sábado, 6 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2161: Pensamento do dia (12): Camarada, uma palavra que só quem esteve na guerra entende por inteiro (António Lobo Antunes)

António Lobo Antunes (n. 1942) foi alferes miliciano médico, no Leste de Angola, entre Janeiro de 1971 e Março de 1973. Pertenceu ao BCAÇ 3835. Tinha acabado de se casar e a mulher, Maria José, estava grávida. Os aerogramas que escreveu a sua mulher, foram publicadas posteriormente à sua morte (ainda recente, por cancro), por inciativa das duas filhas do casal. Título: D'este viver aqui neste papel descripto - Cartas da guerra (Lisboa: Publicações D. Quixote. 2005).


A experiência da guerra colonial marcou muito o início da sua escrita e a feitura dos primeiros livros: Memória de Elefante (1979), Cu de Judas (1981), Conhecimento do Inferno (1981)... A publicação das cartas de guerra (por iniciativa das suas filhas, não sua) reaproximou-o desta temática e dos seus camaradas, muitos dos quais estiveram, 34 anos depois, no cais de Alcântara no lançamento do livro...

Talvez depois disso, o escritor retomou o gosto e o sentido da palavra camarada. Dos tempos do Leste de Angola, ficara entretanto uma grande amizade, com o então Capitão Ernesto Melo Antunes (1933-1999).

Entretanto, Lobo Antunes conheceu, no Hospital de Santa Maria, aos 65 anos, a terrível e frágil condição do doente oncológico... Em Março de 2007 deixou-se operar por um amigo de longa data. Ele próprio revelou, em crónica publicada na Visão (12 de Abril de 2007) e ainda escrita no hospital, que estava a lutar (mal) com um cancro...

Na crónica da última semana, publicada na Visão (4 de Outubro de 2007), evoca com grande ternura e com o seu talento de escritor genial o seu camarada Zé, que terá falecido recentemene em brutal acidente de viação na auto-estrada de Cascais. Dele diz: "África ficou para sempre dentro de ti, a roer-te, e deu cabo da tua vida"...

A crónica começa assim, dando a melhor definição que eu alguma vez li sobre o que ser um camarada. Só o Lobo Antunes poderia escrever isto:

"Não morreste na cama mas morreste entre lençóis de metal horrivelmente amachucados na auto-estrada de Cascais para Lisboa e a gente ali, diante do teu caixão, tão tristes. Eras meu camarada, que é uma palavra da qual só quem esteve na guerra compreende inteiramente o sentido: não é bem irmão, não é bem amigo, não é bem companheiro, não é bem cúmplice, é uma mistura disto tudo com raiva e esperança e desespero e medo e alegria e revolta e coragem e indignação e espanto, é uma mistura disto tudo com lágrimas escondidas" (...).

Vou pôr esta definição de camarada na primeira página do nosso blogue (citando o ilustre autor, com a devida vénia...).

1 comentário:

Anónimo disse...

A definição merece mesmo honras de primeira página.