1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 21 de Março de 2010:
Caro Carlos Vinhal
Junto vai um texto (Contraponto 7) que fala de um macaco fidalgo que não era vermelho como os que, no Blogue; têm sido referidos como habitantes da área do Cantanhez.
Um abraço do
Alberto Branquinho
CONTRAPONTO (7)
Macaco fidalgo – inimigo?
O itinerário estava picado e a tropa já há muito estava instalada de um lado e do outro, fazendo a segurança à movimentação das viaturas para abastecimento de um quartel do Batalhão.
A coluna auto nunca mais passava e seriam necessárias duas ou três viagens de carga e descarga. Mas nem se ouviam, ainda, os motores ao longe.
O cabo Garcia estava a acomodar-se melhor, deitado sobre o peito dentro da cavidade do tronco do poilão, a ajeitar a G3 para ficar mais confortável, quando apareceu aquela sombra a descer, a descer no meio da folhagem. E, de repente, surgiu a cabeça, que parou a olhar para ele com aqueles olhos redondos e vivos, quase metálicos. Sentiu-se como que trespassado de um lado ao outro da cabeça. Estaria aí a uns oito, dez metros. Ficaram muito tempo a olhar-se. O macaco fidalgo estava assente nas patas dianteiras, de cabeça para baixo e com a longa cauda enrolada num ramo mais alto. O cabo ficou com a arma aperrada, embora de lado, com a culatra debaixo do ombro direito.
O macaco fidalgo desceu as patas traseiras e ficou mais visível. Curioso, aumentou a intensidade do olhar, visando, agora, o cabo bem de frente.
O cabo soergueu-se, incomodado com o olhar do macaco e, segurando a arma com a mão esquerda, fez, com a direita, o gesto para se afastar, dizendo em surdina: “ Vai embora!”
O macaco movimentou-se lentamente, colocou-se quase de cócoras num ramo, com o rabo pendente, olhando-o sempre. O cabo entreviu no focinho do bicho um ar inquiridor, de cabeça atirada para a frente, com um olhar de raios-x, que o incomodava. Exasperado, fez-lhe, por duas vezes, sinal para que se afastasse.
O soldado que estava instalado do lado esquerdo do poilão, que não se apercebera da situação, notou, então, o que se estava a passar.
O macaco avançou um pouco nos ramos, sempre a olhar o cabo. Este sentiu que o macaco tomava uma atitude sarcástica ou de desprezo, que o irritou ainda mais: “Está a gozar comigo” - pensou. Apontou-lhe a arma e o macaco ergueu-se nas patas traseiras, parecendo ao cabo que ele estava com ares de superioridade. Baixou a arma e o macaco baixou as patas superiores, olhou para os lados e fixou, de novo, o cabo.
Voltou a fazer-lhe sinal para ir embora. O macaco pareceu, finalmente, entender. Rodou a parte dianteira do corpo, parecendo ir afastar-se, mas, num repente, saltou de ramo em ramo e ficou no chão, a quatro patas, com a cauda toda erguida, de frente para o cabo, que sentiu, de novo, um olhar de desprezo e superioridade. Sentiu um arrepio na espinha e ficou entre medo e raiva. Depois de um instante parado, o macaco girou sobre si mesmo dando pequenos saltos, postando-se, depois, bem de frente para o cabo. Com a cauda ainda erguida, dava mostras de ir caminhar na sua direcção. Abriu a boca, com aspecto agressivo, mostrando os pequenos dentes. Pareceu ao cabo que se preparava para saltar na sua direcção. Com dois tiros secos atingiu-o em cheio e caiu morto.
Imediatamente rebentou tiroteio de um lado e do outro da estrada. O cabo levantou-se e desatou a berrar para a direita e para a esquerda: “Pára!!! Pára!!! Pára fogo!!!”
O fogo demorou a suster-se.
Chegou o alferes:
- Que é que se passou?
- Foi o Garcia que matou um macaco.
- Ó sua besta! Fazer fogo aqui por causa de um macaco?!
- Ó meu alferes, parecia que era um gajo… deles.
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Nota de CV:
Vd. último poste de 23 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5873: Contraponto (Alberto Branquinho) (6): (Especial) Os seis anos do Blogue
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
Quantas pequenas estórias como esta fizeram parte do nosso dia a dia.
Alberto Branquinho
Acontecia. Não era fidalgo, era plebeu o macaco. Trabalhava na secreta do In e, não sendo vermelho, dizem que muitos também informavam a pide.
Ab do Tm
Caro Alberto Branquinho.
Um dia em patrulhamento ao entrarmos numa clareira, demos de caras com um enorme concentração de macacos, fizeram tal alarido que tivemos que apressar a marcha para evitar possíveis problemas.
A curiosidade natural do macaco muitas vezes originava situações como as que relatas.
Um abraço
Manuel Marinho
Caro Branquinho
'Tá-se' mesmo a ver que acabou assim frustrada mais uma situação de segurança....
Mas, na verdade, quem é que estava preparado psicologicamente para um tal desafio?
Não se ia para África combater os inimigos da Pátria? E que forma tinham eles? Sabia-se lá...
E um 'gaijo' não é de ferro... ora onde já se viu um macaco (um macaco mesmo, verdadeiro) atrever-se assim a desafiar um 'combatente' e 'não levar para contar'?
Um abraço
Hélder S.
Alberto Branquinho,
Desculpa a minha curiosidade, mas....
Sabes se o vermelhinho passou pelo forno, como se veado fosse?
Também acontecia!
Oh Helder,
E contar como? Na história o bicho é que levou com a conta.
Um abraço,
José Câmara
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