sexta-feira, 26 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6052: Notas de leitura (82): Império, Nação, Revolução de Riccardo Marchi (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Março de 2010:

Queridos amigos,
Não se pode ignorar que a literatura dos combatentes teve uma perspectiva da direita radical, toda ela convergente para a defesa do Império.
Há uma antologia poética publicada ao tempo em que se realizou o 1.º Congresso dos Combatentes, realizado em 1973, altamente polémico e contestado.
Irei preparar um comentário sobre esta poesia e envio-vos, a pretexto de um livro extremamente útil para a compreensão deste fenómeno que saiu há pouco tempo.
Creio que será um bom pano de fundo para a compreensão dos tertulianos.

Um abraço do
Mário


As direitas radicais portuguesas no fim do Estado Novo

Beja Santos

O Estado Novo de Salazar e Caetano conhece na década de 60 uma evolução tumultuosa, decorrente das eleições de 1958, da contestação do colonialismo à esfera internacional e nacional, da reorganização das oposições, da movimentação estudantil das várias famílias da esquerda, de um processo de desenvolvimento que vai afastando progressivamente o regime dos diferentes ideários a que se propusera dos anos 30 em diante. No fundo, uma mudança dramática da modernização da economia e da sociedade e a escalada das frentes africanas que foram erodindo o regime, lançando-o no ocaso. “Império, Nação, Revolução, As Direitas Radicais Portuguesas no Fim do Estado Novo (1959-1974) ” é um livro precioso – pelo rigor e abrangência – para compreender o comportamento da extrema-direita mais ou menos neofascista, em Portugal, quais as suas forças motrizes ideológicas, as suas motivações imperiais, quais as suas relações com as estruturas do mando ao tempo de Salazar e Caetano (por Riccardo Marchi, Texto Editores, 2009).

A primeira manifestação estudada pelo investigador é a revista Tempo Presente, impulsionada por discípulos de Alfredo Pimenta, um intelectual de referência dos neofascistas (Pimenta tem uma esclarecedora correspondência trocada com Salazar, que permite perceber como o ditador era muito sensível às suas mensagens). Intelectuais da direita radical como Amândio César, António José de Brito, Fernando Guedes, Couto Viana e Goulart Nogueira convergem para o projecto da revista Tempo Presente. O regime, através do SNI, irá financiar a revista. A publicação revelará qualidade, pauta-se pelos ideais nacionalistas, entrará mesmo nalguma colisão com os sustentáculos do regime que, no Verão de 1961, levarão à sua extinção. A Tempo Presente era uma publicação cultural com uma relativa abertura: revelou o abstraccionismo geométrico do pintor Fernando Lanhas, a poesia experimental, as vanguardas poéticas anglo-saxónicas, do mesmo modo que retomou os mitos do fascismo como Ezra Pound ou Drieu La Rochelle e Robert Brasillach. Não se escondia a defesa do Estado totalitário, o corporativismo e fazia-se a contestação política do que se passava na Europa do pós-guerra, advogando-se um nacionalismo de carácter universalista como se supunha ser o português, denominado a Euráfrica. A Europa é que estava em crise, a sua raça branca perdera o sentido de missão.

A questão colonial irá envolver a Tempo Presente, os seus editores irão apoiar as decisões de Salazar, no início de 1961. A revista participa em vários eventos e entrará em polémicas com os meios monárquicos e com ortodoxia do regime. Alguns destes nacionalistas radicais, como António José de Brito, revelam-se teóricos verrinosos, alertam para os perigos que assediam o catolicismo, o personalismo cristão, a abertura democrática, a tolerância liberal. Brito irá revelar-se indiscutivelmente um teórico com produção autónoma em torno do nacionalismo, definindo-o sem hesitar como antiliberal, antidemocrático, anti-partidário, adepto da homogeneidade racial e anti-semita. Assim, vai-se caminhando para o conceito imperial que é o suporte do Portugal do Minho a Timor.
Importância menor teve a criação do Centro de Estudos Alfredo Pimenta, fundado em 1972. Para ele convergem figuras da outra geração como João Ameal e Amândio César, António José de Brito, Fernando Guedes, entre outros. É uma referência para o meio neofascista, nele irão intervir figuras como David Gagean, Manuel Múrias, Artur Anselmo, colaboracionistas fascistas franceses, entre outros.

O Movimento Jovem Portugal marca, no início dos anos 60, a ascensão de um nacionalismo revolucionário desta nova geração, liderado por Zarco Moniz Ferreira. Os promotores deste Movimento atacam as Nações Unidas e a sua política de descolonização, criam a revista Ofensiva (sempre com ligações ao neofascismo europeu), recebem apoios da Legião Portuguesa e de altos dirigentes da PIDE, Zarco vive constantemente em fricções com os outros elementos da direcção. Aparece depois uma outra publicação, Ataque, que não terá projecção, e o movimento envolve-se em contenda com os grupos de esquerda em meios universitários, assaltando mesmo a Sociedade Portuguesa de Escritores, depois da atribuição de um prémio a Luandino Vieira. Os problemas do Jovem Portugal serão infindáveis, até porque Zarco vai propor o Nacional-Sindicalismo (cópia das doutrinas de Primo de Rivera) como a única oportunidade face ao marxismo e ao capitalismo. O que na verdade se estava a passar era os neofascistas sentirem a abertura do regime de Salazar ao capitalismo internacional como tentativa de modernização, o que eles consideravam intolerável. Mais próximo do regime estava a FEN – Frente dos Estudantes Nacionalistas, que também teve uma história curta e que implodiu por incapacidade de diálogo entre as suas facções. O regime queria organizações nacionalistas respeitáveis susceptíveis de atrair a massa estudantil apolítica e à PIDE interessava uma organização operativa até com capacidade para recolher informações no ambiente estudantil. Outra organização que surgiu ao tempo das lutas emancipalistas em Angola foi o Jovem Europa, copiado de uma experiência belga e que constituía numa proposta de um nacionalismo revolucionário europeu capaz de conter as superpotências instaladas no Continente. Todos estes grupos tiveram más relações entre si, agrediam-se nas suas publicações e nunca foram capazes de estabelecer em concreto uma plataforma ideológica.

Coimbra constituiu um caso aparte no fenómeno nacional-revolucionário. É no meio académico que nasce a revista Combate a que está ligado Valle de Figueiredo, nome importante do neofascismo português, colaborador das revistas 57, Cidadela e Itinerário, esta, dirigida, entre outros, por João Conde Veiga, autor de uma poesia importante para estes neofascistas:

Não fugi à guerra, não fui para Paris,
Não fugi da terra, não traí o povo, ´
Eu fui ao combate debaixo do sol
E voltei de novo

Posso aquecer-me com o sol mais quente,
Que me enche as veias, vinho de raiz,
Não se vai à guerra e volta de novo
Sem se sentir dentro a voz do país.

Riccardo Marchi explica detalhadamente toda a luta do movimento associativo coimbrão, nas diferentes fases da crise académica, e revertendo sempre para a noção de Império, questão central destes movimentos neofascistas.

Após identificar um conjunto de organizações menores da direita radical, o autor detém-se no semanário Agora, igualmente subsidiado pelas forças do regime. O anti-semitismo e o antiamericanismo vão ser duas constantes do jornal, várias vezes suspenso pela censura, Salazar não aceitava este excesso de críticas. Em Coimbra, os neofascistas ganham novo alento com o aparecimento de dirigentes mais jovens como José Miguel Júdice, Cruz Vilaça e Lucas Pires. Igualmente a vida deste movimento é pormenorizada tal como a revista Cidadela e o Centro de Estudos Sociais Vector, este de âmbito mais alargado e com sede em Lisboa. No fim da década de 60 surge a revista Política cujo director será Jaime Nogueira Pinto, sempre com apoios do regime (por exemplo, assinaturas feitas pela PIDE/DGS). “Política” procura um grande arco político do nacionalismo português, apresenta-se como uma frente nacional fiel ao Ultramar, contestará a tendência liberal de Caetano e os seus projectos da reorganização ultramarina, com certa tinta emancipadora. Com tónica menor, o autor regista ainda como expressões das direitas radicais o Movimento Vanguardista e o periódico Vanguarda (financiados pela PIDE) e finalmente o I Congresso dos Combatentes, a última batalha dos nacionais-revolucionários.

Este valioso estudo de Riccardo Marchi permite captar em cheio o que foram as minorias em que se organizaram as direitas radicais e como, de um modo geral, estabeleceram um relacionamento equivoco com os regimes de Salazar e Caetano. Tiveram poucos ideólogos de grande mérito, a sua grande maioria desapareceu ou está agora inactiva. Na ribalta, devidamente reciclados, estão José Miguel Júdice e Jaime Nogueira Pinto. O que os uniu sempre foi um princípio intransigente, o de nunca querer sacrificar o Império, espírito e forma do “Portugal eterno”.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6035: Notas de leitura (81): O Pé na Paisagem, de Filipe Leandro Martins (Beja Santos)

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