Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 25 de julho de 2011
Guiné 63/74 - P8598: Blogpoesia (154): Se permaneces em silêncio e não falas/, as gerações futuras nada terão que contar (Han Shan / António Graça de Abreu)
1. Por ocasião do nosso IV Encontro Nacional da nossa Tabanca Grande, há dois anos atrás, em Ortigosa, Monte Real, Leiria, o António Graça de Abreu [, aqui na foto, à esquerda, com a sua simpatiquíssima esposa, a Dra. Hai Yan, ]teve, mais uma vez, a gentileza de me oferecer, autografado, um dos seus últimos trabalhos, o livro com a edição bilingue, chinês e português, de uma selecção dos poemas de Hans Shan. A editora é a COD, que publica também o jornal Macau Hoje (*).
Na altura escrevi (*):
"Haveremos de falar, noutra ocasião, deste extraordinário poeta clássico, chinês, que terá vivido no Séc. VIII, Han Shan [Montanha Fria] e do laborioso, paciente e digno trabalho de tradução do nosso querido António, que é já hoje uma referência em matéria de tradução poética chinês-português... Deixem-me apenas reproduzir aqui um dos 156 poemas do livro (p. 53)" (...)
Além de transcrever um dos poemas, transcrevi também a dedicatória:
"Ao Luís Graça, homem das coisas da Guiné, companheiro e camarada no interiorizar e fluir pelos atalhos da vida, a admiração, a amizade do António Graça de Abreu. Leiria, Junho de 2009".
Passados dois, retomo a leitura (de verão) do livro de poemas do Han Shan/António Graça de Abreu... Gosto de voltar aos clássicos, no verão: o meu livro de cabeceira, na Lourinhã, este ano é a Odisseia, de Homero, essa grande obra-prima da poesia grega, e de todos os tempos.
A poesia é daquelas coisas (boas) que me acompanham nos fins de semana e nas férias de verão... Neste último fim de semana, estive a reler os poemas do poeta da Montanha Fria (Han Shan, em chinês), e de entre os meus dez a vinte favoritos tenho este (p. 77) (**), que tomo a liberdade de reproduzir, em homenagem a todos os amigos e camaradas da Guiné que se abrigam debaixo do poilão da nossa Tabanca Grande (***). Poilão que eu gostaria que fosse sempre mágico, sábio, frondoso, inspirador, protector, mas também fraterno, símbolo de liberdade e de justiça...
Obrigado ao António, que tem o privilégio de conviver intimamente com grandes sábios e poetas chineses como Hans Shan, Bai Juyi, Wang Wei, Di Bai ... Obrigado ao António por contribuir, de maneira competente e empenhada, para pôr a poesia clássica chinesa ao alcance dos lusófonos e amantes da poesia como eu... (LG).
36
Se permaneces em silêncio e não falas,
as gerações futuras nada terão que contar.
Se vives escondido no fundo da floresta,
não brilhará o sol da tua sabedoria.
Fragilidade, dureza levam a coisa nenhuma,
o vento, o gelo trazem doenças, morte.
Se com um boi lavras um campo de pedras,
jamais chegará o dia da colheita.
______________
Notas do editor:
(*) Poemas de Han Shan: tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Macau: COD. 2009. 176 pp.
(**) Vd. poste de 7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4648: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (19): Os nossos escritores (Luís Graça)
(***) Último poste desta série > 19 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8572: Blogpoesia (153): Na Guiné, com a minha bajuda (Albino Silva)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
disse...
Inter armas silent leges... (Cícero)... Ou: Calam-se as leis em tempo de guerra...
(i) Não me parece que o silêncio seja de ouro. Ou valha ouro.
(ii) Muito menos o silêncio imposto pelo terror.
(iii) Aqui reivindicamos: a palavra ao poder. Ou o poder da palavra ? Cuidado que os ditadores sempre tiveram o dom... da palavra... Escrita ou falada.
(iv) Deixa falar os que não têm tempo de antena. Aprende a ouvir os que usam (e abusam de) a palavra. Põe a falar os tímidos, os néscios, os loucos, os excluídos, os marginais, os estrangeiros, os cegos, os surdos e até os mudos...
(v) Por que é que em tempo de guerra, as leis se calam, Cícero ? Por que é que a lei, pelo contrário, não manda calar o canhão ? Resposta: Porque a guerra é a continuação do poder da lei (ou seja, da política do Estado) por outros meios (a força, a violência...).
(vi) Não estamos sós no mundo: estamos em rede com os nossos antepassados, com os actuais viventes e com os futuros seres humanos...
(vii) Será que ainda serâo humanos ? Daqui a cem, mil, dez mil anos ?
(viii) Não chegarei a ver a floresta, se me esconder, por medo, cobardia ou calculismo debaixo da copa da árvore e não tiver a audácia, coragem e a inteligência q.b. para subir ao seu cimo.
(ix) Por que é que as pedras deveriam dar pão ?
(x) Há um dever de memória, camarada. A memória antecede a história, em termos não apenas lógicos como cronológicos.
Não sei se o Han Shan, lá no cimo da sua "montanha fria", concordará comigo... Respeitarei a sua opinião de homem sábio. Segui-la-ei ou não, como homem livre que julgo ser, sábio ou não.
A propósito de poetas;do poeta Sueco Nils Ferlin o poema Vanitas vanitatum:---"Uma vida...Uma cruz...uma data". Um abraco.
Enviar um comentário