terça-feira, 1 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17640: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (10): Págs. 73 a 80

Capa da brochura "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra"

Gabriel Moura

1. Continuação da publicação do trabalho em PDF do nosso camarada Gabriel Moura, "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", enviado ao Blogue por Francisco Gamelas (ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto, 1971/73).


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17625: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (9): Págs. 65 a 72

Guiné 61/74 - P17639: Os nossos passatempos de verão (19): Cantigas de escárnio e mal-dizer, à desgarrada... Parte IV: Loas à Tabanca de Porto Dinheiro, ao peixe seco "gourmet" da ACR da Ventosa do Mar, e à sua futura confraria... (Assim Deus queira e o povo ajude!)


Foto nº 1 > Eduardo Jorge Ferreira e Jaime Bonifácio Marques da Silva


Foto nº 2 > Joaquim Pinto de Carvalho e Belmiro Sardinha


Foto nº 3 > A Dijna e o Picão (cunhado)


Foto nº 4 > Maria do Céu e Alice Carneiro


Foto nº 5 > "Sevilhanas" à sobremesa


Foto nº 6 > O famoso "peixe seco" da Ventosa do Mar


Lourinhã > Ventosa (do Mar) > ACR (Associação Cultural e Recreativa da Ventosa) > 31 de julho de 2017 > 35º aniversário > Tradicional batatada de peixe

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Loas à Tabanca de Porto Dinheiro que se reuniu em 31/7/2017 na ACR da Ventosa do Mar, Lourinhã, convocada pelo régulo Eduardo Jorge Ferreira:


Começa logo à segunda feira
Nossa semana cultural,
C’o Eduardo Jorge Ferreira,
Convocando o tabancal.

Senhor do Porto Dinheiro,
És régulo, e muito amigo,
Da Ventosa ao Vimeiro,
Todos querem... estar contigo!

Hoje há festa na Ventosa,
Viemos cá à batatada,
P’ra comer esta maltosa
Nunca se mostra rogada.

Peixe seco é “gourmet”,
Dizem os duques do Cadaval (*)
Mais os amigos da Guiné,
E os primos do Seixal.(**)

João Duarte (***) se faz eco
Na sua terra natal:
Confraria do peix’ seco
É promessa eleitoral.

É terra maravilhosa,
Com vista de serra e mar,
Quem não conhece a Ventosa,
Nada mais tem p'ra contar.

As tabancas geminadas.
Ventosa e Porto Dinheiro,
Passam a ser celebradas
No nosso cancioneiro.

Muita saúde, longa vida,
Para os nossos tabanqueiros,
Foi uma noite divertida,
Camaradas, companheiros.

O João e a Vilma faltaram,
Com pena de todos nós,
Mas de Dubrovnik mandaram
Beijinhos para todos vós. (****).


Associação Cultural e Recreativa da Ventosa, Lourinhã,
31 de julho de 2017.

Luís Graça, secretário da Tabanca de Porto Dinheiro



(*) Embaixada do Cadaval presidida pelo Joaquim Pinto Carvalho, ilustre jurista da comarca de Lisboa, coadjuvado pelo eborense e ex-combatente na Guiné, Belarmino Sardinha que, do peixe seco, só conhecia o bacalhau (da Noruega) e o carapau (da Nazaré). E ficaram fãs, ele e a esposa, do nosso peixe seco da Lourinhã...

(**) Referência ao grã-tabanqueiro Jaime Bonifácio Marques da Silva, um bravo oficial paraquedista, miliciano, do BCP 21, Angola, 1970/72, mais a sua comitiva do Seixal da Lourinhã.

(***) Presidente do município da Lourinhã, natural da Ventosa, e candidato ao próximo mandato. Teve três irmãos a combater em África.

(****) O casal mais famoso da Tabanca de Porto Dinheiro: ele, luso-americano, conhecido ativista de causas sociais (Gravuras de Foz Coa, autodeterminação de Timor, reabilitação de memória de Aristides Sousa Mendes...) e ela a "princesa" eslovena mais portuguesa e mais querida da América...
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segunda-feira, 31 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17638: Notas de leitura (982): “L’Afrique Étranglée”, por René Dumont e Marie-France Mottin, Éditions du Seuil, 1980 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
René Dumont visita a Guiné-Bissau num período de grande expetativas e ainda quando o país goza de prestígio pelos seus créditos revolucionários. Não esqueçamos que uma das figuras mais eminentes da pedagogia à escala mundial aqui arribou e procurou estimular processos comprovadamente bem-sucedidos de elevação na literacia.
René Dumont já vinha desencantado com o que vira e ouvira noutros países, quando publicou o seu relato, em 1980, todos os seus vaticínios estavam a bater certo, aquelas aspirações de industrialização maciça da Guiné iriam falhar e levar a nova república a um endividamento externo que a mergulhou no desespero. Vale a pena juntar todas estas peças para se perceber que os dirigentes guineenses afinal estavam muito bem avisados de que um país subdesenvolvido não pode gastar à toa sem hipotecar o futuro.

Um abraço do
Mário


L’Afrique Étranglée, por René Dumont e Marie-France Mottin

Beja Santos

“L’Afrique Étranglée”, por René Dumont e Marie-France Mottin, Éditions du Seuil, 1980, foi um dos mais polémicos e debatidos livros do famoso engenheiro agrónomo francês, brilhante ambientalista que um dia até se candidatou às presidenciais francesas.

O que para o caso interessa é que nesse longo périplo chegou à Guiné-Bissau, num período de grandes sonhos e promessas, não gostou do que viu, e o que escreveu, compreende-se, cai mesmo na aceção da África estrangulada, muitíssimos dos problemas da jovem república decorreram de escolhas totalmente imponderadas para um país subdesenvolvido, ainda por cima num tempo em que gozava de uma grande aura de respeitabilidade pelo seu trabalho revolucionário.

Vejamos o que ele escreve sobre a Guiné-Bissau, é direito e brutal, não há frases arrebicadas. Em Bissau, na Primavera de 1979, encontrámos uma pequena burguesia que de modo algum se tinha suicidado (alusão a uma controversa frase de Amílcar Cabral sobre o suicídio da pequena-burguesia, que devia optar por se pôr ao lado dos oprimidos e fugir à tentação das benesses de classe, meio caminho andado para liquidar o movimento revolucionário, detém os postos da administração e o essencial do poder, porque é a única classe capaz de fazer funcionar os mecanismos do Estado e que se pretende “moderna”. Herdou dos portugueses o que se pode chamar uma “não-colónia”, sem indústrias para além de 23 destilarias semi-artesanais.

Ofereceram a esta Guiné-Bissau, de todos os quadrantes, os equipamentos mais modernos e os menos apropriados para a situação real do país, carente de capitais e de técnicos mas cheia de mão-de-obra pouco qualificada. Os sete projetos industriais aprovados entre 1976-1979 previam investir 12 milhões de dólares para criar somente 373 empregos, algo como 32 mil dólares por cada emprego criado. Cometeram-se depois erros monumentais ao ponto de parecerem suscetíveis de comprometer grandemente o futuro económico e a política de independência deste modestíssimo país. Venderam-lhe um projeto verdadeiramente demencial. No Cumeré, não muito longe de Bissau, instalaram um enorme equipamento para o descasque de arroz. Este projeto aumenta todos os encargos e está condenado à falência, veja-se o que se passou na Costa do Marfim. Neste complexo do Cumeré propõe-se descascar a quase totalidade do amendoim produzido no país para o transformar em óleo refinado e outros produtos para exportação. Ora esta concentração irá obrigar a transportes muito dispendiosos do amendoim num país que não possui viaturas nem estradas, fatalmente que irão aumentar todos os preços de revenda. Este projeto do Cumeré é um desastre em perspetiva para a economia agrícola e para o desenvolvimento do país.

No Gambiel, um projeto gigantesco de cana-de-açúcar fala na produção de 60 mil toneladas de açúcar por ano, foi felizmente abandonado. O projeto em curso da realização de 10 mil toneladas de açúcar ainda nos parece excessivo, pois deverá custar em 1979 (depois dos preços aumentarem) 35 milhões de dólares, ou seja, 3500 dólares por tonelada prevista de açúcar! Só a barragem de irrigação teria um custo de 5 milhões de dólares. Os 27 hectares de cana plantada em 1979 já estão a suscitar problemas de gestão e pergunta-se o que irá acontecer com os 1500 hectares previstos. Os solos serão verdadeiramente aptos para a irrigação? Também criticámos a rede de arroz de sequeiro em Contuboel, em terrenos que nos parecem muito arenosos e desadequados à orizicultura.

A manter-se este tipo de projetos, os camponeses correm o risco de serem atraídos para Bissau que beneficia, face ao conjunto do país, de vantagens substanciais: Bissau consome já seis vezes mais eletricidade que o resto do país.

Depois René Dumont exalta as capacidades de trabalho dos Balantas e volta aos riscos gravíssimos de uma industrialização pesada que levará ao desastre, cita uma nota sobre a estratégia de desenvolvimento industrial na Guiné-Bissau da autoria de Ladislau Dowbor em que este chamou oportunamente à atenção para o facto da indústria ser um processo custoso que exige ritmos muito elevados de rotação que podem muito mais facilmente desequilibrar do que dinamizar uma economia. A Guiné-Bissau teve a oportunidade de não ter herdado um setor industrial virado para a exportação ou para as necessidades menos prementes do seu mercado interno. Se acaso se vierem a estabelecer grandes unidades dispendiosas, como aquelas que foram atrás referidas, vai-se construir uma economia de cima para baixo e as atividades agrícolas terão de se adaptar, o que vai conduzir a um desastre. Todas essas fábricas exigem infraestruturas económicas, financeiras, técnicas, estradas, portos, uma pujante rede comercial: isso existe em Dakar, não em Bissau. Dowbor recomenda que haja uma estratégia judiciosa para se multiplicarem pequenas instalações pelo país, será o modo melhor estruturado para elevar o nível tecnológico geral capaz de operar um processo de industrialização mais dinâmico. Se for assim, as povoações ficarão equipadas de pequenas máquinas para descascar o amendoim e poder-se-á usar tanto a tração animal como a motor. Virá a seguir a indústria têxtil para utilizar o algodão. Os relatórios apontam para as grandes possibilidades associadas à pesca, seria interessante que o governo ponderasse empresas mistas suscetíveis de trazerem divisas e um abastecimento barato de proteína para o mercado interno. O mesmo se poderá dizer de um estratégia florestal muito acompanhada de perto e que não deverá obedecer à lógica pura do lucro, só interessada em desbastes sem reflorestamento.

O tempo veio dar razão às piores previsões de René Dumont.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17626: Notas de leitura (981): Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009, Lema: a força sem discernimento colapsa sob o seu próprio peso (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17637: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (10): Págs. 89 a 97 (Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto)


1. Fim da publicação do livro "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é hoje", da autoria do 2.º Sargento António dos Anjos, 1937, Tipografia Académica, Bragança, enviado ao Blogue pelo nosso camarada Alberto Nascimento (ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 84 (Bambadinca, 1961/63) que se estendeu por 10 postes. Vd. ligações no rodapés deste poste.
Os nossos renovados agradecimentos ao camarada Alberto Nascimento por ter feito chegar até nós este precioso documento. 


(FIM)
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Nota do editor

Vd. postes da série de:

29 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17523: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (1): Até à pág. 14 (Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto)

3 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17538: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (2): Págs. 15 a 23 (Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto)

6 de Julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17551: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (3): Págs. 24 a 32 (Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto)

10 de Julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17564: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (4): Págs. 33 a 42 (Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto)

13 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17576: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (5): Págs. 43 a 51 (Alberto Nascimento, ex-Sold. Cond. Auto da CCAÇ 84, 1961/63)

17 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17590: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (6): Págs. 52 a 60 (Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto)

20 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17603: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (7): Págs. 61 a 69 (Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto)

24 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17613: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (8): Págs. 70 a 79 (Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto)

27 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17622: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (9): Págs. 80 a 88 (Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto)

Guiné 61/74 - P17636: Lembrete (24): Hoje há uma mesa reservada para os amigos e camaradas da Tabanca de Porto Dinheiro, na ACR da Ventosa do Mar, Lourinhã, para o jantar da tradicional batatada de peixe seco... Dois lugares, simbólicos, serão os do par luso-americano-esloveno João e Vilma Crisóstomo que de Dubrovnik nos mandam um alfabravo fraterno (Eduardo Jorge Ferreira, o régulo)

1. Mensagem do João Crisóstomo, com data de ontem:


Meus caros,

Não posso negar que tenho raiva de não poder estar aí com vocês (*): quando eu era miúdo ajudei muitas vezes os meus pais e manas (eram nove) a secar o chicharro e depois tinha de ficar em cima do telhado a enxotar as moscas. (Nove raparigas e um rapaz... e como tal esse trabalho de espantar as moscas cabia-me a mim!).

Quem me dera pois poder estar aí com vocês para os ouvir e compartilhar as vossas memórias também... Mas não pode ser. Vou a Portugal em meados de Agosto, mas agora não dá; a minha Vilma decidiu que era tempo de conhecer Dubrovnik, onde cheguei ontem. Tomamos um interregno das nossas férias em Brestanica, na Eslovénia ( Brestanica é uma pequena cidade vizinha, a 6 quilómetros de Sevnica, terra da “famosa” Melania Trump, em frente de cuja casa ainda passei há dois dias…).

Bom, embora com raiva, atenuada pelas circunstâncias de não me poder queixar do lugar onde estou, aqui vai o meu grande abraço para todos vocês.

Até uma outra ocasião… com a minha eslovena Vilma que alinha sempre para estas coisas portuguesas como se em Portugal tivesse nascido... (**)

João Crisóstomo


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17624: Convívios (819): Estão convocados os camaradas e amigos da Tabanca de Porto Dinheiro para atacar a monumental "batatada tradicional de peixe seco" no dia 31 de julho, segunda feira, com concentração por volta das 19h, na Associação Cultural e Recreativa da Ventosa (do Mar), Lourinhã.... E, já agora, sabem porque é que as tropas de Junot perderem a batalha do Vimeiro em 1808 ? É porque não sabiam que o peixe seco da Lourinhã era um produto "gourmet"... (Eduardo Jorge Ferreira, o régulo)

(**) Último poste da série > 8 de julho de 2017  Guiné 61/74 - P17557: Lembrete (23): Hoje, sábado, na Tabanca dos Melros (Fânzeres, Gondomar), apresentação do II volume do livro do José Ferreira, "Memórias Boas da Minha Guerra"... Daqui a um bocado, às 10h30, que de manhã é que se começa o dia... E como prenda o autor deixa aqui, em reedição, mais um dos seus microcontos, e que, não é por acaso, tem a ver com o tema da atualidade (do nosso blogue...), o Serviço Postal Militar (SPM), e as suas pequenas misérias e grandezas, já depois do 25 de Abril, no rescaldo da guerra colonial

Guiné 61/74 - P17635: Os nossos passatempos de verão (18): Cantigas de escárnio e mal-dizer, à desgarrada... Parte III: Maria, minha cachopa (Luís Henriques, 1920-2012)

1. Estas são do meu pai, meu velho, meu camarada: 
Luís Henriques (1920-2012), ex-1º Cabo nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5, Caldas da Rainha.

Esteve 26 meses "desterrado" em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, Lazareto, de julho de 1941 a setembro de 1943.

Escrevia vinte e tal cartas por semana, em nome dos muitos camaradas do seu pelotão e da sua companhia que não sabiam ler nem escrever. Eram todos oriundos da Estremadura, Oeste.

Maria, minha cachopa

por Luís Henriques



Desterrado nesta terra,
A saudade me consome,
Que Deus nos livre da guerra,
Já nos basta a sede e a fome.

Estou farto de engolir pó,
Nesta ilha abandonada,
Mas sinto-me menos só,
Quando penso em ti, minha amada.

Maria, minha cachopa,
Não me sais do pensamento,
Logo que eu saia da tropa,
Vou pedir-te em casamento.

Luís Henriques (c. 1942)

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Guiné 61/74 - P17634: Os nossos passatempos de verão (17): Cantigas de escárnio e mal-dizer, à desgarrada... Parte II: Carta de amor (José Teixeira)

1. Resposta do nosso camarada José Teixeira ao nosso repto (*)



Carta de amor

por José Teixeira


Duas horas esperei,
Confiado em te ver,
Não me amas, eu bem o sei,
És a razão do meu viver.

Tens uma bela flor no peito,
A rosa que não colhi,
Tens um corpo tão bem feito,
Mais bonito, eu não vi.

Meu coração bate tanto
Quando te vê a passar,
És para mim o encanto
Que dá força para te amar.

A tua boca de riso
Dá-te um ar assim tão belo,
É tudo quanto preciso
Para nutrir amor singelo.


Teu coração é um jardim
Que está cheio de flores,
Um canteiro de jasmins
Onde afogo meus amores.

José Teixeira

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Nota do editor:

(*) Vd. Último poste da série > 30 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17632: Os nossos passatempos de verão (16): Cantigas de escárnio e mal-dizer, à desgarrada... Parte I: A amazona (Luís Graça)


(...)  Quadras populares, de sete métricas, quem não as sabe fazer? 

À desgarrada, dá mais pica. Mandem-nas para a nossa caixa do correio ou para a caixa de comentários deste poste, que a gente publica no blogue em próximo poste.
Venham daí os poetas populares. Só é preciso ter graça, serve. humor, mais negro ou mais amarelo, tanto faz... Ou esverdeado, ou avermelhado, das cores da nossa bandeira desbotada. É preciso animar a caserna, vazia, no verão.

Mandem quadras, mandem fotos. A única restrição já sabem qual é: no blogue da Tabanca Grande não se fala de política, futebol e religião... nem de incêndios. Quando o último eucalipto deste país arder, despeçam o último bombeiro, por extinção do posto de trabalho.

Os ex-combatentes da Guiné andaram 13 anos a apagar fogos, sem honras de exposição mediática (contrariamente, ao que acontece hoje aos incêndios florestais e aos seus incendiários). Hoje, eles, ex-combatentes, estão à espera do merecido descanso, não no panteão nacional, porque eles merecem muito mais e melhor: a Tabanca Grande. (...) 

Guiné 61/74 - P17633: Parabéns a você (1291): Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil Cav da CCAV 8350 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de > Guiné 61/74 - P17630: Parabéns a você (1290): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico do BCAÇ 2930 (Guiné, 1970/72); Júlio Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando - Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66) e Victor Tavares, ex-1.º Cabo Caçador Paraquedista da CCP 121 (Guiné, 1972/74)

domingo, 30 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17632: Os nossos passatempos de verão (16): Cantigas de escárnio e mal-dizer, à desgarrada... Parte I: A amazona (Luís Graça)


Lourinhã, Praia da Areia Branca, 29 de julho de 2017 > Horse Model Beach

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1.  Amazona (*)

por Luís Graça

Alto lá e pára o baile.
Isso não é valsa nem fandango,
De salto alto e xaile,
Nunca vi dançar o tango.

Sou do tempo do baile mandado,
E do povo de pé descalço,
Quando passou a andar calçado,
Ai!, os caules, ai!, o percalço.

De bota e alto tacão,
Tu não entras na bolanha,
Vai atrás o capitão,
Leva a senha e a contra-senha.

(*) Do grego, a + mazon, "sem peito": mulher guerreira que cortava um dos seios, para a cavalo, melhor manejar (e atirar a matar com) o seu arco e flecha...

2. Amigos e camaradas: o mote está lançado. 

Quadras populares, de sete métricas, quem não as sabe fazer?!... Ou quem é que não fez na escola, na tropa e na guerra?!

À desgarrada, dá mais pica. Mandem-nas para a nossa caixa do correio ou para a caixa de comentários deste poste, que a gente publica no blogue em próximo poste. 

Venham daí os poetas populares. Só é preciso ter graça, verve, humor, mais negro ou mais amarelo, tanto faz... Ou esverdeado, ou avermelhado, das cores da nossa bandeira desbotada. É preciso animar a caserna, vazia, no verão, é preciso animar a malta...

Mandem quadras, mandem fotos. A única restrição já sabem qual é: no blogue da Tabanca Grande não se fala de política, futebol e religião... nem de incêndios. Quando o último eucalipto deste país arder, despeçam o último bombeiro, por extinção do posto de trabalho. 

Os ex-combatentes da Guiné andaram 13 anos a apagar fogos, sem honras de exposição mediática (contrariamente, ao que acontece hoje aos incêndios florestais e aos seus incendiários). Hoje, eles, ex-combatentes,  estão à espera do merecido descanso, não no panteão nacional, porque eles merecem muito mais e melhor: a Tabanca Grande...

Boas férias de verão.
Os editores
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Último poste da série > 21 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16509: Os nossos passatempos de verão (15): jardim e miradouro do Torel, na colina de Santana, em Lisboa, simplesmente uma das mais belas e amigáveis cidades do mundo

Guiné 61/74 - P17631: Blogpoesia (522): "Pedras velhas ressequidas..."; "Cavalos à chuva..." e "Retrocessos no tempo", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Tapada Nacional de Mafra
Com a devida vénia a Tapada de Mafra


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Pedras velhas, ressequidas...

Pedras velhas, ressequidas,
umas sobre as outras, encasteladas,
fazem de muro alto,...
sempre à volta da Tapada.
Tantas histórias têm
para contar a quem passa por elas.
Pus-me a contá-las.
Cada pedrinha uma história.
Uma a uma, de quem ali a pôs,
nas jornadas de sol a sol,
por ordem expressa do marquês.
Só comia pão e caldo,
era a paga do freguês.
E o trabalho foi tão bem feito,
sem cimento nem argamassa,
só com terra,
resistiram tantos anos,
vestidas de musgo seco.
Uma linda obra que se vê
e está ali para durar
se ninguém a destroçar...

Mafra, 26 de Julho de 2017
7h35m
Dia cinzento a clarear
Jlmg

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Cavalos à chuva…

Cavalos à chuva, indiferentes,
Voam no tempo,
Sem asas, de patas no chão.
Pode chover e ventar.
Robustos, aguentam a carga da vida,
Impávidos, serenos.
Mascam a palha, seca ou molhada.
Meneiam as crinas
E agitam as caudas, sacudindo as moscas macabras.
Fazem corridas, por vezes.
Parecem uns putos.
Rebolam no chão, coçando a pele.
Só não batem as palmas.
Dão coices valentes
Quando lhes pisam os calos.
Meigos e ternos, os machos disputam as fêmeas, com cio nos dentes.
Bailam e dançam quando lhes nascem as crias.
Vivem em cheio os cavalos à chuva mas dormem de pé…

Mafra, 28 de Julho de 2017
7h45m
Neblina molhada
Jlmg

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Retrocessos no tempo

Não há retrocessos no tempo.
O passado não volta por mais que se puxe.
A marcha prossegue rumo a um futuro sem termo.
O futuro que existe morre no momento que passa
Como no estuário o rio.
A semente precisa do tempo para se converter em planta.
A saudade desconhece o futuro e só balança entre o presente e o passado.
Quem vive o presente sem pensar no futuro arrisca-se a chorar o presente.
A história ilumina o passado e ajuda a prever o futuro.
Chora-se os erros passados para evitar os futuros.

Mafra, 30 de Julho de 2017
7h7m
Amanhecer cinzento
Jlmg
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Nota d editor

Último poste da série de 23 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17612: Blogpoesia (521): "Uma leve neblina encobre o mar..."; "Cabelos ao vento desgrenhados..." e Aragens de vento...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17630: Parabéns a você (1290): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico do BCAÇ 2930 (Guiné, 1970/72); Júlio Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando - Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66) e Victor Tavares, ex-1.º Cabo Caçador Paraquedista da CCP 121 (Guiné, 1972/74)



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Nota do editor

Último poste da série de 19 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17599: Parabéns a você (1289): Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e da CART 2732 (Guiné, 1970/72) e João Santos, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2852 (Guiné, 1968/70)

sábado, 29 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17629: O nosso livro de visitas (192): O meu pai, José Manuel Teixeira Rodrigues, esteve no Saltinho, na CCAÇ 2701, 1970/72. Está hoje reformado, na sua casa em Cerdal, Valença do Minho. Eu nasci e vivo em França, há 42 anos, escrevo mal o português. Mas gostaria de partilhar fotos do álbum do meu pai e saber mais sobre a história das nossas origens (Adolfo Manuel Teixeira Rodrigues)


Guiné > Zona leste > Saltinho >  Ponte do Saltinho... Militares da CCAÇ 12 que acabavam de chegar, em coluna logística, oriunda de Bambadinca... Presumo que a foto de seja do 3º ou 4º trimestre de 1969... Em primeiro plano, à esquerda, de costas, o Humberto Reis com 1º cabo, do seu 2º Gr Comb, o "Alfredo"... Mais à frente, à direita, também de costas, mas assinaldo com um círculo a vermelho, o nosso edditor, Luís Graça...Como se vê na foto, não havia na altura nem cavalos de frisa,. nem postos de sentinela, nem ninhos de metralhadora, nos topos da ponte...

A CCAÇ 12 fez segurança à coluna  que levou o pessoal da CCAª 2701, do Xime até Saltinho.


Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Editada e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]


1. Mensagem do nosso leitor Adolfo Manuel Teixeira Rodrigues, que vive em França e é filho de um camarada nosso, de Valença do Minho:

Data - 21/0772017


Senior Luis Graça,

Encontrei eu seu blogo por hasar, a porcura de informaçaos sobre a historia do Ultramar Portugues, que nao conheco, Tenho 42 anos, sou filho de immigrante portugues, narci e estao vivendo em França.

O meu pai, José Manuel TEIXEIRA Rodrigues, estive na Guinè em 70-72, na regiao do Saltinho, me recordo de ver este emblema, que vi no seu blogo, na nossa casa, em Portugal, (Cerdal, Valença do Minho 4930) :



O meu pai esta hoje na reforma em Portugal, e eu a muito anos que gostaria conhecer a historia das nossas origem, mas commo vocé pode ver, na sei muito bem escriver Portugues, pesso desculpa por as faltas, e em frança os livros sobre a Guinè, nao a grande coisa. Ja falei o meu pai do sei blogo, e com a autorisaçao de ele, temos muitas fotografias de esse tempo em casa, do Barco no porto de Lisboa as fotografias da Ponte do Saltinho e tembem do meu pai.

Cumprimentos
Adolfo Manuel TEIXEIRA Rodrigues


2. Comentário do nosso editor Luís Graça:


Obrigado, amigo, pelo seu contacto. Sendo filho de um camarada nosso, nosso filho é também.

Temos cerca de 3 dezenas de referências sobre a CCAÇ 2701, a companhia que julgamos ter sido a do seu pai. Temos alguns camaradas dessa companhia, ou que passaram pelo Saltinho, nesse período.

Pode dar ao seu pai estas referências:


Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72): vive hoje em Esposende;

Carmelino Cardoso, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 2701/BCAÇ 2912 (Saltinho) e QG (Bissau, 1970/72);

Paulo Santiago (ex-Alf Mil At Inf do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72) (,vive em Águeda).

Há mais referências a camaradas desta companhia: por exemplo, o capitão Carlos Clemente, hoje coronel; o sold Tony Tavares,do 4º pelotão; o ex-alf Martins Julião, que chegou a comandar a companhia na ausência co capitão... O Martins Julião é hoje empresário em Oliveira de Azeméis.

Adolfo, teremos todo o gosto em publicar fotos do álbum do seu pai, e apresentá-lo ao resto dos camaradas e amigos que compõem a nossa Tabanca Grande. Estamos a caminho dos 750!... SE ele nõ tiver endereço de correio eletrónico, podemos usar o seu.

Louvamos o seu esforço em falar e escrever a língua dos seus antepassados e procurar saber mais sobre a história desta guerra e a ida do seu pai para a Guiné.

Não corrigimos, sequer, a sua mensagem. É publicada na íntegra, tal como a enviou. Infelizmente os nossos governos (os de Portugal e os da França) nunca deram o devido apoio ao ensino das línguas das suas comunidades migrantes. Há um milhão de portugueses e de descendentes de portugueses em França. Quantos falarão e escreverão corretamente o português ?

Esteja à vontade para nos volar em contactar. Também é uma forma de treinar o seu português,uma língua que tem 250 milhões de falantes em todo o mundo.

Muita saúde e felicidades. Um grande alfabravo (ABraço) para si e para o seu pai.

PS - Diga ao seu pai que eu ainda conheci a sua companhia, a CCAÇ 2701. Aliás, fomos nós, a "africana" CCAÇ 12 (Bambadinca, junho de 1969/março de 1971), a dois grupos de combate, quem, em maio de 1970, fez uma coluna logística, de Bambadinca ao Saltinho, escoltando os "periquitos" da CCAÇ 2701 e levando reabastecimentos até ao local de destino.

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Guiné 61/74 - P17628: Historiografia da presença portuguesa em África (83): Um testemunho sobre a deportação de Abdul Indjai em 1919 (Mário Beja Santos)

Abdul Injai
Foto editada


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
O Gabinete de Património Histórico da Caixa Geral de Depósitos possui todo o riquíssimo arquivo do BNU. Por ali ando, a ler relatórios e documentação avulsa, nesta primeira fase circunscrito a agência de Bolama.
Esta agência entrou em funções em 1903 e funcionou até ao fim da capital em Bolama, 1941. A documentação que eu tenho consultado começa na I Guerra Mundial, e presta-se a vários tipos de surpresas. O que há de mais surpreendente é, sobretudo na fase em que a agência de Bolama corresponde a um período vigoroso da vida da capital e do seu comércio, as apreciações por vezes chocantes do gerente, não no relatório mas num anexo, é de admitir que fosse para leitura confidencial, no topo da administração em Lisboa, esta devia autorizar o uso de terminologia quase bombástica ao relator.
E este ofício com informação sobre a deportação de Abdul Injai é uma bela peça, é com muito orgulho que vos apresento o seu teor.

Um abraço do
Mário


Sobre a deportação de Abdul Injai em 1919, um testemunho

Beja Santos

A minha mais recente investigação dá-me imensas satisfações, junto tudo o que posso e o que de pertinente encontro escrito a partir da agência em Bolama do BNU, asseguro-vos que há para ali documentação relevante, necessariamente para ser compulsada com outras fontes documentais.

Há um ponto enigmático do funcionamento daqueles relatórios para o qual ainda não encontrei justificação plausível. O gerente prepara um copioso relatório que descreve o ano financeiro, as letras protestadas, os créditos, o dinheiro estrangeiro, o mais que se sabe. Findo este documento segue-se um anexo onde por vezes encontramos comentários chocantes, frases desbocadas, apreciações eminentemente políticas. Devia haver um protocolo interno em que a administração em Lisboa solicitava comentários discretos ao gerentes, seria uma forma dos decisores, ao nível do topo da administração, conhecerem, caso a caso, o que corria bem e mal na colónia, tinha ali materiais para previsão, especulo eu.


Aqui há uns dias foi lançado um mote sobre o mais que controverso Abdul Indjai, cada um de nós deu as suas razões. Pois nas minhas andanças acabo de encontrar com data de 25 de Agosto de 1919 um documento dirigido a Lisboa, tendo como assunto “Guerras”. Vejamos o teor do ofício enviado pelo gerente:
“Tendo-se revelado o régulo Abdul Indjai da região do Oio, foi batido pelas forças do governo e aprisionado bem como os seus conselheiros. Estão já em Bolama.
Este régulo era um dos de mais prestígio na Guiné e de nomeada pelos atos de banditismo praticados, que se estendiam até dentro do território das colónias estrangeiras fronteiras à nossa, o que em tempos deu lugar a reclamações diplomáticas por parte dos governos francês e inglês. Há anos que foi batido e deportado para S. Tomé, conseguiu, quando passou por ali em viagem às colónias o falecido Príncipe Real D. Luís Filipe, ser indultado, regressando à Guiné.
Quando das operações levadas a efeito para bater os papéis o governo utilizou os seus serviços, tendo desempenhado então papel preponderante e exercendo todos os excessos sobre os vencidos e pilhando algumas milhares de cabeças de gado.
Acabada a campanha não se julgou suficientemente pago, ficou com armas e vinha de exigência em exigência rebelando-se contra o governo. Dotado de grande astúcia e muito inteligente, chegou a impor ao governo que lhe fosse dada uma percentagem sobre todo o imposto de palhota cobrado atualmente nas regiões que ele ajudou a bater, substituição de oficiais e sargentos em determinados postos e ainda outras exigências. Ultimamente preparava-se para tomar Farim e vir até Bissau. O comércio estava já temendo que com ele fizessem causa outros régulos, quando numa feliz operação foi cercado e aprisionado. Morreu um alferes e algumas praças indígenas.
Da parte dos rebeldes houve algumas centenas de mortes não só devido aos tiros da artilharia como ao corte de cabeças feitos pelos auxiliares e pelo gentio que vinha sofrendo os rigores da gente do régulo preso. 
Depois deste feliz resultado desenhou-se porém um certo movimento político contra o governador, capitaneado segundo dizem pelo Major Médico Francisco Regala, que faz serviço em Bissau, que veio aqui, levando alguns membros do Conselho do Governo a votarem contra a expulsão da colónia, do régulo, e ser antes submetido a julgamento dos tribunais. Este julgamento seria demoradíssimo e talvez impossível pela dificuldade de se cumprirem determinadas formalidades judiciais, parecendo que havia só o intuito de protelar a questão com fins políticos. O certo é que o Conselho em sessão consultiva votou por maioria que fosse entregue aos tribunais e não expulso. Este facto causou certo alarme entre o comércio pois a permanência na província do prisioneiro era certamente a repetição dos factos ocorridos e um incitamento para outros régulos.
Hoje reuniu de novo o Conselho do Governo em sessão deliberativa, e talvez porque alguns chefes de serviço reconhecessem o caminho errado que iam seguindo com politiquices contra o governador, acompanharam os vogais eleitos votando por maioria a expulsão da colónia por 10 anos, máximo período que a carta orgânica permite, fixando-lhe para cumprimento do desterro, por proposta do Governador, a ilha da Madeira”.

Em rigor, Abdul Injai parte para Cabo Verde e ensaia a sua defesa, adoece e ali morre, nunca chegou a ir à ilha da Madeira. Este testemunho evidencia os excessos a que se entregou um homem que foi figura determinante nas campanhas de Teixeira Pinto, acirrou ódios nas populações, intimidou a administração, inquietou os comerciantes, ficou literalmente só como qualquer tirano descontrolado. Um testemunho destes vale pelo que vale, nunca pode ser tomado como verdade axiomática, há que comparar, envolver outros testemunhos até encontrar a resposta mais imparcial possível, com base no juízo crítico do cientista social. É assim que se faz a História.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17609: Historiografia da presença portuguesa em África (82): o caso de Abdul Injai: "Roma não paga a traidores" (António J. Pereira da Costa).... "mas Lisboa e Paris também não" (Cherno Baldé)... Ainda comentários de Hélder Sousa, Mário Beja Santos e Nuno Rubim

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17627: Agenda cultural (576): Montemor o Novo, Biblioteca Municipal, Clube de Leitura, ciclo temático "A guerra colonial", 2ª sessão: "África na Literatura Portuguesa - Um tema de uma geração", por Carlos Matos Gomes, 4 de agosto, às 18h00. Entrada livre, aberta e incentivada à participação de todos/as.


Cartaz do evento

1.  Com pedido de divulgação, em 25 do corrente, por parte da  técnica responsável da biblioteca municipal de Montemor o Novo:


No próximo dia 04 de Agosto às 18h00, o Clube de Leitura da Biblioteca Municipal Almeida Faria, Montemor-o-Novo, realizará a sua segunda sessão integrada num ciclo de leitura e debate com pano de fundo a "Guerra Colonial" na Literatura Portuguesa".

Esta sessão terá a apresentação do Coronel Carlos Matos Gomes que, a partir de "Nó Cego", abordará "África na Literatura Portuguesa - Um tema de uma geração".

A sessão tem entrada livre, aberta e incentivada à participação de membros e não membros do Clube de Leitura.

Segue em anexo cartaz da sessão.

Com os melhores cumprimentos,

Liliana Pincante
Biblioteca Municipal Almeida Faria

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17597: Agenda cultural (575): Leiria, Biblioteca Municipal, sarau literário, comemorativo dos 100 anos do nascimento do capitão e escritor Manuel Ferreira (1917-1992)

Guiné 61/74 - P17626: Notas de leitura (981): Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009, Lema: a força sem discernimento colapsa sob o seu próprio peso (2) (Mário Beja Santos)

Tagme Na Waie e Nino Vieira


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,

Deve-se à Liga Guineense dos Direitos Humanos um labor sem precedentes na análise e no protesto às violações dos direitos humanos no país, e no seu mais vasto ecrã.

Reservámos para esta resenha as suas chamadas de atenção para devastadores crimes ambientais, como sejam os turvos negócios que permitiram um grupo de chineses desflorestar no Sul do país com total impunidade e a criação de um corredor aberto ilegalmente na zona que liga o futuro porto de Buba à estrada Buba-Fulacunda, outra violação miserável. Mais adiante, o relatório da Liga referente a este período chama atenção para o papel quase ditatorial das forças de Defesa e de Segurança que, conforme escreve a Liga, constituiu o principal óbice à sua conversão em forças republicanas.

Um abraço do
Mário


Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009, 
Lema: a força sem discernimento colapsa sobre o seu próprio peso (2)

Beja Santos

Trata-se de um importantíssimo relatório onde se analisa o largo espectro dos direitos humanos, incluindo aqueles que se prendem com a inclusão social, tipo educação, saúde e emprego. Referimos no texto anterior os domínios que têm a ver com a antidemocracia decorrente do poder das Forças Armadas que subvertem a vida das instituições democráticas. No período em análise ocorreram o assassinato de um Presidente da República, um Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, houve prisões arbitrárias, torturas, uma completa deriva dos poderes regionais, como é o caso da região do Oio onde os N’Kumans detiveram ilegitimamente o poder, perpetrando toda a casta de furtos, espancamentos e intimidações.

Os crimes ambientais são uma outra vertente que o relatório contempla. No ano 2009 assistiu-se a um escândalo de corte ilegal e desenfreado de madeiras provocado por um grupo de chineses, na zona sul do país, com o único propósito de exportar a madeira para a China, facto que mereceu uma reação dos populares e de alguns deputados eleitos naquela zona; contudo, apurou-se que os chineses atuavam naquela zona a coberto de uma ordem superior em troca de interesses fictícios e de duvidosa legalidade.

Caso de extrema gravidade é o da demarcação de cerca de 25 hectares de terreno pela empresa Bauxite Angola, no Sul do país, com o único propósito de abrir uma estrada em direção ao local onde supostamente irá ser construído o futuro porto de Buba. A abertura desta via de acesso não teve estudo prévio e decorre à revelia dos departamentos do Estado. O mais grave de tudo é que esta zona é reconhecida internacionalmente como uma área protegida denominada RAMSAR, zona protegida das lagoas de Cufada. A empresa angolana procedeu a derrubes desenfreados de milhares de árvores nesta zona protegida. Esta mesma empresa contratou uma sua congénere brasileira para fazer o estudo do impacte ambiental sem ter havido um contrato definitivo com o Estado guineense que espelhasse de forma clara as modalidades e a forma como devia ser conduzida o estudo. Aqui se pode avaliar como o Estado é frágil, não se consultaram previamente as entidades estatais competentes, caso do IBAD, encarregado de gerir o Parque Natural das Lagoas de Cufada, dentro do qual se pretende construir o futuro porto.

 Parque Natural das Lagoas de Cufada

Passando para outro domínio, o funcionamento das instituições democráticas, escreve-se que o desempenho dos órgãos de soberania ao longo deste período ficou caraterizado pela desconfiança, falta de coabitação e primazia de interesses pessoais sobre os interesses institucionais. O princípio da complementaridade institucional, fundado na interdependência dos referidos órgãos não foi observado. O Presidente da República tentou controlar o governo e impor controlo político na administração do aparelho de Estado – esta pretensão esteve na origem do derrube do primeiro governo de Carlos Gomes Júnior, em 2005. Com o termo do mandato do governo em Abril de 2008, o presidente da República foi obrigado a anunciar ao parlamento a necessidade da adoção de medidas para evitar o vazio institucional. A Assembleia Nacional Popular aprovou a Lei Constitucional Excecional e Transitória, em 16 de Abril de 2008, com o objetivo de prorrogar a legislatura e o funcionamento regular e pleno da Assembleia e continuidade do governo do Pacto de Estabilidade liderado pelo Engenheiro Martinho N’Dafa Kabi. Um grupo de deputados submeteu ao Supremo Tribunal de Justiça uma ação de pedido de inconstitucionalidade, e o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que a prorrogação da legislatura não era razoável, fazendo ocorrer o perigo de uma transição constitucional sem eleições legislativas. Com base nesta decisão, o Presidente da República dissolveu a Assembleia, demitiu o governo de Martinho N’Dafa Kabi e nomeou Carlos Correia como novo primeiro-ministro, que liderou o governo de gestão até às eleições legislativas de 2008, ganhas pelo PAIGC. Esta queda de governo inaugurou o corte de relações entre Nino Vieira e Tagme Na Waie. Os dois tinham estado em concertação permanente depois do conflito político-militar de 1998-1999, mesmo estando Nino Vieira com o estatuto de exilado político em Portugal. A perda de Tagme Na Waie como aliado foi um rude golpe para o Presidente. A desconfiança foi de tal ordem que Nino Vieira preferiu recrutar os elementos das milícias, que ficaram conhecidos pelo nome de “aguentas” para lhe servirem de segurança pessoal.


Carlos Gomes Junior


Martinho N'Dafa Kabi

A vitória das legislativas de 2008 pelo PAIGC abriu uma nova luta desenfreada sobre o controlo do poder entre Nino, Carlos Gomes Júnior e Tagme Na Waie, tornaram-se em antagonismos pessoais, a coabitação desequilibrou-se profundamente. Segundo o relatório, o combate ao narcotráfico agudizava a referida relação triangular na medida em que a determinação e predisposição dos três não eram convergentes. A sociedade civil ia reclamando que se adotassem mecanismos eficazes com vista a assegurar a neutralidade das Forças Armadas na vida política.

No que respeita à Assembleia Nacional Popular, este órgão não foi além de empreender esforços para viabilizar diplomas e resoluções em benefício da classe parlamentar e político-partidária. No entender da Liga, o funcionamento da ANP reflete a imagem real da classe política, caraterizada pela falta de ideologias. Os partidos políticos carecem de democracia interna, marcada pelo não funcionamento dos órgãos dirigentes dos partidos, não realização de congressos, partidos unipessoais que se resumem apenas à figura do líder, partidos sem sede e estruturas nacionais. Quanto às iniciativas orientadas para uma verdadeira reconciliação nacional, observa a Liga que esta precisa de um processo preparatório bem pensado e consistente para construir a confiança entre os atores envolvidos, abertura ao diálogo, respeito pela minoria, compromisso com a verdade e determinação contra a impunidade.

E o que se escreve sobre as forças de Defesa e Segurança é também de uma grande importância. Lembra-se neste relatório que estas forças surgiram muito antes da proclamação da independência, são património da luta de libertação nacional, foram concebidas como braço armado de uma luta política e militar de libertação nacional. Pois bem, esta politização perdurou formalmente até 1991, data em que através de revisão constitucional se pôs fim ao regime de partido único. Mas como diz a Liga, a matriz formal destas forças de Defesa e Segurança sobrevive sustentada pelos argumentos de que foram os promotores de independência e conseguintemente têm a responsabilidade histórica de imprimir um determinado rumo ao país. É esta visão que justifica as várias interferências de tais forças na vida política e constitui o principal óbice à sua conversão em forças republicanas.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17614: Notas de leitura (980): Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009, Lema: a força sem discernimento colapsa sob o seu próprio peso (1) (Mário Beja Santos)