segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2525: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (7) (Carlos Silva)

A História do BCaç 2879.

Texto e imagens de Carlos Silva.

24 toneladas de material apreendido em Faquina, na zona de Cuntima, junto à fronteira com o Senegal (II)

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Continução do depoimento do nosso camarada Carmo Ferreira, Alf Mil da CCAÇ 2549, no seu trabalho A Luta Pelo Regresso, 1975, ainda não publicado, que a págs. 23 a 28 se refere a este Ronco nos termos seguintes:

"Entretanto, no vai-e-vem dos helicópteros, rogo ao Capitão Lourenço o envio de cerveja fresca para o pessoal. Ele mesmo aí se desloca, aproveitando uma boleia, a fazer entrega. A frescura desse líquido deu-nos de novo alento, se bem que por pouco tempo. É que isto dura já há cerca de 48 horas e o pessoal pela fome, cansaço e sono, vai atingindo a saturação física.

A retirada para o quartel é ordenada. Cerca de duas horas depois tínhamo-lo à vista.


Em Carantabá, os olhos têm ainda tempo para apreciar a beleza verdejante das árvores que rodeiam a tabanca há muito abandonada. Um recanto metropolitano autêntico, com os seus limoeiros e laranjeiras junto das casas totalmente destruídas.

Os obuses começam então a metralhar a zona abandonada. A sensação que as pesadas granadas de 50 quilos provocam a quem está no enfiamento do tiro é deveras peculiar. Quase em simultâneo com o estampido do disparo (a saída) parece que chega uma lufada de ar que nos sopra no cachaço!

A alegria de reentrar no quartel é enorme. Por parte dos novos-velhos camaradas que nos recebem a alegria é idêntica e recíproca. São nestes momentos que grandes amizades se cimentam. A camaradagem dos irmanados no perigo não é fictícia. É real, sincera.
Pela primeira vez os periquitos da 2549 cumpriram e cabalmente, o seu dever. A sua actuação não defraudara apesar de não ter ainda um mês desde a sua chegada. Disso se sentem orgulhosos.


Que se passara, entretanto, durante todo esse período no quartel?

Muitos dos que ficaram se ofereciam como voluntários para irem ajudar. Todos, concerteza, pensavam o pior que poderia acontecer. Todos desejavam, contudo, ansiosamente, o nosso regresso ao seio da sua sã camaradagem. Era o sofrer dos que vivem na incerteza, na incógnita do que se está a passar lá longe, fora do quartel.
Na noite do regresso, descansando o corpo, falou uma vez mais o sentimento, o recordar do que ainda havia bem pouco passara.”


A propósito desta operação, o meu camarada Fur. Mano Nunes da CCaç. 2549, do GrComb do Alf. Carmo Ferreira, refere que foi nesta acção que teve o seu baptismo de fogo e onde dessa vez, diz ele:

“...foi aquele "ronco"!

Até agora ainda não tinha sido superado. Foram 24 toneladas de material capturado ao IN e quando já vinham de regresso para o quartel em Cuntima, sucedeu aquilo que eles já não contavam, depois de terem galgado quilómetros sem conta - Porrada!

Eles (IN) começaram em força. Até levaram o 82 para a emboscada! E depois esperaram que as NT entrassem na bolanha, zona aberta e sem a mínima protecção, desencadearam o “fogachal”. Aquelas imensas nuvens de pó, que as morteiradas do 82 levantavam, metiam-lhe medo e cá uma confusão! Contudo a reacção das NT foi pronta. As armas cuspiam raiva, revolta e morte”(1).

O Cap. Vasco Lourenço comandante da CCaç 2549 faz a seguinte referência:

“Faquina!...nome que só por si era um mito.
Faquina!...local onde o pessoal da companhia (algum) tivera o seu baptismo de fogo, numa operação onde se fizera o maior ronco da Guiné, respeitante a captura de material, até então por alguém conseguido.


...Continuamos a batida e pouco depois, ao passar-se junto ao marco 99 (2), verifiquei quanto estivéramos ‘do outro lado’.
Continua-se, verifica-se a arrecadação do primeiro e grande Ronco feito em Faquina e eis-nos junto ao poço de água extraordinariamente amarela do barro e da sujidade, mas que urgia aproveitar.....”



Capa da 1ª Edição do Livro do Cap. Vasco Loureço – Militar de Abril

Depoimentos Pessoais

Segundo conta o meu camarada Fur. Albano Silva, do 1º Pel. da CCaç 2547, gondomarense e amigo de infância, também eles por determinação do nosso Comandante Ten. Cor. Agostinho Ferreira, avançaram para as “ Faquinas – Fula e Mandinga “ (antigas tabancas abandonadas) situadas junto à fronteira senegalesa “ marco 99” e à tabanca de Sare Demba Chucael. Aliás, conforme é referido na História da CCaç. 2529.

Foram helitransportados juntamente com Os Roncos, de Farim para aquela localidade onde foram lançados.

Referiu ainda que estiveram em território senegalês e que se avistaram com alguns elementos da tropa senegalesa sem que tivesse havido qualquer atrito com eles e posteriormente quando progrediam para o interior do nosso território, batendo a área mencionada, também detectaram um “chamado” depósito de armas e que também as transportaram para Farim, conforme documenta com uma foto, exibindo parte do célebre ronco.
Ainda a propósito desta famosa operação, segundo me contou o meu amigo M. Baldé, homem das transmissões, o qual integrava o GrComb Os Roncos (3), comandado na altura, pelo então Fur. Cherno Sissé, a descoberta do material capturado deveu-se ao acaso, aliás, muito interessante.

Segundo ele conta, o nosso Comandante de Batalhão, Ten. Cor. Agostinho Ferreira, naquele dia 13 de Agosto andava com tropas pára-quedistas de héli-canhão em missão de reconhecimento junto à fronteira com o Senegal e naquela zona avistaram uma viatura na bolanha, sobre a qual fizeram fogo a partir do héli-canhão, acabando por incendiá-la e destruí-la.

Em face de tal acontecimento pediram a Bissau o envio de tropas especiais para o local, pelo que foram de imediato enviados 5 ou 6 helicópteros com pára-quedistas, os quais foram lançados no terreno em Faquina Fula, tendo posteriormente aqueles aparelhos ido a Farim buscar o pessoal do GrComb Os Roncos para os transportar para aquela área a fim de reforçar as NT ali presentes, sendo lançados em Faquina Mandinga.

Nesse mesmo dia 13-08-1969 pelas 18 horas os homens do GrComb. Os Roncos, atravessaram a bolanha e sem se aperceberem entraram em território do Senegal, onde pernoitaram e onde segundo ele, A Balde, encontravam-se tropas senegalesas emboscadas, as quais não viram por ser já noite.

No dia seguinte ao amanhecer, acabaram por se avistarem uns aos outros, tendo o comandante da força senegalesa, Ten. Nham, dialogado e determinado à rapaziada dos “Roncos” para se retirarem dali imediatamente porque estavam a violar o espaço territorial Senegalês.

Apesar disso, o Fur. Sissé, não queria abandonar aquele local e determinou ao seu pessoal para abrirem fogo contra as forças senegalesas.
Contudo, apesar de insistentemente ordenar para que se fizesse fogo, no entanto, os seus homens não obedeceram a tais ordens sem que primeiramente falassem com o Comdt. do Batalhão, imperando assim o bom senso.
Por tal motivo, o nosso amigo Baldé, homem do rádio, comunicou através do AVP1 com o Ten. Cor. Agostinho Ferreira o qual se encontrava emboscado em Faquina Fula a comandar as operações, para lhe contar o sucedido e saber o que deveriam fazer; tendo ele dito e ordenado ao A Balde para dizer ao Cherno que se retirasse dali imediatamente, porque efectivamente estavam a violar o território senegalês, pelo que, em execução de tais ordens, o nosso amigo A Balde transmitiu de imediato as mesmas ao Cherno.

Mesmo assim aquele nosso amigo Cherno, não ficou convencido e continuou renitente em sair de lá, até que ele próprio resolve falar com o Ten. Cor. Agostinho Ferreira e só depois de ouvir da boca dele é que ficou convencido de que teria de retirar daquela zona.
Após a retirada do interior da linha de fronteira senegalesa e de regresso a Faquina Mandiga, durante o percurso e em momentos de descanso, um elemento do pelotão, o G Candé afastou-se um pouco do grupo e foi cagar, quando a certa altura, ao enterrar um pé num buraco, algo lhe despertara a atenção.

Logo de imediato procurou ver o que era, afastando com as mãos a folhagem que cobria parte daquele tesouro. De seguida dirigiu-se ao Sissé a quem contou que tinha descoberto algo de muito importante, mas que não lhe diria do que se tratava e que apenas transmitiria ao nosso Comandante o seu segredo, caso este o recompensasse; pelo que, não restou outra alternativa ao Sissé, ter de comunicar com o nosso Comandante.

Deste modo, o Ten. Cor. Agostinho Ferreira teve que deslocar-se de Faquina Fula para Faquina Mandinga, que distam uma da outra umas centenas de metros, para tomar conhecimento do precioso achado e belo tesouro, mas sem que antes tivesse de prometer uma contrapartida ao nosso amigo G Candé, que segundo crê o nosso amigo A Balde foi a promessa de o promover a alferes milícia, o que só muito mais tarde veio a acontecer.

Descoberto o “ ronco” e avaliada a sua dimensão, as NT acabaram por passar todo o dia 14 a carregar o material para os helicópteros, os quais andaram numa roda-viva de vai e vem de Faquina para Cuntima ou Farim e vice-versa.
O material foi posteriormente transportado de Dakota para Bissau.

Conta o Mamadu A. que tanto ele, como o B Embaló e A Baldé acabaram por ficar tão exaustos que tiveram de ser evacuados de heli para Cuntima onde o Cap. Vasco Lourenço os recebeu e lhes deu um maço de tabaco a cada um, bem como uma lata de leite.
Foi assim, segundo me relatou este meu amigo M Baldé, que Os Roncos, no decorrer da dita operação em Faquina descobriram e capturaram ao IN, parte do material (24 toneladas) que constituiu o maior ronco em toda a história da guerra da Guiné, o qual se ficou a dever ao acaso.

Bem-haja, e muito obrigado G Candé e todos os outros camaradas participantes nesta tão importante acção, que assim evitaram que tal armamento viesse mais tarde a ser utilizado contra as NT e pudesse eventualmente ter causado muitos dissabores bastante desagradáveis.
De facto, esta captura de elevada tonelagem de material ao IN foi o maior ronco do nosso Batalhão pela quantidade de munições e armamento capturado e tal como diz o meu camarada Fur. Mano Nunes, nunca até àquela data superada, aliás, nunca tal ronco foi superado durante todo o tempo em que se travou a guerra.

Foi, na verdade, um feito histórico de todo aquele pessoal que participou na célebre operação de Faquina onde foram capturadas 24 toneladas de material bélico, tendo sido o nosso amigo G Candé um dos protagonistas no meio daquilo tudo.

Na História dos Pára-Quedistas, Vol. IV, págs. 165 a 167 sobre este importante facto histórico é escrito o seguinte:

Operação Talião

A grande capacidade ofensiva e rapidez de aprontamento para o combate reveladas por mais de uma vez pelos homens do BCP 12, seriam novamente postas à prova durante a operação Talião.

No dia 12 de Agosto de 1969, durante um RVIS efectuado pelo Comandante da ZACVG, foi detectada uma viatura de carga pertencente ao PAIGC, na região de Faquina Mandinga, junto à fronteira norte.

Recebida a informação, foi imediatamente lançada a operação Talião, a cargo de um grupo de combate da CCP 121.
Helitransportados para a zona de acção, os homens da CCP 121 desembarcaram junto à viatura pesada com a matrícula FF556CN, que estava a ser utilizada pelo inimigo no transporte de material de guerra para as suas forças de guerrilha que actuavam no interior do território guineense.
Perto da viatura foi encontrado um morteiro 82 e várias caixas de munições, abandonadas precipitadamente pelos guerrilheiros em fuga.

Batida a zona, foram localizadas várias arrecadações contendo abundante material de guerra. Como não foi possível pôr a viatura em movimento, foi decidido incendiá-la, utilizando o combustível existente em vários bidões que se encontravam no seu interior.

No dia seguinte foi continuada a batida em toda a zona de acção, tendo o grupo de combate da CCP 121 sido reforçado com mais outro da CCP 122.

Foto extraída da História dos Pára-Quedistas, Vol. IV, págs. 166. Com a devida vénia

Quando a operação foi dada por finda, tinham sido recolhidas mais 12 toneladas de material de guerra, entre o qual se salientavam:
4 metralhadoras ligeiras Degtyarev, 1 Borsig, 1 morteiro 82, 4 espingardas semiautomáticas Simonov, 1 pistola-metralhadora Sudayev, 1 PPSH, 2 minas A/C, 209 granadas de canhão S/R B-10 e 7,5, 1110 granadas de morteiro, 82, 61 granadas de LGF RPG-7 e P-27, 8 granadas de morteiro 60, 114 granadas de mão F-1, 179.431 munições para armas ligeiras, além de grande quantidade de espoletas, cargas propulsoras e carregadores diversos.


Pista de Farim, Bombardeiros T6 que prestaram apoio aéreo


Na pista de Farim, os helicópteros que participaram na recolha e transporte do pessoal operacional e do material



Carta endereçada ao autor pelo Maj. Gen. Agostinho Ferreira sobre os factos do "Ronco das 24 toneladas” capturadas ao IN.

Face às referências atrás mencionadas, resulta claro, que houve uma participação conjunta das Unidades militares referenciadas que colaboraram na captura de grande quantidade de material ao IN e que foi designado pelo Ronco das 24 Toneladas”, sendo a maior quantidade capturada de uma só penada em toda a história da guerra na Guiné, pelo menos, até àquela data.



Esta captura de elevada de quantidade de material ao IN, não é referenciada globalmente e nem parcialmente pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África, do Estado-Maior do Exército, no Livro, cuja capa aqui se junta “ Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974] – 7º Volume – Fichas das Unidades – Tomo II – Guiné, 1ª edição, Lisboa 2002, pág. 127 ”, no que se refere à participação das Companhias do Batalhão de Caçadores nº 2879.

Estranhamos, por tal motivo, o fundamento da omissão da mencionada Comissão, em não se referir globalmente a este importante Ronco de 24 Toneladas de material capturado ao IN, pelas diferentes Forças intervenientes, principalmente pelas CCaç. 2547 e CCaç. 2549 do Batalhão Caçadores 2879, no Livro “ Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974] – 7º Volume – Fichas das Unidades – Tomo II – Guiné, 1ª edição, Lisboa 2002, pág. 127 ”, tal como faz referência à CCaç 2529 com 7 toneladas, na obra citada a pág. 375.

Em História não se omite os factos, conta-se a verdade.... tanto quanto possível.

13-08-1969, Quarta-feira

Eram 20H00 quando se desencadeou uma violenta flagelação do IN ao Aquartelamento de Canjambari. Caíram várias morteiradas e roquetadas dento do Aquartelamento, O Ataque foi repelido com o rebentamento de armadilhas comandadas. (4)
As NT sofreram 1 ferido ligeiro e a danificação de diverso material. (5)

25 08-1969 – Segunda-Feira



Cuntima, 1969 – Foto cedida pelo Ex. Fur. Fragoso

Ataque ao aquartelamento de Cuntima, provocando 1 ferido grave, milícia, e 5 ligeiros.
Um GComb/CCaç. 2529 foi flagelado durante 5 minutos na região de Tonhatabá.

(Outrora era a guerra. Hoje nesta povoação situada junto à fronteira com o Senegal, o comércio transfronteiriço na zona está bastante desenvolvido. Realizam-se ali grandes feiras, verificando-se trocas comerciais entre as populações dos dois países, designadamente vestuário, gado, produtos hortícolas, artesanato, etc. ). Nota de Carlos Silva.

29-08-1969, Sexta-feira
1 GComb/CCaç. 2533 detectou e levantou 1 mina A/C na região da Colina do Norte
O 3º GComb. saiu para o mato e quando ia a caminho do carreiro detectaram uma mina anti-carro num rodado feito pelas n/ viaturas, a qual foi levantada

30-08-1969, Sábado

O Pelotão de Nativos nº 58, mais 1 Sec./3º GComb/CCaç. 2533 foi emboscado na Cova do Barril, tendo sofrido 2 feridos graves metropolitanos, um dos quais veio a falecer.

30-08-69, Sábado

1ª Operação Dungal

Nos dias 30 e 31, pelas 15 horas, o Comandante de Batalhão, as CCaç 2547 (-), o GrCom Os Roncos e a CCaç. 2548, saíram para um reconhecimento à região do Dungal, junto da fronteira com o Senegal, compreendida entre os marcos 120 e 121.

Regressaram no dia seguinte, tendo capturado 2 mulheres.
(HB-Cap.I, págs. 5).

O ataque das formigas ao Tavares


Segundo ouvi um dia mais tarde contar, pelo próprio, o furriel Tavares, espinhense de quatro costados, a operação de reconhecimento à região do Dungal, povoação que fica situada a Norte de Farim e junto à fronteira com o Senegal, foi muito dura para o pessoal, ainda periquitos e não adaptados ao clima do território.

Segundo ele contou, aquando do regresso a Farim devido à longa caminhada e ao calor, parte da rapaziada caminhava de pernas abertas em consequência da micose entretanto surgida nas virilhas.
Ele próprio também foi vítima de tais queimaduras e mais, segundo ele contou.

Quando numa das pausas de descanso e quando ele estava confortavelmente sentado ou deitado a descansar, as célebres formigas atacaram-no sem dó nem piedade. Furando por tudo quanto é sítio, mordiam, picavam ferozmente o rapaz, até ao ponto de ele se despir todo, ficando apenas em cuecas, para assim, aliviado da roupa poder sacudir-se.

O desespero do pobre homem e as circunstâncias em que ficou, obrigou-o a ter de prosseguir naquelas condições o resto da marcha de regresso até ao aquartelamento em Nema.

Estou a imaginar a linda figura do Tavares ao entrar no Quartel em cuecas com o cinturão e cartucheiras à cintura e ainda com dilagramas e espingarda G 3 na mão.

Segundo contam os camaradas intervenientes na operação, o nosso Comandante de Batalhão, Ten. Cor. Agostinho Ferreira, também foi vítima de uma cena de ataque das formigas.

A propósito de formigas, o nosso camarada Alf. Roda, mais conhecido pelo alfero hipnotizador pelos africanos da CCaç 14, Companhia de soldados nativos que estava sedeada em Cuntima, nos convívios de confraternização, tem contado que certo dia estava no mato em interdição ao corredor de Sitató e que a certa altura viu um dos soldados fazendo grandes movimentos com o pénis, presumindo algo que vocês estão a pensar!...Mas que não era.

Vai daí, ele pergunta para a generalidade dos soldados ali presentes que estavam próximos do soldado aferroado, o que ele estava a fazer.

O visado apercebendo-se da pergunta maliciosa, responde de imediato à curiosidade do jovem alferes:

Ó nosso alfero, mim ká bate punhe, é firmiga, nosso alfero, firmiga murdi...

Algures na zona de Faquina> Sitató, em Dezembro, 1969.Foto cedida pelo Alf. Roda

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Notas de Carlos Silva:

(1) In Lourenço, Vasco - No Regresso Vinham Todos - Relato da CCaç. 2549 - Portugália Editora, 1975 p. 51, 52 e 90.
(2) Os marcos foram colocados em resultado das negociações luso-francesas para delimitar a fronteira entre o Senegal e a Guiné desde a parte Nordeste do território até ao Cabo Roxo -Varela, junto à costa atlântica. A implantação de marcos inicia-se de Leste para Poente.
Sobre a delimitação de fronteiras vid. Esteves, Maria Luísa – A Questão do Casamansa e Delimitação das Fronteiras da Guiné – Instituto de Investigação Científica Tropical – Lisboa, 1988 e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau 1988.
(3) GComb. Os Roncos de Farim. Este grupo de combate foi criado formalmente em 15-11-1966 de acordo com a Ordem de Serviços do Bat. Caç. nº 1887, comandado pelo Ten. Cor. Manuel Agostinho Ferreira e aparece referido pela 1ª vez no mês de Novembro de 1966 na História da CCaç nº 1585 que estava integrada no dispositivo de manobra daquele Batalhão, bem como aparece mencionado pela 1ª vez no mês de Dezembro na História desta Unidade.
Este grupo de combate, bastante conhecido pela bravura dos seus elementos, foi inicialmente comandado pelo Alf. Mil. Filipe José Ribeiro da CCaç. 1585 e do qual faziam parte o então 1º cabo Marcelino da Mata (hoje Ten. Coronel na situação de aposentado) e o 1º cabo Cherno Sissé, O Mandinga (hoje com o posto de 1º Sargento na situação de aposentado).
Em 1970, convivi de perto com os homens que integravam este aguerrido grupo de combate, na medida em que estiveram algum tempo em Jumbembem de reforço à nossa Companhia, sendo seu comandante o Fur. Cherno Sissé, bom camarada e amigo.
Ambos foram guerreiros natos, destemidos e corajosos, sempre prontos para combater. Aliás, combateram até ao limite das suas forças.
Ambos foram louvados e condecorados diversas vezes. Receberam a mais alta condecoração que o País concede em tais circunstâncias, a Torre e Espada.
Cherno Sissé, 1º Sargento do Exército Português, vários louvores averbados, condecorado com duas Cruzes de Guerra, promovido por distinção, medalha da Torre e Espada de Valor Lealdade e Mérito com Palma.
Ferido por diversas vezes em combate, foi-lhe amputada uma perna e ficou cego de uma vista ao fazer accionar uma mina armadilhada algures na fronteira Norte da Guiné quando estava integrado na CCaç. 14.
1 - In, História da CCaç. 1565; Hist. da CCaç. 1585; Hist. do Bat. Caç. 1887; Hist. Bat. Caç. 2879
2 - In, Pais, José – Histórias de Guerra – Índia, Angola e Guiné, Ed. Prefácio, 2002, págs. 107 a 110
3 - Estado-Maior do Exército - Comissão para o Estudo das Campanhas de África - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974] - 5º Volume – Condecorações Militares - Tomo I – Torre e Espada e Valor Militar - edição, Lisboa 1990 - p. 112 e 114
4 - Hist. CCaç. 2533 Cap. II pág. 24
5 - Hist. Bat. Cap. II pág. 5

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Notas de vb: vd tb artigos de:

10 de Fevereiro > Guiné 63/74 - P2520: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (6) (Carlos Silva)

1 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2496: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (5) (Carlos Silva)

30 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2491: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (4) (Carlos Silva)

24 de Janeiro>Guiné 63/74 - P2477: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim : O Batalhão dos Cobras (3) (Carlos Silva)

20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2464: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (2) (Carlos Silva)

15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim : O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P2524: Notas de leitura (7): Não se pode estudar a Guerra Colonial ignorando o MNF e a sua líder carismática (Beja Santos)

Capa do livro da investigadora Sílvia Espírito Santo, Cecília Supico Pinto: O Rosto do Movimento Nacional Feminino, a ser lançado no dia 12 de Fevereiro de 2007. Editora: A Esfera dos Livros, Lisboa, 2008. Preço: c. 20 euros (1).


Notas de leitura >


ELA ERA O ROSTO FEMININO DA GUERRA COLONIAL (2)

por Beja Santos

Cecília Supico Pinto, a Cilinha (diminutivo pelo qual sempre fez questão de ser chamada), era a personificação do Movimento Nacional Feminino (MNF) que ela criou em 1961. Tinha então 39 anos, era uma mulher no topo da hierarquia social salazarista e o eclodir da guerra em Angola levou-a a fundar uma “associação sem carácter político e independente do Estado”, disposta em congregar “todas as mulher portuguesas interessadas em prestar auxílio moral e material aos que lutam pela integridade do território pátrio”.

Cilinha tornou-se numa líder carismática, uma energia trasbordante que circulava regularmente entre Portugal e África. Espontânea, conhecida pela sua frontalidade, não era equívoco para ninguém a sua desvelada afeição pelos território ultramarinos, tal o seu ajustamento aos princípios morais e ideológicos do Estado Novo. Cilinha sempre legitimou a política colonial de Salazar e sempre apelou para que a opinião pública fosse generosa para aqueles que combatiam em África.

“Cecília Supico Pinto, o rosto do Movimento Nacional Feminino” por Silvia Espírito Santo (A Esfera dos Livros, 2008) é a biografia dessa mulher que vestiu camuflado e percorreu as frentes de batalha, chegando a ser ferida. Tudo em nome de uma missão. Como ela confessa neste livro:

“Dei tudo o que tinha. O Movimento foi a minha vida (...) A única coisa que nunca disseram de mim era que eu não trabalhava e que não estava presente em permanência, isso estive toda a minha vida. O chefe é o primeiro servidor de um ideal, o meu ideal era aquele e eu tinha que servir muito mais do que todos os outros”.

Casou com o Ministro da Economia, Luís Supico Pinto, no fim da guerra, e de Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho, nome de estirpe aristocrática, tornou-se em Cecília Supico Pinto. Aderiu muito cedo ao regime autoritário de Salazar, que admirava profundamente.

Cilinha fez o percurso “natural a todas as senhoras de bem”: Cascais, Ericeira, Sintra, teve preceptora, foi educada nos princípios da honestidade, no rigor da verdade e da contenção das despesas, conheceu os Palmelas, os Avilezes, os Galveias e os Pinto Basto, andou a cavalo, cantou o fado, conduzia a alta velocidade, praticava caridade. Pelo casamento consolidou a aproximação ao topo da hierarquia do regime. Cilinha era extrovertida e conquistou imediatamente as graças de Salazar.


Consta que Sophia de Mello Breyner (1919-2004), no livro Contos Exemplares, descreve Cilinha de quem, aliás, era amiga:

“(...) Mónica está nas melhores relações com o Príncipe deste Mundo. Ela é sua partidária fiel, cantora das suas virtudes, admiradora dos seus silêncios e dos seus discursos. Admiradora da sua obra, que está ao serviço dela, admiradora do seu espírito que ela serve”.

Verdade ou mentira, Cilinha transformou-se numa mulher importante do regime, aparecendo várias vezes como a primeira dama de Portugal, charmante e risonha.

Luís Supico Pinto deixa o Ministério da Economia em 1947, passa a fazer parte da Sociedade Agrícola Algodoeira de Moçambique, mesmo permanecendo em Lisboa. Mas depois começaram as viagens a África e quando chegam os primeiros sinais da luta armada, Cilinha reage, apronta-se a defender o Ultramar, aparece logo na manifestação de desagravo depois do assalto ao Santa Maria. Fruto das circunstâncias e da sua personalidade, passou imediatamente a ser o rosto dessas mulheres patriotas que distribuíam kits de cigarros e aerogramas aos militares, que editavam discos, que enviavam publicações aos militares nas frentes de combate, estimulando as madrinhas de guerra e os espectáculos com os ídolos da canção. A Operação Saudade baseava-se na venda de cinco milhões de senhas para dar oportunidade aos militares em combate de viajarem até à Metrópole: “Um militar por dia, trezentos e sessenta e cinco por ano, uma campanha sem precedentes”.

Conhece-se a história de um MNF através das suas publicações, caso das revistas Presença e Guerrilha, mas também os programas de rádio, as gravações com música e mensagens de vários artistas. Foi louvada e condecorada pelo regime, recebeu medalhas de ouro e vários títulos honoríficos. Como se disse, percorreu Angola, Guiné e Moçambique por diversas vezes. Cilinha vai vendo com os seus próprios olhos o desmoronamento dos valores e garante ter alertado a hierarquia do regime para a degradação político-militar.

Não esconde durante as entrevistas com a autora que teve um papel privilegiado entre as mulheres portuguesas que abraçaram o salazarismo. Aceitou Marcello Caetano mas não esconde reticências perante a evolução política. Não teve ilusões de que o 25 de Abri representava o fim do Império, tentou ainda pôr o movimento ao serviço dos feridos e doentes, em 22 de Julho de 1974, o MNF era extinto e o seu património entregue à Liga dos Combatentes. Seguiu-se um período de dificuldades, gente a virar-lhe a cara na rua, ela diz nunca ter abdicado das suas convicções e do valor da sua consciência.

Temos aqui uma oportunidade para conhecer o MNF e a vivacidade da intervenção da sua protagonista. Não se pode estudar a Guerra Colonial sem conhecer esta organização e a energia da sua líder carismática, hoje no anonimato.

Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70


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Notas dos editores:


(2) Vd. último poste desta série, Notas de Leitura: 8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2420: Notas de leitura (6): Amílcar Cabral, um lusófono fazedor de utopias (António Rosinha)

Guiné 63/74 - P2523: Estórias de Guileje (7): Um capitão, cacimbado, e um médico, periquito, aos tiros um ao outro... (Rui Ferreira)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 1971 > O Gen Spínola em visita de inspecção à peça de artilharia 11,4 cm. O então Cap Jorge Parracho (hoje, coronel na reforma) deve ser o primeiro da esquerda. Possivelmente, o oficial que está de costas, seria o comandante do Pelotão de Artilharia... E, quanto ao que está à civil, não sabemos...

Fotos: © Jorge Parracho / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.


1. Reproduzo aqui, com muito gosto (e naturalmente também com a devida vénia), mais uma das deliciosas estórias que o nosso querido amigo e camarada Rui Ferreira nos conta no seu livro Rumo a Fulacunda (pp. 322-324), cuja 1ª edição remonta a 1999. Aproveito também para lhe mandar um abraço de toda a nossa Tabanca Grande, do tamanho de Lisboa a Viseu (que é a sua segunda terra).

Sem querer adiantar pormenores que tirariam toda a graça ao surreal episódio aqui relatado, devo contudo acrescentar que estas brincadeiras, estas praxes, eram habituais na recepção aos médicos periquitos, sobretudo nas unidades de quadrícula mais isoladas... Poder-se-ia imputar este comportamento de bravata (mas perigoso...) a um pulsão sadomasoquista dos operacionais em relação aos não-operacionais, como era o caso do alferes médico ou do alferes de transmissões ?...

Enfim, talvez algum deles, dos nossos oficiais milicianos, médicos ou especialistas de transmissões (daqueles que fazem parte da nossa Tabanca Grande), nos possa dar o seu testemunho ou dizer mais alguma coisa, confirmando ou desmentindo estas brincadeiras perigosas à chegada dos médicos... (LG)


O ataque ao Guileje (1)
por Rui Ferreira

Revisão e fixação de texto: LG


Mobilizado para a Guiné, em rendição individual, poucos dias após ter abandonado Lisboa, um jovem e recém-formado médico dava entrada, com toda a pompa e circunstância, na guarnição do Guileje, ínfima «ilha» perdida na imensa mata do Cantanhez, no extremo Sul da província que constituiu durante anos, a par de mais umas quantas, um dos alvos privilegiados de ataques do inimigo.

Autor: Rui Alexandrino Ferreira (2)
Título: Rumo a Fulacunda. 2ª ed.
Editora: Palimage Editores.
Local: Viseu.
Ano: 2003.[1ª ed., 2000].
Colecção: Imagens de Hoje.
Nº pp.: 415.
Preço: c. 20€.

Fortemente entrincheirada, dotada de abrigos construídos à base de palmeira de cibe - dura como corno - decidiu, o Capitão Comandante, já um pouco cacimbado, dar as boas vindas ao ilustre clínico, com o ensaio geral, ao entardecer do dia da sua chegada, da reaccão a um violento ataque (3).

Facto que não só se revelou absolutamente desajustado mas perfeitamente dispensável pois, mais dia menos dia, os próprios turras lhe poupariam não somente o trabalho que teve mas o mal aproveitado dispêndio de energias.

Levada, no entanto, a sua por diante, lá decorreu o ataque, entremeados rebentamentos de granadas com tiros de metralhadoras, das armas individuais e colectivas, com a mais viva gritaria, pantominas de toda a espécie, simulacro de feridos, em resumo um verdadeiro pandemónio, unida a Companhia naquela estranha recepcão ao periquito.

Este, profundamente traumatizado e completamente desnorteado, passou la viver dentro do abrigo que lhe fora destinado, ai tomando as refeições, dando consultas, suportando o dia-a-dia, arrastando-se em angustiante depressão agravada com o correr do tempo.

Dias passados, empenhada a Companhia em acção operacional ofensiva no seu efectivo máximo, ficaram no aquartelamento, destinados a sua defesa, os poucos soldados especialistas não combatentes, sob o Comando do 1.° Sargento e em última instância do Alferes-médico.

No regresso e já nas suas imediações, mais uma vez, pela cabeça do Capitão passou brilhante ideia:
-Vamos atacar o quartel para pregar um susto ao doutor!

E se bem o pensou, melhor o executou, com umas quantas rajadas por cima deste. Aí, dado o alarme, com tão pouco pessoal para a sua defesa, como é que aquilo ia ser?
E vá de perguntar ao médico:
- Oh, Dr.! o que é que fazemos?
- Fogo!!! Foooo...go!!! - comandou o médico.

E contra tudo o que seria de esperar, pressionado, sob o peso da responsabilidade, abandonou o abrigo e, em pessoa, passou a dirigir a reacção.
- Fogo? - com quê??
- Com tudo. Fogo com todas! Com tudo! Foooo...go!

E assim os nossos bravos atacantes começaram a ficar em maus lençóis, com elas, a cair por perto, pelo que já de aflitos, bem rápido, desataram na gritaria:
- Alto ao fogo! Somos nós! Soooo....mos nós!

Pois sim! No meio daquele chavascal com tiros por tudo quanto era lado, quem é que os ouvia!?... Valeu, possivelmente evitando o que poderia ter sido uma verdadeira catástrofe, a experiência do pessoal de transmissões.

O elemento de serviço mal se desencadeara o ataque tinha solicitado a intervenção da Força Aérea que, pouco tempo depois sobrevoava a guarnição, graças à qual se conseguiu desfazer o equívoco (?) visto serem todos do mesmo clube.

O pior é que, bem mais rápido do que se poderia pensar, se propagou o acontecido e nessa mesma tarde, no rescaldo da chegada dos rumores que, nem se sabe como, já corriam por Bissau, estes captados pelos ouvidos do próprio Governador, fizeram com que, pouco depois, pousasse no Guileje o heli com o próprio General Spínola. Onde, face às atabalhoadas explicações do ilustre Capitão, na tentativa frustrada de, aligeirando a versão, contar unicamente quanto a loucura do acontecido aconselhava, tivesse levado Sua Excelência a determinar o apuramento do gasto das granadas e munições consumidas que mandou debitar na conta pessoal daquele, promovendo a imediata evacuação do médico para a psiquiatria.

Em beleza…

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Notas de L.G.:

(1) Vd. último poste desta série: 31 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2493: Estórias de Guileje (6): Eurico de Deus Corvacho, meu capitão (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

(2) Por curiosidade, com quem e em que altura se terá passado esta estória ? O Rui Ferreira, por sua vez, esteve em Quebo (Aldeia Formosa), entre 1970 e 1972, sendo portanto vizinho de Guileje... A ter sido passada esta cena no tempo de Spínola, ela terá ocorrida entre 1968 e 1973, envolvendo o pessoal de uma destas seguintes unidades (entre parênteses, indica-se o nome o contacto que temos)

CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos)
CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970) (contacto: Armindo Batata)
CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Abílio)
CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: Jorge Parracho)
CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje (contacto: Amaro Munhoz Samúdio)
CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje (contacto: José Casimiro Carvalho )

(3) O Rui Alexandrino Ferreira, que foi homenageado em 2007, por ocasião dos seus 64 anos, em Viseu, terra onde vive, é natural de Angola (Lubango, 1943). Fez o COM em Mafra em 1964. Tem duas comissões na Guiné, primeiro como Alferes Miliciano (CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67) e depois como Capitão Miliciano (CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72). Fez ainda uma comissão em Angola, como capitão. Publicou em 2001 a sua primeira obra literária, Rumo a Fulacunda. É hoje coronel, na reforma.

Vd. postes de:

4 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2026: Antologia (61): Rumo a Fulacunda: uma estória que ficou por contar ou a tragédia das CCAÇ 1420 e 1423 (Rui Ferreira)

3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1810: Convívios (14): CCAÇ 816 (Oio, 1965/67), em Joane, Famalicão, em 5 de Maio de 2007 (Rui Silva)

30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1800: Álbum das Glórias (14): De Alferes (CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67) a Capitão (CCAÇ 18, Quebo, 1970/72) (Rui Ferreira)

30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1797: Convívios (13): Viseu: Homenagem ao Rui Ferreira e apresentação do último livro do Gertrurdes da Silva (Paulo Santiago)

15 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1761: A floresta-galeria na escrita de Rui Ferreira

1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1718: Lendo de um fôlego o livro do Rui Ferreira, Rumo a Fulacunda (Virgínio Briote)

14 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1661: Tertúlia: Notícias de Lafões, do Rui Ferreira, do Carlos Santos e da nossa gloriosa FAP (Victor Barata)

31 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1639: Estórias de Bissau (12): uma cidade militarizada (Rui Alexandrino Ferreira)

20 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1448: Os quatro comandantes da CCAÇ 2586 (A. Santos)

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2522: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (17): Notícias do Nuno Rubim e do Xico Allen (Pepito)

1. Mensagem do Pepito, com data de hoje:

Luís

(i) Olha que já te mandei as fotos da equipa, o núcleo-duro do simpósio, nesta fase. A fotógrafa de serviço é a Conceição Vaz.

(ii) Obrigado pelas informações que pedes: vou preparar [Informações úteis, actualizadas, sobre os meios de pagamento em Bissau, levantamento de dinheiro, Visa, Multibanco, cheques, câmbios, etc., bem como sobre telecomunicações, telemóveis, telefone, Internet... ].

(iii) O nosso Nuno Rubim [que partiu na sexta-feira, dia 8, para Bissau, levando o seu precioso Diorama de Guiledje] já aqui está na máxima força a trabalhar (sábados e domingos) no diorama.
(iv) O Chico Allen falou hoje comigo do aeroporto de onde ia partir para Lisboa. Levou cartazes do Simpósio para a ornamentação dos veículos.

(v) A RDP África esteve presente e cobriu [o anúncio oficial do Simpósio. Quem não esteve foi a RTP África. Dou-me bem com a representante da RTP África aqui em Bissau, embora discorde em absoluto com os critérios deles.

(vi) A brochura [sobre o Simpósio] foi feita pelo Leopoldo e resumida por mim (2).

(vii) A tradução [das sessões] em crioulo é uma hipótese a pensar, embora seja muito complicada. Pois há o crioulo escrito de forma já codificada (difícil de ler) e o outro às três pancadas e que é fácil.

abraço
pepito
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Notas dos editores:

(1) Vd. poste anterior, desta série: 6 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2508: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (16): Dicas para o viajante (Vitor Junqueira)

(2) Vd. postes de:

2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2499: Guiledje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (13): Enquadramento histórico (I): a importância estratégica de Guileje

3 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2502: Guiledje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (14): Enquadramento histórico (II): o significado da queda de Guileje

Guiné 63/74 - P2521: Bibliografia (15): Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

Capa do livro do Mário Beja Santos, Diário da Guiné 1968-1969: Na Terra dos Soncó.
Foto: Círculo de Leitores (2008). (Gentileza da Dra Isabel Mafra, da Editora Temas e Debates)


1. Mensagem do Luís Graça:
Amigos & camaradas:

Sigamos o exemplo do A. Santos, não deixem para o último dia a inscrição no almoço por ocasião do lançamento do livro do Beja Santos (que é também o nosso livro). Eu, infelizmente, não poderei estar, mas o camarada V. Briote representar-me-á a mim e ao Carlos Vinhal (que está no Porto e, infelizmente, eu não posso pagar-lhe ajudas de custo... Por enquanto, somos um blogue de tesos).

Apontem, s.f.f., na vossa agenda> Lançamento: Lisboa, 6 de Março de 2008, 18.30h, na Sociedade Portuguesa de Geografia.

Mas haverá também reunião da mini-tertúlia de Lisboa, que começará com um almoço na famosa Casa do Alentejo (uma das pessoas da direcção é a esposa do nosso camarada Fernando Calado). A Casa do Alentejo é de visita obrigatória, tal como a Sociedade de Geografia. Fica tudo pertíssimo, na Baixa lisboeta.

Entretanto, tenho a comunicar-vos que o livro já está na tipografia. Já vi a versão final (que a editora me mandou em formato pdf). Vai ficar um livro espectacular, com muitas fotos, nossas, e em especial do nosso Humberto Reis.
Estamos todos convidados para a cerimónia, independentemente do almoço da tertúlia. Todos teremos orgulho em lá estar, a começar pelo nosso Mário, que suou as estopinhas para ter tudo pronto a horas. Todos demos uma mãozinha...
Já agora fica aqui a menção dos créditos fotográficos. Em todas as fotos aparecem os nomes dos camaradas que as cederem (só para este efeito, para este livro e mais nenhum; ou seja, a editora não poderá voltar a utilizar as fotos, sem a nossa autorização expressa). As fotos foram seleccionadas de um lote de cerca de mil, que eu mandei num CD-ROM (Bissau, Xime, Xitole, Mansambo, Bambadinca, Missirá, Rio Geba, Rio Corubal, etc.). Aqui os camaradas premiados:
A. Marques Lopes, Albano Costa, Fernando Calado, Fernando Chapouto, Gabriel Gonçalves, Henrique Monteiro, Humberto Reis, J. Vacas de Carvalho, Joaquim Mexia Alves, Luís Graça, Mário Beja Santos, Sousa de Castro, Tony Levezinho, Virgínio Briote,

Estamos (o autor, a editora, o editor do blogue) muito gratos pela colaboração prestada por vocês todos, a começar por aqueles que todos os dias nos lêem, apreciam, criticam, comentam, escrevem, divulgam.
LG

2. Almoço da tertúlia: Presenças já confirmadas1. Henrique Matos
2. A. Marques Lopes
3. António Graça de Abreu
4. António Santos
5. Rui Alexandrino Ferreira
6. Delfim Rodrigues

3. Quem não pode ir mas que vai lá “estar”

Caro Beja Santos:

Não vou estar, fisicamente, na abertura oficial e solene do teu livro. Mas quero, com esta antecedência, deixar dito que estou muito grato pela força que tiveste em escrevê-lo; eu também serei beneficiário particular da parte da Historia (real ou ficcionada, ou ambas) que ali descreverás. De qualquer modo, há por lá sempre o dedo da inspiração sofrida (que o não foi) pela vivência na proximidade e envolvimento na Guerra.
A todos os que de uma forma ou de outra (não sei o mail do Henrique Monteiro) contigo deram a colaboração para a afirmação que já é real, estendo a minha capa, para que, contigo, possam caminhar em Honra merecida.

Sabes, eu sou dos velhos de 64 a quem a vida já deu muito; mas também sei que ainda existem muitos de nós, escondidos e envergonhados que bem poderiam, igualmente, contribuir para um conhecimento mais próximo da realidade do impacto, ou primeiro choque, que todos tivemos com o início da Guerra.
Acho que já estou divagando…

Mereces as maiores felicidades neste Lançamento. Isso, é o que importa agora.

Saudações amigas, do

Santos Oliveira

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vd artigos de:

4 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2505: Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó. O livro do Mário Beja Santos, o nosso livro (Virgínio Briote)

11 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2429: Lançamento do meu/nosso livro: 6 de Março de 2008, na Sociedade de Geografia, com Lemos Pires e Mário Carvalho (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P2520: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (6) (Carlos Silva)

Continuação da História do BCaç 2879.
Texto e imagens de Carlos Silva.

24 toneladas de material apreendido em Faquina, na zona de Cuntima, junto à fronteira com o Senegal (I)

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Actividade no TO - Teatro de Operações do Sector 02> Farim e do CTIG

Agosto de 1969

Durante este mês desenvolveu-se treino operacional intenso, manteve-se a actividade anteriormente delineada no que diz respeito ao esforço de contra-penetração nos corredores de Lamel e Sitató e começaram a alargar-se as zonas a patrulhar, com vista a um conhecimento mais profundo e à detecção de locais mais rendosos para a actividade operacional.

Paralelamente começaram a ser estudados pelo Batalhão, o problema relacionado com o reordenamento das populações e sua organização em auto defesa.

Neste mês salientam-se os seguintes factos.

10-08-69, Domingo:

O 4º GComb/CCAÇ 2533 que interditava o corredor de Sitató, na zona de Farincó, junto ao carreiro, teve contacto com um grupo IN avaliado em cerca de 15 elementos.

O 2º Gr Comb comandado pelo Cmdt da Companhia, Cap Sidónio Ribeiro da Silva, saiu de imediato em socorro daquelas forças e no caminho tiveram também contacto com o IN, causando-lhe 1 morto e alguns feridos confirmados e capturado:

1 Esp Aut Kalashnikov;
1 Caçadeira de 2 canos;
Munições diversas e
Saco de roupa e documentação.

11-08-69, Segunda-feira

Às 14h 30m o 3º Gr Comb/CCAÇ 2533 saiu para interditar o corredor de Sitató, na região de Farincó. Ao chegar lá, fez uma batida na zona de contacto havido com o IN do dia anterior e quando se preparavam para voltar para trás, avistaram um grupo IN composto de 5 elementos.
O pessoal imediatamente se instalou e quando o IN atravessava a zona de morte abriram fogo. Desse encontro resultou 1 morto e 2 ou 3 feridos para o IN.

13-08-69, Quarta-feira

Eram 20h quando se desencadeou uma violenta flagelação do IN ao aquartelamento de Canjambari do lado Este e Oeste. Caíram várias morteiradas e roquetadas dentro do aquartelamento. O ataque foi repelido com o rebentamento de armadilhas comandadas à distâncias e instaladas fora do perímetro do arame farpado. As NT sofreram 1 ferido ligeiro e a danificação de diverso material.

O Ronco : 24 toneladas capturadas ao IN na região de Faquina Fula>Faquina Mandinga (povoações junto à fronteira com o Senegal)

13/14-08-1969 - Operação Talião em Faquina - Subsector de Cuntima.

Tomaram parte nesta operação:

O Cmdt do BCAÇ 2879
Forças pára-quedistas
CCAÇ 2529 (-) reforçada com 1 Gr Comb da CCAÇ 2549
CCAÇ 2547 (-)
CARt 2478
Gr Comb Os Roncos




Faquina Mandinga, localização onde se desenrolou a acção

Capturada elevada tonelagem de material entre o qual avultou:

Granadas de canhão sem recuo : 185
Granadas de morteiro 82 : 123
Granadas de morteiro 60 : 63
Metralhadoras ligeiras : 5
Espingardas automáticas : 1
Espingardas semi-automáticas : 10
Pistolas-metralhadoras : 23
Lança-Roquetes : 1
Granadas de mão defensivas : 140
Granadas de LGF : 26
Granadas anti-carro : 19
Minas anti-carro : 7
Minas anti-pessoal : 83
Munições de armas ligeiras : 149.244
Munições de armas pesadas : 2.550



Cuntima, 13-08-1969 – Pista – Foto cedida pelo ex Fur Carlos Fragoso, da CCAÇ 2549.
Armamento capturado ao IN em consequência da operação Talião podendo-se observar diferentes espécies de armas, tais como: Espingardas automáticas (AK-47, Kalash), semi-automáticas, metralhadoras ligeiras, pistolas metralhadoras, lança-roquetes, pistola-metralhadora Shpagin (PPSH ) (ou costureirinha)

Durante a manhã do dia 14, o IN flagelou as NT que sofreram 3 feridos metropolitanos, 4 feridos milícias e 2 feridos caçadores nativos.



Cuntima, 13-08-1969 – Descarregamento do material na Pista. Transporte do material capturado nas bolanhas de Faquina Fula e Mandiga. Curiosidade e satisfação dos militares que não participaram na operação. Fotos cedidas amavelmente pelo camarada ex- Furriel Fragoso da CCAÇ 2549.


Descarregamento do material capturado na Pista de Cuntima. O armamento capturado seguiu depois para Bissau no Dakota.

Sobre este ronco consta na História da CCAÇ 2529 (1) o seguinte:

"... No dia 12 de Agosto pelas 15 horas observámos movimentos de vários helicópteros em direcção a Faquina. Inicialmente não sabíamos o que se estava a passar, mas decorrido algum tempo chegavam a Cuntima carregados de material capturado ao IN. Informaram-nos que junto à bolanha de Faquina havia uma viatura IN carregada de material que forças pára-quedistas se incumbiram da sua segurança a fim de ser retirado dali o mesmo.

Como regressaram a Bissau as forças que se encontravam no local, a nossa Unidade recebeu ordem para com os obuses do Pelotão de Artilharia bater a zona onde estava a referida viatura. Posteriormente recebemos ordem de deslocação para a região de Faquina a fim de no dia seguinte (13-08-1969) reforçar e permitir que fosse retirado o restante material não evacuado na véspera.

Sob o comando desta CCAÇ o 1º e 4º Grupo de Combate reforçado com um grupo de combate da CCAÇ 2549 e com um Pelotão de Milícias de Cuntima, pelas 3 horas e 30m do dia 13 saíu em direcção a Faquina Mandinga onde devíamos estar às 6 horas e 30m. A noite encontrava-se bastante escura o que dificultou a progressão.

Chegámos a Faquina Mandinga às 6 h e 15m onde instalámos e aguardámos ordens. Pelas 9 horas, os hélis transportando forças pára-quedistas desceram em Sare Demba Chucael iniciando a retirada do material.

Os bombardeiros sobrevoaram a zona e do PCV foi-nos dada ordem para batermos a zona em frente a Sare Demba Chucael (povoação senegalesa, situada junto à fronteira, marco 99, zona compreendida para Norte de Faquina Mandinga e Faquina Fula, na direcção de Sare Demba Chucael).

Iniciada a batida à bolanha encontrámos material de guerra (granadas de morteiro e de canhão s/r, LGFog, munições e minas), material escolar, sacos de sal e arroz, material este que foi evacuado em dois hélis.

Continuando em direcção a Faquina Fula e a 100 metros da bolanha, debaixo de uma árvore, havia certa porção de terra que parecia ter sido ali colocada há pouco tempo. Verificado o local e depois de serem tomadas medidas de segurança, concluímos tratar-se de uma arrecadação de material IN com apreciáveis quantidades.

Esteve no local o Com-Chefe, Gen Spínola, que observou a arrecadação e o material que lá se encontrava.

Faquina Fula foi totalmente batida encontrando-se várias casas de zinco que destruímos, retirando material de uso corrente (esteiras, arroz, açúcar e panelas) e mais, distribuídos pelo pessoal milícia que tomou parte na operação.

A fim de serem efectuadas batidas pormenorizadas a toda a zona e por ordem do ComChefe, foram deslocados para a área dois Grupos de Combate e CCAÇ 2547 e o Pel Milícias ”Os Roncos” de Farim.
Ao anoitecer e por ordem do Cmdt do BCAÇ 2879, foi montada segurança ao estacionamento, entre Faquina Mandinga e Faquina Fula. No local encontravam-se as forças sob o comando desta Companhia, um pelotão de pára-quedistas, 2 grupos de combate da CCAÇ nº 2547 e "Os Roncos” de Farim sob o comando do Cmdt do Batalhão, Ten Coronel Agostinho Ferreira.

A noite decorreu normalmente, apesar das enormes chuvadas que caíram a partir das 2 horas. Pelas 6 horas e 30 minutos do dia 14 o IN iniciou uma flagelação ao estacionamento, tendo duas granadas de Mort. 61 rebentado na zona em que se encontrava o 1º Gr Comb desta Unidade, de que resultaram 9 feridos graves e 1 ligeiro. As NT reagiram imediatamente pelo fogo e movimento, tendo "Os Roncos” de Farim saído em perseguição do IN.

Nos locais de retirada havia indícios sangrentos que nos levaram a concluir ter havido baixas para o IN. Durante este dia efectuaram-se batidas na área, não tendo sido encontrado qualquer vestígio nem material IN.

Pelas 16 horas iniciou-se o regresso ao aquartelamento de Cuntima pelo itinerário Faquina Mandinga - Jajalvo - Tendito – Tonhataba - Cuntima, enquanto os obuses batiam toda a zona em que decorreu a operação.

Esta Unidade (CCAÇ2529) capturou ao IN cerca de 7 toneladas de armamento e munições sendo de salientar o seguinte:


Metralhadoras ligeiras Degtyarev DP : 3
Carregadores circulares de Met Lig Degtyarev DP : 3
Metralhadoras Degtyarev - RDP : 1
Metralhadoras Degtyarev - mod. 52 : 1
Pistola metralhadora M-52 : 5
Pistola metralhadora Sudayev : 6
Pistola Met Shapagin (PPSH) ("ostureirinha” ): 11
Carregadores Pist Met Shapagin (PPSH) : 8
Espingarda semi-automática Simonov (SKS ) : 10
Espingarda automática Kalashnicov ( AK ) : 1
LGrFog - RPG 2 : 1
Pistola metralhadora M-23 : 1
Minas anti-carro A/C TMD : 3
Minas anti-carro A/C : 4
Minas anti-pessoal A/P G1 : 80
Granadas A/C do L. G. F - RGP 2 : 26
Granadas de canhão sem recuo S/R : 29
Granadas de canhão sem recuo S/R T-21 : 48
Granadas A/C c/ bem. canhão S/R 82 : 108
Embalagens vazias de gran A/C 82 : 7
Granadas de morteiro 82 : 123
Granadas de morteiro 61 : 63
Caixas de espoletas ( 25 cada ) : 12
7 caixas com um total de espoletas : 70
Granadas de mão defensivas F 1 : 140
Caixas de detonadores gran. de mão defensivas F 1 : 7
Cartuchos propulsores de morteiro 82 : 100
Munições 7,62 normal : 61.360
Munições 7,62 tracejantes : 23.680
Munições 7,62 tracejantes verdes : 880
Munições 12,67 : 1530
Munições 9 mm : 3000
Diversas : 2015
Caixas met. c/ cartuchos propulsores : 8
Cargas suplementares redondas : 163
Very lights : 18
Tubos c/ espoletas de bazookas : 4
Cunhetes met. transporte gran morteiro : 9
Peças de culatra do canhão S/R : 2
Caixas para transporte de espoletas : 2
Caixas c/ detonadores : 70

Foto do ex-Alf Mil Carmo Ferreira da CCaç 2549 (Cª do Cap Vasco Lourenço)

As populações da área de Cuntima receberam com entusiástica manifestação de alegria as notícias dos êxitos obtidos, colaborando activamente no transporte do material capturado.

Esta operação foi designada por Operação "Talião", tendo esta Unidade a honra de capturar 7 das 24 toneladas que foi a quantidade total de material apreendido.

Em consequência dos ferimentos obtidos nesta operação faleceu no dia 19 de Agosto no H.M.P, o soldado M. F. Gouveia.

Entretanto recebemos várias visitas, salientando-se a de um jornalista inglês que observou e fotografou o material capturado.

Definimos ao IN a nossa posição e valor dentro do sector, aguardando no entanto a sua reacção que não se fez esperar, pois a 25 de Agosto pela 1 hora, durante vários minutos, flagelou de 3 frentes o aquartelamento e a povoação de Cuntima, com canhões S/R, Mort 82, Mort 81, LGFog e armas automáticas, que, como de costume actuavam numa cadência infernal. A reacção das NT foi imediata e o fogo coordenado forçou o IN a pôr-se em retirada na direcção do Senegal.

As NT efectuaram a perseguição e batida, não tendo tido qualquer resultado.
Foram encontrados vestígios abundantes de sangue. As NT sofreram 6 feridos ligeiros...."



O nosso camarada Carmo Ferreira, Alf Mil da CCAÇ 2549, no seu trabalho “A Luta Pelo Regresso, 1975” ainda não publicado, a págs. 23 a 28 refere-se a este Ronco nos termos seguintes:

“....Chegou, enfim, a altura da actuação na qual, em simultâneo, somos actores e assistentes. O palco, esse era pisado pela primeira vez.
Faquina. Zona limítrofe do território, encostada à linha de fronteira, correspondente a uma grande bolanha cuja linha média é a própria fronteira com o Senegal. Constituía, para a grande maioria da malta estacionada em Cuntima, como que um bicho de sete cabeças. Na verdade, sempre que se entrava na zona, dizia-se, havia 'choça' É que o IN , acolhido do lado de lá, montava as suas baterias de morteiros e desancava uma vez que nem sequer se podia reagir. Os nossos morteiros 60, pouco mais de meia bolanha atingiam e para isso era necessário sair a campo aberto.

A 12 de Agosto, a acalmia da tarde soalheira igual a outras já passadas, ainda que poucas, é quebrada pelo ensurdecedor aparecimento de dois Fiat que sobrevoavam o quartel e daí seguem para leste em direcção a de Faquina. Duas centenas de interrogações, quatro centenas de olhos, seguem as evoluções dos aviões que a cada picagem vão metralhando o solo. Um rebentamento mais forte assinala o lugar de uma “ameixa” de maior calibre.
Uma palavra vai correndo, entretanto, de boca em boca, ao mesmo tempo que se divisam, ao longe, 7 helicópteros Alouette, em formação rumando para o mesmo objectivo.

- É “ronco”. Agora são os páras que vão acabar o “rancho”.

Havia “ronco” na verdade. O IN detectado no Senegal a descarregar material de uma viatura, havia sido posto em fuga pelo piloto que os detectara, abandonando o material. Entretanto, a tarde vai caindo. As primeiras evacuações de material vão aparecendo se bem que a grande maioria siga directamente para Bissau. É um delírio ver, apalpar, fotografar aqueles brinquedos mortíferos arrancados às mãos do “turra”.

E a noite cai calma, serena e quente. O jantar decorreu, como normalmente, na cubata indígena a que tínhamos a veleidade de chamar messe. O pensar, nestas alturas, nos “senhores” que às suas secretárias e nos seus gabinetes arejados pelo indispensável ar condicionado, exigiam sempre mais e mais esforço, fazia-nos já rilhar os dentes, desejar tudo virar às avessas.

O calor é tal que, enquanto se come, o suor vai caindo pingo a pingo dentro do prato. O ambiente, pouco a pouco, torna-se sombrio. Todos advinham que daí a nada a operação complemento será delineada.

Retiro para o quarto juntamente com outros camaradas. Sobre um esqueleto de ferro, que papelões de caixotes de bebidas amaciam, deitamos os corpos alagados de suor. Não notam a dureza. Um treino de cerca de uma vintena de noites consecutivas tornaram-nos já moldáveis.

Havia adormecido há pouco quando oiço:
- Meu alferes, meu alferes Ferreira, chegue ao nosso capitão.
Esfregando os olhos, estremunhado, adivinho o que se passa, ao mesmo tempo que sigo o Salgado – o “impedido” do capitão. Olho o relógio. São onze (23) horas quando entro na messe apertando ainda as calças.

- Ferreira, prepare-se para sair a qualquer hora - diz-me o capitão Lourenço.
- Para onde, meu capitão? – pergunto, adivinhando qual a resposta.
- Para Faquina.
- Vou eu – adianta o Capitão Homem da Costa – o pelotão de milícias, o do Costa, o do Rocha e o seu.
- Okay. Terei então de ir prevenir a maralha. Até já.

Passo a notícia ao Nunes e ao Ferreira, os furriéis do meu grupo de combate. Ponho-os ao corrente do que irá passar-se. Bem pouco, aliás, pois que, muito pouco, também sabia. Entretanto os soldados continuam a dormir despreocupados, não adivinhando que a qualquer momento serão acordados e mandados preparar para uma operação que, para os meus homens, seria talvez o baptismo de fogo e donde alguns poderíamos não voltar.
Com violência, irrompe então verdadeiramente a luta contra o medo de poder ser julgado covarde. O medo de ter medo, é enorme. O medo de poder com esse acto prejudicar outras lutas semelhantes é ainda maior. O sono falha-me e desgasta-me.

São três da manhã quando está tudo pronto para a arrancada. É dia 13. Como habitualmente a noite é breu, opaca, obrigando o pessoal a repetidas paragens e a constantes interrupções na coluna a fim de se evitarem perdas de contacto. Três horas nos separam ainda do objectivo, caminhando noite dentro, cruzando o rio Carantabá e bolanha adjacente, ainda com pouca água. Todo o peso da noite nos envolve. Cerca das 5h 30m da manhã, a coluna pára e a palavra de ordem vai passando até à cauda da coluna.

- Cuidado. Olhos e ouvidos atentos. Nada de ruídos. Estamos já muito próximos do objectivo.

Uns minutos mais e a coluna pára desta feita por completo. Instala-se aguardando as 6h 30m, hora em que chegará a Força Aérea. Na nossa frente, silenciada e misteriosa, Faquina, o objectivo, a incógnita das próximas horas. O mito e a realidade estavam frente a frente.
Os nervos, de tensos, parecem estalar ao primeiro ruído. Então quando uma manada de javalis, atravessa a coluna num estardalhaço do demónio....Uf!

São já nove horas. O pessoal aguarda impaciente o apoio aéreo que apesar das duas horas e meia de atraso, parece não mais chegar. O Comando decide que se avance e avança-se. Num vaivém contínuo, os olhos correm a mata, as árvores, o chão. Nenhum tiro. O inimigo fugira possivelmente para solicitar auxílio ou então, algures, espreita e mede a força com que terá de bater-se.

Chega finalmente o apoio aéreo: um heli-canhão e dois T6. No terreno e espalhado por todos os lados, começa a aparecer o material precipitadamente abandonado: cunhetes de granadas de mão , munições das mais diversas, candeeiros a petróleo, folhetos, livros, etc.

- Meu capitão, meu capitão, manga di ronco. Manga dele mesmo. Pessoal encontra “arrecadação”. Grita eufórico um milícia, o Faram, para o Capitão Homem da Costa.

Um toco oco, servindo de respiro e espetado no alto de um pequeno morro, havia sido detectado por um milícia que, intrigado, havia vasculhado o terreno acabando por encontrar a chapa que cobria o poço servindo de arrecadação. Dentro, várias centenas de granadas de morteiro 82 e canhão sem recuo, meia centena de armas, dois lança granadas e cerca de uma centena de minas anti-carro e anti-pessoal de todos os tamanhos, gostos e feitios. Quanto a munições era um nunca acabar. Desde as de calibre 7,62 às de 12,7 havia de tudo. Talvez umas 150 mil, sem exagero.

- Manga di ronco mi alfero.. Manga dele – vai-me dizendo o carregador.

E o frenesim da recolha continua. O grupo de milícias parte, entretanto, a fazer uma batida a Faquina Mandiga. Aí, a recolha de meios é em moldes diferentes, dado que, se encontram simplesmente géneros alimentícios que são destruídos – umas boas centenas de quilos de arroz foram transportadas de helicóptero – sacos de campanha de origem soviética, de óptima qualidade em comparação com os quais os nossos bornais se sentiam envergonhados, tachos, panelas, cantis, enfim, artigos dos mais diversos.

Com o aproximar da noite e com o levantar do último helicóptero, monta-se a segurança para aí ficarmos instalados até ao dia seguinte. A noite, calma e serena, passou sem que nada houvesse a registar. A presença inimiga, contudo, pairava constante. Sentia-se no ar.

Pela manhã, cerca das 6h e 30m, eles aí estão na sua “visita” já esperada de há muito. Com uma série de morteiradas logo de imediato acompanhadas pelo matraquear feroz das “costureirinhas” (como eram denominadas as metralhadoras ligeiras PPSH, de fabrico soviético)desencadeiam o ataque, feroz e certeiro. A reacção, de nossa parte, é imediata e em força.

- Cheguem-lhes duro. Protejam-se e dêem-lhes forte – grita o Ten Cor Agostinho Ferreira, Comandante do Batalhão (conhecido pelo metro e oito, em face da sua baixa estatura) que entretanto, chegara durante a tarde e que connosco quisera partilhar a situação.

Logo ao início da refrega alguns feridos há a lamentar. O fogo certeiro e objectivo dos seus morteiros, correndo quasi toda a linha defensiva, havia apanhado com estilhaços os nossos apontadores de morteiro que, um pouco recuados, cumpriam a sua missão de cobertura.
De soslaio observo o Reguila, o apontador do meu grupo de combate. Furibundo e urinando dentro do morteiro, roga pragas sem conta. Deixa entrar terra para dentro e agora o percutor não funcionava. Entre o desenroscar e enroscar frenético da parte inferior para a necessária limpeza do percutor vão uns segundos que, contudo, parecem uma eternidade. Com satisfação o vejo depois , a meter as granadas e, com um sorriso nos lábios, seguir a sua trajectória!
Bastante desenrascado sem dúvida. Aquilo que constantemente lhes havia sido dito e redito para terem cuidado com a terra e o pó dentro dos morteiros e outras armas teve a sua prova dos nove na altura mais imprópria. Como sempre as coisas acontecem quando menos se espera. Felizmente, foi possível ultrapassar o percalço.

A fuzilaria é enorme. Cada disparo parece ser um empurrão na má sina que se quer afastada. Pouco mais de meia hora volvida (uma eternidade para quem a viveu), tudo volta a acalmar. A evacuação dos feridos é imediata. São eles 3 metropolitanos, 4 milícias e um caçador nativo. Pela batida feita, logo de seguida, e pelos numerosos rastos de sangue, constata-se que o inimigo também tivera baixas e não poucas.

Pouco depois, é apanhado um nativo senegalês que se encontrava na zona . Com umas “carícias” ei-lo cantando. Dois outros depósitos se encontram, enterrados, a poucas dezenas de metros da arrecadação que localizáramos no início. Duas centenas mais de cunhetes de munições a juntar a tudo o resto já apanhado.

Porém, é do outro lado da linha de fronteira que se encontra a arrecadação-mãe. Esta informação, por isso, mobiliza de imediato as atenções para o assalto que se impunha, sem delongas.

Com o pelotão de milícias, sob o comando do Cherno, que entretanto chegara, em reforço, com outros elementos da CCAÇ 2547, passo a bolanha. Levávamos como missão trazer o mais possível e de seguida estoirar com tudo. A travessia não é fácil. Penosa, lenta e cansativa expõe-nos, abertamente, ao inimigo. Sem problemas, contudo, chegamos ao lado de lá. Emboscados. Junto à mata, no limite da bolanha, protegemos a entrada das milícias “ Os Roncos” além-fronteira.

Tropas senegalesas, contudo, fazem-lhes frente. Cherno não hesita. Aprisiona o comandante da força e quer avançar a todo o custo contra tudo e contra todos.

Pela rádio o Ten Cor Agostinho Ferreira é posto ao corrente do que se passa. Após várias trocas de impressões o rádio avaria-se. É por isso necessário alguém vir, pessoalmente, bolanha fora, narrar o que se passa. Venho eu.

A cada passo, com a arma acima da cabeça, as pernas enterram-se-me até às coxas no lodo negro e mal cheiroso. Analisada a situação, a retirada é ordenada, a fim de se evitarem complicações políticas a nível internacional. Retorno, portanto, para junto dos meus homens levando a ordem a cumprir, com toda a precaução. O esforço despendido no regresso ao convívio dos camaradas além bolanha é enorme. O nosso olhar não disfarçava a frustração que vivíamos... Quando regresso e cruzo a bolanha pela terceira vez, as energias vão-se faltando. Já não ando, arrasto-me, arrastam-me. A espaços, exausto , tombo de costas e deixo-me repousar.

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Notas de Carlos Silva:

(1) - História da Unidade da CCAÇ nº 2529 (Caixa nº 115 - 2ª Div./4ª Sec, do AHM)
(2) - Estado-Maior do Exército - Comissão para o Estudo das Campanhas de África
Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974]
7º Volume - Fichas das Unidades- Tomo II - Guiné, 1ª edição, Lisboa 2002 - p. 375

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Notas de vb: vd tb artigos de:

1 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2496: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (5) (Carlos Silva)

30 de Janeiro de 2008>
Guiné 63/74 - P2491: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (4) (Carlos Silva)

24 de Janeiro>
Guiné 63/74 - P2477: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim : O Batalhão dos Cobras (3) (Carlos Silva)

20 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2464: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (2) (Carlos Silva)

15 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim : O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)



Guiné 63/74 - P2519: As Nossas Madrinhas de Guerra (1): Os aerogramas ou bate-estradas do nosso contentamento (Carlos Vinhal / Luís Graça)


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) > Um Lassa, ferido em combate, recebendo assistência... Era esperado que as madrinhas de guerra (uma figura criada ou ressuscita pelo MNF em 1963) ajudassem a curar as feridas, sobretudo psicológicas, da guerra. Uma madrinha de guerra tinha a obrigação de escrever, pelo menos semanalmente, ao seu afilhado...

Lembro-me de o meu pai, 1º cabo de infantaria, expedicionário, durante a II Guerra Mundial, em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente (1941/43), me contar que escrevia semanalmente dezenas de cartas para os seus camaradas que não sabiam ler nem escrever... E que só um deles tinha 22 madrinhas de guerra...

Portanto, esta figura não é uma criação genuína, original, do MNF... O movimento fundado e liderado por Cecília Supico Pinto dê-lhe mais consistência ideológica e visibilidade mediática:

"Que cada uma de nós se lembre que lá longe, nas províncias ultramarinas, há rapazes que deixaram tudo: mulheres, filhos, mães, noivas e o seu trabalho, o seu interesse, tudo enfim, para cumprirem o seu dever de soldados. É preciso que as mulheres portuguesas se compenetrem da sua missão, e assim como eles estão cumprindo o seu dever, lutando pela nossa querida Pátria, também vós tendes para cumprir o vosso, lutando pelo bem-estar dos nossos soldados- luta essa bem pequenina, pois uma só palavra, um pouco de conforto moral basta para levar alguma felicidade aos que estão contribuindo para a defesa da integridade do nosso Portugal.

OFEREÇAM-SE PARA MADRINHAS DE GUERRA. MANDEM O VOSSO NOME E A VOSSA MORADA PARA A SEDE DO MOVIMENTO NACIONAL FEMININO".

("Madrinhas de guerra". In: Revista Presença. Nº 1, 1963, p. 36-37).


Foto: © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.




Um original aerograma, escrito em linhas concêntricas, reproduzido no livro do nosso camarada António Graça de Abreu, Diário da Guiné: Lama, Dangue e Água Pura, Lisboa, Lisboa: Guerra e Paz, Editores. 2007. Preço: € 22... Que continua vender-se bem, segundo o autor me confidenciou há tempos (*)...

Foto: © António Graça de Abreu (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do co-editor Carlos Vinhal para o Luís Graça:

Luís: Encontrei esta pérola (**). Podíamos republicar este teu trabalho na série Álbum das memórias, como introdução à nova série As Nossa Madrinhas de Guerra.

Enquanto não me respondes, vou fazer os rascunhos respectivos.
Um abraço
Carlos

2. Resposta do L.G.:

Carlos:

É um texto meu, antigo (**)... É, de facto, cronologicamente falando, o nosso poste nº 1... Quis, com ele, dar início à divulgação de escritos sobre a guerra, o que só veio acontecer um ano depois... com o aparecimento do Sousa de Castro, o tertuliano nº 2... O texto é de facto de 23 de Abril de 2004...

Mas devo acrescentar-te, a título pessoal, o seguinte: (i) nunca tive madrinha de guerra; (ii) nunca escrevi um aerograma... Tenho, apesar de tudo, uma colecção de cartas e aerogramas desse tempo, de pessoas conhecidas que mos emprestaram ou deram...

23 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)

Um abração do Luís

PS - Temos que fazer um apelo à malta para nos mandar cópias (ou excertos) de aerogramas com interesse para o nosso blogue... Quem os terá ?

O Beja Santos, por exemplo, tem a colecção das cartas e aerogramas que mandava, todos os dias, à noiva (e futura esposa e mãe das suas filhas, a Cristina Allen)... Foi graças a esse material que ele pôde, em grande parte, reconstituir o seu dia a dia em Missirá e em Bambadinca, nos anos de 1968, 1969 e 1970... Mas isto é um caso raro, que podes referir...

Também tens o caso dos aerogramas do Lobo Antunes (que esteve em Angola, Alferes Miliciano médico, 28 anos, recém-casado)... A primeira mulher dele guardou esses aerogramas que foram depois publicados pelas filhas, a seguir à sua morte (***)...

Enfim, também tens o exemplo do nosso camarada António Graça de Abreu cujo livro (Diário da Guiné: Lama, Dangue e Água Pura) baseia-se nos aerogramas que ele mandou (cerca de 300) à sua namorada (com quem de resto, não chegou a casar, segundo ele me confidenciou)... Há colecções de correspondência epistolar que podem ser recuperadas, se não foram parar ao lixo... O que será feito dos milhões e milhões de bate-estradas que escrevemos às nossas madrinhas de guerra, pais, noivas, namoradas, amigos ?...

Julgo que muitos desses aerogramas hoje poderiam ter interesse para a investigação socioantropológica sobre a guerra colonial e os homens que a fizeram...

Temos de fazer um apelo veemente para que a malta que ainda os tem (ou sabe onde podem estar guardados), não os destrua e faça uma doação desse material ao Arquivo Histórico Militar. Hoje, amanhã, no futuro, haverá certamente investigadores interessados nesse material... Uma selecção dessa correspondência poderá ser publicada no nosso blogue, nalguns casos omitindo-se o nome dos correspondentes, por razões óbvias de sigilo...

Segundo leio na recente biografia de Cecílio Supico Pinto, escrita poor Sílvia Espírito Santo (Lisboa, Esfera dos Livros, 2008), a campanha das Madrinhas de Guerra data de 1963, e foi uma das mais bem sucedidas iniciativas do MNF:

"A madrinha de guerra escreve ao seu afilhado pelo menos todas as semanas. E, ao passo que as cartas de casa são tanta vez deprimentes e lamentosas (a queixarem-se das saudades que têm, das dificuldades que passam, do receio que sentem pela segurança do rapaz), as cartas da madrinha de guerra procuram ser sempre agradáveis, versando os assuntos que mais possam interessá-los. A madrinha de guerra sabe que é importante distrair o seu afilhado.

E sabe que não basta distraí-lo: que é tanbém necessário fortificar-lhe a coragem, transmitir-lhe confiança, torná-lo psicologicamente mais apto para bem cumprir - e cumprir com satisfação" (Presença, revista do MNF, nº 1, 1963, pp. 36-37, citado por Espírito Santos, 2008, pp. 78)


3. O nosso poste nº 1... > Saudosa(s) madrinha(s) de guerra,
por Luís Graça

Trinta e cinco anos depois.

No 25 de Abril de 2004 presto a minha homenagem às mulheres portuguesas.

Que se vestiam de luto enquanto os maridos ou noivos andavam no ultramar.
Às que rastejavam no chão de Fátima, implorando à Virgem o regresso dos seus filhos, sãos e salvos.

Às que continuavam, silenciosas e inquietas, ao lado dos homens nos campos, nas fábricas e nos escritórios.

Às que ficavam em casa, rezando o terço à noite.

Às que aguardavam com angústia a hora matinal do correio.

Às que, poucas, subscreviam abaixo-assinados contra o regime e contra a guerra.

Às que, poucas, liam e divulgavam folhetos clandestinos ou sintonizavam altas horas da madrugada as vozes que vinham de longe e que falavam de resistência em tempo de solidão.

Às que, muitas, carinhosamente tiravam do fumeiro (e da barriga) as chouriças e os salpicões que iriam levar até junto dos seus filhos, no outro lado do mundo, um pouco do amor de mãe, das saudades da terra, dos sabores da comida e da alegria da festa.

E sobretudo às, muitas, e em geral adolescentes e jovens solteiras, que se correspondiam com os soldados mobilizados para a guerra colonial, na qualidade de madrinhas de guerra.

A maioria dos soldados correspondia-se, em média, com uma meia dúzia de madrinhas, para além dos seus familiares e amigos. Em treze anos de guerra, cerca de um milhão de soldados terá escrito mais de 500 milhões de cartas e aerogramas. E recebido outros tantos. Como este que aqui se reproduz.

______________

Guiné, 24 de Dezembro de 1969

Exma menina e saudosa madrinha:

Em primeiro de tudo, a sua saúde que eu por cá de momento fico bem, graças a Deus.

Estava um dia em que meditava e lamentava a triste sorte que Deus me deu até que toquei na necessidade de arranjar uma menina que fosse competente e digna de desempenhar tão honroso e delicado cargo de madrinha de guerra.

Peço-lhe desculpa pelo atrevimento que tive em lhe dedicar estas simples letras. Mas valeu a pena e é com muita alegria que recebo o seu aero (1).

Vejo que também está triste por mor (2) da mobilização do seu mano mais novo para o Ultramar. Não sei como consolá-la, mas olhe: não desanime, tenha coragem e fé em Deus. Eu sei que custa muito, mas é o destino e, se é que ele existe, a ele ninguém foge.

Nós, homens, temos esta difícil e nobre missão a cumprir. Nós, militares, que suportamos o flagelo desta estadia aqui no Ultramar, não temos outro auxílio, quer material quer espiritual, que não seja o que nos dão os nossos amigos e entes queridos. E sobretudo as nossas saudosas madrinhas de guerra. Sendo assim para nós o correio é a coisa mais sagrada que há no mundo. Porque nos traz notícias da nossa querida terra e nos faz esquecer, ainda que por pouco tempo, a situação de guerra em que vivemos e os dias que custam tanto a passar.

As notícias aqui são sempre tristes, nestas terras de Cristo, habitadas por povos conhecidos e desconhecidos.

Não lhe posso adiantar pormenores, mas como deve imaginar uma pessoa anda triste e desanimanada sempre que há uma baixa de um camarada.

Lá na metrópole há gente que pensa que isto é bonito. Que a África é bonita. Eu digo-lhe que isto é bonito mas é para os bichos. São matas e bolanhas (3) que metem medo, cobertas de capim alto, e onde se escondem esses turras (4) que nos querem acabar com a vida.

E mais triste ainda quando se aproxima o dia e a hora em que era pressuposto estarmos todos em família, juntos à mesa na noite da Consoada. Vai ser a primeira noite de Natal que aqui passo. Com a canhota (5) numa mão e uma garrafa de Vat 69 () na outra.

São duas horas da noite e vou botar este aero na caixa do correio. Daqui a um pouco saio em missão mais os meus camaradas. Reze por nós todos. Espero voltar são e salvo para poder ler, com alegria, as próximas notícias suas.

Queira receber, Exma. Menina e saudosa madrinha, os meus mais respeitosos cumprimentos.

Desejo-lhe um Santo e Feliz Natal.

O soldado-atirador da Companhia de Caçadores (...)
_________
Notas (L.G.):

(1) Abreviatura de areograma. Também era conhecido por corta-capim (o correio era, muitas vezes distribuído em cima de uma viatura, e o aerograma lançado por cima das cabeças dos soldados, à maneira de um boomerang). Os aerogramas foram uma criação do Movimento Nacional Feminino, dirigida pela célebre Cecília Supico Pinto desde 1961, e o seu transporte era assegurado pela TAP ("uma oferta da TAP aos soldados de Portugal").

Os aerogramas também foram usados na guerra da propaganda do regime, ostentando carimbos de correio com dizeres como "Povo unido, paz e progresso", "Povo português, povo africano", "Os inimigos da Pátria renunciarão" ou "Muitas raças, uma Nação, Portugal" (vd. Graça, L. - Memória da guerra colonial: querida madrinha. O Jornal. 15 de Maio de 1981)

(2) Por mor de = por causa de (expressão usada no Norte).

(3) Terras alagadiças da Guiné onde tradicionalmente se cultivava o arroz (... e se pescava). Durante a guerra colonial, foram praticamente abandonadas como terras de cultivo, devido à deslocação de muitas das populações ribeirinhas e à escalada das operações militares. A Guiné, que chegou a exportar arroz, passou a importá-lo.

(4) Corruptela de terroristas. Termo depreciativo que era usado para referir os combatentes do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde). Os soldados portugueses eram, por sua vez, conhecidos como tugas (diminutivo de Portugal, português ou portuga).

(5) Espingarda automática G-3, de calibre 7.62, de origem alemã, que passou a equipar as forças armadas portuguesas no Ultramar. Em 1961 o exército português ainda estava equipado com a velha Mauser (!).

(6) Marca de uísque escocês, muito popular na época entre os militares (havia uma generosa distribuição de bebidas alcoólicas nas frentes de guerra, com destaque para o uísque, "from Scotland for the exclusive use of the Portuguese Armed Forces"). Na época o salário de um soldado-atirador (cerca de 1200 escudos, parte dos quais depositado na metrópole) dava para comprar mais de uma garrafa de uísque (novo) no serviço de aprivisionamento militar (cerca de 40 pesos ou escudos por unidade). No entanto, a bebida mais popular entre os soldados era cerveja. Uma garrafa de cerveja de 0,6 litros chamava-se bazuca.

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Notas do co- editor CV:

(*) Vd. entre outros os postes de:

7 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2414: Notas de leitura (5): Diário da Guiné, de António Graça de Abreu (Virgínio Briote)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)

(**) Vd. poste de 23 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)

Lista dos dez primeiros postes do nosso blogue (1ª série):


23 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)

25 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 - II: Excertos do diário de um tuga (1) (Luís Graça)

28 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 - III: Excertos do diário de um tuga (2) (Luís Graça

7 de Dezembro de 2004 > Guiné 69/71 - IV: Um Natal Tropical (Luís Graça)

20 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca (Luís Graça)

22 de nAbril de 2005 > Guiné 69/71 - VI: Memórias do Xime, do Rio Geba e do Mato Cão (Sousa de Castro)

25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)

28 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VIII: O sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1) (Luís Graça)

29 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - IX: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (1) (Luís Graça)

Vd. também poste de 24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1693: Blogoterapia (20): Blogando... há dois anos

Saudosa(s) madrinhas(s) de guerra... Este foi o nosso primeiro poste, numerado, não avulso, publicado no dia 23 de Abril de... 2004, no meu blogue pessoal, que na altura se chamava muito simplesmente... Blogue-Fora-Nada... e que tinha sido criado em 8 de Outubro de 2003.

Eu, que não escrevia aerogramas (e muito menos para madrinhas de guerra~), estava longe de imaginar as consequências do meu gesto, dando origem depois a um blogue que se pretendia que fosse colectivo... Para a petite histoire, aqui faço a reprodução desse primeiro poste que não teve qualquer eco na blogosfera...

Na realidade, foi preciso que começasse a aparecer, um ano depois, em Abril de 2005, a malta do triângulo Bambadinca-Xime-Xitole: o Sousa de Castro e o David Guimarães, que são historicamente os dois primeiros membros da nossa tertúlia, além de mim próprio...

Por exemplo, foi o Sousa de Castro que me fez chega, em 4 DVD, a reportagem de vídeo feita pelo Albano Costa e seu filho Hugo Costa, por ocasião da sua viagem à Guiné, em Novembro de 2000... Depois, em Maio de 2005, começaram a aparecer outros camaradas: o Humberto Reis, meu vizinho, amigo e camarada da CCAÇ 12 (6 de Maio), o A. Marques Lopes, de Matosinhos (14 de Maio)... E o nosso primeiro amigo, o José Carlos Mussá Biai (10 de Maio), que vivia no Xime, em criança, no nosso tempo (CCAÇ 12, 1969/71)...

O resto da história sabem-na vocês: criámos a nossa tertúlia e o blogue começou a chamar-se Luís Graça & Camaradas da Guiné... Foi um dique de imagens, textos, lugares, recordações, sentimentos e emoções que se rompeu... e que nos tem ajudado a reconstituir/reconstruir o tal puzzle da memória... Hoje já percorremos um bom caminho (mais de 2500 postes) e por aqui já passou gente suficiente para formar duas companhias... Muitos camaradas de armas daquele tempo não dão a cara, mas visitam-nos: temos mais meio milhão de visitas, mais de mil por dia... (LG)


(***) Vd. postes de:

6 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2161: Pensamento do dia (12): Camarada, uma palavra que só quem esteve na guerra entende por inteiro (António Lobo Antunes)

9 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2169: Antologia (63): Zé, meu camarada, eras um dos nossos e cada um de nós um dos teus (António Lobo Antunes, Visão, 4 Out 2007)

23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2205: Humor de caserna (1): A sopa nossa de cada dia nos dai hoje (Luís Graça / António Lobo Antunes)

Guiné 63/74 - P2518: Estórias do Zé Teixeira (26): Estranho convite (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

José Teixeira (ex-1.º Cabo Auxiliar Enfermeiro CCAÇ 2381 Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70) conta-nos como recebeu um convite inesperado do seu amigo Raúl Fodé, apresentado no último post da série Estórias do Zé Teixeira (*).


Estranho convite

Por José Teixeira

Numa daquelas noites que mais parecem dia, graças à fonte luminosa da lua que em algumas épocas do ano inunda as terras da Guiné, sentados na raiz de um frondoso poilon, eu e o meu amigo Raúl Fodé, já perto do fim da minha Comissão, reflectíamos sobre o que seria a Guiné nos anos próximos.

Para ele, o mais importante era que o homem grande de Bissau – Spínola – conseguisse conter o PAICG e acabar com a guerra que lhe matava os irmãos.

Bandido (1) qui vai na mato tinha muita gente boa, gente que ele mesmo conhecia, gente que como ele rezava a Alá todos os dias às mesmas horas, voltados para o mesmo lado, a cidade Santa de Meca. Também havia muitos cristãos dizia ele, que tinham fugido para o mato.

Perguntei-lhe então porque é que essa gente não entregava as armas e regressava. Deixava a luta e procurava a paz?

- Ká pudi mesmo - disse ele com veemência. Olhou para mim muito sério, respirou fundo e ficou-se num mudo silêncio por largos minutos, até que explodiu:

- Esta terra era muito rica, grandes bolanhas, manga de roz, milho, peixe e caça. A população era feliz: Manjacos, Beafadas, Fulas, Mandingas e até Balantas, sem problema. Tínhamos a nossa Lei. Os Régulos eram respeitados.
Apareceram os brancos da Casa Gouveia e outros. Empada tornou-se grande no comércio. Todos os dias seguiam para Bissau, barcos carregados. A população ganhou alguma coisa?
Repara - apontando - casa de branco, outra casa de branco, outra e outra. A Avenida principal de Empada estava plena de palacetes estilo colonial, que os brancos abandonaram e agora estão ocupadas por personalidades gentílicas, na sua maioria, graças à psico que impera por razões de estratégia militar.

Note-se que ainda hoje lá se encontram num estado de degradação total, bem como a própria avenida. Que linda que ela era!

- A população - continuou ele - que tanto trabalhou, que tem ela? A velha morança para habitar, a guerra que nos dividiu e nos mata em cada dia que passa.

Recordo que em 1969, viviam em Empada dois brancos: o merceeiro, que explorava um pequeno entreposto comercial, onde com terrível suspeição, se viam entrar diariamente, muitas caras desconhecidas, vindas não sei de onde.
Depositavam os seus sacos de produtos agrícolas ou de coconote e compravam panos, cana sabão e outras utilidades.
Tal como apareciam, rápidos e em silêncio assim desapareciam, cumprimentando na linguagem local os seus conterrâneos, embrenhando-se na mata.

O outro branco era um velhinho, muito alegre e comunicativo. Muito acarinhado pela população. Estava na Guiné desde jovem na região Tombali há muitos anos. Dedicava-se a estudar e orientar as linhas de água para um eficiente irrigação das terras cultiváveis e deste modo proporcionar melhores e mais rentáveis produções agrícolas.

A politica e a guerra não lhe diziam nada. No mínimo, não expressava sentimentos ou opiniões. A população, essa dizia-lhe muito. Deste modo era querido e respeitado por todos e tolerado pelos militares. Nunca o vi no quartel e a sua casa também não era poiso de fardas. Creio mesmo que se furtava ao contacto com os militares.

Tive o privilégio de conversar algumas vezes com o simpático velhinho, cujo nome se escondeu no sótão mais afastado da minha memória, chamemos-lhe Fernando.

Retenho a imagem de alguém que amava aquela terra e aquelas gentes, como nenhum outro branco que eu tenha conhecido na Guiné.

Mas voltemos ao Raúl Fodé. Desviou a conversa para as necessidades da população, nomeadamente a saúde e, de repente, lança-me um desafio que me deixou profundamente perturbado.

Dizia ele: - Agora temos médico (de vez em quando), temos enfermaria, mas quando a tropa branca for embora, a população fica sem nada. Há muitas tabancas aqui à volta(2). A população precisa de enfermeiro.
Teixeira, nós queremos que tu fiques em Empada, para tratar da população. Tens mulher e tens vianda, fica. Vai a Bissau entrega a arma (a G3 que eu não usava) e volta para Empada.

Hoje ao recordar este episódio, sinto quanto fiquei baralhado da cuca. Sei que a minha resposta começou pelo o silêncio de uma mija, voltado para o tronco da árvore, seguindo-se uma sonora gargalhada.

- Tás maluco! Eu ficar aqui! Quando o bandido vier, sou o primeiro a embarcar.
-Repara no Fernando - retorquiu o Fodé - toda agente lhe quer bem. Vai às bolhanhas fazer o seu trabalho. Bandido o trata direito e respeita. Fernando é gente boa, não precisou de fugir como todos os outros brancos.

- Mas eu... quero ir-me embora. Não posso, não quero ficar.

- Mas nós gostava...

Dois meses depois abandonei Empada, para só voltar em romagem de saudade em 2005. Infelizmente o Raul Fodé, já tinha partido para junto de Alá.

Ficamos a correspondermo-nos durante alguns anos. Numa das suas últimas cartas recebo um estranho apelo: - Teixeira, a guerra está perigosa, a população foge para o mato ou para Bissau. Eu quero ir para Lisboa, peço-te para me levares para junto de ti.

Argumentei que não era possível. Ele tinha mulheres (3) muitos filhos, seria impossível. Argumentou que vinha sozinho, as mulheres e os filhos ficavam em Empada, viriam mais tarde.

Foi um dilema que me ficou na consciência. Pouco depois perdi o contacto. Soube posteriormente que faleceu na sua Empada, onde era estimado e querido.

A substitui-lo na Mesquita ficou outro meu amigo, também ajudante de enfermeiro o Braima, a quem tive o prazer de abraçar em 2005.

Foto 1> Guiné-Bissau> Empada 2005> José Teixeira encontra um antigo milícia, que quis ficar na fotografia, acompanhado de sua filha.

Foto 2> Guiné-Bissau> Empada 2005> José Teixeira com o seu antigo companheiro Braima. Após a morte de Raúl Fodé, Braima substituiu-o na Mesquita de Empada.

Fotos: © José Teixeira (2005). Direitos reservados.
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Notas do autor:

(1) Bandido, pessoa que se afasta da tabanca fiel ao governo, inimigo, turra (para a tropa)

(2) Tabancas controladas pelo PAIGC, mas na enfermaria não fazíamos o controlo, como também não havia qualquer controlo sobre a população que ia a Empada vender ou comprar produtos na loja local.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 5 de fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2507: Estórias do Zé Teixeira (25): Raúl Fodé (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Guiné 63/74 - P2517: Blogoterapia (40): A nossa camaradagem sarou-me a maioria das feridas de guerra (João Tunes)

1. Mensagem do editor do blogue enviada ao João (c/c aos restantes camaradas e amigos da Tabanca Grande):

Não me levarás a mal que eu, em texto antológico da tua lavra (ou melhor, da tua pena, ou melhor do teu teclado), tenha posto - abusivamente - na tua boca essa enormidade, esse anacronismo, de pedir desculpas à Cilinha & Companhia (1) pelas ordinarices que tu, eu e todos nós (ou muitos de nós, ou alguns de nós, não sei quantificar...) lhe terão dito, com ou sem razão, entre 1961 e 1974... Tu, reconhecidamente, à beira Tejo, em Maio de 1969 e depois no Pelundo, no Natal de 1969... Ou se não disseram, pensaram dizer...

Tu, que és um exemplo de oficial e cavalheiro, vens de algum modo tentar reparar o irreparável, trinta e tal anos depois, com as tuas palavras de fino recorte literário que às vezes são espada acerada... Olha, a senhora está viva, calada, biografada e até se orgulha de um estilhaço de mina que apanhou na Guiné... Espero que ela não se lembre de nos pedir guarida na Tabanca Grande... E faço votos que o editor não seja tão oficial e cavalheiro quanto tu...

A propósito vi o teu blogue Bota Acima citado no livro da nossa Cecilía Supico Pinto, escrita pela Sílvia Espírito Santo... Há também um excerto teu (mutilado, censurado), na página 143... Enfim, és o único blogue que é citado no livro, espero que não te sintas mal com a honra...

O trabalho da Sílvia, sem ser genial, parece-me honesto, numa primeira leitura... Já o tinha folheado numa livraria no Porto... Para os restantes camaradas quero aqui recordar que a Cilinha foi quem inventou, além do aerograma, a figura da Madrinha de Guerra (em 1963)...

E a propósito vou lançar uma sondagem para saber quantas madrinhas de guerra é que o pessoal tinha na Guiné... Há muitos mitos, a este respeito: havia tipos que se vangloriavam de ter meia dúzia ou mais... Eu confesso que nunca tive nenhuma...

Um bom resto de sábado para ti e restante pessoal da Tabanca Grande.... Luís

2. Resposta do João:

Caro Luís,

O que está publicamente escrito, escrito está. Se é público é publicável. Sobre a guerra, sobre as minhas dores da guerra, não sei se já te disse isto, devo-te muito a ti e ao blogue, no exacto sentido em que me acalmei com as feridas em combate porque, pela catarse do cruzamento de experiências e vivências, tudo se vai relativizando e, assim, vai-se perdendo o cheiro a sangue e nervo frescos.

Também, porque é justo dizê-lo, a tua liderança fraterna e paciente tem sabido navegar com o afecto e a calma necessárias para que a chama das nossas recordações não se apague nem se transforme num churrasco. E assisto, comovido, a esse amadurecer colectivo, quando a maioria de nós nem se conhece pessoalmente, da parte da maioria dos tertulianos, numa fruição mais serena, menos radical e embutida, mais sábia na distância, nos vários textos que, comparativamente com os iniciais, agora se consultam no blogue.

O que só me confirma uma velha convicção de que és mesmo homem de saúde pública e que o Estado acertou muito mais quando esse mister te vestiu que quando te fardou e te ordenou que namorasses com uma G3 nos jardins afrodisíacos do cheiro a guerra entre bolanhas da Guiné.

O certo é que, falando agora do texto transcrito, não escrevo sobre a guerra, porque assim já não sinto a guerra, antes do blogue e agora. A camaradagem do nosso blogue sarou-me a maioria das feridas. Mas nós somos nós e o nosso passado. E, no meu passado, está a guerra e a prolongada revolta por lá ter estado. Mais esta calma nova que me diz: sim, estive lá. Porreiro, pá!

Quanto a madrinhas, não as tive. Nem as quis por perto. Ora bem, casadinho de fresco, para que queria uma madrinha? Como dizia o velho Paul Newman sobre a sua vetusta esposa: quem sai de casa para comer um hamburguer se tem entrecôte em casa?

Abraço do
João Tunes

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 10 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2516: Blogue-fora-nada: O melhor de...(4): Pedido de desculpas às Senhoras do MNF muitos anos depois (João Tunes, oficial e cavalheiro)