1. O nosso Camarada António Graça de Abreu (ex-Alf Mil, no CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), ao Poste 7381, enviou-nos um texto com mais uma lamentável e triste notícia para todos nós:
Na morte de Joaquim Vicente Silva, 1º Cabo Atirador da 3ª CCAÇ do BCAV 8323, Pirada, 1973/74
Através de mail do António Rodrigues, um dos bravos de Copá da 1ª Companhia do BCAV 8323, acabo de receber a triste notícia do falecimento do 1º cabo Joaquim Vicente Silva, nosso camarada, o dono do talho de Alcaínça, Mafra. Durante os anos em que tive casa na aldeia mafrense (, até 2009), mantive com o Joaquim Vicente infindáveis horas de inteligente e entusiasmante conversa sobre a nossa Guiné, sobretudo o que aconteceu no Leste nos últimos meses de guerra, pouco antes do 25 de Abril de 74.
O Joaquim Vicente Silva [, foto à direita, ] era um homem por demais honesto e bom, amigo do seu amigo, sempre dedicado aos seus companheiros da Guiné. Organizou vários almoços do seu batalhão (o mesmo do António Rodrigues e do Amílcar Ventura) em Mafra e na Ericeira, e tinha, orgulhosamente, na montra do talho umas tantas placas comemorativas da passagem pela Guiné e desses mesmos convívios.
Não o via há uns bons meses. Há duas semanas atrás passei por Alcainça e reparei que o talho do Joaquim Vicente, à saída da aldeia, estava fechado e com um letreiro VENDE-SE. Imaginei o Joaquim no ripanço, a preparar a reforma, incapaz de resistir como pequeno empresário das carnes à avalanche de hipermercados que inundam Mafra. E prometi a mim próprio, numa próxima ida a Alcainça, procurá-lo e dar-lhe um fortíssimo abraço. Não o sabia doente, um cancro no pâncreas detectado em finais de 2010.
No nosso blogue, poste P3995 – recomendo que leiam - escrevi sobre o Joaquim Vicente Silva, assim:
“Mês e meio depois, a 31 de Março de 1974, partia de Bajocunda para Copá, a pé, -- quase trinta quilómetros de jornada --, uma grande coluna de tropas portuguesas. Era uma operação de quatro dias da responsabilidade do BCav 8323. Seguiram dois pelotões da companhia de Pirada, dois pelotões de Bajocunda e um pelotão de milícias, cerca de cento e trinta homens.Um dos soldados que participou nessa operação chamava-se, chama-se, Joaquim Vicente Silva. É o meu camarada e amigo dono do talho de S. Miguel de Alcainça, Mafra, aqui a quatrocentos metros da minha humilde casa na aldeia.
"O Joaquim Vicente contou-me toda a história. Avançaram com dificuldade e algum receio, havia minas na picada, dormiram no mato, mas chegaram em paz a Copá. Para sua surpresa verificaram que os guerrilheiros não haviam entrado no destacamento. Continuava tudo armadilhado, os homens do PAIGC não haviam tocado em nada. Patrulharam a região em volta de Copá e não só não encontraram ninguém como não tiveram qualquer contacto com o IN.
"Três dias depois, já no regresso, perto de Bajocunda foram flagelados com tiros soltos de Kalashnikov, disparados a partir de uma bolanha, sem quaisquer consequências”.
“Mês e meio depois, a 31 de Março de 1974, partia de Bajocunda para Copá, a pé, -- quase trinta quilómetros de jornada --, uma grande coluna de tropas portuguesas. Era uma operação de quatro dias da responsabilidade do BCav 8323. Seguiram dois pelotões da companhia de Pirada, dois pelotões de Bajocunda e um pelotão de milícias, cerca de cento e trinta homens.Um dos soldados que participou nessa operação chamava-se, chama-se, Joaquim Vicente Silva. É o meu camarada e amigo dono do talho de S. Miguel de Alcainça, Mafra, aqui a quatrocentos metros da minha humilde casa na aldeia.
"O Joaquim Vicente contou-me toda a história. Avançaram com dificuldade e algum receio, havia minas na picada, dormiram no mato, mas chegaram em paz a Copá. Para sua surpresa verificaram que os guerrilheiros não haviam entrado no destacamento. Continuava tudo armadilhado, os homens do PAIGC não haviam tocado em nada. Patrulharam a região em volta de Copá e não só não encontraram ninguém como não tiveram qualquer contacto com o IN.
"Três dias depois, já no regresso, perto de Bajocunda foram flagelados com tiros soltos de Kalashnikov, disparados a partir de uma bolanha, sem quaisquer consequências”.
Honra à sua alma, que descanse em paz. O Joaquim Vicente Silva já não está entre nós.
Partiu para Deus, para o grande vazio. Tinha 60 anos.
António Graça de Abreu
António Graça de Abreu
Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Pirada > 3ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74) > O 1º Cabo Joaquim Vicente Silva, em 26 de Abril de 1974, com os restos das lembranças do ataque do dia anterior (Neste caso parte de um foguetão 122 mm).
2. Comentário do editor:
É nossa vontade expressa que o o 1º Cabo Joaquim Vicente Silva (1951-2011), que não tinha email nem computador, passe a integrar formalmente a nossa Tabanca Grande, com o nº 509, e a figurar na lista dos "amigos/as e camaradas que da lei da morte se foram libertando"... Infelizmente, com ele, já são treze.
A sua apresentação, por ele próprio, aos amigos e camaradas da Guiné já tinha sido feita em 30 de Março de 2009, através do poste P4106 (O dia 25 de Abril de 1974, em Pirada, a ferro e fogo)
(...) Apresenta-se o 1º cabo atirador 045385/73, Joaquim Vicente da Silva (na foto, à esquerda), da 3ª companhia do BCav 8323, comandado pelo coronel Jorge Matias, estacionada em Pirada, Guiné, 1973/1974.
Vivo em S. Miguel de Alcainça, a terra onde nasci, perto de Mafra e da Malveira, e sou o dono do talho de Alcainça. No blogue, o António Graça de Abreu, que tem casa aqui na terra, já falou em mim e entusiasmou-me a escrever para o blogue do Luís Graça e dos camaradas da Guiné.
Junto três fotografias minhas, a primeira em Pirada a 26 de Abril de 1974, com os restos das lembranças do ataque do dia anterior, outra de como sou hoje e a última de uma bateria anti-aérea que foi montada por nós, em Pirada, já depois do 25 de Abril. (...)
Foi no dia 25 de Abril de 1974, à noite, através da BBC, e depois de um violentíssimo (e mortífero) ataque de morteiros e foguetões 122 mm a Pirada, que o Joaquim Vicente Silva soube dos acontecimentos em Lisboa:Por lapso ou distracção nossa, o nome do Joaquim Vicente Silva nunca chegou a integrar a lista (alfabética) dos amigos e camaradas da Guiné, reunidos à sombra do poilão da Tabanca Grande, e que consta da página principal do nosso blogue (coluna à esquerda). Uma pequena injustiça que a morte veio agora reparar.
(...) Nesse dia nós, cabos e soldados não sabíamos nada do que estava a acontecer cá na Metrópole. Só à noite, através da BBC é que tivemos conhecimento do golpe de Estado. Foi uma grande alegria para todos nós porque pensámos logo que a guerra acabava naquele dia. Festejámos com muitas cervejas. No dia seguinte na telefonia, começámos a ouvir a Grândola, Vila Morena e outras músicas do Zeca Afonso. A guerra ia acabar, que alegria! (...).
À família enlutada, aos amigos mais próximos, desolados, ao António Graça de Abreu que com ele privou em São Miguel de Alcainça, ao António Rodrigues, ao Amílcar Ventura e aos demais camaradas do BCAV 8323 com que ele lutaram, sofreram, conviveram e/ou privaram, expressamos a nossa tristeza pelo desaparecimento (físico) de mais um camarada e um bravo da Guiné, comprometendo-nos a honrar a sua memória, como é obrigação nossa (EMR).
____________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
10 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8538: In Memoriam (84): No dia 5 de Maio de 2011 morreu o último combatente da I Grande Guerra (José Martins)
8 comentários:
Mais um camarada que nos deixa, parece que cedo demais, a lei da vida/morte não perdoa.
Que descanse em paz.
BSardinha
Que Deus o receba no seu eterno descanso.
Um abraço forte e camarigo para ele e para a sua família
"Cantando a vida como o cisne a morte" (Bocage)... Amigos, camaradas, à nossa maneira, modesta, discretamente, é o que nos resta fazer... Honrando a memória dos nossos camaradas que tombaram, lá, cá, onde quer que seja... É também a missão do nosso blogue. Não conheci o Joaquim, mas bastou-me ler o seu poste e ver a cara no blogue, para o passar a considerar como um dos nossos... Ajudemos a família e os amigos a fazer o luto. Obrigado, António, pela tua solicitude, compaixão, camaradagem. É uma oração fúnebre, muito bonita, escrita por um camarada poeta para um outro camarada que em vida foi soldado e foi talhante.
Que o Joaquim descanse em Paz,
em terras de Mafra, zona "saloia"...
Jorge Rosales
Mais um que nos deixa numa idade em que ainda podia dar muito e acima de tudo recordar e dar exemplos do que por lá passou na guerra e no periodo de transição para a paz.
É a lei da vida.
Que descanse em paz.
Os meus sentidos pêsames à familia enlutada.
Carlos Pinheiro
27.07.11
Amigo Joaquim na Guiné estivemos juntos, Tu já partis-te e eu fiquei, um dia irei me juntar a Ti.
Descansa em PAZ Amigo Joaquim
Amilcar Ventura
Grande Amigo Joaquim!
Foi para mim uma grande felicidade ter-te conhecido, obrigado por teres sido meu Amigo.
À tua esposa e filhos desejo muita força e muita coragem para enfrentarem a dor da tua perda.
Que Deus te guarde para sempre.
Descansa em Paz.
Até sempre meu estimado Amigo.
Uns partem, outros vão ficando!
Nada podemos fazer contra a voragem dos tempos e o ciclo da vida.
Resta-nos honrar a memória dos que partem, mantendo viva a sua passagem entre nós, mesmo que os não conheçamos.
Que encontres a paz que mereces e a tua familia o conforto que precisa, apesar da saudade que deixaste.
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