeiro da série 'Campo Boiro', é um relato-testemunho que abrange um período de sete anos, desde 14 de junho de 1971 (data da sua detenção) até 25 de maio de 1978 (data de libertação ao Campo Boiro, em Conacri, dos 15 últimos sobreviventes da prisão civil de Kindia).

Os acontecimentos narrados no livro ocorreram quase todos na prisão civil de Kindia, que era dominada pelo Monte Gangan, cuja crista careca, semelhante ao bico de um "jagudi" gigante, sobrepunha-se à cidade. Esta montanha mágica, que se alimentava do sangue humano, aguardava as suas próximas vítimas. De fato, era ao pé desta montanha que eram executados os prisioneiros políticos.

A sua estadia nesses lugares proibidos permitiu ao autor descobrir o lado obscuro e trágico do carismático líder da Revolução guineense, Ahmed Sékou Touré, e dos seus colaboradores, cínicos e cruéis, que agiam na escuridão.

"Petit Barry", o editorialista da "Voz da Revolução" (a rádio da Guiné-Conacri), conhecia o herói, ou uma das suas facetas, que ele batizou num dos seus  programas como "Filho do Povo". Ele irá descobrir, "o outro lado", tenebroso, o tirano e o destruidor de homens.

O autor fala de si mesmo, de suas relações com Sékou Touré e com os seus colaboradores mais próximos, alguns dos quais se tornaram torturadores, autoconfiantes, convencidos da sua força, invencibilidade e impunidade. 

Se menciona os algozes, Mamadou Barry também apresenta ao leitor, como contraponto, os retratos de algumas belas e nobres figuras da nova Guiné, homens dignos e humildes que contribuíram de forma inestimável para a reconstrução de um país livre e orgulhoso, mas cujos corpos já estavam todos enterrados em valas comuns.

Este livro é também uma homenagem à sua família que contribuiu para que ele se tornasse o que é hoje: seu venerável pai El Hadj Thierno Abdoulaye Barry, a sua mãe Maimouna Hann, a sua avó materna conhecida como ‘Maama Daguia’ (...) 

A mãe e a avó eram duas pessoas que lhe eram particularmente caras, mas que ele não voltaria a ver, pois ambas morrerão antes de sua libertação em 1978.

O livro também apresenta ao leitor a bela figura de Ngalou (que significa "Tesouro", em fula), de seu nome de batismo Adama Doukouré (filha do ilustre mestre da escola Aboubacar Doukouré, chamado familiarmente de "Papa Douk"), a jovem noiva que o autor deixou do lado de fora, e que assombra e encanta o prisioneiro do Monte Gangan, permanecendo o seu sorriso gravado em sua memória, como um doce raio de sol, durante todos esses anos de dor e luto.

Nascido em Labé, de pai funcionário público, originário de Mamou, Mamadou Bowoi Barry carrega o nome de seu tio paterno que fundou a povoação  de Bowoi, localizada na subprefeitura de Dounet a 30 km de Mamou (antigamente chamada de ‘Gare Ballay’, em homenagem ao primeiro governador e criador da Guiné francesa).

Foi na escola primária de Labé-Kourola, que o eminente professor Korka Maléah Diallo o apelidou de ‘Petit Barry‘ quando, saltando o curso elementar da segunda série (CE2) a pedido de seu mestre Tounkara Jean Faraguet, ele se foi juntar ao seu irmão mais velho Alpha Amadou Oury, conhecido desde então como ‘Grand Barry’, no curso médio da primeira série (CM1). Depois, ingressou no liceu de Conacry onde passou as duas secções do "Bac" (secção  Letras clássicas: latim e grego; e seção Filosofia) (1954-1955).

Em seguida, partiu para o Senegal e frequentou o Instituto de Altos Estudos de Dacar, onde fez o seu propedêutico.  Irá, entretanto,  prosseguir os seus estudos em França, na Faculdade de Letras da Universidade de Toulouse e depois de Grenoble. 

Concluiu-os na Suíça em 1964 na Universidade de Genebra (Faculdade de Ciências Económicas e Sociais) e no Instituto de Altos Estudos Internacionais (HEI), da grande metrópole helvética.

Mamadou Barry também é graduado pelo Centro Universitário de Ensino de Jornalismo de Estrasburgo, onde teve como professor Hubert Beuve-Méry, fundador em 1944 do famoso diário da tarde “Le Monde”. O conhecido jornalista (sob o pseudónimo Sirius) ensinava lá arte do editorial.

Durante a sua carreira estudantil em França, "Petit Barry"  tornou-se membro ativo da Federação dos Estudantes da África Negra em França (FEANF), a qual representou na União Internacional dos Estudantes (UIE) em Praga, na Checoslováquia, de 1958 a 1960, como vice-presidente. Foi também membro da equipa de redação de "L’Étudiant d’Afrique noire", órgão da FEANF que circulava em Toulouse.

Enquanto isso, ele representou a UIE em Pequim, em 1959, durante o 10.º Aniversário da República Popular da China. Nessa ocasião, teve a honra de ser apresentado, com outros estudantes da África e da Ásia (incluindo o linguista senegalês Pathé Diagne), ao "grande líder" Mao Zedong.

Terminados os seus estudos, Mamadou Barry regressa à Guiné, onde se coloca à disposição do governo guineense. É inicialmente nomeado, em 1965, chefe de divisão na Direção-Geral da Cooperação Internacional do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Dois anos mais tarde, torna-se diretor do Serviço Internacional da "Voz da Revolução", a Emissora Nacional da República da Guiné, acumulando igualmente as funções de diretor do Gabinete de Imprensa do Presidente da República.

Em 1968, Sékou Touré nomeia-o deputado à Assembleia Nacional, ao abrigo de uma disposição da Constituição de 1958 que autorizava o chefe de Estado a nomear 15 altos quadros como deputados, entre os 60 que compunham o Parlamento. Importa notar que, dessas 15 personalidades, 14 seriam detidas e tornar-se-iam, assim, pensionistas do campo Boiro.

Para tirar partido das suas múltiplas competências, "Petit Barry" é ainda nomeado professor ("pro bono") no Instituto Politécnico Gamal Abdel Nasser (IPGAN), em Conacri, a universidade guineense da época.

Na sequência da agressão portuguesa contra a Guiné, a 22 de novembro de 1970, e à semelhança de milhares de quadros guineenses, será injusta e arbitrariamente detido seis meses depois,  em 14 de junho de 1971.

É encarcerado primeiro no sinistro Campo Boiro e depois no seu anexo, na prisão civil de Kindia, a 135 km de Conacri. 

Singular marca de negação da justiça: a sua imunidade parlamentar não foi sequer levantada antes da sua detenção.

Entretanto, será milagrosamente libertado a 22 de novembro de 1978, após sete anos e meio de detenção abusiva em condições mais do que desumanas, comparáveis às descritas em O Zero e o Infinito, de Arthur Koestler, ou em O Arquipélago Gulag, de Aleksandr Soljenítsin.

Como sobrevivente deste terrível campo de detenção, é membro fundador da Associação das Vítimas do Campo Boiro (AVCB).

Beneficiário, após a sua libertação, de uma bolsa médica concedida pela República Socialista da Hungria em 1979, decide, após uma estadia médica de seis meses em Budapeste, não regressar à Guiné.

Obtém um cargo de funcionário internacional no escritório das Nações Unidas em Viena, Áustria, e posteriormente na Secretaria das Nações Unidas em Nova Iorque, dois centros onde irá servir durante 15 anos (1980-1995).

De 1996 a 2010, o sistema das Nações Unidas em geral, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em particular, bem como a Comissão Europeia, recrutaram-no como consultor em matéria de governação, prestando serviços a cerca de quinze países africanos.

Desde 2011, Mamadou Bowoi Barry é consultor internacional independente no âmbito da sua agência “Barry Consulting”. É analista político, especialista em democracia e governação e autor de vários artigos e estudos sobre os desafios da transição democrática em África.

Casado e pai de sete filhos, dez netos e três bisnetos, atualmente reformado, dedica-se à redação das suas memórias e partilha a sua experiência com as novas gerações. 

Nesse sentido, prevê criar “O Blogue do Patriarca”, cujo objetivo será promover um diálogo fecundo entre gerações.

Depois de Sete anos sob o Monte Gangan, seguirá o Livro II, intitulado Regresso ao Campo Boiro, que será publicado em breve. Esta obra descreve a sua segunda estadia no Campo Boiro, de 25 de maio a 22 de novembro de 1978, a sua libertação, saída da Guiné e entrada nas Nações Unidas.

O Livro III aborda Os acontecimentos de 22 de novembro de 1970, dos quais é uma das testemunhas oculares.

Intitulado Vigílias sob o Monte Gangan, o Livro IV descreve como os detidos, encerrados 24 horas por dia, ocupavam o seu tempo. 

O quinto livro versará sobre Sékou Touré, tal como eu o conheci. O sexto, Memórias da minha infância foutaniana, relata a sua feliz infância junto da avó Maama Daguia, na bela aldeia de Daguia, a 7 km de Labé. 

Por fim, "Petit Barry" prevê publicar, no sétimo volume das suas memórias e da série “Campo Boiro”, os seus poemas de prisão sob o título Espinhos.

Uma contribuição excecional e insubstituível para a descrição da feroz e implacável ditadura sekouturiana (neologismo criado pelo Dr. Charles Diané, paz à sua alma!), inspirada no sistema prisional de tipo soviético que causou tamanha desgraça a todos os povos que lhe foram submetidos.

Alpha Sidoux Barry

(Seleção, adaptação/ tradução livre, revisão / fixação de texto:  LG)
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Notas do editor LG:

(*) Vd. postes de:


4 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26230: Casos: a verdade sobre ... (50): António Lobato, sete anos prisioneiro de Amílcar Cabral e Sékou Touré / L' affaire Antonio Lobato, sept années prisionnier d' Amilcar Cabral et de Sékou Touré

(**) Último poste da série > 15 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27426: Efemérides (473):"O T de Teixeira - com o mesmo T se escreveu tragédia", no dia em que se cumpre mais um aniversários sobre a morte do soldado PelRec Teixeira

Guiné 61/74 - P27450: Cerimónia Comemorativa do 107.º Aniversário do Armistício da Grande Guerra e 51.º Aniversário do Fim da Guerra do Ultramar, 18 de novembro de 2025: Simbolismo das coroas de flores depositadas no Monumento aos Combatentes do Ultramar (Luís Graça ) - II (e última) Parte


Foto nº 1 > Coroas de flores no Monumento aos Combatentes do Ultramar: ao centro, em cima da passadeira vermelha, a coroa do Ministério da Defesa Nacional. (De acordo com o protocolo, a coroa da entidade de maior precedência costuma ficar mais ao centro ou num lugar destacado, sendo as restantes organizadas simetricamente a partir desse eixo.)


Foto nº 2 > Coroas de flores no Monumento aos Combatentes do Ultramar (2): da esquerda para a direto, em segundo plano, a coroa das Forças Armadas Portuguesas, e em terceiro plano as dos ramos (Marinah e Força Aérea), seguida da GNR e em quario plano, sem suporte metálico, a da Associaçáo Nacional dos Prisioneiros de Guerra

 

Foto nº  3 > Coroas de flores no Monumento aos Combatentes do Ultramar (3): destaque para a coroa do Ministério da Defesa Naciona, em primeiro plano, alinhada com a passadeira vermelha


Foto nº 4 > Coroas de flores no Monumento aos Combatentes do Ultramar (4): em segundo plano. as coroas dos Deputados da Comissão de Defesa da Assembleia Nacional, Exército Português,  Liga dos Combatentes, Grupo de Adidos Militares Estrangeiros Acreditados em Portugal, Cruz Vermelha Portuguesa (CVP). Embaixada de França, Amicale des Anciens Combattants et Militaires Français au Portugal (AACMFP)  / Associação dos Veteranos e Militares Franceses em Portugal

Lisboa > Belém> Forte do Bom Sucesso > 18 de novembro de 2025 > 10h00 > Cerimónia Comemorativa do 107.º Aniversário do Armistício da Grande Guerra e 51.º Aniversário do Fim da Guerra do Ultramar, Coroas de flores junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar

Fotos (e legendas): © Luís Graça  (2025). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

1. Confesso que não tenho a cultura castrense do meu amigo, camarada e colaborador permanente  do blogue, o José Martins, que esse é que devia estar aqui a falar, de cátedra, sobre estas matérias (Honras Fúnebres, Honras Militares, Liga dos Combatentes...). Também esteve ao meu lado, nesta cerimómia, tendo os dois sido condecorados pela Liga dos Combatentes. 

Eu, confesso, não sou especialista neste assunto, que remete para a  Ordem de Precedência do Estado e o Regulamento de Honras Militares. Mas também não gosto de fazer a figura do boi a olhar para um palácio...Daí ter perdido algum tempo para saber algo mais e poder legendar as fotos  que tirei. Espero que a informação reunida possa ter algum interesse para os nossos leitores.


2. Protocolo e disposição espacial das coroas de flores fúnebres nas homenagens aos mortos da guerra do ultramar

Nas cerimónias militares e de Estado em Portugal existe um protocolo rigoroso para a disposição das coroas de flores, especialmente em locais solenes como o Monumento aos Combatentes do Ultramar, em Belém (como mostram as fotos acima).

A disposição e a ordem de deposição das coroas de flores no Monumento aos Combatentes da Guerra do Ultramar obedece a uma lógica estrita de hierarquia institucional e precedência, de acordo com o protocolo de Estado e das Forças Armadas em Portugal.

A lógica protocolar visa garantir que a homenagem reflete, visual e cerimonialmente, a estrutura de autoridade do Estado e a importância dos organismos que prestam tributo.

Nas cerimónias fúnebres de combatentes e figuras militares em Portugal, o protocolo é muito rigoroso, sendo regulado por documentos como o Regulamento de Continências e Honras Militares (RCHM) e despachos específicos

(i) Honras fúnebres militares

  • Bandeira Nacional: os Antigos Combatentes têm o direito a ser velados com a Bandeira Nacional; o  protocolo define a forma como a bandeira cobre o féretro, geralmente com o vermelho virado para a frente e o verde sobre a cabeça do falecido 
  • Laço Preto: é comum o uso de laço preto na lança do Estandarte Nacional, do Guião, da flâmula e, por vezes, do Estandarte da Força/Unidade, como sinal de luto
  • Continências: militares uniformizados prestam a continência e executam o movimento de funeral-arma à passagem do féretro
  • Força de Honra: a presença de uma Guarda de Honra (com efetivo mínimo de pelotão) é protocolar, prestando honras com toques de sentido e apresentar armas, frequentemente acompanhados pelo Hino Nacional.

(ii) Disposição espacial das coroas


Embora as normas não especifiquem a disposição de cada coroa, em cerimónias públicas (como as Honras de Estado ou no Monumento aos Combatentes do Ultramar, por exemplo), observa-se:
  • Coroa Oficial do Estado/Presidência/Forças Armadas: geralmente é a mais destacada, colocada numa posição central e de maior visibilidade junto ao féretro ou monumento;  é comum ser uma coroa de louros;
  • Coroas de Entidades Militares/Associações de Combatentes: têm uma prioridade e posição de destaque em relação às coroas de indivíduos;
  • Coroas Privadas: são dispostas em redor do local da homenagem, muitas vezes de forma simétrica e ordeira, respeitando a hierarquia das homenagens oficiais;
  • Faixas: acompanham as coroas e são essenciais, identificando o doador (Exemplo: "Presidente da República", "Assembleia Nacional",  "Exército Português",  "Liga dos  Combatentes") e têm de ser visíveis para reconhecimento da entidade que presta a homenagem.
O conjunto destes elementos (a forma circular ou de louros, as flores brancas e vermelhas, e o protocolo militar...) servem para criar um ritual público que não só expressa luto, mas sobretudo reverência, honra e gratidão pelo sacrifício e serviço prestado à Nação.

(iii) Hierarquia da deposição e disposição das coroas

A ordem pela qual as coroas são depositadas, e que se traduz na sua disposição espacial junto ao monumento, segue a hierarquia das entidades que representam. Quanto mais alta a posição institucional, mais próxima do centro do monumento e mais proeminente será a coroa.

  • O ponto central e a coroa do Estado

O foco da homenagem é o Túmulo do Soldado Desconhecido (que oficialmente está situado na Sala do Capítulo do Mosteiro da Batalha, ao que li); aqui no Monumento aos Combatentes do Ultramar, a centralidade é a "chama da Pátria". 

A coroa mais importante e central é sempre a do Estado Português, colocada pela mais alta autoridade presente (neste caso, que as fotos documentam, é o Ministério da Defesa Nacional):  

Coroa Presidencial: é depositada pelo Presidente da República (na sua qualidade de Comandante Supremo das Forças Armadas) ou por um seu representante; esta é a primeira e mais proeminente coroa, simbolizando a homenagem de toda a Nação; é comum que seja uma Coroa de Louros, que representa a Honra e a Glória militar; nesta cxerimónia de 18 de novembro passado, não houve presença do Chefe de Estado, por razões de agenda,.

  • A hierarquia das soberanias e do governo

Após a homenagem do Chefe de Estado, seguem-se as restantes entidades de soberania, por ordem de precedência:

Coroas do Governo e Parlamento: entidades como o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro (ou o Ministro da Defesa Nacional em representação do Governo) depositam as suas coroas a seguir.

  •  A cúpula militar (Forças Armadas)

As Forças Armadas seguem a sua própria hierarquia institucional:

Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA): o responsável máximo pela cúpula militar deposita a coroa em nome das Forças Armadas Portuguesas;M

Chefes de Estado-Maior dos Ramos: seguem-se os Chefes de Estado-Maior da Armada, do Exército e da Força Aérea, por essa ordem; cada um representa a homenagem do respetivo ramo.

  • Entidades externas e associações

Finalmente, são depositadas as homenagens de outras entidades, seguindo uma ordem definida:

Representações Estrangeiras: embaixadores ou adidos militares estrangeiros depositam coroas em nome dos seus países; a ordem segue o protocolo diplomático (antiguidade do embaixador ou ordem alfabética do país);

Associações de Combatentes: as organizações representativas dos Antigos Combatentes, como a Liga dos Combatentes ou a ADFA - Associação dos Deficienets das Forças Armadas, depositam as suas coroas com grande significado emocional e simbólico;

Outras entidades: entidades públicas (municípios, Cruz Vermelha, etc.) ou privadas, por ordem estabelecida no guião cerimonial.

Em resumo,  a posição das coroas segue a hierarquia das entidades que as depositam. Tipicamente:
  • Presidência da República
  • Assembleia da República
  • Governo — especialmente o Ministério da Defesa Nacional
  • Chefias militares
  • Estado-Maior-General das Forças Armadas
  • Exército
  • Marinha
  • Força Aérea
  • Liga dos Combatentes
  • Associações de veteranos ou unidades militares
  • Outras entidades oficiais ou diplomáticas
Este rigor protocolar garante que a homenagem pública seja conduzida com a máxima dignidade e respeito pela memória dos que "morreram ao serviço da Pátria"

(iv) Simbologia da coroa oficial

No contexto de honras militares, a coroa não é apenas um arranjo floral, mas um símbolo de sacrifício e vitória.

  • Coroa de Louros: é o elemento mais significativo. A coroa do Estado e de outras entidades militares de topo é muitas vezes feita com louros (frescos ou folheados) e pode incluir sempre-vivas (símbolo de resistência e eternidade) e, por vezes, um laço com as cores nacionais, em vez de um arranjo floral composto apenas por flores;

  • Posicionamento: no final, a disposição física no plano do monumento cria um cone de reverência, onde as coroas mais importantes estão dispostas mais próximas do eixo central do túmulo, e as restantes a partir desse ponto, em ordem decrescente de importância hierárquica.

(v) Simetria e representação formal


  As coroas, como se vê nas fotos acima, apresentam muitas vezes:
  • Símbolos heráldicos (armas dos ramos das Forças Armadas, brasões, distintivos de unidades);
  • Cores institucionais:
  • Formatos circulares ou em escudo, conforme a tradição militar

Esta iconografia ajuda a identificar rapidamente a entidade que presta homenagem.

(vi) Distância e alinhamento

As coroas são colocadas:
  • em suportes metálicos padronizados,
  • afastadas por intervalos regulares,
  • geralmente de frente para o monumento e alinhadas ao longo do tapete vermelho, por onde passam as autoridades.
 
(vii) Protocolo cerimonial

Durante o ato:
  • a deposição segue a ordem oficial das entidades;
  • a guarda de honra e a banda militar acompanham o momento.
  • depois da deposição, segue-se o toque de silêncio e, por vezes, a homenagem aos mortos.
 (viii) Fontes oficiais e protocolos

A lógica de disposição das coroas segue estritamente a Ordem de Precedência do Estado e o Regulamento de Honras Militares.

  • Regulamento de Continências e Honras Militares (RCHM)

Este é o diploma legal que estabelece a ordem e a forma das honras militares. Embora não especifique a disposição exata de cada coroa, define a hierarquia das entidades que presidem ou são homenageadas, o que se traduz diretamente na ordem de deposição das coroas e, consequentemente, na sua disposição espacial (as mais altas autoridades e símbolos da pátria têm a primazia).

Fonte Primária: Decreto-Lei n.º 331/80 (Regulamento de Continências e Honras Militares) e alterações subsequentes, que definem a precedência para fins de continências e honras militares  

Esta lei determina a ordem hierárquica das Altas Entidades, que é a base para a sequência em que são chamadas a prestar homenagem (colocar a coroa).

Fonte Primária: Lei das Precedências do Protocolo do Estado Português (que estabelece a ordem do Presidente da República, Presidente da Assembleia, Primeiro-Ministro, Chefes Militares, etc.); esta ordem é crucial para saber quem deposita primeiro e quem fica mais próximo do Túmulo do Soldado Desconhecido.

  • Prática Protocolar Observada em Cerimónias Oficiais

A execução prática da disposição das coroas é documentada e observada nas cerimónias públicas realizadas no local, muitas vezes divulgadas pelos gabinetes das entidades ou pela Liga dos Combatentes:

Fontes Secundárias (Observação): Comunicações da Presidência da República e da Liga dos Combatentes sobre as cerimónias do Dia Nacional do Combatente, Dia do Armistício e outras;. estes relatórios confirmam que o Presidente da República e as autoridades militares de topo presidem e iniciam a homenagem.

Em resumo, a lógica é baseada na Lei (que define a hierarquia institucional) e no Regulamento Militar (que define as honras devidas a cada entidade).


Pesquisa LG + Net + IA (ChatGPT, Gemini)
(Condensação, revisão / fixação de texto, negritos e itálicos: LG)
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sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27449: Notas de leitura (1866): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
São três volumes que incorporam Boletins de formato minguado que vão de 1958 a 1966, estamos no ano da eleição de Américo Tomás para o seu primeiro mandato e a vizinha Guiné Conacri é um país independente. Ao tempo, a Associação Comercial Industrial e Agrícola de Bissau congregava 648 associados, recebera um impulso do Governador Silva Tavares para ter uma sede com uma certa dignidade e a quotização anual atingia os 325 contos. Desde 1951 que se previa a publicação do Boletim, teriam faltado os recursos. Mas 1958 é também o ano em que se começou a andar à procura de alumínio em Buba e em Madina de Boé, o Ministro do Ultramar, Raúl Ventura, negociou uma concessão para a prospeção de carbonetos e foi assim que nasceu a Esso Exploration Guiné. Veremos adiante que a Associação temia consequências gravosas com a chegada de gente com maior poder de compra, como estava a acontecer em todas as regiões onde se iniciavam explorações petrolíferas. E escreve-se mesmo: "A verdade é que enquanto a economia da Guiné vaziar na produção de oleaginosas para exportação, não será possível melhorar as condições materiais dos seus habitantes, pelo que será de recear um aumento do custo de vida sem o necessário aumento do poder de compra da população, o que, em última análise equivaleria a um empobrecimento geral desta Província."

Um abraço do
Mário



Uma publicação guineense de consulta obrigatória:
O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné - 1

Mário Beja Santos

Na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa chamaram-me à atenção para três volumes que contém Boletins desta Associação, de 1958 a 1966, não é a primeira vez que se fala desta publicação iniciada em 1958, não consigo por enquanto encontrar data em que teve o seu último número, tenho de bater à porta da Biblioteca Nacional.

Temos aqui nove anos de uma publicação declaradamente favorável ao Estado Novo, representativa dos interesses económicos instalados na Província da Guiné. Logo no primeiro número, o Presidente da Direção, Fernando S. Correia, refere que esta publicação corresponde a uma velha aspiração:
“A antiga Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau foi fundada em 1917 passou a denominar-se, desde 1951, Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné; o seu principal dever é a instigação e alargamento de todas as atividades fomentadoras da Guiné.
Os Estatutos da Associação, datados de 1951, preveem a publicação do Boletim, destinado a divulgar os atos da sua vida associativa e a registar todas as informações, notícias e estatísticas que interessem conhecer, e bem assim quaisquer estudos que digam respeito às atividades de fomento da Província.”


E mais refere que tinham sido as dificuldades de ordem financeira que até agora tinham impedido esta realização. Devia-se ao atual Governador, Silva Tavares, o apoio para que estes 648 sócios comerciantes, industriais e agricultores, pudessem dispor de uma sede condigna, arrecadando agora a Associação uma quotização de 320 contos. Espera-se que o Boletim venha a registar trabalhos que digam respeito às atividades de fomento da Província e abrem-se as portas às repartições públicas para cooperarem com informações e artigos.

Inevitavelmente, um tema fulcral que veio logo a ser tratado foi a Guiné na hora do petróleo. Procura-se logo no primeiro número fazer uma súmula dos acontecimentos:
“Em 1956, em regime experimental, foi a firma holandesa N. V. Biliton Maatschappij superiormente a pesquisar minérios de alumínio em determinada zona desta Província.
A referida firma, em fevereiro daquele ano, enviou para tal fim à Guiné uma expedição mineira, chefiada por um geólogo de nacionalidade alemã, que iniciou a sua atividade em dezembro do mesmo ano, na região de Buba, na Circunscrição de Fulacunda.
Não dispomos de elementos que nos deem a conhecer o resultado dos trabalhos ali realizados, mas o abandono daquela região após poucos dias de permanência nela da expedição é sintoma evidente de que não foi brilhante ou, pelo menos que, se a existência do referido minério na região de Buba é um facto, ele não é economicamente explorável.

Em princípios de janeiro de 1957 passou a expedição para a região de Boé, da circunscrição de Gabu, onde estabeleceu acampamento na povoação de Madina. Mais tarde, isto é, em 7 de março de 1957, em virtude da publicação do Decreto n.º 40.987, foi, entre o Governo português e a referida firma holandesa, celebrado um contrato concedendo a uma companhia, que a mesma firma viesse a constituir, o direito exclusivo sobre pesquisas de minério de alumínio, na Guiné e em Angola. A companhia a que alude o Decreto acima referido foi constituída por escritura de 16 de agosto de 1957, com a denominação de Companhia Lusitana do Alumínio da Guiné e Angola. Durante a primeira fase dos trabalhos a N. V. Biliton Maatschappij foi aqui representada pela conceituada firma comercial desta Praça, Nunes & Irmão. Veio a época das chuvas, o pessoal estrangeiro seguiu para Angola onde permaneceu até outubro de 1957. A representação da companhia passou para o Administrador de Circunscrição aposentado Luís Correia Garcia. Em fins de outubro a expedição regressou à Guiné, mas em virtude das cheias do Corubal os trabalhos só recomeçaram passados seis meses.

Nada sabemos quanto ao resultado dos trabalhos levados a efeito em Angola, como nada sabemos de positivo quanto aos que vêm sendo realizados na Guiné.
Oxalá os portos da Companhia Lusitana do Alumínio da Guiné e Angola sejam coroados de êxito, porque sob o ponto de vista industrial a Guiné ainda está tentando os primeiros passos.”


E noticiava-se também que estava a percorrer a Guiné uma missão de técnicos que ao serviço de uma firma alemã tinha vindo proceder a estudos sobre as possibilidades de existirem no território jazigos petrolíferos.

No número seguinte do Boletim, avançam-se mais elementos. O Ministro do Ultramar, Raul Ventura, tinha referido em Conselho de Ministros que havia a possibilidade de uma concessão de pesquisas e exploração de petróleo na Guiné. Tinham surgido várias entidades a manifestarem grande interesse sobre as possibilidades da obtenção de petróleo em várias províncias ultramarinas – em Angola, em Moçambique, na Guiné, em Timor e em São Tomé. Em sequência, publicaram-se dois Decretos pelos quais se estabeleceram os chamados direitos de concessão a pagar pelo concessionário, bem como o imposto de rendimento sobre os petróleos. Desses diplomas se fixaram com todo o rigor quais são as deduções que se podem fazer para encontrar o rendimento líquido. Tinham aparecido dois cidadãos portugueses a requerer ao Ministério a concessão de quase todo o território da Guiné para pesquisarem e explorarem petróleo. O Ministro despachou no sentido de que, tratando-se de petróleo, era indispensável fazer prova da sua capacidade técnica e financeira, que não chegou a ser feita. Apareceram outros concorrentes: uma sociedade francesa, companhias de várias nacionalidades como a Mobil, Texas, Standard de Nova Jérsia, Gulf Oil Corporation, a British Petroleum e duas empresas alemãs.

Houve conversações com os representantes destas companhias e pediu-se-lhes que dessem a conhecer as suas propostas. Acabou por ser selecionada a Standard Oil Corporation, mas os outros concorrentes foram avisados que caso não se chegasse a um acordo final com a Standard, em qualquer altura podia ser feito com uma outra. É nesse contexto que foi publicado o Decreto n.º 41.537, de 26 de fevereiro.

Este Decreto estabelece que uma sociedade que se chamará Esso Exploration Guiné Incorporated, que está constituída propositadamente para esse efeito nos EUA, fará contrato com o Ministério do Ultramar para a concessão do direito de pesquisas e de exploração. Trata-se de uma sociedade norte americana, mas uma condição que logo no início foi posta a todas as companhias é que o Governo não dá uma concessão a uma sociedade estrangeira; só dará a uma sociedade portuguesa o que significa que a Esso Exploration Guiné terá que se transformar, no prazo de seis meses, numa sociedade portuguesa. O máximo da representação que se poderia dar a investimentos portugueses seria de 20%; a Esso Exploration Guiné terá 20% do capital português, inteiramente gratuito e será entregue à Província da Guiné dentro de seis meses a partir da assinatura do contrato. O conselho de administração deverá ter maioria de membros portugueses e o seu presidente terá de ser também português.

Continuaremos a tratar deste número e de outros no próximo número.

O Governo português concede à Esso Exploration Guiné a prospeção de petróleo, entre outros carbonetos, fevereiro de 1958
Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné
(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 17 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27435: Notas de leitura (1865): "Atlas Histórico do 25 de Abril", por José Matos; Guerra e Paz, 2025 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27448: In Memoriam (562): José António Sousa (1949-2025), ex-sold cond auto, CCAV 3404/BCAV 3854 (Cabuca, 1971/73): o funeral é hoje, dia 21, às 16h00, no cemitério da Foz do Douro, Porto


José António Gomes de Sousa (1949 - 2025). 
Tinha 76 anos




Foto de família: o Zé António,a esposa Maria de Fátima e a filha  Alexandra,

Fonte: Página do Facebook > José António Sousa


1. Soubemos, pelo Facebook da Tabanca de Matosinhos, que morreu ontem mais um camarada nosso, o José António Gomes de Sousa (ou José António Sousa). O Zé Teixeira confirmou-nos esta manhã a triste notícia e deixou escrito o seguinte:

(...) A Tabanca de Matosinhos está de luto. O José António Sousa deixou-nos para fazer o caminho eterno.

Ainda ontem esteve no nosso almoço semanal, como era seu hábito há vários anos:
  • um homem calmo,
  •  que transparecia serenidade, 
  • um amigo sempre disponível, 
  • um conversador nato, 
  • um camarada que todos estimamos 
  • e sabemos que ele nos estimava a todos.

Foi apanhado de surpresa pela morte, deixando a família e todos nós em sofrimento profundo.

Zé António, estás no coração de todos os tabanqueiros e estarás presente na nossa memória, quando,  à quarta feira, nos juntarmos para conviver.

À tua esposa, Maria de Fátima, que tantas vezes te acompanhou e nos brindou com a saborosa bola de carne, à tua filha Alexandra, ao teu querido primo Zé Eduardo e a toda a família, os mais profundos sentimentos de pesar da Tabanca de Matosinhos. (...)  (Tabanca Matosinhos 20 de novemrbo de 2025, 20h00).


O corpo está  em câmara ardente desde ontem a partir das 16 horas na Igreja Stellla Maris - Carmelitas, na Rua de Gondarém 274, na Foz do Douro, e o funeral será hoje às 16 horas, indo a sepultar no jazigo de família,  no cemitério da Foz do Douro, Porto.


2. Também a Tabanca Grande se associa a esta manifestação de pesar (*). Daqui enviamos um abraço de solidariedade na dor,  da parte dos editores, colaboradores permanentes e demais membros da nosso blogue à família e aos camaradas da Tabanca de Matosinhos bem como de O Bando do cafeé Progresso que nos últimos anos conviveram mais regularmente com o Zé António Sousa.

O José António Gomes de Sousa, ex-soldado condutor auto, CCAV 3404/ BCAV 3854 (Cabuca, 1971/73) entrou formalmente para a Tabanca Grande em 13/2/2013

Era, cronologicamente, o grão- tabanqueiro nº 602. (**)

Nasceu em 16/6/1949. Despede-se, pois, da Terra da Alegria aos 76 anos. Merecia ter vivido muito mais. 

Era um bom ser humano, amigo e camarada que eu tive o prazer de conhecer na Tabanca de Matosinhos, tal como o Rogério Paupério e outros camaradas do Norte.

O José António Sousa (tem 6 referências no nosso blogue) e o seu camarada Rogério Paupério, ambos membros da Tabanca de Matosinhos e da Tabanca Grande, foram à Guiné-Bissau em 2010 e, na picada do Quirafo (entre o Saltinho, Contabane e Dulombi) depararam-se com os restos calcinados da GMC onde, em 17 de abril de 1972, encontraram a morte, em combate, o alf mil op esp Armandino Silva Ribeiro e mais onze elementos da CAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), incluindo dois milícias e um civil (***). 

O sold at inf António da Silva Batista (1950-2016) por sua vez, foi dado como desaparecido: soube-se depois que fora feito prisioneiro pela força do PAIGC que montou a emboscada, tendo sido apenas libertado em setembro de 1974.


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Cabuca > Brasão da CCAV 3404 / BCAV 3854 (1971/73) e o menino de Cabuca.

Este batalhão embarcou em 4 de julho de 1971 e regressou à Metrópole em 5 de outubro de 1973. Esteve sediado (comando e CCS) em Lamego (Comandante: ten cor cav António Malta Leuschner Fernandes). 

A CCAV 3404 esteve em Cabuca,  a CCAV 3405 esteve em Mareué e Nova Lamego, e a CCAV 3406 em Madina Mandinga. 

Foto: Cortesia de Os Abutres de Cabuca (2ª CART / BART 6523/73, Cabuca, 1973/74) [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




O Zé António Sousa, no T/T Niassa, em julho de 1971, a caminho da Guiné


Fonte: Página do Facebook > José António Sousa



3. Sobre a sua  história de vida militar, ele escreveu:

(...) A minha história é igual ou semelhante à de tantos milhares de camaradas que na flor da sua juventude se viram envolvidos na Guerra do Ultramar.

Tudo começou numa manhã de verão, num domingo dia 4 de julho de 1971. Depois de uma viajem noturna de autocarro entre Estremoz e Lisboa, acordei e dei de frente com um navio negro (na altura achei-o feio), na sua proa, o nome: Angra do Heroísmo.

A viagem decorria normalmente quando me apercebi que o navio mudava de rumo para oeste, dirigia-se para o Funchal a fim de ser efetuada a evacuação de um camarada que tinha sofrido uma apendicite.

Desembarcámos em Bissau passados sete dias, no cais esperava-nos um sem-número de camiões civis que nos transportaram para o Cumeré a fim de efetuarmos a habitual IAO.

Durante essa viagem e apesar do desconforto, achei-a maravilhosa, era o meu primeiro contacto com África que há muito sonhava.

A 13 de agosto seguimos na LDG Alfange, Rio Geba acima, rumo ao Xime onde fomos recebidos com pompa e circunstância pela “velhice” local, até câmaras de TV havia; seguimos depois em coluna com passagens por Bambadinca e Bafatá, sempre a praxe a receber-nos. E quando chegámos a Nova Lamego já era noite, famintos, cansados e encharcados, pois durante toda a viagem choveu copiosamente, foi-nos distribuída uma sopa de lentilhas que no momento nos pareceu um manjar. 

Depois do merecido descanso, partimos para o nosso destino: Cabuca. A picada estava em péssimas condições e, com a chuva a cair sem parar,  a viagem foi dolorosa, para percorrer os cerca de 20 quilómetros que separam Nova Lamego e Cabuca demorámos o dia todo.

À chegada, como não podia deixar de ser, a 'velhice'  lá estava para nos receber festivamente, na verdade fomos recebidos com muito respeito pelos nossos camaradas da CCaç 2680 para quem quero aproveitar para enviar um forte abraço.

Caros camaradas, esta é a primeira história que tenho para contar à Tabanca, é uma singela introdução das muitas coisas que aconteceram nos 27 meses que passei na Guiné. (...)

Guiné 61/74 - P27447: Cerimónia Comemorativa do 107.º Aniversário do Armistício da Grande Guerra e 51.º Aniversário do Fim da Guerra do Ultramar, 18 de novembro de 2025: Simbolismo das coroas de flores depositadas no Monumento aos Combatentes do Ulramar (Luís Graça ) - Parte I


Foto nº 1 > Ministério da Defesa Nacional


Foto nº 2 : Forças Armadas de Portugal


Foto nº 3 > Força Aérea Portuguesa


Foto nº 4 > Marinha Portuguesa



Foto nº 5 > Exército Portuguès


Foto nº 6 > Deputados da Comissão de Defesa da Assembleia Nacional


Foto nº  7 > Guarda Nacional Republicana (GNR)



Foto  nº 8  > Liga dos Combatentes 



Foto nº 9 > Grupo de Adidos Militares Estrangeiros Acreditados em Portugal


Foto nº 10 > Ambassade de France au Portugal / Embaixada de França em Portugal


Foto nº 11 > Cruz Vermelha Portuguesa (CVP)



Foto nº 12  > Associação Nacional dos Prisioneiros de Guerra


Foto nº 13 > Amicale des Anciens Combattants et Militaires Français au Portugal (AACMFP)  / Associação dos Veteranos e Militares Franceses em Portugal


Figura nº 14 > Associação dos Deficientes das Forças Armadas (?)


Foto nº 15 > Coroas de flores no Monumento aos Combatentes do Ultramar (1)


Foto nº 16 > Coroas de flores no Monumento aos Combatentes do Ultramar (2)


Foto nº  17 > Coroas de flores no Monumento aos Combatentes do Ultramar (3)


Foto nº 18 > Coroas de flores no Monumento aos Combatentes do Ultramar (4)

Lisboa > Belém> Forte do Bom Sucesso > 18 de novembro de 2025 > 10h00 > Cerimónia Comemorativa do 107.º Aniversário do Armistício da Grande Guerra e 51.º Aniversário do Fim da Guerra do Ultramar, Coroas de flores junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar

Fotos (e legendas): © Luís Graça  (2025). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Fui, como convidado, e pela primeira vez (que me lembre!), participar numa cerimónia comemorativa do fim de uma guerra, aliás duas, a da I Grande Guerra (1914/18)  e a da Guerra do Ultramar (1961/74),  organizada pela centenária Liga dos Combatentes (LC).

A cerimónia decorreu entre as 10h00 e as 12h30 do passado dia 18 de novembro. Tendo chegado um pouco mais cedo, pus-me a observar e a fotografar as coroas de flores (mais de uma dúzia) colocadas na base  do Monumento aos Combatentes do Ultramar, localizado junto ao Forte do Bom Sucesso, em Belém, Lisboa. Ao centro, e alinhada com a "passadeira vermelha" para os VIP, estava a coroa do Ministério da Defesa Nacional, organizador do evento em conjunto com a Liga dos Combatentes. A cerimónia foi presidida, se não erro, pelo Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas.

Por (de)formação profissional, gosto de pôr a mim próprio, mentalmente,  questões sobre o que vejo ou apreendo: o quê, onde, quando, como, porquê, por quem e para quem... 

De entre as formas de homenagem aos combatentes mortos nas guerras avulta a tradicional  deposição de coroas de flores funerárias. De repente intrigou-me a forma,  as cores e o tipo de flores das coroas funerárias, bem como a sua disposição espacial, na base do monumento, e em torno de um tapete vermelho por onde circulariam depois os representantes das entidades oficiais. 

Ora tudo isso não acontecia por acaso. Quis saber o simbolismo e o significado profundo que tem o uso das coroas de flores  na nossa cultura e na nossa sociedade, em cerimónias como estas em que se homenageiam os mortos caídos pela Pátria.

Com a ajuda das ferramentas de IA (ChatGPT e Gemini) e outras consultas na Net, fui respondendo a algumas das minhas questões. Para já fiquemos pela primeira parte: cores e espécies de flores, forma e estrutura das coroas. 

Numa segundo poste, falaremos da ordenação espacial das coroas das flores, que devem obedecer a um protocolo institucional. (A tropa tem horror ao  vazio e ao improviso, embora na Guiné, em teatro de guerra,  nos mandasse "desenrascar"...)


1. Têm um simbolismo que vai muito além da estética: representam memória, valores, emoção e, em última análise, a forma como uma sociedade encara o sacrifício (supremo) dos seus soldados. O uso de coroas funerárias remonta à Antiguidade Clássica, Greco-Romana. Afinal, já fomos escravos e colonizados pelos romanos.  (Não sabemos a língua que falava o nosso Viriato.)

Embora cada cultura possa ter nuances próprias, há alguns sentidos amplamente reconhecidos para as cores:

(i) Vermelho=sacrifício, coragem, heroísmo e sangue derramado

O vermelho é uma das cores mais usadas, sobretudo em rosas, cravos, antúrios, gerberas Representa:
  • o sangue derramado pelos combatentes;
  • a nobreza;
  • a coragem no campo de batalha;
  • a lembrança viva do sacrifício;
  • amor eterno e admiração.

É por isso tão comum no Dia do Armistício, no 10 de Junho, no Dia da Memória e outras efemérides, em vários países.

(ii) Branco=paz, pureza, reverência, e respeito


É cor mais comum, simbolizando:
  • o desejo de paz duradoura após o conflito;
  • a pureza das intenções dos combatentes;
  • luto e reverência.

É uma forma de homenagear não só quem morrer, mas também a esperança de que os infaustos eventos, como a guerra (incluindo a guerra civil), não se repitam.

(iii) Amarelo=lembrança e esperança

Em algumas culturas, o amarelo representa:
  • lembrança perene;
  • esperança na reunião espiritual;
  • luz e eternidade.
Já o amarelo, na sua forma dourada (amarelo-ouro), é um símbolo forte de nobreza, riqueza, sucesso e poder, reforçando a ideia de glória e eternidade.

(iv) Roxo=luto profundo e espiritualidade

O roxo, poço usado em arranjos florais, está muitas vezes associado a:
  • cerimónias mais solenes;
  • respeito espiritual;
  • reflexão sobre a morte e o seu significado;
  • luto.

2. Porque se usam flores em homenagens fúnebres ?


Para além das cores, as próprias flores têm um profundo significado:
  • são símbolos de vida, beleza e fragilidade;
  • lembram-nos que a vida dos combatentes foi preciosa e efémera; 
  • representam a continuidade, a passagem de testemunho, a partilha;
  • mesmo após a morte, a memória floresce; e a vida renasce;
  • criam um momento de beleza num contexto doloroso, um gesto de humanidade face à brutalidade da guerra e do sacrifício da própria vida,

O sentido mais profundo: no fundo, estas cores não são apenas  um elemento meramente decorativo; são signos, são uma linguagem simbólica que permite expressar:
  • respeito e gratidão;
  • memória coletiva;
  • humanização do luto;
  • compromisso com a vida, com a liberdade e com a paz.

É uma forma silenciosa, mas poderosa, de dizer que os mortos não ficam "inumados na vala comum do esquecimento" (como gostamos de dizer na Tabanca Grande) e que o seu sacrifício tem significado na história das famílias, dos grupos, da comunidade, do País.

 3. As cores usadas nas cerimónias e flores não são apenas escolhas simbólicas tradicionais, mas também refletem frequentemente as cores dos brasões e insígnias das entidades que prestam a homenagem (chefe de estado, assembleia da república, governo, forças armadas, associações de combatentes...). E isso acrescenta um significado institucional e histórico muito forte.

(i) Representação institucional

Quando o exército, o governo, as ligas de combatentes, embaixadas ou outras entidades colocam coroas ou arranjos florais, é comum que:
  • escolham as cores do seu próprio brasão oi insígnias;
  • usem as cores da bandeira nacional;
  • ou combinem ambas.

Isto serve para:
  • mostrar que a homenagem não é apenas pessoal, mas oficial e coletiva, institucional;
  • marcar que a entidade assume publicamente a memória dos seus combatentes;
  • dar continuidade a uma tradição cerimonial formal.

 (ii) Identidade e continuidade histórica

A utilização das cores dos brasões reforça o vínculo entre:
  • os combatentes homenageados;
  • a instituição ou a arma a que pertenciam (exército, marinha, força aérea):
  • e a história da própria instituição ou da arma.

Por exemplo: o Exército pode usar o verde e vermelho (cores nacionais) ou detalhes dourados e pretos das suas insígnias; a  Liga dos Combatentes utiliza as cores do seu emblema, reforçando a missão de preservar a memória; embaixadas estrangeiras  usam frequentemente as cores da bandeira do país que representam, simbolizando respeito internacional.

(iii) Um gesto simbólico e protocolar

Ao usar as cores dos brasões:
  • reforça-se a ideia de que os combatentes não foram esquecidos pela Pátria;
  • mostra-se a unidade entre Estado, instituições militares e sociedade civil, incluindo associações de veteranos;
  • cumpre-se o protocolo cerimonial militar e diplomático.

(iv) Complemento ao simbolismo emocional das flores

Assim, há dois níveis de significado:
  • emocional e universal; cores que expressam luto, sacrifício, paz e memória;
  • institucional e histórico: cores dos brasões que reforçam a identidade e a responsabilidade da entidade homenageante.
Ambos se complementam para criar uma homenagem mais completa e cheia de significado.


4. Mas não são apenas as cores, mas também as formas e a estrutura das coroas que carregam simbolismo. Em cerimónias militares e de Estado, a forma da coroa ou arranjo floral transmite mensagens subtis, ligadas à tradição, ao protocolo e à identidade da entidade que presta homenagem. Muitas vezes estas coroas são extremamente elaboradas e visualmente muito atrativas, porque representam não só o luto, mas também a honra, a hierarquia e a memória colectiva.


(i) Formas geométricas com significado

As coroas podem ser circulares, ovais, em escudo, em coração, em cruz ou mesmo em arranjos verticais.

 Círculo= eternidade e continuidade

A coroa circular: é a forma mais tradicional e o símbolo primordial da eternidade e da imortalidade da alma e da memória:

  • simboliza a vida eterna, ou o eterno retorno;
  • representa a memória que não tem início nem fim;
  • transmite a ideia de unidade nacional e de solidariedade intergeracional.

Coroa de louros=honra, vitória e glória

Variante da coroa circular, a coroa de louros é um símbolo clássico de honra, vitória e glória, remontando ao mito de Apolo e Dafne, e sendo historicamente associada a conquistas e estatuto elevado; é frequentemente usada em homenagens a militares e figuras de Estado em Portugal.

Forma de escudo=honra militar

Algumas coroas são feitas à maneira de um brasão ou escudo militar:
  • reforçam a ligação ao corpo ou Ramo das Forças Armadas;
  • simbolizam proteção e bravura;
  • recordam que o combatente serviu uma instituição com identidade própria.

 Formas religiosas (cruz, palma, espiga)
  • usadas sobretudo por entidades com tradição cristã;
  • simbolizam fé, sacrifício e esperança na vida espiritual, ressurreição;
  • muito usadas por governos ou associações que seguem protocolos históricos.
Outras formas, como o  Coração (amor profundo e afeição) também podem ser usadas, embora a forma circular ou de louros seja mais prevalente em cerimónias públicas militares.


(ii)   Coroas elaboradas com detalhe e complexidade

As coroas mais ornamentadas aparecem geralmente quando:
  • a entidade é de alto nível (Presidente da República, Governo, Chefes militares, Embaixadas);
  • a cerimónia é oficial ou de Estado;
  • o local é de grande significado (Túmulo do Soldado Desconhecido, Mosteiro da Batalha ou  dos Jerónimos, Monumento aos Combatentes do Ultramar, campos de batalha, cemitérios militares, outros monumentos nacionais).

Estas coroas:
  • reforçam a solenidade;
  • representam a dignidade do cargo que presta homenagem;
  • procuram traduzir visualmente o respeito máximo.

(iii) Elementos específicos que acrescentam significado:

Muitas coroas possuem detalhes que parecem apenas decorativos, mas não são:

 Fitas com inscrições

Contêm:
  • nome da instituição;
  • palavras como “Homenagem”, “Glória”, “Honra”, “Memória”;
  • cores da bandeira ou brasão ou insígnia da entidade.

Ramos de louro ou oliveira

Muito usados em coroas militares:
  • o louro simboliza vitória e honra;
  • a oliveira simboliza paz e reconciliação.
 Outras flores e folhagens (verdura) 

  • por exemplo,  o verde (folhagens): representa renovação e esperança;

  • as flores podem ser escolhidas, para além da sazonalidade,  pelos seus significados simbólicos, que se adaptam ao contexto de homenagem a um combatente.

 
 Elementos dourados ou metálicos

Reforçam:
  • a solenidade;
  • o carácter oficial;
  • a antiguidade histórica da instituição.

 (iv)  O significado mais profundo das formas elaboradas

No fundo, a forma da coroa é uma linguagem simbólica, tão importante quanto as palavras proferidas no discurso de homenagem. Cada forma e detalhe transmite a mensagem de que:
  • o combatente é lembrado com identidade, respeito e história;
  • a sua morte não é apenas um facto individual, mas um elemento da memória coletiva do país;
  • a homenagem é proporcional à importância do sacrifício.

5. Simbolismo das coroas funerárias (síntese)

ElementoSignificado
comum
Contexto militar/Honra
LouroVitória, Honra, GlóriaEssencial em coroas militares, simboliza o triunfo e o sacrifício; remonta ao mito de Apolo e Dafne
Sempre-
-Vivas
Força, Resistência, Memória EternaRepresentam a permanência da memória e a resistência do espírito 
Carvalho (Folhas)Sabedoria, Força, RobustezAssociado a Zeus (na mitologia helénica) ,  simbolizando a resiliência
Rosas
Brancas
Reverência, Respeito, Pureza, PazA escolha clássica para expressar respeito profundo e paz espiritual 
Rosas VermelhasAmor, Respeito, Coragem, SacrifícioSimboliza o amor profundo e a coragem, especialmente relevante para um combatente 
Lírios
Brancos
Pureza, Tranquilidade, Paz EspiritualUsados para transmitir serenidade e a renovação da alma / espírito
Crisân-
temos
Luto e Homenagem (em muitas culturas)Usados tradicionalmente em funerais, simbolizam a nobreza da alma / espírito

  (Continua)


Pesquisa LG + Net + IA (ChatGPT, Gemini) 
(Condensação, revisão / fixação de texto, negritos e itálicos: LG)