António Lobo Antunes (n. 1942) foi alferes miliciano médico, no Leste de Angola, entre Janeiro de 1971 e Março de 1973. Pertenceu ao BCAÇ 3835. Tinha acabado de se casar e a mulher, Maria José, estava grávida. Os aerogramas que escreveu a sua mulher, foram publicadas posteriormente à sua morte (ainda recente, por cancro), por inciativa das duas filhas do casal. Título: D'este viver aqui neste papel descripto - Cartas da guerra (Lisboa: Publicações D. Quixote. 2005).
A experiência da guerra colonial marcou muito o início da sua escrita e a feitura dos primeiros livros: Memória de Elefante (1979), Cu de Judas (1981), Conhecimento do Inferno (1981)... A publicação das cartas de guerra (por iniciativa das suas filhas, não sua) reaproximou-o desta temática e dos seus camaradas, muitos dos quais estiveram, 34 anos depois, no cais de Alcântara no lançamento do livro...
Talvez depois disso, o escritor retomou o gosto e o sentido da palavra camarada. Dos tempos do Leste de Angola, ficara entretanto uma grande amizade, com o então Capitão Ernesto Melo Antunes (1933-1999).
Entretanto, Lobo Antunes conheceu, no Hospital de Santa Maria, aos 65 anos, a terrível e frágil condição do doente oncológico... Em Março de 2007 deixou-se operar por um amigo de longa data. Ele próprio revelou, em crónica publicada na Visão (12 de Abril de 2007) e ainda escrita no hospital, que estava a lutar (mal) com um cancro...
Na crónica da última semana, publicada na Visão (4 de Outubro de 2007), evoca com grande ternura e com o seu talento de escritor genial o seu camarada Zé, que terá falecido recentemene em brutal acidente de viação na auto-estrada de Cascais. Dele diz: "África ficou para sempre dentro de ti, a roer-te, e deu cabo da tua vida"...
A crónica começa assim, dando a melhor definição que eu alguma vez li sobre o que ser um camarada. Só o Lobo Antunes poderia escrever isto:
"Não morreste na cama mas morreste entre lençóis de metal horrivelmente amachucados na auto-estrada de Cascais para Lisboa e a gente ali, diante do teu caixão, tão tristes. Eras meu camarada, que é uma palavra da qual só quem esteve na guerra compreende inteiramente o sentido: não é bem irmão, não é bem amigo, não é bem companheiro, não é bem cúmplice, é uma mistura disto tudo com raiva e esperança e desespero e medo e alegria e revolta e coragem e indignação e espanto, é uma mistura disto tudo com lágrimas escondidas" (...).
Vou pôr esta definição de camarada na primeira página do nosso blogue (citando o ilustre autor, com a devida vénia...).
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
A definição merece mesmo honras de primeira página.
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