
Queridos amigos,
Está concluído o périplo aos poetas guineenses até 1990, não vale a pena iludir que é tudo muito poucochinho, numa estreita dependência dos temas portugueses e por vezes com cedências primárias ao incitamento propagandístico, mas sem miolo.
Renova-se o pedido a quem tenha outras antologias com data posterior de fazer o favor de nos emprestar, estamos aqui também para deixar o registo de todas as iniciativas culturais luso-guineenses.
Um abraço do
Mário
Os poetas da Guiné-Bissau: a ingenuidade dos amanhãs que cantam
Beja Santos

Schwartz morreu precocemente, manejava a escrita com simplicidade, com orgulho do seu nacionalismo: “Antes de partir/ Encherei os meus olhos, a minha memória/ Do verde (verde, verde!) do meu País/ Para que quando tomado pela saudade/ Verde seja a esperança/ Do regresso breve”. Pascoal D’Artagnan pautou-se pelo uso de uma métrica arrumada em conceptualismos, manipulou a carga panfletária não subtraindo a veia lírica e o apelo às sonoridades, como se exemplifica no:
In Memoriam a Amílcar Cabral
As frestas das portas da mártir África
abriam-se num passo compassado.
O homem surgia –
– ele e a glória do porvir
aureolando-lhe o rasgo.
As brisas tornavam-se mais tensas
mais velozes em seus assopros
os sóis decididamente rasgavam os escuros
– que teimavam em esbater-se
– sobre os tectos africanos.
A fé e a esperança
circundavam garante o homem
– era o sonho da caminhada
Incendiando corações galopantes
Francisco Conduto não enjeita quer o panfleto quer as mensagens doutrinais, o mesmo se poderá dizer de Carlos Alberto Alves de Almada. Jorge Cabral é um poeta saudosista, melancólico, embalado por uma poesia muito formalista. Pouco há a dizer, igualmente, de Nagib Farid Said Jauad, Félix Sigá e Domingos Samy. A última poetiza da antologia, Eunice Borges, surpreende pelo uso de uma linguagem simples e directa, acalorada ao serviço de causas como os direitos das mulheres ou a apologia do heroísmo dos combatentes. E surpreende porque tal simplicidade da composição lírica acaba por servir como estrofes de canção:
Manta da minha mãe
A minha mãe
tinha uma manta velhinha
cheia de buracos
que me cobria
quando eu era pequenina!
Mamã,
a manta com que me cobrias
tinha tanto calor
que fez nascer dentro de mim
aquele amor tão grande
que a vida não faz morrer.
Em jeito de conclusão, importa reconhecer que a generalidade desta poesia está profundamente condicionada pela lírica portuguesa, é determinada por causas, mas pouco ousada em termos imaginativos. Se não surpreende na vida cultural de um Estado recém-criado, hoje, caso estejamos ainda a este nível da arquitectura poética, já será motivo de preocupação.
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 1 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7883: Recortes de imprensa (40): Numa sala de espelhos estilhaçados, lembranças de partidas e chegadas (Beja Santos - Diário de Aveiro - 13/2/2011)
(**) Vd. postes de:
19 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7819: Notas de leitura (206): Antologia Poética da Guiné-Bissau (1) (Mário Beja Santos)
e
22 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7839: Notas de leitura (208): Antologia Poética da Guiné-Bissau (2) (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7872: Notas de leitura (210): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (3) (Mário Beja Santos)
Sem comentários:
Enviar um comentário