Tapada Nacional de Mafra
Com a devida vénia a Tapada de Mafra
1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:
Pedras velhas, ressequidas...
Pedras velhas, ressequidas,
umas sobre as outras, encasteladas,
fazem de muro alto,...
sempre à volta da Tapada.
Tantas histórias têm
para contar a quem passa por elas.
Pus-me a contá-las.
Cada pedrinha uma história.
Uma a uma, de quem ali a pôs,
nas jornadas de sol a sol,
por ordem expressa do marquês.
Só comia pão e caldo,
era a paga do freguês.
E o trabalho foi tão bem feito,
sem cimento nem argamassa,
só com terra,
resistiram tantos anos,
vestidas de musgo seco.
Uma linda obra que se vê
e está ali para durar
se ninguém a destroçar...
Mafra, 26 de Julho de 2017
7h35m
Dia cinzento a clarear
Jlmg
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Cavalos à chuva…
Cavalos à chuva, indiferentes,
Voam no tempo,
Sem asas, de patas no chão.
Pode chover e ventar.
Robustos, aguentam a carga da vida,
Impávidos, serenos.
Mascam a palha, seca ou molhada.
Meneiam as crinas
E agitam as caudas, sacudindo as moscas macabras.
Fazem corridas, por vezes.
Parecem uns putos.
Rebolam no chão, coçando a pele.
Só não batem as palmas.
Dão coices valentes
Quando lhes pisam os calos.
Meigos e ternos, os machos disputam as fêmeas, com cio nos dentes.
Bailam e dançam quando lhes nascem as crias.
Vivem em cheio os cavalos à chuva mas dormem de pé…
Mafra, 28 de Julho de 2017
7h45m
Neblina molhada
Jlmg
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Retrocessos no tempo
Não há retrocessos no tempo.
O passado não volta por mais que se puxe.
A marcha prossegue rumo a um futuro sem termo.
O futuro que existe morre no momento que passa
Como no estuário o rio.
A semente precisa do tempo para se converter em planta.
A saudade desconhece o futuro e só balança entre o presente e o passado.
Quem vive o presente sem pensar no futuro arrisca-se a chorar o presente.
A história ilumina o passado e ajuda a prever o futuro.
Chora-se os erros passados para evitar os futuros.
Mafra, 30 de Julho de 2017
7h7m
Amanhecer cinzento
Jlmg
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Nota d editor
Último poste da série de 23 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17612: Blogpoesia (521): "Uma leve neblina encobre o mar..."; "Cabelos ao vento desgrenhados..." e Aragens de vento...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
2 comentários:
Parece que por nestes últimos dias Mafra me tem vindo a perseguir... Eu explico.
Pertenci à 2.ª incorporação do ano de 1971 no C.O.M., em Mafra, tendo feito parte da companhia de instrução do 1.º ciclo a que pertenceram três camaradas que morreram afogados numa lagoa da tapada, a saber, 6.ª companhia de instrução, comandada pelo então tenente Fernando Aguda, que é agora vice-presidente da Liga dos Combatentes. Por pouco não fui o 4.º afogado, mas isso agora não interessa. Este incidente esteve na origem de um levantamento de rancho por parte dos soldados-cadetes, tanto do 1.º como do 2.º ciclo.
Há poucos dias, li uma descrição do infausto acontecimento num livro intitulado "Capitães do Fim... do Quarto Império", de António Inácio Nogueira, publicado por Âncora Editores, Lisboa, 2016. Na pág. 323 deste livro há uma referência à publicação da correspondente notícia no jornal "Avante!" (clandestino, evidentemente), o único que a terá publicado, pois a censura impediu que ela fosse dada pela imprensa legal.
No post de 20 de março de 2012 do blog Coisas da Guiné, de A. Marques Lopes, encontrei o correspondente recorte do jornal "Avante!". Independentemente do tom revolucionário em que ela é dada, a notícia do "Avante!" é de uma maneira geral verdadeira. Ela corresponde ao que aconteceu de facto, exceto numa coisa: o "Avante!" fala em quatro mortos e na verdade "só" morreram três.
No livro "Capitães do Fim... do Quarto Império", acima referido, vem uma descrição do levantamento de rancho propriamente dito que eu não conseguiria fazer melhor. Essa descrição é da autoria de Vasco Augusto Rodrigues da Gama, que foi capitão miliciano na C.Cav. 8351, em Cumbijã, entre os anos de 1972 e 1974. Passo a transcerver:
«Nós, simples soldados-cadetes, homens arrancados aos estudos, outros com os cursos já feitos, que de um momento para o outro passaram a ser números de uma máquina sem coração, não fomos soldados-cadetes, fomos Homens.
Com o refeitório cheio de algumas centenas de nós preparados para o almoço, na posição de sentido obrigatório como era da praxe, recebemos a ordem, talvez do oficial de dia:
SENTAR!
Como fez barulho o silêncio que se seguiu!
Ninguém, ninguém se mexeu! Impávidos, serenos, comovidos, com os olhos brilhantes, ninguém, ninguém obedeceu! Músculos retesados, firmes no nosso querer e na nossa razão, pêlos eriçados, ninguém, ninguém, nem os 'engraxadores' hesitaram.
Foi chamado o comandante maior:
SENTAR!
Trovejou uma voz ainda mais potente, como se a estridência do grito fosse directamente proporcional ao número de riscos amarelos que o ombro suportava.
Ninguém, ninguém cumpriu a ordem:
DESTROÇAR!
E lá foram os soldados-cadetes, olhando-se com respeito, olhos nos olhos. Não me apercebi de medo em nenhum rosto.
O meu íntimo regozijava. Fomos para a sala número dez, todos, sem excepção, para uma reunião espontânea que foi interrompida quando recebemos ordem para irmos de fim-de-semana.
Seria quarta ou quinta-feira, não me recordo, sei apenas que o rigor, muitas vezes despropositado, da revista às armas, foi substituído pelo deixa andar.
Era preciso mandar estes gajos para fim-de-semana em passo de corrida. Como foi isto possível?
Afinal... era possível.»
Um grande abraço a todos os valorosos ex-combatentes da Guiné
Fernando de Sousa Ribeiro, antigo alferes miliciano da C.Caç. 3535, do B.Caç. 3880, norte de Angola, 1972-1974
P.S. - É claro que a fotografia da Tapada de Mafra que encima este post não se refere à parte militar da tapada, mas sim à parte civil, que é visitável a partir da porta do Gradil, ou lá como é que se chama a porta.
Foi bom ler-te...
Um abraço.
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