Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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sexta-feira, 3 de outubro de 2025
Guiné 61/74 - P27279: Parabéns a você (2421): Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF (Piche e Bissau, 1970/72)
Nota do editor
Último post da série de 29 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27265: Parabéns a você (2420): António Bastos, ex-1.º Cabo At Inf do Pel Caç Ind 953 (Cacheu, Farim, Canjambari e Jumbembem, 1964/66)
quinta-feira, 2 de outubro de 2025
Guiné 61/74 - P27278: Memórias dos últimos soldados do império (7): os "últimos moicanos" - Parte IV: "Já na estrada do aeroporto, olhei para trás. Duas lágrimas saltaram-me dos olhos, recordando o sangue português derramado naquelas paragens. Era estrangeiro numa nova nação." (Albano Mendes de Matos, ex-ten SGE, GA/ e QG/CTIG,1972/74, hoje ten cor ref e escritor)
(Viii) já em Angola, havia publicado, em 1973, o caderno de contos africanos «O Jangadeiro», dos quais foram apreendidos 300 exemplares pela PIDE/DGS;
(ix) é também licenciado em Antropologia Cultural e Social e mestre em Ciências Antropológicas;
(x) foi professor na Universidade Moderna;
- o Eduardo Magalhães Ribeiro (nosso coeditor) (ex-fur mil OE, CCS / BCaç 4612/74, Cumeré, Mansoa e Brá; seguiu para a Guiné já depois do 25 de Abril, tendo regressado na última viagem, no T/T Uíge, em 15/10/74; de alcunha, "o pira de Mansoa);
- o Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina (CSJD), QG/CTIG, março 1973/ setembro 1974);
- o Albano Mendes de Matos, entáo tenente SGE, GA/ e QG/CTIG - Secçáo de Milícias e Chefe de Contabilidade, 1972/74, hoje ren.cor ref; natural do Fundão, vive em Oeiras,.
Também não podemos esquecer o valioso contributo do nosso amigo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande (nº 530) e filho do cor cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG - 1973/74) (que deixou Bissau, às 2h30 do dia 14 de outubro de 1974, tendo viajado nos TAM com o brigadeiro graduado Carlos Fabião e restantes militares
A qualquer deles, incluindo o Manuel Belexa Ferraz, se aplica a expressão " o último dos moicanos" (leia-se: soldados do império): o Abílio Mgro, rgressado a casa em fins de setembro, nos TAM; o Albano Mendes Matos, a 14, também de de avião; e o Eduardo, a 15, no T/T Uíge.
O texto que republicamos a seguir, agora nesta sérien (*), é um dos textos mais pungentes que eu já li sobre sobre a saída das NT. Escrito com rigor jornalístico, mas também grande sensibilidade, ou não fora o autor um escritor de talento
Foi um momento emocionante o meu último dia na Guiné-Bissau, em 13 de outubro de 1974.
O pessoal que restava do meu serviço, Contabilidade, saiu para o aeroporto de Bissalanca, logo pela manhã, como quase todos os militares que ainda lá se encontravam. Levaram rações de combate para as refeições. Creio que com receio de algum acontecimento.
As famílias avisaram esses ex-soldados para se deslocarem a Bissau, para exigirem o pagamento. Eu tinha pedido à Emissora da Guiné para avisar todas as pessoas, militares e civis, e as empresas que tivessem a receber alguma coisa do Exército Português, que o comunicassem até, creio, ao dia 10 de outubro [de 1974].
Interessante foi o caso de uma Casa de Instrumentos Musicais pedir o pagamento de 6 clarins que tinham sido fornecidos ao Comando Militar da Guiné... em 1940.
Disse aos ex-soldados que já não havia dinheiro e o tesoureiro já se encontrava em Portugal.
Em novembro/dezembro [de 1974] enviei o dinheiro devido ao 6 militares, não tendo conhecimento se o receberam.
Quando, na estrada, me preparava para caminhar, surgiu um jipe com um militar do PAIGC, mulato, de meia-idade, que me disse:
Contei-lhe o sucedido e logo se prontificou levar-me à Amura, mas que lhe ensinasse o caminho, porque só tinha ido a Bissau, durante a guerrilha, uma vez, de noite, ao cinema na UDIB (União Desportiva Internacional de Bissau).
Conduziu-me no jipe, não à Amura, mas a um restaurante de um primo do meu condutor, português a quem o Governo da Guiné pediu para não sair, porque era o chefe da fábrica de descasque de arroz, situada numa ilhota, no rio Geba, em frente de Bissau [, o ilhéu do Rei ].
Lá encontrei o meu condutor com uma grande bebedeira, não podendo conduzir o jipe. Disse-lhe que não se embebedasse mais, porque às 11 horas da noite tinha que estar junto do jipe, em frente do restaurante do primo, para irmos para o aeroporto.
Almocei e jantei na casa do referido locutor [o Silvério Dias]. e andei pelas ruas e pelos bares de Bissau. Só encontrava guineenses que me cumprimentavam e desejavam boa viagem e muita sorte.
Dei por mim a olhar para as memórias portuguesas que ficavam por aquelas paragens: edifícios, estátuas, toponímia. E a recordar a história que me tinham ensinado, com navegadores, guerreiros, missionários e pacificadores. Imaginei os primeiros portugueses a chegar àquelas terras. E eu, agora, o último a passear pelas ruas de Bissau, no fim do Império.
Estavam lá mais portugueses, o Governador e alguns militares, mas não saíam à rua. Às 23 horas [do dia 13 de outubro de 1974, domingo ]. , foram sob escolta para o aeroporto.
Um pouco depois das 11 horas da noite, dirigi-me para o jipe. O condutor estava melhor da bebedeira. Com ele estava o primo. Alguns negros param a olhar para nós. Aproximaram-se. O jipe arrancou. Os guineenses ficaram a acenar, de braços levantados. Descemos pela avenida principal, subimos pelo lado do campo de futebol.
Sentia uma sensação estranha. Já na estrada do aeroporto, olhei para trás. Duas lágrimas saltaram-me dos olhos, recordando o sangue português derramado naquelas paragens. Era estrangeiro numa nova nação.
Já perto do aeroporto, o condutor perguntou-me:
− Meu tenente, onde deixo o jipe?
− Atira-o para uma barreira!
Parámos à entrada do parque do aeroporto. Desci com a pequena mala. O condutor colocou uma sacola no chão, subiu para o jipe e conduziu-o até uma pequena ladeira, ao lado da estrada, um pouco antes do aeroporto, para onde o encaminhou com um pequeno empurrão.
No aeroporto, para entrarem no último avião da Guiné, estavam o Governador, o Comandante Militar, alguns militares coadjuvantes, oficiais, sargentos e meia dúzia de soldados.
Para apresentarem cumprimentos de despedida, chegaram alguns chefes militares do Exército do PAIGC e o Presidente da Câmara Municipal de Bissau.
Era o fim da colónia ou província portuguesa da Guiné, já independente desde o mês de Agosto.
Albano Mendes de Matos
__________
Notas do editor LG:
(*) Último poste da série > 2 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27277: Memórias dos últimos soldados do império (6): os "últimos moicanos" - Parte III: a viagem Bissau-Lisboa, a bordo do T/T Uíge, em 15 de outubro de 1974 (Eduardo Magalhães Ribeiro / Luís Graça)
Guiné 61/74 - P27277: Memórias dos últimos soldados do império (6): os "últimos moicanos" - Parte III: a viagem Bissau-Lisboa, a bordo do T/T Uíge, em 15 de outubro de 1974 (Eduardo Magalhães Ribeiro / Luís Graça)
- 08h30 | 13h00 | 17h00 | 20h00 (para os oficiais, que eram em menor número)
- 07h30 | 11h30 | 16h00 | 19h30 (para os sargentos, que eram em maior número)
O consumo de água (banhos, lavagens...) e a barbearia também tinham horários estipulados, de acordo com o documento nº 4. Em suma, logística complicada.
Mas tudo correu bem (serviços a bordo e comportamentos dos militares), a avaliar pelo teor da mensagem de despedida, com data de 20 de outubro de 1974, à chegada a Lisboa, assinada pelo comandante militar de bordo, o cor António A. Marques Lopes (documentos nº 2 e 3).
Guiné 61/74 - P27276: Notas de leitura (1845): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte III: "A minha Pátria é o Hélder" (Luís Graça)
quarta-feira, 1 de outubro de 2025
Guiné 61/74 - P27275: Historiografia da presença portuguesa em África (498): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1943 (55) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Não faltam questões disciplinares, regulamentação do import-export, os orçamentos da colónia não permitem aventuras, a grande aposta das infraestruturas neste período é de melhorar a zona do Pidjiquiti para receber barcos de maior calado, vende-se o que é possível aos países em litígio através de Lisboa, é o caso das oleaginosas e da borracha; faltam divisas na Guiné, circula muito ouro em pó, não se diz no Boletim Oficial mas o chefe da delegação do BNU em Bissau informa constantemente que campeia o contrabando, muita da apregoada vigilância e regulamentação não passa de conversa fiada. Para quem estuda este período, é da maior utilidade ler as Conferências dos Administradores no modelo instituído por Ricardo Vaz Monteiro, são verdadeiras assembleias de formação e de consciencialização de que se vivem tempos de sobriedade.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1943 (55)
Mário Beja Santos
1943 é o ano da cedência dos Açores aos Aliados, no final do ano Salazar dirigir-se-á na Assembleia Nacional falando detalhadamente da sua neutralidade colaborante e não esquecerá Timor, a sofrer os horrores da ocupação japonesa.
A gestão da Guiné continua e continuará sujeita à contenção dos gastos. As questões da disciplina prosseguem na sequência do que já fora adotado no mandato do governador Carvalho Viegas, quem prevarica poderá vir a ser punido e o seu nome aparecerá sempre no Boletim Oficial. É o que iremos ver logo no Boletim Oficial n.º 3 de 18 de janeiro, a matéria vem do Conselho Superior de Disciplina das Colónias, tem a ver com o acórdão proferido no processo de recurso interposto pelo farmacêutico de 2.ª classe Dr. Hermínio Teixeira de Andrade. O recorrente fora punido por não ter organizado legal e devidamente, e conforme as ordens recebidas, as contas da sua responsabilidade como diretor da farmácia do Hospital de Bissau. Tinham sido feitas as devidas averiguações e no seu relatório o instrutor concluíra que o Dr. Hermínio havia cometido irregularidades na conta de gerência da Farmácia do Estado, no período entre 1 de janeiro e 11 de maio de 1941, revelando desleixo e incúria e clara desobediência às ordens superiores. No processo era proposta a pena de multa correspondente a 8 dias de vencimentos, o Conselho Disciplinar manteve a pena aplicada. Mandado apresentar no tribunal, não se fez munir da respetiva guia, fez-se auto de declarações e o chefe dos serviços puniu com 30 dias de suspensão de exercício e vencimentos, o Conselho Disciplinar manteve a pena aplicada. É agora tempo de ouvir o Conselho Superior de Disciplina das Colónias que reconhece que o recorrente não foi ouvido em processo disciplinar como devia ser, que o chefe dos serviços carece de competência para punir, deve-se anular todo esse processo, salvo o auto de infração de voltar a ouvir o recorrente. É espantoso, dizemos nós, como já naquele tempo havia queixas contra a Justiça morosa e altamente burocrática.
Como já vimos nos dois primeiros anos da guerra, tomam-se medidas regulamentadoras em diferentes domínios, mas o import-export é o que tem peso fundamental. Vejamos agora um domínio que tem a ver com a exploração e o comércio de madeiras, vem no Boletim Oficial n.º 16, de 19 de abril:
“O conflito internacional que ora decorre, provocando a falta de madeiras nos mercados metropolitanos, levou à necessidade de uma mais intensa exploração nas zonas florestais nas colónias portuguesas.
Na Guiné, onde a indústria de exploração de madeiras foi sempre reduzida, veio a sua intensificação salientar a falta de determinadas regras legais que evitassem abusos em prejuízo da riqueza florestal da colónia.
Também a alta verificada nos preços das madeiras e a influência da depressão económica mundial das receitas do Estado justificavam uma atualização das taxas que incidiam sobre a exploração e comércio de madeiras.”
Este assunto fora debatido na mais referente Conferência de Administradores, em finais de 1942, recapitulou-se a legislação existente nos seus aspetos mais delicados: a salvaguarda das zonas florestais concedidas para exploração; a defesa dos povoamentos arbóreos existentes na colónia; a orgânicas dos atuais serviços da colónia, o papel que cabe aos Serviços Agrícolas e Florestais para dar instruções a seguir pelo concessionário em cada caso particular, aos indígenas permite-se o corte de árvores exclusivamente para seu uso próprio, etc., etc.
E voltamos a um não menos curioso assunto disciplinar, trata-se de um acórdão proferido no processo de recurso interposto pelo Chefe dos Serviços de Saúde da Colónia da Guiné, Dr. Fernando José de Oliveira de Montalvão e Silva do despacho do Governo em que era punido, por ter incorrido em falta de respeito para com o seu superior hierárquico na comunicação que fizera para Lisboa, em telegrama dirigido a pessoa da sua família, a pedir diligências para que o processo subisse ao Ministério com o fim de evitar uma injustiça que podia ser praticada pelo governador. O Governo determinou a este chefe de serviços que informasse a que processo se referia naquele telegrama e qual a injustiça com que contava no caso de o mesmo processo não ser remetido para Lisboa. O referido chefe dos serviços respondera que se tratava de assunto de caráter privado, o Governo insistiu para que ele clarificasse a situação, e então explicou que era um processo em que fora ouvido quanto a factos que se fundamenta a malévolas informações. Fora punido, não concordou com a pena e apresentou recurso, o Governo da colónia manteve a pena aplicada. O Conselho emite então parecer, diz-se que não se procedera corretamente em matéria processual.
E não deixa de ter a sua eloquência o despacho do ministro das Colónias, Francisco Vieira Machado:
“Este processo resulta da péssima prática de o funcionário em vez de se defender dentro do processo, usando dos meios que a lei para tanto lhe concede, e que são bem amplos, recorrendo depois da decisão proferida, se quisesse e achasse necessário, enviar telegramas particulares a pessoas de família para tentar conseguir, à sombra de influências pessoais, aliás inoperantes, como devia já saber, à margem do processo, o que julgava melhor convir à sua defesa. Injúria no telegrama há – evidentemente: pedir particularmente, para evitar o cometimento de uma injustiça pressupõe que o seu superior hierárquico – o governador ou ministro – a podem cometer. Ora o ministro e governador julgam pelo que está no processo. E não pelo que, particularmente, lhe podem dizer ao ouvido. O telegrama é, pois, fruto de certa mentalidade, infelizmente ainda existente em África, que supõe que o empenho tem mais valor do que a defesa legal de direitos. E isto num chefe de serviços, que devia dar o exemplo, é bem triste e merecedor de corretivo. Infelizmente, o Conselho, sob o ponto de vista jurídico, tem razão, pelo que tenho do homologar a conclusão do douto parecer.”
Para finalizar, e lembrando que a guerra tornara mais exigente o controlo do import-export, tenho essa intenção ao previsto no Boletim Oficial n.º 43, de 25 de outubro, em que se diz que tinham sido encontrados na Europa em alguns lotes de borracha exportados da colónia, impurezas e matérias estranhas em volume e percentagens importantes, há, pois, que repensar tais fraudes, dissuadindo-as e punindo-as. E determinava-se que a Inspeção do Comércio Geral, enquanto as circunstâncias o impusessem, iria comprar toda a borra de produção da colónia.
Há anos que não folheava a Revista das Colónias, que se publicou a partir de 1883, muito bem ilustrada e de onde retirei de números publicados em 1883 e 1884 quatro imagens referentes à Guiné, a primeira já aqui publicada, considero-a de grande valor histórico pois mostra as feitorias que existiam nas margens do Rio Grande de Buba, ao tempo das calamitosas guerras do Forreá. A Revista das Colónias existe na Biblioteca da Sociedade de Geografia, espiolhei o primeiro volume, tenho dois pela frente para procurar outras imagens curiosas alusivas à nossa presença no século XIX.
(continua)
_____________
Nota do editor
Último post da série de 24 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27251: Historiografia da presença portuguesa em África (498): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1942 (54) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P27274: Notas de leitura (1844): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte II: "O silêncio de Salazar foi o início da guerra em Angola" (Luís Graça)

1. Neste livro de memórias e que é também a apologia da capelania militar (ou da "pastoral castrense") (*), o autor escreve:
"O 'nosso Capelão' , assim nos tratam os militares, é modo carinhoso , revelador dum caráter familiar de muita proximidade e estima entre a classe militar. Eu, como centenas de colegas, aceitei ser esse 'nosso Capelão', durante a guerra colonial, sem o cinismo da heroicidade, o que permitiu às ideias não resvalarem para idiotices" (pág. 11).
Major do exército, ao fim de 30 anos de serviço nas Forças Armadas como capelão o padre Bártolo PaivaPereira publica este livro no 64º aniversário da sua 1ª mobilização para Angola...
E foi essa comissão que o marcou de maneira indelével. Dedica-lhe as primeiras páginas, as mais pessoais, e ao fim ao cabo as únicas do livro, embora tenha passado também por outros teatros de operações (Guiné e Moçambique).
Na Guiné, de que fala pouco, ou quase nada, sabemos que não foi propriamente capelão, mas sim capelão-chefe do serviço religioso do CTIG, entre dezembro de 1965 e fevereiro de 1968. Não sabemos, por exemplo, se alguma vez saiu de Bissau...
De resto não chegou a conhecer lá o brigadeiro e depois general António Spínola, governador e comandante-chefe que rendeu o general Arnaldo Schulz. (Sobre este, seu comandante, não tem uma única palavra.)
Angola terá sido foi a sua "eleita do coração", passou lá quatros anos, de acordo com a informação que encontrei no portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.- BCaç 321 (nov 61 / jan 64);
- GAC 1 (Grupo de Artilharia de Campanha) (mar 64 / dez 65).
Passou igualmente quase quatro anos em Moçambique (set 71 / jun 75).
Na realidade, o próprio autor define o propósito e delimita o âmbito do livro: não é propriamente a sua história de vida, embora contenha notas autobiográficas, é essencialmente "um livro sobre o perfil e o múnus do Capelão Militar, destacado para o conflito", ou seja, para a "guerra colonial" (sic), mas em que também se fala de lembranças e de amizades, de pessoas que ele foi conhecendo, "quando servi o Exército, em África", durante a guerra colonial e em tempo de paz" (pág. 87)...
No cap 5 (Pessoas & Acontecimentos, pp. 87 e ss.), o padre Bártolo evoca militares que são figuras públicas (do Carlos Matos Gomes ao Jaime Neves, do Otelo ao Salgueiro Maia, do Spínola ao Costa Gomes), todas já falecidas com exceção do gen Ramalho Eanes. Pelo menos os três primeiros (Matos Gomes, Jaime Neves e Otelo), ele conheceu-os, foi capelão deles.
Também evoca (e traça o perfil de) 10 dos capelães militares, seus pares, alguns dos quais seus subordinados, entre os quais o conhecido Padre Mário da Lixa, já falecido: "Viveu comigo na Guiné, na Chefia do Serviço, cumprindo os dias de prisão a que foi submetido" (pág. 57).
Numa primeira leitura, rápida e agradável, o livro pareceu-me desigual e fragmentado. É um homem lido, culto, vivido oriundo de uma diocese como a de Braga (reconhece "a diferença de mentalidade e cultura" entre a sua diocese e a de Lisboa, ao tempo do Cardeal Cerejeira)...
Enfim, é um padre que serviu duas "senhoras", duas instituições poderosas, a Igreja e o Exército, a Cruz e a Espada, e de quem, aos 90 anos, não se pode esperar um livro abertamente crítico. Para já, pretende colmatar uma lacuna: há centenas e centenas de livros sobre a guerra colonial, e tão poucos são os que falam do papel do capelão militar, queixa-se ele (pág. 39).
É um livro de afetos e de doutrina (sobre a pastoral castrense). Mas, com a sua vasta experiência de vida, de 90 anos, como homem, cidadão, sacerdote e capelão militar, ainda é de esperar que ele publique a sua autobiografia, ou pelo menos um livro com as suas memórias mais pessoais. Tem, além disso, 30 anos passados na Suíça, como sacerdote, no seio da comunidade lusófona, emigrante.
2. Curiosamente o autor é mais crítico em relação à figura do António Salazar e à elite política do Estado Novo: (...) "o Salazarismo não acordou para a descolonização, cometendo o erro irreparável duma guerra perdida" (pág. 32).
Mais: Salazar terá ignorado todos os sinais de alerta em relação a Angola... "Esse silêncio de Salazar é sinal do início da guerra" (pág. 33).
(...) "Angola possuía muito e produzia bastante, exportava pouco e roubavam tudo. A sua riqueza (...) serviu para uma desumana exploração do povo, anos a fio. (...) (pág. 32).
É interessante a análise que o autor faz sobre os antecentes, as causas próximas e as causas remotas da guerra. No se coíbe de afirmar que "em Angola, a guerra começa no coração avarento da burguesia austral", isto é, na sua subordinação "aos interesses do capital financeiro" (pág. 34).
Mas onde está o seu coração ?... Sem sombra de dúvidas, na sua "3ª família", a família miliar, que vem a seguir à família consanguínia e da família do seminário...
Para já, o que mais gostei foi o seu primeiro apontamento, a sua partida para Angola, aonde chega numa manhã de Todos-os-Santos, 1 de novembro de 1961.
A bordo do T/T Vera Cruz,com "muita festa", com ele a tocar ao piano, a contragosto, a canção "Angola é nossa", vão três batalhões de infantaria (pelo que sabemos, o BCAÇ 317 e o BCAÇ 325, além do BCAÇ 321, que o autor, certamente por lapso, contabiliza em 3 mil homens, o que excedia em muito a lotação normal do Vera Cruz, que era de c. 1250 passageiros + mais 300/350 tripulantes).
Tomamos a liberdade, e com a sua autorização, de reproduzir alguns excertos em próximo poste. (**)______________
(*) Vd. poste anterior 25 de setembro de 2025 > Giuiné 61/74 - P27254: Notas de leitura (1841): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte I: Apresentação sumária (Luís Graça)
Guiné 61/74 - P27273: S(C)em Comentários (78): Na Guerra (tal como na Política) Não Vale Tudo... (António Rosinha / Cherno Baldé / Luís Graça)
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| Duke Djassi, nome de guerra de Leopoldo Alfama (1945-2025), à esquerda. Cortesia: Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabar |
São comentários ao poste P27267 (*)
Só entre a jangada de João Landim e Bula, encontram-se naquelas redondezas treze pontas, e provavelmente a maioria seriam de cabo-verdianos.
E até se poderá dizer que pelo resto da Guiné seria assim já desde Honório Barreto, até Amilcar Cabral e o herdeiro da Ponta Alfama terem as suas ideias da União/Junção/Anexação Guiné-Cabo Verde.
O mapa de Bula onde vemos essas pontas, é de 1953, ora nessa data já a pacificação da Guiné e das outras colónias portuguesas viviam numa paz e numa calma que até iludiu os estudantes do império que era facílimo governar aquilo mais e melhor por eles do que pelos atrasados dos portugueses.
E de facto o ex-guerrilheiro Alfama ainda chegou a governante, na Guiné, mas só até 1980, pois deve ter acompanhado Luís Cabral que também "desistiu" em 1980.
Mas talvez tenham sido eles que ajudaram a garantir que aquele arquipélago, Cabo Verde, iria figurar como país com fronteiras e bandeira própria.
terça-feira, 30 de setembro de 2025 às 00:28:00 WEST
(ii) Tabanca Grande Luís Graça
.
Rosinha, acabei de escrever noutro poste, o do Armando Fonseca, sobre o "início da guerra"... Deixa-me completar o teu oportuno comentário...
A CECA (Comissão de Estudo para as Campanhas de África) tal como a historiografia (ou "hagiografia"...) do PAIGC têm a mesma narrativa: o início da guerra na Guiné foi em Tite, em 23 de janeiro de1963. Ponto final parágrafo.
Nós, no blogue, achamos que não. A avaliar pelos textos que se têm publicado ao longo destes anos todos... Antes dos primeiros tiros contra os quartéis e os militares. há toda uma violência (já armada), sob a forma de terror (e contraterror), que incendeia o "capim da Guiné"...
Basta olhar para as cartas da Guiné, anteriores à 1963: inúmeras tabancas e "pontas" desapareceram, a partir do início da "subversão" (para as NT) ou da "libertação" (para o PAIGC)...
Os "libertadores" começaram por usar a cenoura e o chicote para mobilizar (ou "arregimentar") os chefes tradicionais e as suas populações. Não temos, ainda hoje, uma noção exata da dimensão da violência, de um lado e do outro...
A "desertificação" do interior da Guiné, que data do início da década de 1960, começa com:
A guerra é a violência armada e organizada: e quando se começa não há semáforos, a não ser "verdes" (levando à escalada da violência)...Não há semáforos vermelhos nem amarelos...
Os cabo-verdianos, ou guineenses de origem cabo-verdiana, donos de muitas pontas, mas também de casas comerciais (a par dos libaneses, dos portugueses europeus, que os cabo-verdianos também eram portugueses...) acabaram por ser vítimas da violência do PAIGC: os Semedos, os Brandões, os Alfama, etc. não tiveram pejo em inviabilizar as explorações agrícolas dos pais (ou as casas comerciais)...
No sector L1 (Bambadinca), que eu conheci melhor, havia também bastantes pontas (uma ou outra eu frequentei, em Contuboel, em Bambadinca, a Ponta Brandão, por exemplo)... (Na carta de Bambadinca, que é de 1955, contei 8 pontas, ao longo do rio Geba Estreito.)
Pior ainda: está por fazer a histórias das tabancas que foram, logo muito cedo, vítimas da violência do PAIGC e nas NT, no tempo em que se praticou a política de terra queimada.
terça-feira, 30 de setembro de 2025 às 10:52:00 WEST
(iv) Tabanca Grande Luís Graça
Todos sabemos que a violência gera violência... A História está infelizmente cheia de exemplos desses.
A exploração e os maus tratos contra os balantas e outras populações na Guiné Portuguesa foram também o capim a que o PAIGC deitou fogo... Temos exemplos concretos das formas de exploração dos comerciantes locais (cabo-verdianos, brancos, libaneses...) e dos abusos da administração colonial de que foram vítimas os balantas e outros...
Os balantas vão ser depois a "carne para canhão" do PAIGC. Juntamente com os biafadas terão sido os mais "fáceis" de mobilizar (a bem ou a mal) para a "luta de libertação"... a par dos grumetes de Bissau, acrescenta o Cherno Baldé.
À maior parte de nós, militares, metidos nos seus quartéis e destacamentos, ou empenhados em desgastantes operações no mato, escapavam estas práticas de "violência" dos comerciantes, dos chefes de posto, dos cipaios... Por outro lado, já estivemos na Guiné, com o António Spínola, que durante o seu "consulado (meados de 1968/ meados de 1973) procurou "moralizar" e "reprimir" muitas das práticas coloniais que serviram de "rastilho" para o PAIGC incendiar o capim...
Tarde e a más horas, a política " Por uma Guiné Melhor" ? É verdade. Mas fica para História: as Forças Armadas Portuguesas também tiveram uma palavra a dizer...
terça-feira, 30 de setembro de 2025 às 11:14:00 WEST
(iv) Tabanca Grande Luís Graça .
O Duke Djassi já morreu, há dias, em Portugal, num hospital do nosso SNS... Paz à sua alma (mesmo que eu não seja crente)... Respeito os mortos, a sua memória, seja quem for, mas temos que reconhecer que o "comandante Duke Djassi" ficou mal na fotografia...
Na guerra não vale tudo. Como na política.
É pena que o Amílcar Cabral nunca tivesse combatido a mentira compulsiva dos seus comandantes e comissários políticos... Como é que eles depois poderiam falar olhos nos olhos ao "povo" ?
terça-feira, 30 de setembro de 2025 às 14:36:00 WEST

(v) Cherno Baldé
O Antº Rosinha devia escrever um livro para a posteridade, pois, para mim e muitos leitores/seguidores do Blogue, as suas palavras sobre a realidade dos povos das colónias e, sobretudo, o inicio da luta nestes territórios, ajudaram e entender melhor sobre as origens, protagonistas e motivações iniciais das guerras de subversão.
Na Guiné, as elites cabo-verdianas ou de origem cabo-verdiana, mais ligadas ao regime colonial e melhor esclarecidas, aproveitando os ventos da história, quiseram desmantelar o regime, correr com os portugueses e dominar o resto da população.
Os chefes fulas, desconfiados por natureza, nunca se deixaram enganar e pagaram por isso, mais tarde; entretanto, os grumetes, guineenses, estavam à espreita e o 14 de Novembro de 1980 que seria uma espécie de continuação da conspiração de Conacri (20 de Janeiro 1973) serviu, por sua vez, para se livrarem dos cabo-verdianos que, de facto, lideravam o PAIGC.
(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG) (**)
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Notas do editor LG:
(*) Vd, poste de 29 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27267: PAIGC: quem foi quem ? (15): Leopoldo Alfama (Duke Djassi) (1945-2025), comissário político em 1974, governador da região do Cacheu até 1980; o pai era era o dono da Ponta Alfama, perto de Bula
terça-feira, 30 de setembro de 2025
Guiné 61/74 - P27272: Viagens à Guiné-Bissau: Amizade e Solidariedade (Armando Oliveira e Ricardo Abreu) (1): Missão Católica e Hospital de Tite (Aníbal Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)
1. Mensagem do nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), com data de 26 de Setembro de 2025:Caríssimo Carlos Vinhal
Estou de volta, desta vez para dar a conhecer as viagens à Guiné realizadas por dois camaradas, o Armando Oliveira e o Ricardo Abreu, que pertenceram ao BART 6520/72, 3.ª Companhia e CCS, respetivamente.
Um forte abraço
Aníbal Silva
VIAGENS À GUINÉ-BISSAU: AMIZADE E SOLIDARIEDADE
Os camaradas, Ricardo Abreu e Armando Oliveira, ex-militares do BART 6520/72, pertenceram à CCS sediada em Tite e à 3.ª Companhia sediada em Fulacunda, respetivamente.
O Armando é sobejamente conhecido deste Blogue, com 14 publicações, sendo o Tertuliano n.º 901.
O Ricardo, nascido no dia 19 de Maio de 1950 na freguesia de Arcozelo – Gaia e a residir em Canidelo – Gaia, foi soldado sapador de minas e armadilhas.
Estes amigos têm em comum o facto de já terem feito várias viagens à Guiné, em visita às populações das localidades onde fizeram o serviço militar, às quais fizeram entrega de muitas e diversas dádivas, angariadas ao longo dos meses anteriores às viagens, tais como: livros, cadernos e material escolar; bolas e equipamentos desportivos; bonés e t-shirts e sobretudo medicamentos, etc., etc.
O Ricardo foi pela primeira vez à Guiné em 1999 e depois em 2010 e 2015. Na companhia do Armando voltou nos anos de 2017, 2019 e 2024.
Nessas viagens fizeram alguns vídeos e tiraram umas largas centenas de fotografias, que vou passar a partilhar no nosso Blogue, devidamente autorizado pelos autores.
(continua)
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