Mensagem do Vitor Junqueira. Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue.
Caro Luís Graça e restantes camaradas ex-combatentes, tertulianos e não tertulianos, e em particular meu prezado amigo Amilcar Mendes (1), que não conheço pessoalmente e a quem me dirijo de forma especial, tratando-o por tu de acordo com as regras!
Através do Blogue e de alguns e-mail (poucos), chegaram-me judiciosos comentários sobre uma apreciação que fiz relativamente a um post do Pedro Lauret sob o lema "Na guerra não vale tudo, também há regras".
E a primeira questão que me ocorre é esta: Haverá por aí alguém que discorde da afirmação de princípios contida naquele título? Se essa pessoa existe, por favor ponha o dedo no ar porque eu preciso conhecê-la.
De contrário, posso presumir que estamos todos de acordo, e nessa altura ... vamos a banhos, que o mar está de senhoras, como dizem uns pescadores meus amigos da zona de Peniche.
Então camaradas, serenidade! Olhem que a maioria já deu perto de sessenta voltas ao Sol e os coraçõezitos, presos por arames, não estão para caturrices. E eu não quero ser o gato fechado no quarto, em que todos querem dar porrada. Conhecem esta? Não? Então experimentem e vejam como é que o filha-da-puta do gato se arreganha todo.
Bem, sempre terei que acrescentar algo mais para que isto não pareça um laudatório à madre Teresa de Calcutá.
Operações militares e barbárie
E aqui, ocorre-me uma segunda questão: Admitindo por absurdo que na guerra não há regras, porque é que a comunidade internacional se vinculou maioritária e voluntariamente a instituições como o Tribunal Penal Internacional? E porque é que pedimos a intervenção das Ligas de Defesa dos Direitos Humanos quando há suspeita de que num determinado conflito, esses direitos estão a ser desrespeitados?
E porque é que exigimos o acesso livre e incondicional da Cruz Vermelha Internacional aos teatros de operações, aos feridos e prisioneiros? Em última análise, como é que distinguiríamos os bandidos dos vilãos, os combatentes dos terroristas?
Meu caro Amílcar Mendes, tenho a certeza que concordas comigo. Tem de haver alguma forma de distinção entre operação militar e barbárie. E essa distinção, só pode ser feita através de REGRAS que devem ser gerais e universais, sagradas atrevo-me a acrescentar. Se quisermos ser Humanidade. E como acontece com qualquer regra, a sua violação implica necessariamente uma sanção, ou não é assim? Pronunciem-se os tertulianos juristas p. f.
Embora se trate de um assunto muito polémico, devo dizer-te e reafirmar perante a tertúlia, que, para este tipo de violações, admito a discussão da reintrodução da pena de morte. Os americanos, a quem neste campo não tiro o chapéu, têm neste momento vinte e quatro militares a aguardar sentença, que deverá oscilar entre a injecção reforçada de pentotal, na veia, e a prisão pepétua, por diabruras praticadas no Iraque.
A guerra como dever
Agora Amilcar, vou-te dizer uma coisa. Entre nós existem realmente diferenças, que nos tornaram combatentes diferentes embora a guerra fosse a mesma. E a principal diferença parece-me ser esta: Em primeiro lugar, eu fiz a guerra impelido por motivações políticas, hoje discutíveis. E em segundo, porque gostava e ainda hoje gosto da Guerra!
Para mim, Guerra, não é apenas aquela palavra a que os simplórios atribuem o significado de pegar em armas para matar gente. Ela representa, no meu entender, o direito supremo que uma sociedade organizada possui, de pegar em armas, matar e morrer se necessário, para defender valores que estão para além dos interesses individuais, como a segurança colectiva, a liberdade e a dignidade entre outros. Como tal, participar na guerra é também o supremo dos deveres. Acho eu.
A guerra e os psicopatas
Neste contexto, permite-me a franqueza amigo Amilcar, acho muito estranha a tua afirmação de que tiveste que matar para não morrer. É demasiado redutora, para mais vinda da boca de um comando. Então, mataste porque tiveste medo de morrer? Repara bem, medo, todos tivemos! Mas eu eliminei soldados do PAIGC deliberadamente, porque quis, porque eles eram um obstáculo às missões de que fui incumbido e não apenas porque tivesse medo de morrer. Topas a diferença?
Querido amigo Amilcar Mendes, todos sabemos que em matéria de santos e conforme aludiste no teu post, a coisa é mais ou menos como aquela questão das bruxas. Uns afirmam que as há, eu acho que não! Nem santos, nem meninos de coro nem coitadinhos, como bem referiste.
Aquilo de que tenho a certeza, é que sempre existiram psicopatas. Na sociedade em geral, nas antigas fileiras do PAIGC, como nas das nossas FA's. E esta gentinha, sentindo que por ter uma arma na mão, tinha poder de vida ou de morte sobre população desarmada, particularmente mulheres e crianças, prisioneiros, elementos do IN feridos ou desarmados não constituindo por isso qualquer perigo, fez merda. Da grossa. Não há desculpas que possam justificar estes comportamentos. Nem pode haver indulto. Para eles, manicómio ou tribunal.
Estes bandalhos envergonharam-me e eu isso não perdoo.
De Uzi na mão, um par de colhões e a cabeça no sítio
Estimado ex-camarada; interrogavas-te no teu post se o "Vitor Junqueira quando saía para o mato levava a arma numa mão e a Bíblia na outra". Estás quase lá! Na mão levava a arma, de facto, uma Uzi reluzente de que igual só havia outra na Guiné. Um dia destes vou contar-te a história dessa arma. Mas em vez da Bíblia, levava um par de colhões e o cérebro com que a mãe natureza me dotou.
A propósito de Bíblia, não sei se é lá que vem aquela máxima "não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti". Pois houve alguém que a transformou num regra de ouro com esta redacção " faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem ". Pois acredites ou não, eu consegui convencer o meu pessoal que este preceito era para cumprir à risca.
Olha meu, só te posso dizer que deu um resultadão! Enfrentava-se o perigo com outra alma, não se perderam noites de sono e fazer prisioneiros significava farra, em que eles também participavam. Aos cépticos, posso fornecer prova testemunhal.
Turras... ou antigos adversários, muito simplesmente
E agora, quase no fim e mais uma vez, a questão dos turras. Eu continuo a achar que eram soldados combatentes, ao serviço da sua Pátria que por sinal e naquele tempo era também a minha. Por isso, são-lhes devidos respeito e consideração, tal como exigimos para nós, por parte dos nossos concidadãos e esperamos da parte deles, nossos antigos adversários. Tendo em conta que alguns até se tornaram altos dignitários dessas novas pátrias, como chefes de estado e de governo com quem negociámos, rebaixá-los é o mesmo que rebaixar-nos a nós próprios. Ou estarei enganado?
Aqui como na diplomacia, tem que funcionar o princípio da reciprocidade, sem tergiversões. Já agora ó Amilcar e restante malta, se vos fosse dada a oportunidade, teriam tomates para um dia destes quando o General Nino Vieira vier a Portugal em visita oficial, lhe chamarem turra? Não? Porque é um turra General e Chefe de Estado? Então turras são só os soldados pé-descalço que ele comandou e que ficaram lá longe, a mais de quatro mil km de distância? A quem puder esclarecer-me, ficarei eternamente grato.
No seu post, o Amilcar diz que a História Política não é para ele, mas sim para letrados e iluminados. Mas a dada altura, não resiste à tentação de se intrometer um bocadinho em questões da política interna da Guiné. Diz ele: "Olhem o que está a acontecer na Guiné com a herança do PAIGC".
É claro para mim, que o direito de opinião não pode ser restrito e o Amilcar tem direito à sua. Porém, na qualidade de ex-combatente naquele território, eu pessoalmente acho que não devo pronunciar-me publicamente sobre assuntos internos do país. Por decoro e por prudência!
Wiriamu, meu amigo...
Amílcar, Wiriamu, "quem sabe o que se passou (lá)", perguntas tu. E eu, o que te posso dizer? Vai à Net. Lá encontrarás um número infindável de documentos elaborados por entidades nacionais e internacionais insuspeitas, que te fazem o filme todo daquele tristíssimo e vergonhoso acontecimento. E se quiseres falar com o autor da tragédia, também não será difícil. Bastará dirigires-te ao canal de televisão que há uns meses emitiu uma reportagem sobre o assunto e, estou convicto, que vos porão em contacto.
De homem para homem, não há força de boi
Relativamente a um e-mail que recebi, em que se fala mais uma vez de tropas de elite ou simplesmente especiais, dessas "autênticas máquinas treinadas para matar" em contraposição com a tropa macaca, arre-macho como prefiro chamar-lhes, ouçam o que tenho para vos dizer, se quiserem!
Dizia o meu velho pai, ex-polícia falecido em 2001, que "dois a um, enfiam-lhe uma agulha no cú". Também me ensinou que "de homem a homem, não há força de boi".
Os rambos do cinema americano
O pessoal anda a ver muitos filmes americanos, em que só o que mata que se farta é que tem valor como o dum-dum. Os rambos, criação estadunidense, só existem na tela, ou no dvd. Admito que por contágio deram origem às mais incríveis e ridículas "forças especiais" que por esse mundo proliferam.
Especializadas em quase tudo desde resgates disto e daquilo até intervenções para retirar gatos dos telhados. A juventude, empanturrada anteriormente com os filmes, agora com os jogos de guerra das play stations e quejandas, sente-se atraída e cai no logro. Através de programas de recrutamento astuciosamente elaborados e publicitados, eis que a armadilha se fecha. E ei-los aos milhares, enfiados dentro de body-bags. Será preciso falar deles? Sim, desses que vocês sabem? Que com a tal preparação do outro mundo e uma parafernália inimaginável já têm garantida e averbada, uma estrondosa derrota.
Vencidos por quem? Por gente simples, comum, com a alma a sangrar, um ódio desmedido e um desejo de vingança sem limites. Quanto a armamento, dispõem da astúcia, da velhinha ak 47, de umas engenhocas mais ou menos artesanais e de uns trícles do tamanho de umas meloas! Estes sim, são os rambos que sempre ganharam as guerras.
A todos envolvo num abraço fraterno desejando-vos a continuação de uma boa noite. Espero que tenham a pachorra de me ler dentro de dias, se o Luís quiser, pois espero postar sobre um tema bem mais a meu gosto: putas!!
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 16 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário