Primeiro episódio da nova série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.
Companheiros,
Hoje regressamos à guerra, a uma guerra
que eu não sei dar qualquer nome, mas oficialmente,
chamaram-lhe A guerra do Golfo, alguns até lhe
chamaram a guerra do petróleo e, creio que todo o
mundo, ainda hoje continua a sofrer os efeitos dessa
guerra, creio que foi o início da guerra moderna, onde
participou o nosso filho, Anthony Sérgio, um jovem, tal
como nós éramos quando fomos para a guerra da Guiné,
tinha corpo de atleta, praticava futebol na equipa do High
School, jogava ténis, no parque, na frente da nossa casa,
onde era o responsável pela área de desportos do
referido parque, além de trabalhar em part-time, num
estabelecimento da cidade, entre outras coisas. Ajudava a
limpar a neve, por altura do inverno e, era um dos
estudantes mais populares de High School, da cidade,
onde na altura vivíamos.
Em casa, o nosso herói era o Tony, como quase
todos lhe chamavam e, talvez influenciado, também entre
outras coisas, pelas fotos que via do pai, que foi
combatente na guerra colonial, em África, quando os
USA se envolvem na Guerra do Golfo, o tal conflito
militar travado entre o Iraque e forças de uma coligação
internacional, liderada pelos USA e patrocinada pelas
Nações Unidas, com a aprovação do seu Conselho de
Segurança, autorizando o uso da força militar para
alcançar a libertação do Kuwait, ocupado e anexado pelas
forças armadas iraquianas, o nosso Tony, com o tal
orgulho, talvez herdado do pai, pois a pátria amada,
neste caso o Uncle Sam, chamava por si, e assim, alista-se no
Corpo de Marines dos Estados Unidos.
A mãe dizia a chorar:
- Tal pai, tal filho, agora levam o meu filho para a
guerra!
Ninguém lhe conseguiu tirar da ideia, o seu dever de
cidadão e, depois de algum tempo, vai receber rigorosa
instrução no “Marine Corps Recruit Depot Parris
Island”, que está situado em Port Royal, no Estado de
Carolina do Sul, próximo da cidade de Beaufort, que é
onde os novos Marines, que residem a leste do
Mississippi River, recebem o seu inicial treino, passando
depois a outras bases de instrução e, quando já se
encontrava como militar qualificado e pronto para
combate, é colocado em diferentes partes do globo, acabando por ser enviado para o Golfo Pérsico, onde se encontrava uma
formidável força de meios humanos e uma imensa
quantidade dos mais modernos equipamentos militares,
desencadeando em seguida uma campanha relâmpago
que consumou a libertação do território kuwaitiano com
extrema e surpreendente facilidade.
Dizem que foi uma das campanhas militares, (talvez o
inimigo não tivesse grande poder de defesa), mais
fascinantes e inovadoras da moderna história militar,
introduzindo no campo de batalha sofisticação tecnológica
e poder de fogo sem precedentes. Novos equipamentos
foram adicionados nesta guerra, entre outros, os “aviões
Stealth”, que são aqueles que possuem um radar
baixíssimo, transversal, que se pode confundir com uma
ave que ande a voar pela área da sua operação, ou as
“bombas inteligentes”, que como quase todos sabem, é
uma bomba guiada destinada a atingir com alto grau de
precisão alvos específicos, minimizando a morte de pessoas
ou a destruição de monumentos históricos, sendo esta a
especialidade do nosso Tony, manusear e activar este tipo
de bombas.
Talvez fosse a primeira guerra onde os jornalistas
participaram, dando notícias ao minuto. Este novo tipo de
guerra catapultou para a fama e reconhecimento mundial uma relativamente pouco conhecida empresa de notícias,
que pela primeira vez acompanhou e transmitiu em direto
um conflito militar, de seu nome CNN.
O nosso Tony continuou por mais um tempo à volta do
mundo, estacionando em diferentes bases, onde passado
uns anos e alguma experiência em como as pessoas
vivem, se amam, se odeiam, se matam, ou simplesmente
tentam sobreviver, termina a sua comissão no Corpo dos
Marines e regressa a sua casa, com “Honor”.
Nós fomos esperá-lo à Base Militar de San Diego, na
Califórnia, fazendo a viagem juntos, de regresso, por
terra até Nova Iorque.
Quando regressámos a casa, a sua mãe voltou a dizer,
chorando, tal como a mãe Joana dizia, muitos anos atrás:
- Ai, o meu querido filho voltou da guerra, está de novo
comigo!
Hoje, o nosso Tony fez de nós um avós babados pois
deu-nos dois lindos netos, continua a viajar por todo o
mundo, tal como quando era um “Marine”, mas agora no
exercício da sua profissão, mas retorna sempre às
montanhas do estado de Pennsylvania, onde vive com a
sua família.
Tony Borie (pai), Janeiro de 2015
____________
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
Caro amigo Tony,
Com o teu filho aconteceu o mesmo que com o meu, ja estou a 42 anos na Hollanda, e o meu filho apesar de na Hollanda a tropa ser so voluntarios ofereceu-se para o servico militar e depois foi voluntario para a jogoslavia nas propas das Nacoes Unidas, tambem me custou muito mas a culpa e nossa, pois eu tambem falava muito do meu tempo de Guine. Felizmente voltou bem apesar de ter sido preso 2 dias pelos jogoslavios, eu tinha o meu gravador de video sempre ligado a CNN 24 horas por dia, ate que um momento vi a libertacao dele, isto muito antes de ter sido informado pela tropa Hollandesa.
Julio Abreu
Grupo de Comandos Centurioes
Ex-Guine Portuguesa
Tony
Não vou comentar os teus textos, que aprecio.
Neste caso são duas guerras, dois territórios, dois momentos temporais.
Tudo é diferente.
Até no Honor" que falas.
Ele alcançou-o como US Soldier.
Nós nunca teremos, porque nos usaram e esqueceram.
Abraço para todos
Tony, os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são!... Um abração para os dois!
Olá Tony!
Depois da grande viagem e das descrições geográficas de onde passavas, trazes agora uma questão íntima e especial: a da ligação de pai e filho, através de seguimentos da vida.
Não somos heróis, certamente nem o queríamos ser, e, por vezes nem acompanhamos as ideias dos nossos governantes, mas uma vez mobilizados, devemos honrar o serviço que nos calhar.
Orgulha-te disso, da tua honradez, que a tiveste com certeza. O resto, os sentimentos, os combates, as brincadeiras, etc., são recordações para contar no Blogue.
Um abraço
JD
Não resisto à recorrência em contar um episódio, com factos e nomes, como é meu gosto.
O meu filho Luís condescendia a custo em ouvir-me narrativas das vivências da Guiné. Há dois anos, acompanhou-me ao almoço do batalhão, à Lourinhã, com o ex-camarada Moreira, da Póvoa de Varzim. Antes das apresentações ao meu antigo capitão, Fernando Lacerda, disse-lhe que ia conhecer um militar, que em combate não se atirava para o chão. O Moreira contou-lhe uma emboscada sofrida no sul da Guiné, na qual não só não atirara para o chão
como obrigara, aos berros, a auto-metralhadora Fox a avançar para a zona de morte e a conter o IN com a sua metralhadora pesada, cujo tiro passara a regular.
Apresentado o então capitão e esse seu atributo, ele continuou a fitá-lo, e ele no seu brio próprio da Cavalaria, disse-lhe:
- Olha, moço, eu não estava para sujar a farda!...
No regresso, o filho disse-me: - Eu julgava que isso só acontecia nos filmes, com os Rambos. Hoje apertei a mão a um herói real!
Manuel Luís Lomba
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