sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3349: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (49): Prometo que hei-de voltar


Texto de Mário Beja Santos
ex-Alf Mil,
Comandante do Pel Caç Nat 52,
Missirá e Bambadinca,
1968/70

Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.



Agosto de 1970

Operação Macaréu à vista


Episódio XLIX

PROMETO QUE HEI-DE VOLTAR!

Beja Santos

De Bambadinca para o Xime

Amanheceu, tenho o corpo moído de quem dormiu pouco e mal. Todos dormem ainda no quarto, vou ao duche, visto o camuflado, bebo um café com o estômago revoltado. Quando regresso ao quarto, há já bulício dentro e fora, a coluna que vai para o Xime está nos seus preparativos, a Daimler põe-se à frente, o Vacas de Carvalho exige participar na despedida. Num 404 são depositadas as duas caixas com papelada e discos, a mala com a roupa segue ao pé. Abraço quem fica, desde os companheiros do quarto, todos os efectivos da CCaç 12 e do BArt 2917 que andam por ali ou vão partir para missões. D. Violete e D. Ema estão à varanda, avanço para elas, é a minha vez de as surpreender com uma lembrança, deixei lá em casa o meu gira-discos a pilhas e todo o Chopin disponível, incluindo o Samson François, relíquia da Cristina. O rosto de Mamadu Soncó é uma máscara de inquietação, insiste em partir comigo, reitera que é um momento único, em Lisboa vou esquecê-lo, recorda que tem estudado, que sabe português, matemática, desenho e ciências naturais, em Lisboa poderá ir muito mais longe, eu que não lhe corte os sonhos. Não consigo desarmá-lo mesmo quando lhe ofereço a caneta, o tinteiro e um conjunto de livros que ele cobiçava abertamente e me pedia quando se sentava ao pé de mim, eu a escrever ele a ler. Ignoro abertamente que os seus pedidos vão persistir até hoje. A arrumar o correio, que remanesce destes dois anos de comissão, descubro um aerograma seu com data de Setembro de 1973, escrito em Bissau, ele comunica-me que já fez a quarta classe e que está a estudar e a trabalhar como escriturário na Polícia Militar, refere com orgulho que tirou um curso de dactilografia que lhe custou 1.300 escudos. Nos anos subsequentes à independência, entra nas finanças, deambula entre Bissau e Bolama. Continua a pedir para vir para Lisboa, eu não tenho resposta para lhe dar a não ser enviando-lhe livros. Mais tarde, pedirá para a filha mais velha vir estudar em Lisboa. Ele é um Soncó, é naturalmente combativo, alguém lhe terá contado que o régulo Malã Soncó me incorporou na família, mesmo sem vínculos de sangue estou obrigado à solidariedade eterna com as gentes do Cuor. Subo para o burrinho, olho até ao fundo onde se vêem as lalas à volta de Finete, depois, antes de me sentar fixo o olhar na fachada da capela, agradecendo a Deus tudo quanto Ele me ofereceu. E partimos.

Na ponte de Udunduma despeço-me do Rodrigues e do seu pelotão. Ao passar por Amedalai aceno a quem está na estrada. Alguns quilómetros à frente, paramos nas obras do alcatroamento, o engenheiro Semedo insiste em desejar-me as maiores felicidades. A coluna prossegue com todas as precauções. O PAIGC retirou o estado de graça ao BArt 2917, as flagelações e as minas reapareceram no Xime, em Mansambo, na Ponte dos Fulas, no Corubal. O 3 de Agosto foi celebrado com alguma pompa, houve uma flagelação ao Enxalé a que se seguiu a reacção do fogo de obus do Xime; nesse mesmo dia o aquartelamento de Mansambo foi flagelado com morteiros 82, depois chegou a hora do Xime, regressaram igualmente as minas na estrada Xime-Bambadinca. Chegados ao Xime, mudei de indumentária, converso pela última vez com Cherno, entrego-lhe a G-3 e as cartucheiras para regressarem ao depósito de material, o camuflado estava prometido a Mamadu Silá, ofereço ao meu ditoso guarda-costas o meu relógio. O pelotão está formado em U, quase toda a gente que vai partir já embarcou na LDG. É um curto mas emocionado agradecimento que lhes dirijo, comecei por sorrir ao informar que todas as dívidas comigo estavam pagas, era escusado voltarem a escrever-me a pedir novas prorrogações. Não sei exactamente porquê, referi as obras de Missirá e as idas diárias a Mato de Cão, as lições que todos me tinham dado de resistência física e moral. Depois abracei-os um a um, ia pedindo a todos que ajudassem o alferes Nelson Reis como me tinham ajudado durante aqueles dois anos. Quando estava prestes a partir, dei conta que o Cherno desaparecera. Foi aí que me informaram que ele estava em grande sofrimento e que não queria que o vissem a chorar. A todos prometi que voltaria em breve.

Aturdido, subo para a LDG ainda a tempo de acenar à coluna que inverteu a marcha, vai regressar a Bambadinca, esta tarde haverá uma ida a Fá, depois a Bafatá, no regresso passarão por Galomaro para entregar materiais, à noite está-lhes reservada a ponte de Udunduma. Olho o Geba, à procura de Mato de Cão. A LDG parte para Bissau, há uns disparos ainda em Ponta Varela, pensei que fosse para intimidar eventuais atacantes. A partir daí, o Geba abre-se em luminoso estuário, o dia aquece, ouve-se o motor do vaso de guerra e o gralhar dos militares no seu bojo, é a boa disposição ou a euforia dos que partem para férias ou definitivamente. Vejo a minha imagem reflectida num vidro, confirmo que visto a farda n.º 2, tenho a boina bem posta, os sapatos engraxados. Sento-me e abro o caderninho viajante. Tomo as seguintes notas: escrever ao Paulo Costa e ao José Braga Chaves, em Moçambique; dar notícias à minha irmã, ela que foi sempre tão diligente, companhia semanal dos meus soldados doentes no anexo do Hospital Militar; ir visitar o Centro de Estudos da Guiné e depois escrever ao comandante Teixeira da Mota. Aqui parei, estou excitado com estes deveres que se podem cumprir sem os rigores de horário, constato que desta vez não tenho compras para fazer nos mercados do Bissau Velho e de Bandim, sinto-me desajeitado sem as obrigações e as rotinas. Vejo ao longe Porto Gole, afinal estou a fazer o mesmo itinerário de há dois anos atrás. Alguém passa por mim e pergunta se vou de férias ao que respondo que não, chegou a hora de regresso. Olhando novamente a minha imagem reflectida no vidro, falo para mim próprio: “A tua guerra acabou, tens que te preparar para pôr outros sonhos em prática”. As horas passam, venho de novo à amurada de onde avisto um ponto que sei ser o Ilhéu do Rei. Estou cansado, gostava de telefonar imediatamente à Cristina e à minha mãe, o que só poderei fazer ao fim da tarde. Não foi fácil chegar ao Vaticano III com toda aquela carga. Quando os correios estão prestes a fechar, entro de afogadilho e consigo as chamadas: “Em breve estarei aí, não duvidem, estou de boa saúde, logo que souber quando parto, volto a telefonar”. À saída dos correios, senti um arrepio, ainda pensei na malária, mas era, felizmente, só uma brisa muito própria da época das chuvas. Voltei a confirmar que finalmente tinha todo o tempo livre para mim. Começara a separação dos meus queridos amigos do Pel Caç Nat 52.

A última visita ao Centro de Estudos da Guiné Portuguesa

À noite, lancei-me febrilmente a escrever aerogramas, numa tentativa desesperada na sala de oficiais do QG de me isolar de todas as conversas à volta da guerra. Despeço-me de alguns amigos, dou comigo a mandar uma carta a Bacari Soncó, mas também a escrever a Fodé Dahaba e a Paulo Semedo, em Lisboa. No Vaticano III inicia-se uma peripécia que me irá custar 10 escudos que entregarei na esquadra da polícia do Campo Grande, em 1972, sob escolta policial a partir de casa. Quando pedi lençóis ao soldado quarteleiro recebi dois e uma fronha, como era do uso. Um dos lençóis estava rasgado de alto a baixo, fui informar, ele disse não ter importância. Para mim também não, continuava a ter um sono de pedra e não era possível rasgar mais aquele resto de lençol. Quando no dia da partida para o cais de Bissau fiz a entrega dos lençóis, o quarteleiro de serviço pediu que lhe pagasse um novo lençol, o que eu lhe estava a entregar era irreparável. Não lhe dei troco, ele tomou nota do meu número mecanográfico e o polícia do Campo Grande pediu-me os 10 escudos, recusei mas acabei por pagar na esquadra. Estava a aprender o mal que andara a fazer com as minhas deprecadas...

Não sei o tempo que me resta em Bissau, à cautela apareço no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa e pedi para consultar duas obras: “Usos e costumes jurídicos dos mandingas”, por Artur Augusto da Silva, vinha tudo em dois números do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, de 1968, e “O Ultramar Português no século XIX”, por A. da Silva Rego, Agência Geral do Ultramar, 1966. Aquela biblioteca quase não deixa filtrar o que se passa no exterior, não há ninguém no Museu, ali ao lado, aquele funcionário sempre tão reservado mas sempre solicito mexe-se com toda a cautela, não quer perturbar quem lê e escreve. No livro sobre os mandingas, paro para recuperar a ideia de que a conversão dos animistas, tendo sido brutal por parte dos fulas, até ao início do século XX, que iam empurrando para o litoral aqueles que não se muçulmanizavam, acabou por se adaptar aos usos e costumes dos próprios animistas. Daí o sucesso da islamização dos povos da Guiné que soube compreender que não podia hostilizar abertamente todas as crenças ancestrais. Os mandingas souberam dar esse exemplo de não pôr completamente de parte os princípios da religião ancestral. Leio e procuro compreender à distância Malã e Lãnsana Soncó: todo o comportamento humano é julgado, punido ou premiado unicamente pela religião, ao contrário das sociedades ocidentais. Mas também os mandingas não ignoravam o legado dos antepassados, as relações sociais e familiares modeladas pelos que já morreram e definem a sabedoria da colectividade. Leio e revejo a força do sincretismo religioso que presenciei em Missirá e Finete, dou conta da importância dos nomes, das castas, do levirato, da filiação, das interdições, do julgamento dos crimes. Leio e o meu espírito divaga a pensar em apelidos como os Mané e os Sani, os Camará e os Cassamá. Depois lembro-me dos ferreiros, alfaiates, tintureiros, ourives, sapateiros e tecelões, lembro-me da falta de direitos dos que estão sob a tutela dos pais, da severidade contra os crimes praticados às pessoas e contra a propriedade. Artur Augusto da Silva fala no crime de adultério, os casos que presenciei em Missirá e Finete acabaram quase todos por serem resolvidos a bem, no fundo aquela sociedade rígida e cruel com a mulher concede-lhe o direito a partir e prende o homem ao terror da esterilidade. Prometo a mim próprio que hei-de estudar mais estas notas que registei no caderninho viajante.

O livro do padre Silva Rego pareceu-me uma valiosa síntese do que aconteceu no Ultramar Português ao longo do século XIX, onde se procurou recuperar a inércia do século anterior. Tomei nota que a Constituição Política da Monarquia Portuguesa, de 1822, não fala da Guiné refere única e exclusivamente Bissau e Cacheu. As alusões à Guiné prendem-se com Honório Pereira Barreto e a questão de Bolama. Barreto é uma figura surpreendente, as fronteiras da Guiné devem-se ao seu esforço, à sua tenacidade em impedir a gula dos franceses. A questão de Bolama inibe igualmente outro pretendente à posição portuguesa, a Inglaterra. Quiseram fundar aqui um estabelecimento de colonização, no fim do século XVIII, a expedição redundou num desastre. Como tinham comprado a ilha a dois régulos, décadas mais tarde reacendeu-se a polémica, os incidentes e a tensão diplomática. Portugal propôs uma decisão arbitral e sugeriu o presidente dos Estados Unidos, Ulisses Grant. A sentença foi proferida em 1870 a nosso favor. Para conhecer a sentença fui reler a História da Guiné de João Barreto. Estou satisfeito com todas as notas que tomei, não sei para que este material serve, não posso adivinhar que no exacto momento em que ponho termo a esta narrativa da minha comissão, os meus caderninhos serão entregues na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa.

Despeço-me daquele reservado senhor que me abriu as portas a estas leituras no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. Ele terá visto a contida emoção com que lhe falo e assegura-me que nada lhe devo. Titubeante, parto para o bulício de Bissau.

Em louvor de Doris Lessing

Que livro espantoso, “A erva canta”. Comecei lê-lo há alguns meses, ao princípio duvidei que aquela África existisse, que aquele drama fosse possível numa ruína de vidas perdidas numa fazenda da Rodésia do Sul. Tudo começa com o assassinato de Mary Turner, mulher de Richard Turner, um fazendeiro de Ngesi. O criado da casa, Moisés, confessou o crime, não houve roubo, a polícia não percebeu o móbil do crime. Os Turner eram inadaptados, uns verdadeiros falhados do mundo colonial, eram brancos pobres e o seu fracasso merecia ser esquecido. Estes incidentes dramáticos tiveram lugar quando Charlie Slatter, um fazendeiro próspero e vizinho dos Turner lhes propôs ficar com a fazenda. Doris Lessing é uma autora que eu não conheço. Mas a sua estrutura narrativa para nos levar à compreensão dos factos é surpreendente e prende-nos do princípio ao fim. Como numa investigação policial, antes do móbil são previamente apresentados os personagens, comungamos os seus estados de espírito, ouvimos opiniões, desenham-se atmosferas. Aos poucos, vamo-nos apercebendo da indiferença no casal, na sua pouca ousadia, na sua incapacidade de responder aos desafios do meio hostil. Moisés, o criado, vai progressivamente tomando conta das responsabilidades da casa e cuidando de Mary, cada vez mais ausente. O leitor fica absorvido com este estilo seguro de Lessing que nos prende como numa intriga policial. Foi assim que conheci Doris Lessing, hoje um nome consagrado da literatura inglesa e mundial.





Tradução (muito boa) de Daniel Gonçalves, capa de Paulo- Guilherme, Editora Ulisseia. Penso que foi a 1.ª tradução de Doris Lessing em português. É uma construção literária vigorosa, é uma narrativa muito segura, enleante, a atmosfera depressiva em que vivem os Turner não tem uma falha. Tudo começa com a notícia do crime de Moisés, o criado africano, a narrativa desbobina os acontecimentos do princípio até ao drama, estamos à espera de um desfecho sórdido ou de amores proibidos, a realidade é bem diferente, basta estar atento aos sinais de corrosão na vida de Mary Turner. Grande e inesquecível romance!







As outras leituras foram Rex Stout e o seu Nero Wolfe e mais um enigma altamente problemático de Ellery Queen. Em “Champanhe para um”, Archie Goodwin, o secretário de Nero Wolfe é convidado para um jantar promovido por uma multimilionária e onde vão estar presentes mães solteiras. Como é esperável num livro policial, uma das convidadas aparece morta depois de ter bebido champanhe com cianeto. Archie não aceita a tese de suicídio e inicia-se uma investigação que irá confirmar ter havido uma homicídio a que se seguirão outros. Nero Wolfe, para além do seu peso monumental, do seu apetite desenfreado e da sua obsessão pelas tulipas, desmonta a trama criminosa onde há vingança, cupidez e despeito. Não é brilhante, mas cumpre satisfatoriamente a função de entreter com elegante arquitectura literária.





N.º 150 da Colecção Vampiro, Tradução de Almeida Campos, capa de Lima de Freitas. Temos aqui um Nero Wolfe desempoeirado, a pensar na reputação de Archie Goodwin, seu indefectível secretário. Este aceita ir a um jantar onde estarão presentes mães solteiras, no âmbito de um projecto filantrópico. Uma das participadas morre envenenada, Archie Goodwin alerta a polícia: não foi suicídio mas sim homicídio. Nero Wolfe é logo procurado pela polícia e por vários participantes, com alguns problemas de consciência. Wolfe, como é próprio do se génio, deslinda o problema. Não é um Rex Stout antológico, mas está bem escrito e bem urdido.




“O Mistério da Cruz Egípcia” pareceu-me um dos livros mais artificiosos e mal estruturados de Ellery Queen. Aparecem corpos decapitados em dois pontos diferentes da América, Ellery inclina-se para um ritual secreto envolvendo a cultura egípcia, o drama arrasta-se, é um verdadeiro desgoverno de situações e hipóteses ziguezagueantes, tudo à volta de um criminoso que veio dos Balcãs e que anda a ajustar contas com a família. Para quem, como eu, andava a dormir no Vaticano III não foi a leitura mais acertada, fiquei desavindo com Ellery Queen durante um bom par de anos.

Hoje já sei da minha partida: regresso ao cais da Rocha do Conde de Óbidos a bordo do Carvalho de Araújo, disseram-me que é uma viagem longa, passaremos pelo Sal e São Vicente para largar tropa cabo-verdiana e depois atracaremos um dia no porto de Ponta Delgada onde sairão duas companhias de açorianos. O sargento que me atendeu disse-me: “Venha cá buscar a guia de marcha amanhã de manhã, à tarde já pode pôr as suas coisas no navio. Antes do fim do mês está em Lisboa”. Fui logo telefonar à Cristina e para São Miguel, são coisas do destino, parti de São Miguel para formar batalhão e seguir para a Guiné, chegou o momento de ir cumprimentar e rever queridas amizades fecundadas por esse tempo ingénuo do serviço militar do meu serviço militar.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3327: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (48): O adeus a Bambadinca

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3348: Tabanca Grande (93): José Pinho da Costa, ex-1.º Cabo Op Mensagens da CCS/BART 1914, Guiné, 1967/69



José Pinho da Costa
ex-1.º Cabo Op de Mensagens
CCS/BART 1914
Tite
1967/69



1. Mensagem com data de hoje do nosso camarada José Pinho da Costa (*):

Assunto - Re: Convite para adesão ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Boa tarde Carlos!

Pois aqui estou a apresentar-me.
Ao mesmo tempo a fazer um agradecimento ao vosso BLOG, porque foi precisamente através dele que eu consegui contactar os meus antigos colegas, cujo paradeiro deles eu desconhecia.

Um dia, aí há uns dois anos ou mais, deixei um anúncio no BLOG a saber onde paravam os camaradas do BART 1914. E precisamente no dia que fazia 41 anos do nosso desembarque em Lisboa, um amigo, o Leandro Guedes, autor do nosso BLOG encontrou-me a partir desse anúncio algures perdido no vosso BLOG. Foi uma alegria enorme. A partir daí, lembrei-me do baú onde tinha cartas enviadas por mim e para mim nesses 24 meses de Guiné.

Ao abrir aquele baú, estava fechado desde a última carta recebida lá na Guiné, deparei-me com um maço de cartas da minha madrinha de guerra. Foi com muita emoção que comecei a reler aquelas cartas, onde a palavra esperança aparece muitas vezes. Sempre desejei conhecê-la. Mas por contingências várias, quando regressei não a fui conhecer. Mas nunca me esqueci dela e esperei sempre uma oportunidade. Com o aparecimento dos meus antigos colegas, enchi-me de coragem e encontrei-a.

Foi um momento e uma sensação única conhecer a pessoa que esteve disposta a gastar o seu tempo e dinheiro em selos e cartas, só pra alimentar a minha esperança de regressar com vida.

Nesse dia escrevi no nosso BLOG o encontro com a minha madrinha. Entretanto uma jornalista andava a fazer pesquisas sobre a guerra colonial para o programa A MINHA GERAÇÃO ANOS 60, leu e convidou-nos a ir ao programa dar o nosso testemunho. Naquele pouco tempo disponível, não era possível falar mais e melhor. Mas penso pelas mensagens que recebi de muitos camaradas ex-combatentes espalhados pelo país, o nosso desempenho deu para os mais novos terem a noção da realidade que se vivia naquelas décadas,e fazer uma pequena mas merecida homenagem às milhares de madrinhas anónimas espalhadas pelo país.

Podem visionar um pequeno enxerto da entrevista em:

http://br.youtube.com/watch?v=u4BrCqMjx1k

O meu cartão de militar é:

JOSÉ PINHO DA COSTA
1.º Cabo Op de Mensagens
CCS/BART 1914
Ano de embarque: 8 Abril de 1967
Ano de desembarque: 9 Março 1969

Contactos actuais:
964013329
jpcovr@sapo.pt

Um grande abraço a todos ex-combatentes
José Costa

2. Comentário de CV

Caro José Costa

Estás apresentado à tertúlia da nossa e agora tua Tabanca Grande.

Não sabíamos que afinal tinha sido o Blogue do Luís Graça a desencadear toda a trama para vires a reencontrar os teus camaradas de Batalhão e a seguir a tua madrinha de guerra. São estes acontecimentos que dão razão à existência de páginas como a nossa, onde camaradas e amigos desencontrados há décadas, se juntam para relembrar e reviver tempos difíceis da nossa juventude, mas que fazem parte do nosso passado individual e colectivo.

Como te disse já, contamos com a tua colaboração e disponibilizamo-nos para o que entenderes necessário.

Recebe um abraço de boas-vindas dos editores e da restante tertúlia.
Carlos Vinhal
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Nota de CV

(*) Vd. poste de 20 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3334: História de Vida (17): O Costa e a Madrinha de Guerra (José Martins)

Guiné 63/74 - P3347: Bibliografia de uma guerra (37): Fado Alexandrino, de A. Lobo Antunes (José Manuel M. Dinis)

Fado Alexandrino

António Lobo Antunes


1. Mensagem de Jose Manuel Matos Dinis


A Tabanca Grande tem dado destaque à obra, ou a parte da obra literária de A. Lobo Antunes. E isso resulta da temática militar que influencia esses textos, pelo menos em matéria de sensibilidades, ansiedades e sublimações. Tudo bem, também adquiri A Memória de Elefante, Os Cus de Judas e outros.
Mas o Autor tem um título delicioso sobre esta matéria, um título onde eu poderia ser intérprete de muitos dos personagens. O Fado Alexandrino é uma paródia que vai acontecendo à medida que evolui a acção, uma confraternização de antigos mobilizados na guerra de África. Uma grande farra, hilariante, que me provocava incontíveis risos, como se fosse um maluco a ler um tratado, manifestações que induziram a abordagem de estranhos, a querer saber do que me dava tanto gozo.
Li uma boa parte no café La Iruña, em Pamplona, e aquela malta interessa-se por malucos. Trata-se de um livrinho que li rapidamente, apesar das setecentas páginas, e das páginas que descolavam, tal a avidez que me despertou.
Tenho a 1ª. Edição, da Dom Quixote, necessariamente encadernado, que o António Lobo Antunes fez o favor de autografar anos mais tarde. O que eu quero, é deixar testemunho deste escrito que muito aprecio e, naturalmente, recomendo.
Para os camaradas, vai aquele abraço.
José Dinis

2. Crítica – Fado Alexandrino


"Deve-se ser muito restritivo quanto ao uso da palavra obra-prima. Mas não me resta qualquer dúvida de que este romance não é outra coisa que não isso. Leiam-no! Adquiram-no e leiam-no!"
In Jornal de Letras, Artes e Ideias, ano XI, nº489, Novembro de 1991

"Eu não sei se este romance de Lobo Antunes é genial, mas o que de certeza sei é que ele é tudo menos chato."
"Ao longo de quase setecentas páginas ofegantes, perpassam, como um caleidoscópio, os últimos vinte anos da vida portuguesa.
Misturando tempos, sobrepondo lugares, cruzando histórias, multiplicando os planos, as imagens compõem-se e decompõem-se, refazem-se e voltam a desfazer-se, as peças do "puzzle" juntam-se e separam-se para voltar a reunir-se mais adiante, e a estrutura do romance, o próprio discurso narrativo, a própria linguagem, acompanham esse movimento incessante, que nunca desfalece, através do qual a realidade de um país, de um povo, de uma época, aos poucos se vai apossando de nós, aspirando-nos para o seu interior, mostrando-nos por dentro o que conhecíamos, ou julgávamos conhecer, por fora.
Com um humor contundente, (...) a História e as estórias desenrolam diante de nós o largo ciclorama onde se projectam personagens das mais diversas camadas sociais, surpreendidas no seu quotidiano tragicómico, na sua risível e pungente humanidade, na erosão dos dias e dos acontecimentos, da inércia do tumulto, igualmente vãos."

"Romance (...) de uma geração que fez a guerra colonial, que dela regressou com o terrível sentimento de 'se ter tramado em vão, se ter gasto sem motivo', que atravessou uma revolução traída e transviada e se encontrou 'na estagnada, serena, cadavérica, imutável tranquilidade de outrora' que o manhoso oportunismo de uns quantos ('os vorazes micróbios cancerosos que da revolução se alimentavam e em torno dela se moviam') fez suceder às ondas de esperança de uns e do pânico de outros, Fado Alexandrino é o retrato em corpo inteiro, e ao mesmo tempo a radiografia, da sociedade portuguesa em tempo de mudança."
In Jornal de Letras, Artes e Ideias, ano IV, nº89, Março de 1984.

“ (...) a perspectiva escolhida é, se assim se pode dizer, a do tabuleiro de xadrez cujas peças maiores são constituídas por um grupo de ex-militares que se reúnem num jantar com o ex-comandante dum Batalhão expedicionário em Moçambique e à mesa procedem ao exercício duma memória de dez anos sobre si mesmos e sobre o Portugal de 'antes', 'durante' e 'após' Abril. E são peças secundárias desse jogo vivencial as relações multi-multiplicadas dos 5 (um Tenente-coronel, um Comandante de Companhia, um Tenente, um Alferes e um Soldado), com uma série de segundos planos familiares, profissionais, sociais e outros.
À medida que o leitor progride na organização desta memória, infunde-se nele a sensação de crepúsculo, do tempo parado, das ilusões traídas, e finda tudo num ambiente de dissolução caótica, onde o cometimento de um crime, na pessoa do Tenente, é quase um acto de antropofagia (começa na cumplicidade dos assassinos e acaba na combinação da ocultação do cadáver e no regresso de todos os outros ao marasmo dos dias. Não está implícito em tudo isto, que a vida, a solidão sem fundo e as amarguras dos personagens não sejam tão verosímeis como as alegrias ausentes ou as euforias passageiras."

“ (...) «livro dos seus livros» (...) sobretudo porque alia a exigência a um capital de pesquisas que, estando longe de considerar-se esgotado, é um caso típico da inquietação e daquele húmus criativo que nos torna solitários e nos remete para uma relação sofrida com a vida e com as pessoas. (...) também porque é retoma subtil dos grandes temas que vêm inspirando quase toda a obra de A.
O tema da guerra colonial, p. ex., (...) o inferno dos outros, a solidão punida e punitiva, o espaço do memorizado e do sofrido (...), são outros tantos caminhos recobertos por este livro."
"Fiquem os leitores com a ideia de que a 'monumentalidade' deste romance reside tanto nas suas dimensões físicas como na sua estrutura e na sua actualidade."
In Colóquio Letras, nº82, Novembro de 1984

In Literatura, Antonio Lobo Antunes. Com a devida vénia.
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Notas: artigos da série em

Guiné 63/74 - P3346: Bibliografia de uma guerra (36): Cacimbados, de Manuel Correia Bastos. Moçambique.

Cacimbados
Novo livro sobre a Guerra Colonial.

Manuel Correia de Bastos nasceu na vila de Aguim, no concelho de Anadia, em 1950.
Foi mobilizado para ex-colónia de Moçambique onde cumpriu o serviço militar obrigatório, incorporado na CArt 3503.
Esta companhia chegou a Mueda, em Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, no 12 de Fevereiro de 1972 com 153 militares; teve 6 comandantes, combateu a FRELIMO durante 26 meses e sofreu 58 baixas, de entre as quais 5 mortos, 1 desaparecido e 52 feridos, 16 dos quais muito graves, na maioria com deficiências permanentes.
Manuel Bastos foi gravemente ferido em combate em virtude da deflagração de uma mina anti-pessoal e deu baixa ao Hospital Militar Principal para convalescer da amputação de uma perna.
Tem escrito crónicas sobre a guerra colonial especialmente no Jornal da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, e mantém desde 2003 um dos mais antigos Blogues sobre a Guerra Colonial, O
Cacimbo.

O Título do blog remete para o nome que o povo chamava aos ex-combatentes da Guerra Colonial, "Cacimbados", por atribuírem ironicamente ao clima de África os distúrbios provocados pelos traumas da guerra.
O conteúdo do blog é composto principalmente por textos e fotos que narram as memórias dos dias passados na Guerra Colonial, e das experiências do pós-guerra dos ex-combatentes com deficiências físicas e traumas de guerra, misturando a ficção com a verdade crua dos factos.

O Cacimbo inicia com esta dedicatória:

A todos os homens com coragem para lutar
A todos os homens com coragem para desertar
A todas as mulheres com coragem para perdoar a ambos




Cacimbados é um romance composto pelas pequenas histórias de um soldado que fez a guerra colonial no Norte de Moçambique, através das quais são apresentadas aos leitores as situações que caracterizavam a vida dos militares no final da guerra em Mueda.

A apresentação do livro terá lugar no dia 15/11/08, das 16:00 às 18:00, na Casa Municipal da Cultura de Coimbra, na R. Pedro Monteiro.

Ao mesmo tempo o Cacimbo completará 5 anos de existência, o que faz dele provavelmente o mais antigo blogue dedicado à Guerra Colonial.
Dele extraímos a


A Prenda de Natal
O soldado abraça a G3, enquanto caminha pela picada, como se fosse um ícone sagrado ou um amuleto. Era, bem vistas as coisas, o único objecto de valor que transportava consigo. Quanto custaria uma G3? Provavelmente não possuía nada de seu com um preço superior ao de uma G3.
Lembrava-se de, quando criança, ter pedido um triciclo pelo Natal e de os seus pais lhe terem dito que o menino Jesus não dava prendas tão caras. Apesar disso nunca pôde deixar de formular o desejo de receber uma prenda que fosse provocatoriamente superior ao orçamento do seu menino Jesus, embora soubesse que a realidade no sapatinho haveria de ser bem mais modesta.Nunca a realidade lhe ultrapassou o sonho.
O soldado avança, o agoiro da mina escaldando-lhe os pés, ora abraçando a arma ora atravessando-a, como uma canga, em cima do cachaço e descansando os braços sobre ela, parecendo um crucifixo ambulante. Que pode um soldado assim crucificado na própria arma desejar para o Natal?


Cada passo é um lance de roleta russa.
Quando se ouve o estampido, mais no estômago do que nos ouvidos; quando se segue um instante de silêncio em que todo o som parece ter sido sugado para um buraco; quando sentimos o bafo fétido da morte que nos traz, num segundo apenas, uma eternidade de medo; então experimentamos um, ainda que brevíssimo alívio; mas tão grande que não cabe nas palavras, pois que, quando somos nós a calcar a mina não se ouve nada, não se sente nada; tudo se apaga simplesmente.
E o soldado acordou. Nem dor, nem angústia, nem medo - só um lento despertar. Uma dilacerante suspeita de não estar a acordar de um simples pesadelo, de cujos contornos não se recordasse bem, uma obstinada recusa em aceitar a estúpida realidade, crua e descarnada diante dos olhos, e o desejo, desta vez tão modesto, mas tão irrealista como sempre, de receber, como prenda de Natal, ao menos o corpo inteiro dentro das botas.
E o Manuel Bastos, oferece à Tabanca Grande o ainda inédito
Os Sapatos do Major

Pôr um pé à frente do outro; o resto é milagre. Pouca gente está consciente disto: estar de pé e caminhar é uma coisa prodigiosa, aparentemente improvável; sobretudo se for observada de uma cadeira de rodas. É maravilhosa a estabilidade de uma pessoa a caminhar, sem precisar de efectuar cálculos constantemente; para fazer com que a projecção do seu centro de gravidade caia infalivelmente dentro do imaginário polígono de sustentação de geometria extremamente variável, à medida que caminha. Bastam algumas semanas sem podermos caminhar para recearmos que esse dom nos venha a ser retirado para sempre.
Há muito pouca diferença entre caminhar normalmente e voar, na perspectiva de um paraplégico. Só a consciência disso me permitia aceitar o sorriso condescendente das senhoras do Movimento Nacional Feminino que me tratavam como um privilegiado, por me saberem por pouco tempo confinado às limitações da cadeira de rodas.
As senhoras do Movimento Nacional Feminino achavam que nenhuma desgraça era suficientemente grande para um homem, e que os males que nos corrompiam eram apenas dádivas que devíamos agradecer à Divina Providência.
Devíamos agradecer por sermos amputados, pois bem poderíamos ser paraplégicos, e estes deveriam estar gratos por não serem tetraplégicos, porém estes últimos só por uma grande ingratidão não se sentiriam felizes por não terem morrido. Mas não se pense que os mortos estavam livres de demonstrar gratidão, pois que se tinham livrado de uma vida de limitações e sofrimento.
Não sejamos injustos com as senhoras do Movimento Nacional Feminino por elas não entenderem que basta uma erupção de acne na ponta do nariz, para um jovem se sentir um mutilado de guerra; é que elas afinal viviam no mesmo país do que nós, tinham o mesmo governo, liam os mesmos jornais, e não me custa admitir que fossem chamadas a frequentar algum curso de caridade cristã onde tudo se resumisse a convencê-las de que nos deveriam fazer sentir gratos por Deus não ter decidido tirar-nos mais alguma coisa, para além do que a guerra já nos tinha tirado.
Quando voltei a ver o mundo olhando por cima da cabeça dos outros, como já me tinha habituado havia muitos anos, começava para mim um novo problema: substituir a perna, que a cobarde mina anti-pessoal me tinha tirado à má fila, por um par de canadianas que prolongavam os meus braços até ao chão e que me transformavam numa periclitante tripeça à beira do colapso.
Há um ditado italiano que diz que não há maior felicidade do que termos companhia no infortúnio; se isso é verdade, devo ter sido muito feliz no Hospital de Lourenço Marques, pois não conheço outro lugar no mundo com tanto perneta para me fazer companhia.

Aos domingos uma parte da população vinha visitar os militares feridos em combate, e procurava saber coisas do Norte; era a parte da população que tinha consciência de que algo estava prestes a mudar. Conheci uma outra parte da população: a que achava que a guerra era uma coisa que se passava no distante Cabo Delgado entre a malta de Lisboa e os pretos; nada que uma matança a sério, e depois um apartheid à portuguesa não resolvesse. E depois…
E depois havia as senhoras do Movimento Nacional Feminino. Havia qualquer coisa de patético nas senhoras do Movimento Nacional Feminino; qualquer coisa com sabor àquela doce degradação, só detectável no olhar de paciente mortificação das prostitutas dos bares de má fama da periferia das grandes cidades. Olhavam-nos com a distraída simpatia de quem tem por profissão distribuir calor humano em doses calculadas.
Sinto uma certa relutância em confessá-lo, mas era isso justamente que me fascinava nelas. Imaginava-as chegando a casa, cansadas de terem distribuído simulacros de simpatia, arremedos de afecto e até algum carinho bem imitado, e uma vez chegadas a casa, terem dificuldade em exercer as suas relações íntimas com autenticidade; pois que a alternância entre o afecto profissional e o afecto verdadeiro devia traí-las e fazer com que se confundissem, como acontece decerto com as prostitutas em relação aos utentes dos seus serviços e aos seus amantes verdadeiros.
Em momentos de maior pendor para o drama, imaginava-as a entregarem-se à realidade das suas insípidas vidas afectivas em que também não recebiam mais do que esse embuste de sentimentos, das pessoas de quem verdadeiramente gostavam, e apetecia-me pegar-lhes fraternalmente nas mãos, o que imaginava ser o correspondente a beijar uma prostituta; algo que subvertesse a relação profissional e criasse um incontrolável contacto humano.

A esposa do Major era suficientemente feia para garantir que um contacto humano, por mais incontrolável que pudesse ser, não viesse jamais a incendiar tentações; mas era muito carente; tinha uma tal soma de carências por aquele corpo abaixo, que isso não a deixou entender aquele meu gesto romântico. E aqueles segundos em excesso durante os quais a minha mão pegou na dela, e que pretendiam passar por um acto paternalista, com uma dose certa de indulgência machista, tipo Hemingway num bar de prostitutas em Havana, foram tomados como um sinal inequívoco de um macho em ebulição hormonal, atormentado pelo primário instinto de acasalamento.
Por essa altura, eu já via o mundo de novo por cima das cabeças dos outros, embora a minha figura de canadianas se assemelhasse a um orangotango desengonçado que caminhava erecto, mas com a ajuda dos longos braços; e que um pijama curtíssimo, e o cônjuge sobrevivo do meu par de botas da tropa, faziam parecer um orangotango, mas com aptidão para a arte circense.

Enquanto tentava iludir a dança de acasalamento da esposa do Major, convenci o Herculano a levarmos a cabo um peditório para adquirir um par de sapatos; um único par, que nós éramos pernetas simétricos e calçávamos o mesmo número; esforço que ele não compreendia, dado que a esposa do Major repetia amiudadas vezes que me poderia ser mais útil do que eu imaginava.
Ao fim de uma semana já não parecia que houvesse uma alma naquele hospital a quem não tivéssemos pedido pelo menos duas vezes para o par de sapatos e a colecta não chegava nem a metade do necessário. Considerei seriamente a prostituição. Sem um sapato eu não poderia sair do hospital, e a utilidade da esposa do Major era seguramente menor que a minha imaginação.

O dia seguinte amanheceu normal, nenhuma alteração climática veio alterar o curso dos acontecimentos, nenhuma notícia sobre a guerra veio interferir no meu estado de espírito, e eu preparei-me para a visita das senhoras do Movimento Nacional Feminino. As senhoras vieram, mas a esposa do Major não veio. Veio o cabo enfermeiro.
– Ó Furriel Bastos, o Herculano saiu de fim-de-semana mas pediu-me para lhe dar isto. Uma caixa. Um envelope. Uma mensagem.
"Espero que gostes. Felizmente o Major calça o mesmo número que nós. Um abraço. Herculano".
Manuel Correia Bastos
__________
Nota: artigos relacionados em

Guiné 63/74 - P3345: O cruzeiro das nossas vidas (12): Uíge, 5 de Fevereiro de 1969, destino Guiné (António Varela)

1. Mensagem de António Varela (*), ex-Fur Mil Sap Minas e Armadilhas, CCS/BART 2865, Catió, 1969/70, com data de 13 de Outubro de 2008:

Caros Luis, Carlos e Virgínio:

Como tinha prometido estou a enviar-vos a estória do meu embarque para a Guiné, o meu baptismo de fogo (**) e também algumas fotografias minhas, do quartel e da vila de Catió. Se acharem que têm interesse podem utilizá-las.

Texto e fotos: © António Varela (2008). Direitos reservados


2. Destino: Guiné (***)

No dia 5 de Fevevereiro de 1969, depois das despedidas da família e do desfile militar, fui ainda contemplado pelo Movimento Nacional Feminino com um livrinho sobre a Guiné, uma imagem religiosa e um maço de tabaco (Três Vintes). O cais da Rocha de Conde de Óbidos estava apinhado de gente para o último adeus, emocionado.

O navio que me transportou e ao BART 2865 foi o Uíge, fomos colocados oficiais e sargentos nos camarotes e os soldados no porão.

Com o navio todo inclinado para o lado do cais, num último adeus sentido, com muitos lenços brancos a acenarem para os filhos, maridos, irmãos, namorados, que se afastavam agora a caminho do mar largo, com destino à Guiné.


N/M Uige da Companhia Colonial de Navegação

Foto retirada do site
Navios no Sapo, com a devida vénia

Depois, com Lisboa fora do alcance da nossa vista, seguiram-se 6 dias em que muitos enjoaram e vomitavam em qualquer lado, até dentro do próprio prato, e alguns eram bastantes insistentes. Os piores de todos foram sempre os soldados, instalados no porão, onde só cheirava a vomitado, alguns não tinham forças para se levantarem das camas, tal era o seu estado de fraqueza.

Aguentar tudo aquilo era medonho, mas havia sempre alguns que se aproveitavam dos males dos outros em seu proveito, tomando mais uma refeição.

Foram também 6 dias de batota, com jogos de todo o género, poker, lerpa, copas, abafa, apostas em corridas de cavalos, etc. Ao terceiro dia de viagem, havia quem já tivesse perdido tudo o que tinha recebido antes de embarcar.

Passámos ao largo do norte de África, das Canárias, da Madeira e das Ilhas de Cabo Verde, acompanhados apenas pelas gaivotas e peixes voadores, Arquipélago dos Bijagós e no dia 11 de Fevereiro de 1969 desembarcámos em Bissau. O Uíge ficou ao largo, sendo nós transportados noutros barcos para o cais do Pidjiguiti.

Já no cais, comecei a olhar em volta procurando inteirar-me da realidade que me esperava, ao fazer esta observação, apercebi-me que havia uma grande lona a cobrir qualquer coisa e resolvi levantar ligeiramente para ver o que se encontrava por baixo, e para espanto meu vejo que são caixões, 50 a 60. Ao ver isto fiquei muito impressionado, e pensei:
- Estou tramado, onde é que me vim meter.

Sabia que a guerra na Guiné era a pior de todas, mas nunca pensei encontrar no cais, à chegada, como cartão de boas-vindas, todos aqueles caixões. Soube mais tarde que, como se tinha dado o desastre de Madina do Boé há pouco tempo, onde tinham morrido mais de 40 camaradas, aqueles seriam os seus caixões para serem embarcados no Uíge na volta para Lisboa. Sendo ou não caixões daqueles camaradas, o que é certo é que apanhei um arrepianço do caraças, mas também quem é que me mandou levantar a lona?

Do Pidjiguiti seguimos para o quartel em Brá, onde nos instalaram, no meu caso numa casa com colchões no chão, junto aos geradores que faziam um barulho infernal e não deixavam dormir ninguém.

Ao anoitecer ouvi os primeiros estrondos ao longe, mas que pareciam tão perto! Vim depois a saber que eram os obuses de Tite a bater a zona, mas que apanhei outro arrepio é verdade que apanhei, eu e os que estavam comigo naquela noite.

De 11 a 16 de Fevereiro de 1969 andámos por Bissau a conhecer os seus encantos, o café do Bento, o Solar dos Dez, a Solmar, um café junto da Amura de que não recordo o nome, mas onde se comia bom marisco, outro café junto à praça do Império, do lado esquerdo de quem sobe a avenida, onde os jubes vendiam amendoim descascado para acompanhar a cerveja. Era óptimo.

Andámos também pelo Pilão, o pessoal tinha algum receio de lá ir, mas era um dos principais locais para pôr a actividade sexual em dia. Visitámos também os mercados municipal e central, todas estas visitas sempre acompanhadas com muita cerveja, whisky, coca-cola, etc.

Partimos a 17 de Fevereiro em LDG, para Catió.

As marés vivas faziam as ondas bater na LDG e entrar dentro dela, dando-nos antênticos banhos de água salgada e nós não estávamos minímamente preparados para ultrapassar este problema. No entanto os marinheiros já sabiam como eram estas viagens e levavam sempre bagaço com fartura para aquecermos. Tinhamos de desembolsar 5 pesos por cada copo de bagaço, eles faziam um dinheirão com as viagens para Catió.

Quando entrámos no rio, começaram os canhões das LDG a disparar para as margens, que por vezes ficavam bem próximas das LDG, confesso que voltei a pensar:
- Cum caraças onde é que eu estou metido ?

Chegámos finalmente ao cais de Catió, aproveitando as marés, conseguimos desembarcar e dirigir-nos para a vila. Aqui chegados começámos a ver que todos os que estavam fora do quartel, estavam armados até aos dentes, pensei:
- Estou mesmo tramado, isto deve ser muito mau, se até ao bar (Catió) vêm armados...

Catió, 1869/70 > Vista parcial da vila e do Quartel

As instalações no quartel em Catió eram razoáveis para aquilo que eu estava à espera, mas mesmo assim no meu quarto ficávamos 5 furriéis. Havia espaço, o recato é que não era muito, mas dentro da diversidade havia uma certa complementaridade que permitiu nos déssemos mais ou menos bem.

Catió, 1869/70 > Fur Mil Varela à Porta d'Armas, de Sargento de Dia

Catió, 1969/70 > Quartos dos Sargentos e em frente Messe dos Oficiais

Catió, 1969/70 > Lado esquerdo, quartos dos Oficiais; em frente do lado esquerdo, Casa da Guarda e Depósito de Géneros; lado direito, Edifício do Comando; lado direito, frente, Cozinha da Messe dos Soldados.

Fotos e legendas: © António Varela (2008). Direitos reservados.



Recordo aqui com saudade os ex-Fur Mil Sap Fialho, ex-Fur Mil Sap Nascimento, ex- Fur Mil Vaguemestre Samuel e o ex-Fur Mil Escriturário Moita Pereira. Se visitarem o blogue, um abraço para eles.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3302: Tabanca Grande (91): António Varela, ex-Fur Mil Sapador da CCS/BART 2865, Catió, 1969/70

(**) Vd. último poste da série de 20 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3332: O meu baptismo de fogo (15): Buba, Aldeia Formosa, 1968. (José Teixeira)

(***) Vd. último poste desta série > 21 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3338: O cruzeiro das nossas vidas (11): Viagem para a Guiné em época de Carnaval (Jorge Picado)

Postes anteriores:

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)

11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)

15 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1953: O cruzeiro das nossas vidas (6): Ou a estória de uma garrafa, com o SPM de Mansoa, que viajou até às Bahamas (Germano Santos)

3 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2025: O cruzeiro das nossas vidas (7): Viagem até Bolama com direito a escalas em Leixões, Mindelo e Praia (Henrique Matos)

13 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2044: O cruzeiro das nossas vidas (8): Porto de Lisboa, Cais de Alcântara (Luís Graça)

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2050: Cruzeiro das nossas vidas (9): Do Funchal para Bissau no Ana Mafalda (Carlos Vinhal)

13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3344: PAIGC - Instrução, táctica e logística (18): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: O temível helícóptero (A. Marques Lopes)

Tancos > Base Aérea nº3 > 1967 > 1º Curso de Pilotos de Helicópteros, onde pela 1ª vez também foram incorporados milicianos, segundo informação do Jorge Félix, aqui, junto a um Allouette II, no meio dos seus camaradas, onde se inclui o Duarte Nuno de Bragança.


Os primeiros pilotos milicianos de helicópetros da FAP > 14 de Março de 2008 > "Éramos oito milicianos (Eu, Antolin, Cavadas, Melo, Baeta, Pinto e Duarte) e três da Academia Militar (Braga, Afonso e Costa). O Pinto faleceu em Outubro de 2007, em Lisboa, vítima de doença. O Oliveira faleceu no acidente de aviação em Tancos, em 72 ou 73. Estes dois companheiros estiveram comigo na Guiné. O Melo anda em sítio incerto na Venezuela (vou saber pormenores da 'chatice' que foi a vida dele por lhe terem roubado um Allouette III da FAP). O Baeta faleceu em Gago Coutinho, Angola, Março de 1969, num acidente, voo nocturno, Heli. O Cavadas também já faleceu em acidente de Heli, andava nas pulverizações, no Alentejo. O Antolin está de perfeita saúde, Comandante da TAP reformado, a viver em Lisboa. O Duarte é... Sua Alteza D. Duarte Nuno de Bragança, esteve em Moçambique e vive em Lisboa. O Pinto, também reformado da TAP, faleceu há quatro meses. Do Braga, Afonso e Costa, sei muito pouco (...). Jorge Félix".

Foto (e legenda) de Jorge Félix, ex- Alf Mil Pil Av Heli Allouette III (BA 12, Bissalanca, 1968/70) > Cortesia de:
Blogue do Victor Barata > Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74.




PAIGC > Figura 1 > O helicóptero > "Helicóptero quer dizer: uma coisa que tem asas (ptero) em forma de hélice ou ventoinha (héli). Na verdade o helicóptero não tem asas como o avião, tem três partes principais: O corpo – com a carlinga onde está o piloto; o rabo – que também tem uma hélice (hélice propulsora); as hélices – grandes, acima do corpo e que se consideram como sendo as asas do helicóptero (ver desenho)"


Continuação da publicação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado na época como reservado, de que nos foi enviada uma cópia, através de mais de um dúzia de mails, entre Setembro e Outubro de 2007, pelo nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, Cor DFA, na situação de reforma.

O Marques Lopes foi Alf Mil na CART 1690 (Geba ) e CCAÇ 3 (Barro) entre 1967 e 1969.

PAIGC: Instrução, táctica e logística (18) > INSTRUÇÕES SOBRE A ACTUAÇÃO CONTRA HELICÓPTEROS [Transcrição de documento, interno, do PAIGC] (1)

Revisão e fixação de texto: AML/LG

INTRODUÇÃO

Desesperados diante do progresso da nossa luta, do aumento crescente das nossas forças armadas, os colonialistas portugueses tentam usar contra nós todos os meios modernos de que podem dispor, para ver se conseguem parar a marcha vitoriosa do nosso Partido. Nos devemos estar prontos para responder com coragem a todos os crimes dos colonialistas. Os combatentes das nossas forças armadas, principalmente os responsáveis do nosso Partido, devem enfrentar com calma e coragem todas as iniciativas criminosas dos colonialistas portugueses, devem estudar bem as suas manobras e os meios que usam contra nós, para poder manter bem alto o espírito combativo dos nossos militares armados, reforçar cada vez mais o apoio do nosso povo à luta armada e infligir novas e mais pesadas derrotas às tropas colonialistas.

Desde meados de 1966 que os colonialistas têm vindo a usar contra nós os helicópteros. Já usavam antes os helicópteros, mas apenas para abastecimento dos soldados isolados, para retirar mortos e feridos dos campos de batalha e para abastecimento.

Agora os colonialistas estão a usar helicópteros armados nas operações contra nós, principalmente contra as tabancas das regiões libertadas, para fazer mal ao nosso povo mas também em operações combinadas e para acções de surpresa contra certos sectores da nossa luta. Já nos fizeram algum mal e poderão fazer muito mais, se não tomarmos as medidas necessárias para responder com coragem e força a esta nova tentativa criminosa dos colonialistas.

Para conseguirmos votar ao fracasso esta nova iniciativa desesperada dos tugas, todos devem saber bem o que é o helicóptero, para que serve e como se usa, quais são as suas forças e as suas fraquezas, como combater contra os helicópteros e contra as armas transportadas por helicópteros. Os responsáveis do Partido devem saber isso, todos os combatentes devem saber isso, mas também as nossas populações, homens, mulheres e jovens devem saber isso. Os helicópteros nada podem contra um povo unido e pronto a lutar corajosamente para a sua liberdade. Assim como temos derrotado as forças colonialistas com as suas armas modernas e aviões, assim também derrotaremos os helicópteros que agora estão a usar.

Para fazer este documento, tomou-se como base, fundamentalmente, a grande experiência do povo heróico do Vietname na luta contra os helicópteros, tendo em conta as condições próprias da nossa terra.


I - RAZÕES, OBJECTIVOS E CONDIÇÕES DE USO DOS HELICÓPTEROS NA GUERRA COLONIAL


1. Porque é que os tugas usam os helicópteros contra nós



Os colonialistas portugueses já usaram contra o nosso povo muitos meios, quase todos os meios de que podem dispor para nos fazer mal. Manhas e intrigas, escravatura, armas de fogo antigas para conquistar a nossa terra; chicote, pontapé, bofetadas, palmatória e trabalho forçado no tempo do colonialismo; prisões, torturas, assassinatos, armas de fogo modernas, aviões com bombas de todas as espécies, carros blindados, etc., para destruir o nosso Partido, meter medo ao nosso povo e parar a nossa luta de libertação. Agora usam os helicópteros, convencidos de que assim poderão realizar os seus objectivos criminosos. No princípio da luta armada, os tugas vinham de carro. Nós destruímos os carros e passaram a tentar vir a pé. Nós matámo-los nas estradas e no mato em grande número, não conseguiram avançar de surpresa, porque eram descobertos pelas nossas patrulhas. Agora resolveram vir de helicóptero, para chegarem mais depressa, com surpresa, para também poderem fugir mais depressa, e para tentar retomar a iniciativa da luta.

Os tugas usam os hlicópteros para tentarem realizar combates e retirarem-se rapidamente, antes de os liquidarmos. Usam os helicópteros porque já sabem que não podem entrar a pé profundamente nos nossos matos, porque só com helicópteros poderão entrar nas nossas tabancas situadas junto das bolanhas e das matas onde é perigosa para eles andar a pé. Usam helicópteros, porque querem causar surpresa nos seus ataques contra as nossas populações e combatentes, querem ter iniciativa. Porque querem tentar liquidar-nos com ataques rápidos e seguros, para se retirarem rapidamente depois. Usam os helicópteros, porque também estão convencidos de que, como não conhecemos bem os helicópteros, ficamos com medo e não podemos agir.

Mas a razão principal porque os tugas usam agora os helicópteros, é porque todas as táticas e técnicas usadas contra nós até agora não deram resultado para eles. Estão desesperados e usam agora os helicópteros na esperança de que assim poderão mudar a situação. Por isso mesmo, nós devemos fazer frente aos helicópteros, atacá-los, botá-los abaixo, atacar e liquidar as tropas que transportam. Fazendo isso, votando ao fracasso essa nova tentativa desesperada dos tugas, vamos matar uma das suas últimas esperanças na nossa terra e, portanto, conseguir uma vitória decisiva para a expulsão dos tugas da nossa terra.


2. O que os tugas fazem e querem fazer com os helicópteros


Como se disse, os tugas usaram antes os helicópteros só para retirar os feridos e mortos dos campos de batalha e para abastecer ou apoiar as suas tropas tanto nas casernas como nos postos do mato.

Agora, os tugas, além disso, transportam tropas nos helicópteros para fazerem ataques terrorristas contra as nossas populações, para tentar atacar as nossas bases guerrilheiras, para tentarem estabelecer pontos de apoio em certas zonas. Portanto, para tentar destruir as nossas forças. Os helicópteros armados atacam as nossas aldeias e lançam chamas para queimar as nossas culturas.

Os tugas querem, com os helicópteros, com helicópteros que esperam receber dos seus aliados americanos, alemães, ingleses e franceses, desejam fazer grandes ataques contra nós, em operações combinadas com a infantaria, a aviação e a marinha; pensam poder lançar as suas tropas em várias direcções com muitos ataques rápidos, para tentar destruir as nossas forças e tomar o nosso material; esperam poder atacar cada vez mais as populações das regiões libertadas para matá-las ou forçá-las a fugir, para assim nos retirar o apoio do povo, indipensável para a marcha vitoriosa da nossa luta.

Para tentar fazer tudo isto contra nós, os tugas têm de vencer grandes dificuldades. Por isso, procuram aplicar na nossa terra os conhecimentos dos imperialistas americanos e outros, nomeadamente as tácticas e técnicas do uso dos helicópteros pelos americanos, contra o povo do Vietname.


3. Casos em que o tuga usa ou pode vir a usar os helicópteros contra nós


a - Assaltos de surpresa em terreno plano

A Guiné é em geral plana, pelo que não é difícil usar os helicópteros, salvo nas áreas de floresta com muitas árvores. Já em Cabo Verde, onde o terreno é montanhoso, será mais difícil de usar os helicópteros para ataques deste tipo.

Neste caso, o helicóptero é usado apenas como transporte de tropas, não sendo apoiado por fogo de armas pesadas ou por aviões. O objectivo desses assaltos é de prender pequenos grupos guerrilheiros ou gente do Partido. O inimigo procura tirar o maior efeito da surpresa, procura chegar ao local do ataques sem ser esperado. Mas só usa este tipo de ataque, quando sabe que as nossas forças são fracas. Por isso mesmo, na fase actual da nossa luta, em que temos em grande forças em todos os lados, o inimigo não pode usar muito este tipo de ataque dos helicópteros.


b – Assaltos a bases de guerrilha

Para fazer este tipo de assalto em helicópteros, o inimigo precisa de informações dadas pelo serviço de espionagem, pelos traidores ou por prisioneiros que lhes dizem onde estão exactamente as nossas bases, a força que temos nelas as armas que temos, o nosso sistema de defesa, etc. Por isso é preciso muito cuidado om os espiões e com os traidores, e, quando uma pessoa (da população ou combatente) que conhece bem uma base é presa pelos tugas, devemos sempre mudar a base.

Este tipo de assalto tem de ter um apoio aéreo (de aviões), para nos obrigar à defensiva, de maneira a sermos apanhados de surpresa pelas tropas transportadas por helicópteros.

Os helicópteros têm de partir de longe (por exemplo de Bolama para atacar no Cubisseco ou no Como) a fim de não sabermos antes que os tugas vão vir de helicóptero.


c - Desembarque de tropas para ocupar um lugar ou para fazer ataques de envergadura

Este é uso principal dos helicópteros que o IN [Esta abreviatura deve ser vício profissional do tuga que passou o texto à máquina. Não acho que usassem a mesma expressão que nós, o que, aliás, se vê em todo o SUPINTREP - A. Marques Lopes] pode querer fazer na fase actual da nossa luta. Exige bastante preparação, boas informações sobre as nossas forças, apoio de aviões e de fogo de armas pesadas, e, em alguns casos, apoio de tropas vindas por mar e por rio.

Vamos ver mais adiante o caso de desembarque de tropas transportadas por helicópteros.


4. Como é que o inimigo usa os helicópteros

No uso do helicóptero, o inimigo usa o seguinte método de trabalho:


A) – Faz o plano de combate

O plano é traçado de acordo com os métodos de combate da infantaria (as tropas só têm armas ligeiras). Para isso, o inimigo toma em conta o tipo de terreno, o método de desembarque e o número de helicópteros necessários para a peração. O chefe dos helicópteros e o chefe da infantaria reconhecem a situação e traçam o plano.


B) – Faz o plano para o transporte

Para isso toma em consideração:

- o número de soldados

- a quantidade de helicópteros

- a distância até ao lugar do desembarque

O chefe de infantaria indica a direcção do voo, e o chefe dos helicópteros indica como os helicópteros devem formar-se em voo.


C) – Faz o plano de fogo de apoio

Durante o voo dos helicópteros, são combinados três tipos de fogo: Artilharia, bombardeamento e metralhagem por aviões e fogo dos helicópteros que têm canhões e voam separados dos helicópteros que transportam tropas.

Antes de começar o voo e durante o voo, a artilharia e os aviões bombardeiam a posição a atacar, para enfraquecer as nossas forças. Durante o combate continua o fogo de apoio com artilharia e aviões, mas também com morteiros para permitir a saída dos soldados e a retirada dos helicópteros.


D) – Realização do desembarque

O desembarque é feito por fases, porque, em geral, os helicópteros não podem descer (aterrar) todos ao mesmo tempo no mesmo terreno. O primeiro grupo que desembarca é o grupo de protecção. Logo que o helicóptero toca a terra, os soldados saltam ou descem dele. A disposição do inimigo é a mesma que a das tropas de infantaria. Devem estar prontos para combater logo que tocam a terra.


5. Como é que o inimigo prepara um ataque com helicópteros


a - Faz reconhecimentos com aviação

Isto é para conhecer bem: a posição das nossas forças, o número de homens, as condições do terreno, as condições do tempo, etc. Este tipo de reconhecimento toma em geral bastente tempo, mas é muito fácil nas regiões planas como a nossa terra.


b - Faz ensaios de desembarque

Isto é para conhecer as dificuldades que pode encontrar no combate. Faz isso porque não é fácil aterrar e necessita de boas condições.


c – Escolhe o ponto de partida

É preciso para isso que a unidade da infantaria não esteja muito longe do desembarque, e que a caserna ou o posto em que se encontra seja uma base segura. A distância de voo deve ser em geral de cerca de 40 a 50 Km. Quando há muitos aeroportos, eles servem de ponto de partida (Bolama, Catió, Farim, Bafatá, etc).


d – Concentra (junta) os helicópteros e as tropas no ponto de partida

Quando é preciso mudar as tropas do quartel para o aeroporto, faz isso rapidamente, no máximo de uma hora, porque tudo deve estar pronto para partir, uma ou duas horas antes do desembarque.

e – Faz manhas para desviar a nossa atenção, para nos enganar

Pode fingir que está a reconhecer outro lugar em vez daquele que vai atacar, fingir que vai desembarcar noutro lado, lança boatos (notícias falsas) dizendo que vai atacar noutro lado, lança panfletos (cartas com propaganda) para nos desmoralizar e no fim atacam o lugar que sempre tinham em vista atacar.


6. Como é que o inimigo faz o desembarque


a) Fogo de apoio

Quando começa o fogo de apoio, os helicópteros saem do local de partida. O fogo de apoio dura todo o tempo de voo, de modo que quando chegam os helicópteros para o desembarque pára o fogo de apoio. No momento do desembarque o fogo de apoio recomeça, mas muda para as zonas próximas do local de aterrisagem, com o fim de cobrir o desembarque. Antes do desembarque o inimigo pode lançar paraquedistas falsos para, conforme a nossa reacção, conhecer melhor as nossas posições no terreno. Para o fogo de apoio, usam, como se disse, artilharia e aviões de combate. Os aviões fazem voos razantes (baixos) para fazer muito barulho com o fim de cobrir o ruído dos motores dos helicópteros.

Em geral as tropas que desembarcam e os aviadores de helicópteros pedem fogo de apoio. Mas isso faz com que nós podemos desconfiar do ataque, a surpresa fica diminuída ou sem efeito. Isto acontece porque as tropas colonialistas têm baixo espírito de combate, querem agir com maior segurança.


b) Tipos de desembarque

O inimigo desembarca grupo por grupo, mas se o primeiro grupo é atacado, volta a fazer fogo de apoio. Há três tipos de desembarque:

1º tipo – O helicóptero aterra e os soldados saem. Fazem assim em terrenos planos.

2º tipo – O helicóptero não aterra, fica suspenso no ar a pequena altura, lança uma escada e os soldados saem. Fazem assim nas zonas montanhosas principalmente.

3º tipo – O helicóptero não aterra, fica no ar a uma altura muito baixa, e os soldados saltam dele. Fazem assim nas zonas pantanosas (bolanhas, lalas com água, lama).


c) Tempo que dura o desembarque

O desembarque dos soldados de um helicóptero dura em geral 3 minutos; o desembarque de uma companhia (20 helicópteros) [Não me parece que na Guiné tivéssemos tantos helicópteros. Há-de ser uma ideia colhida junto dos vietnamitas - A. Marques Lopes] dura 10 a 15 minutos.


d) Como ataca o inimigo depois do desembarque

O inimigo age exactamente como fazem as tropas de infantaria, que estamos habituados a enfrentar.


II – BASES PARA A LUTA CONTRA OS HELICÓPTEROS


A nossa luta é uma guerra popular (de todo o povo). Por isso, a luta contra os helicópteros deve ser uma luta de todo o povo. Na luta contra os helicópteros, o trabalho principal é: mobilizar todas as forças armadas (exército e guerrilha), mobilizar todo o povo (população e milícia popular) par combater conra os helicópteros.

Para realizar este trabalho é preciso ensinar às massas populares e a todos os combatentes o que é um helicóptero, quais são as vantagens (forças) desvantagens (fraqueza) dos helicópteros; mostrar que temos capacidade para atacar e botar abaixo os helicópteros, criar e reforçar a confiança do povo e dos combatentes na sua capacidade diante dos helicópteros; aproveitar as nossas próprias experiência e as experiências dos outros, levá-las aos combatentes e às massas para poderem ser aplicadas em grande escala.

Conhecer o helicóptero, estar sempre pronto para lutar contra os helicópteros esta é a condição principal para derrotarmos os helicópteros na nossa terra.

1. O que é um helicóptero

Um avião é um meio de transporte que anda no ar, em geral com grande velocidade, mais epressa que os barcos e os carros. Mas o avião, para levantar voo (descolar) ou assentar na terra (aterrar) precisa de um grande espaço, duma pista (terreno plano, seco e firme) que tem várias centenas de metros e às vezes atá alguns quilómetros (avião a jacto). Por exemplo: um avião não pode descolar nem aterrar num quintal, num terraço, numa lala com água, num monte ou na lama. O avião não pode também parar no ar, nem perto da terra nem a grande altura: tem de estar sempre a andar.

O helicóptero é também um meio de transporte aéreo (que anda no ar), tem emgeral uma velocidade mais pequena do que a do avião, mas pode levantar voo ou aterrar numa porção pequena de terreno (um quintal, um campo de futebol, um terraço, etc.). Isso é possível porque o helicóptero não precisa de correr para levantar voo e porque pode parar no ar, mantendo o motor a trabalhar. O helicóptero levanta voo ou aterra muito devagar, e na vertical, quer dizer no sentido de um tronco de palmeira como quem sobe ou desce uma palmeira. Além disso, porque o helicóptero pode parar no ar, mesmo muito perto da terra, ele pode transportar pessoas e até carga para qualquer terreno: com pedras, com água, com lama, sem ser plano (monte) etc. Basta para isso que ponha uma escada ou um guindaste, e as pessoas ou as cargas descem ou sobem. Esta é a diferença principal entre o helicóptero e o avião: o helicóptero serve para qualquer terreno e até para trabalhos por cima da água, enquanto que o avião precisa de terreno especial para ser utilizado.

Helicóptero quer dizer: uma coisa que tem asas (ptero) em forma de hélice ou ventoinha (héli). Na verdade o helicóptero não tem asas como o avião, tem três partes principais [Vd. Fig 1, acima]:

O corpo – com a carlinga onde está o piloto

O rabo – que também tem uma hélice (hélice propulsora)

As hélices – grandes, acima do corpo e que se consideram como sendo as asas do helicóptero (ver desenho [, no cimo deste texto] )

Como os aviões, os helicópteros são feitos de metal ligeiro (alumínio) e de outros materiais leves, para diminuir ao máximo o seu peso. Como tudo o que voa, o helicóptero se é atingido seriamente ou se fica muito avariado não tem outro caminho senão cair no chão.

2. Quais são as vantagens (forças) dos helicópteros


São as seguintes:

a) – Dão uma grande mobilidade (movimentos rápidos) às tropas que podem assim deslocar-se mais depressa do que a pé ou de carro ou de barco, para qualquer terreno. Tem um raio de acção de 150 Km e uma velocidade de 160 Km/hora.

b) – Raio de acção – capacidade de voar sem receber mais gasolina. Por exemplo: pode ir de Bissau a Bissorã e voltar sem meter mais gasolina (em linha recta).

c) – Levam as tropas e abastecimento (material de guerra, comida, etc) para qualquer terreno e pode retirar tudo isso, assim como feridos e mortos de qualquer terreno.

d) – Causam surpresa tanto na ofensiva como na defensiva, porque chegam rapidamente, muitas vezes sem nós esperarmos e sobre qualquer terreno.

e) – Podem mudar de direcção de ataque rapidamente, dentro dum limite (distância máxima de 20 a 30 Km).

f) – A infantaria não precisa de muito treino para saber desembarcar dos helicópteros. Bastam em geral 5 a 6 minutos de treino para aprender a subis a descer do helicóptero. Logo a seguir ao desembarque podem começar o combate.

g) – Podem ter um grande apoio de fogo de armas pesadas.

h) – Podem ser armados para atirar contra os combatentes e contra a população.


3. Quais são as desvantagens (fraquezas) dos helicópteros


Os helicópteros têm muitas desvantagens (fraquezas).

São as seguintes:

a) – A cobertura de fora dos helicópteros é muito fina. Balas de calibre maior de 7 milímetros poem furar o casco dos helicópteros.

b) – A velocidade dos helicópteros não é grande. Por isso não é difícil fazer fogo contra os helicópteros quando estão em movimento, no ar, ao levantar-se ou a descer.

c) – Os helicópteros têm muita dificuldade em voar com mau tempo. Por isso só podem agir no tempo seco, os seus movimento são muito prejudicados (dificultados) pelo vento e pelas chuvas.

d) – Os helicópteros exigem muita conservação (tratamento). Assim, por cada hora de voo devem ser revistos e tratados durante cerca de três horas. Além disso, o motor dos helicópteros só tem uso em condições durante cerca de 300 a 500 horas.

e) – Os helicópteros gastam muita gasolina. Por exemplo, um helicóptero qie trabalha durante um dia gasta em médi mais de uma tonelada de gasolina.

f) – Quando os helicópteros se juntam num lugar de desembarque de tropas, formam um bom alvo para tiro fácil.

g) – O som do motor é muito forte, e por isso torna difícil ao IN [certamente mais um deslize do tuga escriturário...] de dar ordens de comando e também diminui ou impede a surpresa no momento do desembarque se nós estamos vigilantes.

h) – As tropas que vigiam os helicópteros não podem levar armas pesadas, e precisam de apoio de fogo de outras forças de apoio, o que nem sempre é fácil.

i) – Para usar os helicópteros, o inimigo deve sempre fazer primeiro um reconhecimento e usar fogo de apoio para desembarque, o que tira a surpresa à operação, desde que estejamos com atenção.

j) – O IN [novamente...] pode ter muitos helicópteros, mas não pode usar muitos num mesmo lugar ao mesmo tempo. É obrigado a repetir [é capaz de ser repartir...] os helicópteros por diversos lugares ou então fazer o desembarque por partes, o que torna mais fracas as suas forças.


4. Quais são os pontos mais fracos dos helicópteros

Os pontos mais fracos dos helicópteros são a carlinga, onde se enconta o piloto, e as hélices que fazem voar o helicóptero.

É, portanto, principalmente contra esses pontos que devemos fazer o tiro com a arma que temos. O tiro contra a carlinga tem a vantagem de poder atingir o piloto, deixando o helicóptero sem comando; além disso pode detruir aparelhos importantes sem os quais o helicóptero não poderá continuar a andar. O tiro nas hélices é o mesmo que umtiro nas asas de um pássaro: não poderá voar mais e cai, desde que o tiro seja bem dado.

- Alturas e distâncias

A altura em que está o helicóptero (distância entre o atirador e o helicóptero) pode ser avaliada com a vista. Assim:

Quando o helicóptero está a 100 metros mais ou menos, podemos ver claramento o helicóptero, a cara do piloto, a antena de rádio, e a boca da arma do helicóptero (canhão).

Quando está a 200 metros, vemos apenas a porta, as letras escritas no corpo ou no rabo, a carlinga, a cabeça do piloto.

Já quando está a 300 metros, só vemos o corpo do helicóptero a sua cauda ou rabo.

Para atirar contra um corpo em movimento é preciso mandar a bala para a frente desse corpo. Por isso é preciso conhecer a distância adiantada a que se deve mandar o tiro.


- A distância adiantada é calculada por fórmula:

DTA (distância) – TP (tempo que leva a bala a chegar ao alvo) x (vezes) VA (velocidade do corpo em movimento)

Suponhamos que o helicóptero está a 200 metros. A bala, para correr 200 metros, leva 0,31 segundos, portanto TP=0,31. O helicóptero anda a 50 m/segundo, portanto VA=50 m/segundo donde DTA=TpxVA=0,31s.x50=15m

Devemos portanto mandar o tiro para 15 metros à frente do helicóptero quando ele está a uma distância de 200 metros do ponto onde nos encontramos.

Fazendo cálculos parecidos com este, vemos que a distâncias adiantadas são as seguintes, para as distâncias do helicóptero a seguir indicadas conforme as armas (em metros).

Distâncias adiantadas (em metros)




Estes números indicam aproximadamente distâncias de tiro adiantadas, tiro isolado (um só atirador). Conforme o resultado do primeiro tiro, regulamos a distância para melhor acertar.

Devemos ter em atenção o seguinte:

Quando disparas várias armas ao mesmo tempo, devemos dobrar a distância de tiro adiantado, para formar à frente do helicóptero uma cortina de fogo com maior possibilidade de acertar.

Devemos ter em atenção o seguinte:

Quando usamos armas automáticas, de rajadas, devemos também dobrar a distância do tiro adiantado.

Antes de disparar, devemos sempre considerar uma distância adiantada maior do que a boa para podermos regular bem a distância que queremos, enquanto o helicóptero avança (em geral toma-se o dobro da distâcia necessária).






6. Como fazer tiro?


Pode-se dar tiros nos helicópteros com espingardas (Mauser), carabina russa ou outra espingarda semi-automática, espingarda metralhadora (G3 ou outra), com sub-metralhadoras como a AK10 (chinesa ou soviética) ou qualquer metralhadora ligeira.

a) – Graduar a alça da arma (regular a distância)

Isso depende da distância a que está o helicóptero sobre o qual se atira. Mas para agir rapidamente, convém ter a alça regulada antes do momento de ataque. Em geral escolhe-se a alça 3, quer dizer 300 metros de distância.

b) – O ângulo de tiro (posição da arma em relação ao solo)

Deve ser de 40º, o que permite um alcance de tiro de 1.200 metros em linha recta (trajectória rasante). Deve-se disparar quando o helicóptero está a uma altura do alto abaixo de cerca de 500 metros.

c) – Escolher o ponto de tiro

Quando o helicóptero está a uma altura igual ao do ponto em que nos encontramos (por exemplo, se estamos em cima de uma árvore, duma casa ou dum muro), atiramos contra ele directamente (tiro directo, ver figura 2).

Quando está no ar parado ou quando está muito perto e avança lentamente atiramos directamente (ver figura 3).

Quando está em voo, em linha recta, artiramos sobre o seu eixo (linha de voo) com tiro adiantado (tiro indirectyo), (ver figura 4).


5. Preparação e organização de combate contra os helicópteros



a) – Apreciar bem a situação do inimigo

Como se sabe, isto deve fazer-se para todos os casos de combate. Combater sem conhecer a situação do inimigo é o mesmo que entrar num quarto escuro cheio de obstáculos, é o mesmo que andar às cegas num caminho perigoso (ver palavras de ordens gerais, no que respeita à necessidade de fazer reconhecimentos antes dos combates).

Para conhecer a situação do inimigo devemos organizar uma rede de informação na zona do inimigo, para obter quaisquer indicações dos movimentos dos colonialistas, que mostram que se preparam para nos atacar em helicópteros.

Devemos saber a quantidade aproximada dos helicópteros que o inimigo vai empregar e apreciar a sua capacidade de combate. O inimigo pode desembarcar desde pequenos grupos de soldados até um ou mais batalhões. Em geral é difícil transportar mais e um batalhão, sobretudo para os tugas que não têm muitos helicópteros.

Devemos apesar disso estar preparados para combater contra o máximo de forças do inimigo, pois assim temos a segurança de poder derrotar essas forças.

Devemos também estudar quais são as forças de apoio que agem em coordenação com os helicópteros (fuzileiros, paraquedistas, etc.) e também qual o fogo de apoio que podem receber.

b) – Estudar o terreno

Com uma boa apreciação (conhecimento e atenção) podemos determinar o lugar onde é possível o desembarque, antes da chegada dos helicópteros. Apesar de que na nossa terra, que é em geral plana, haja muitos lugares para os helicópteros aterrarem, devemos conhecer bem os terrenos à volta das bases, das arrecadações e das tabancas, para fixar aqueles em que é mais fácil poisarem os helicópteros, que são melhores para o desembarque do inimigo.

Em cada Sector de luta e em cada base, devemos marcar esses terrenos. Isso permite-nos pôr obstáculos nesses terrenos (pedras, troncos de árvores, fogo, paus fincados na terra, minas, etc.) para evitar que os helicópteros aterrem, mas também para obrigá-los a aterrar lá onde nos convém melhor para o combate.

Para isso devemos ter em conta:

- O que queremos com o combate, o seu objectivo, quer dizer, se é para dar um golpe no inimigo, para evitar que desembarque ou para o aniquilar (detruir totalmente).

- A forma de combate que vamos utilizar, quer dizer, se combatemos em emboscada (esperando o inimigo no local de desembarque) ou se atacamos em movimento (avançar para o local do desembarque, e atacar o in imigo depois de desembarcar).

- A capacidade (as forças) do inimigo. Conforme essa capacidade, assim organizamos as nossas forças.

- As posições que devemos tomar no terreno.

- A sincronização (quer dizer: acção ao mesmo tempo) com outras forças nossas (guerrilhas, povo armado).

- A distribuição das tarefas (repartição dos tabalhos) durante o combate, o que deve ser feito claramente sem confusões.

- A organização dum sistema de vigilância e de comunicação (vigias, uso de bombolons ou de rádio para comunicar o movimento dos helicópteros), a fim de evitarmos a surpresa.

Quando estamos acampados, devemos prever um possível assalto com helicópteros. Por isso devemos ter um plano de defesa, cavar trincheiras e fossos, tomano posições favoráveis. Isso deve ser feito tanto nos pontos de apoio (acampamentos) como nas bases de guerrilha e também junto das tabancas.


8. Tipos de combate

O tipo de combate contra os helicópteros depende principalmente das forças de que dispomos e das armas que temos. Na fase actual da nossa luta se mobilizarmos e instruirmos (ensinarmos) bem as massas populares e os combatentes para a luta contra os helicópteros, podemos fazer qualquer tipo de combate contra eles. Temos todas as armas n ecessárias.


a) – Combate disperso

É a forma do combate popular, pois pode fazer-se em todos os lugares, os casos e a qualquer momento. Para poder fazer o combate disperso devemos:

- Criar grupos de caçadores de helicópteros formados de guerrilheiros e povo armado. Escolher para isso os bons atiradores.

- Convencer a população e os combatentes (nas horas vagas) a preparar cibes para fincar nos lugares bons para desembarque.

- Semear ou plantar plantas nos lugares em que não há, para nos servir de esconderijo donde faremos fogo contra os helicópteros e o inimigo.

- Nos grandes campos, combinar estacas fincadas no chão com minas anti-pessoais e anti-aéreas que devemos preparar.

- Não arrancar as árvores para fazer lenha, mas cortar apenas a parte dos ramos deixando os troncos no chão (como nos terrenos de queimada).

- Manter grupos de atiradores, devigilância, para darem tiros contra os helicópteros ainda quando estão a voar. Estes grupos devem estar em lugares situados na trajectória (linha de voo) que os helicópteros podem fazer e são a base para as nossas posições.

- Organizar comandos (grupos fortes) para atacar os aeroportos e bases inimigas com o fim de destruir os helicópteros.


b) – Combate concentrado

Este tipo de combate deve ser feito em geral com as forças principais (unidades do Exército e guerrilheiros bem armados). Podemos usar neste tipo de combate as tácticas seguintes:

- Combate de emboscada – Concentramos as nossas forças no lugar ou nos lugares previstos para o desembarque, e esperamos que cheguem os helicópteros. Neste caso, é em geral necessário atrair (chamar) o inimigo ao local da emboscada. Por exemplo: pôr obstáculos em todos os sítios bons para desembarque, menos naqueles que nos convém para combate; atacar um posto de uma caserna inimiga, para provocá-lo, e ficar depois à sua espera no lugar ou lugares bons para desembarque e situados próximos das nossas posições; dispor de forças em todos os lugares.» (2).
_________________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último poste da série > 8 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3284: Instrução, táctica e logística (17): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: A formação do soldado das FARP (A. Marques Lopes)

(2) Para saber mais sobre o helicóptero, vd. por exemplo os seguintes sítios:

Wikipédia > Helicóptero

Wikipédia > Portal: Aviação

Blogue do Victor Barata > Especialistas da BA 12, Guiné 65/7

Aproveito para saudar o Victor, que é também membro da nossa Tabanca Grande e tem ido aos nossos encontros nacionais, e desejar-lhe boa sorte e perseverança neste combate, que nem sempre é fácil, de reunir as antigas tropas, agora tresmalhadas, e que no caso dele não eram de terra nem do mar, mas do ar... No seu sempre activo blogue, têm aparecido além dos Melec (técnicos de manutenção aeronáutica, como ele), outros camaradas, como os pilotos e os pára-quedistas... Boa saúdede e bom trabalho para o Victor e os camaradas da FAP que a Guiné juntou e uniu. O Victor está, além disso, a organizar uma viagem de saudade à Guiné, a realizar em Fevereiro do próximo ano.

Guiné 63/74 - P3343: O Nosso Livro de Visitas (39): Luís Faria, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72

Emblema da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, cujo lema era FORÇA.

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791, Guiné 1970/72, com data de 21 de Outubro de 2008:

Assunto: Adesão

Luis Graça
Cumprimentos e parabéns pelo Blogue que de há uns tempos para cá tenho visitado com agrado.

Quem me deu a dica foi o Jorge Fontinha, meu grande amigo e camarada de armas na mesma CCAÇ 2791 (FORÇA)

Vi também que o Júlio César, meu amigo, também camarada de armas e conterrâneo, faz parte da Tabanca. Óptimo

Sou : Luis Miguel C Sampaio Faria
- Furriel Miliciano
- CCaç 2791
- Mobilizado para a Guiné: Outubro 1970 / Setembro 1972 (embarque a 19 de Setembro no Carvalho Araújo)

Na esperança de poder fazer parte da Tertúlia e assim contribuir modestamente com episódios/estórias que poderão ajudar a recordar a História, um pouco esquecida, dos ex-combatentes da Guiné.

À espera da vossa decisão

Saudações
Luis Sampaio Faria


2. Foi enviada esta resposta ao Luís Faria:

Caro Luís Faria: Obrigado pelo teu contacto.

Em nome do Luís Graça, estou a dar-te as boas vindas ao nosso Blogue. Na verdade os dois camaradas que referes,  são nossos tertulianos activos, o Jorge Fontinha, um pouco mais recente que Júlio César.

Só não precisavas de pedir para entrar na nossa Tabanca Grande. Estamos abertos a toda a colaboração vinda dos camaradas que combateram na Guiné. Considera-te integrado. Só te peço para logo que possas, envies uma foto do teu tempo de tropa e outra actual para fazer parte dos nossos arquivos, até activarmos a nossa fotogaleria, em obras há imenso tempo, que também servirão para personalizar os teus trabalhos, como aliás já deves ter reparado. Se puder ser, envia estas fotos em ficheiro JPEG e formato tipo passe.

Podes desde já começar a dar trabalho aos editores, que o mesmo é dizer começar a mandar as tuas histórias, acompanhadas de fotos, legendadas preferencialmente.

Recebe um abraço dos editores e da tertúlia toda que te deseja tudo de bom.
Carlos Vinhal
Co-editor
__________________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3339: O Nosso Livro de Visitas (38): José C. Pereira, ex-1.º Cabo de Serviço de Material, da CART 2773/BART 2924, Jabadá, 1970/72