Portugal > Caldas da Rainha > 1968 > O futuro furriel miliciano Guimarães, de minas e armadilhas, está a tocar viola, rodeado de camaradas que, como ele, estavam a fazer a recruta no RI 5 das Caldas da Rainha. "Lá ao fundo, à direita e em último plano, uma carinha pequenina, é o Cunha".... Viria a morrer em combate, na região do Xime, na Op Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970, às 8h50 da manhã, pertencia à CART 2715, unidade de quadrícula do Xime. O Cunha, mais quatro camaradas. E mais o nosso guia e picador Seco Camará. Assisti aos últimos minutos de vida do Cunha e fechei-lhe os olhos. Cinco horas antes tínhamos bebido o último copo, no aquartelamento do Xime. Nessa época eu estava integrado no 4º Gr Comb da CCAÇ 12. Simbolicamente, em homenagem aos bravos do Xime, edito este poste exactamente às 8h50 do dia 26 de Novembro de 2010. 40 anos depois... dessa descida ao inferno da guerra no Xime. (LG)
Foto: © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Legenda do fotógrafo: "O milícia e guia das NT, Seco Camará: 56 minas detectadas e muitas guerras"...Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BART 2917 (1970/72) > Monumento aos mortos do batalhão e unidades adidas (este monumento foi destruído a seguir à independência da Guiné-Bissau).
Quanto aos da CART 2715 (Xime, 1970/72), recordo que assisti aos últimos momentos do Fur Mil Cunha, morto na Op Abencerragem Candente, juntamente com mais 4 militares da sua unidade, além do guia e picador das NT, o Seco Camará, que estava ao serviço da CCAÇ 12 e da CCS do BART 2917. E ajudei a recuperar e a trazer os cadáveres (ou o que restava deles).
Eis os nomes completos dos camaradas da CART 2715, mortos em 26 de Novembro de 1970 Fernando Soares, Sold; Joaquim de Araújo Cunha, Fur Mil; Manuel da Silva Monteiro, Sold; Rufino Correia de Oliveira, Sold; há um camarada cujo nome desconheço (e que não consta da lista dos mortos do ultramar da Liga dos Combatentes, tal como o Secio Camará). Mas por exclusão de partes (em relação ao resto dos mortos do batalhão) só ser o P. Almeida, Sold. (O Alf Mil Op Esp Ribeiro também pertencia à CART 2715 mas morrerá mais tarde, em Ponta Varela, em 3 de Outubro de 1971; o Fur Mil Quaresma pertencia á CART 2716, era amigo e camarada do David Guimarães, morreu na explosão de uma armadilha). O 1º Cabo Ribeiro julgo que pertencia à CCS.
Foto: © Júlio Campos / Sousa de Castro (2007). Todos os direitos reservados.
(...) Três horas depois, pelas 8.50h, [do dia 26], já perto da Ponta do Inglês, o IN desencadearia uma violenta emboscada em L sobre a direita, precedida por um tiro isolado que foi confundido com um sinal de aviso duma eventual sentinela avançada, e que apanhou na zona de morte os 3 Gr Comb do Agr C [ CART 2715] e 1 Gr Comb (4º) do Agr B [CCAÇ 12].
Os primeiros tiros do IN, especialmente de LRockets, atingiram mortalmente o picador e guia do Agr B, Seco Camará, que ia na frente, e os quatro homens que o seguiam, incluindo um graduado [furriel miliciano Cunha], tendo ferido gravemente outro. Com rajadas sucessivas de LRockets e armas automáticas o IN, fixando as NT, lançou-se ao assalto sobre os primeiros homens, mortos ou gravemente feridos, conseguindo apanhar-lhes as armas, e só não os levando devido a pronta reacção das NT.
É de destacar aqui a acção heróica dos soldados Soares (CART 2715), que veio a ser mortalmente ferido, Sajuma (apontador de bazooka do 4º GR Comb/CCAÇ 12) que ficou ferido numa perna, e Ansumane (apontador de dilagrama, também do 4º Gr Comb/CCAÇ 12, ferido ligeiramente nas costas), que se lançaram ao contra-ataque, juntamente com outros camaradas e alguns graduados, a fim de quebrar o ímpeto do IN e de recolher os mortos e feridos.
0 ataque durou cerca de 20 minutos, sendo a retirada do IN apoiada com tiros de mort 82 e canhão s/r que incidiram sobre a estrada, e especialmente sobre os 2 últimos Gr Comb (l° e 2º) da CCAÇ 12, assim como rajadas enervantes de pistola metralhadora, de posições que ainda não se haviam revelado, nomeadamente de cima das árvores.
(...) Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (l Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector Ll).
Sob a protecçãodo helicanhão (que seguia para Mansambá no momento em que foi pedido o apoio aéreo), os 2 Agr regressaram ao Xime, com 2 Gr Comb do Agr B [1º e 2º da CCAÇ 12] a abrir caminho por entre a mata densa, 1 Gr Comb do Agr C [ 2715] a manter segurança à rectaguarda e os restantes empenhados no transporte dos feridos e mortos, tendo as heli-evacuações sido feitas numa clareira já perto de Madina Colhido e depois de percorridos mais de 5 Km, em condições extremamente penosas [No helicóptero vinha uma ou mais enfermeiras-paraquedistas].
Notícias posteriores [ não se indica a fonte...] admitiam que nesta emboscada o IN tivesse sofrido 6 mortos. Entretanto, desta reacção do IN contra a penetração das NT num dos seus redutos, concluiu-se que aquele foi excepcionalmente bem comandado porque:
(i) escolheu um local que por ser muito fechado dificultava a manobra;
(ii) utilizou pessoal em cima de árvores para ter uma melhor visão e comandamento sobre as NT;
(iii) tinha a retirada preparada com armas colectivas (morteiro, canhão s/r) que só se revelaram na quebra de contacto;
(iv) fez fogo de barragem, especialmente de LRockets, sobre o Gr Comb que seguia na vanguarda, permitindo lançar-se ao assalto. (...) (*)
___________
Nota de L.G.:
(*) Vd. postes de:
25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)
26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)
26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)
11 comentários:
Luís Graça:a mim contaram-me esta emboscada e um possível erro de alguém. O Furriel Xico Carvalho da 2715, meu amigo do peito, em conversa (ou foi por escrito?),falou-me da morte do Seco Camará, Mandinga e um velho amigo de muitas operações por aqueles lados. Parece ter havido um erro de um graduado?
Não sei e, para o caso, é agora irrelevante. A emboscada, com essas características tinha o comando de um ou mais internacionalista cubanos. Um deles, precisamente numa nossa destruição com a 1746 ao Poidom fugiu, perdeu o boné com fotos,mas muito,mas muito lamentávelemte levou a cabeça.
Que se respeite a memória de todos os Camaradas que desta vida partiram.
Ia falar da FA e das bombas a sério...muitas num caso destes...
Breve nota: o Seco, se lhe fosse entregue metade do valor de cada mina detectada e pago justamente pelas NT era um mandinga rico...
Paz á alma de todos.
Continuo a tentar acreditar no Além... e na alma...
Um homem vai sempre batalhando! AN T.
Também na guerra, meu caro, naquela guerra, a culpa morria solteira... LG
Aos que não voltaram:
Meninos perdidos, em sonhos e esperanças
Vede no fundo dos seus olhos
A irreflectida certeza de vidas a cores
Num mundo descolorido cheio de mudanças.
Onde estais ?
Porque vos querem calados ?
Uns eram vadios, outros feitos na rua
Mais uns em casa emaranhados de vergonhas
E ainda aqueles retorcidos nas esquinas da vida
Juntam-se queridos e rejeitados,
Conscientes e inconscientes
Crentes e devassos
E foram meninos feitos soldados
Defender a fronteira dos que ficaram
Todos menos uns voltaram para se reerguerem
Outros teimam em voltar para não morrerem
E nenhum esquece os meninos
Que para sempre lá ficaram chorados
JCB
Caro Luís Graça e restantes camaradas daquelas guerras: quer queiramos quer não, as nossas memórias daqueles tempos só se apagarão com a nossa despedida deste mundo.
E até julgo que são precisamente os momentos mais dolorosos que mais perduram, já que os bons não se vincaram tanto nesta RAM que possuimos e que não se compara com a do "Computer".
Quanto aos erros humanos em situações de combate, não sou assim tão taxativo.
Para mim qualifico de erros, aqueles que aconteceram em momentos em que não houve qualquer luta, como os cometidos nos aquartelamentos, fosse na parada ou casernas e os provocados por exemplo por dewscuidada condução de viaturas.
Em combate, considero que as variáveis ou factores que os influenciava, incluindo o IN, eram tantos que não sei se se poderão classificar de erros. As competências de cada um, claro que eram diferentes, mas daí até serem erros, custa-me a admiti-los.
Palavras de um leigo, comparadas com a do Torcato, que sem o conhecer ainda pessoalmente, muito admiro.
Abraços
Jorge Picado
GRANDIOSO, Luís.
Lembrar (o que também é homenagear) os nossos camarados falecidos em combate que tiveram a desdita de deixar o mundo na mais bonita idade do homem, e no dia do aniversário da sua morte.
Muito bonito.
Um abração
Rui Silva
No dia e hora, meu caro Rui... Era, 8h50, quando o relógio parou, na antiga picada do Xime-Ponbta do Inglês...
Não tinha nenhuma razão de viver,
Nem de morrer,
Nem de matar,
Não tinha sequer nenhuma razão
Para estar ali, àquela hora.
http://blogueforanadaevaodois.blogspot.com/2010/08/blogantologias-ii-86-na-antiga-picada.html
Meu caro Jorge, meu caro Torcato, meu caro JCB, meu caro Rui, meus amigos e camaradas:
Há tempos escrevi um poema despretensioso, irónico, mas sofrido, "Na antiga picada do Xime-Ponte do Inglês", onde se apanhava sempre porrada da grossa...
(...) Havia apenas,
No fim da picada, o inferno.
À minha espera,
À nossa espera.
Às 8h50 da manhã
Do dia 26 de Novembro
De mil novecentos e setenta.
Da era de Cristo.
E Conacri ali tão perto!
O caminho mais curto para o inferno ?
Não o vês ?
A picada, abandonada, do Xime-Ponta do Inglês,
Onde Cristo seguramente nunca parou
Nem amou
Nem penou
Nem sofreu
Nem pecou,
Nem rezou.
O teu Cristo etnocêntrico,
Judeu,
Semita,
Que nem sequer era caucasiano,
E nem muito menos sonhava onde era a Senegâmbia
Nem o Império do Mal(i).
Pensar global,
Sonhar alto,
Agir local,
Meu sacana…
Ou melhor ainda:
Não pensar,
Muito menos sonhar,
Tiro instintivo, a varrer o capim.
Eis a ordem do capitão
Que tem acima o major,
Na sua avioneta,
No seu PCV,
E no topo o general,
O Com-Chefe,
O Caco Baldé,
O Homem Grande de Bissau,
Herr Spínola, para mim,
E à frente de todos,
Com o seu inseparável cachimbo,
O Seco Camará,
Seco de carnes,
Velho e valoroso guia das NT,
Pau para toda a obra,
Cão de fila,
Mandinga do Xime,
Herói da minha galeria de heróis,
Verdadeiro líder, etimologicamente falando,
Aquele que vai à frente mostrando o caminho.
(...)
http://blogueforanadaevaodois.blogspot.com/2010/08/blogantologias-ii-86-na-antiga-picada.html
Caro Luís
Seja na Ponta do Inglês, seja em Guidage, seja em Gadamael, seja em Buruntuma, seja no Quirafo (uma das emboscadas com mais baixas do nosso lado), seja em Paiai Lemenei-Dulombi (a minha primeira e grande emboscada), seja nas picadas, seja nas bolanhas, seja nos rios, seja nos aquartelamentos há sempre razão para invocar os que aí perderam a vida, na sua maioria ainda na idade dos sonhos e da esperança, mas já homens para aquela guerra.
Os anos passam, mas nós (os combatentes, é claro) não esquecemos aqueles que lá tombaram. Boa e viva imagem que nos deste Luís desse momento sofrido.
Um abraço e um respeito bem sentido pela invocação particular e pela lembrança que todos nós temos de outros locais, mas com histórias semelhantes.
Luís Dias
Desculpem lá: eu dou um abraço especial pela poesia, assim dita e com o que nas linhas se diz, não dizendo e, assim, respostas vai dando a quem não sabe certas questões e delas quer saber.
Luís Graça o meu abraço.
Abraço igualmente todos os outros que aqui e agora comentaram.
Eu não participei desta op. mas passei muitas vezes por lá e o Seco era meu amigo. Em operações trocávamos a ração de combate...rabo de rato, rabo de rato dizia ele ao ver a lata de conserva de polvo ou lulas. Eu dizia toma lá sardinhas...porco não...coisas entre ele e o Alá.
Caro Jorge Picado meu camarada e Amigo
Nós já vimos muito, muito. Erros e mais erros cometidos por outros e , porque não, por nós. É natural. Há erros e erros.A incompetência e a prepotência se praticadas não são erro.Referi um que o Luís sabe melhor do que eu e o meu amigo- o tal furriel que referi me contou - sabes meu caro Jorge eras Capitão empurrado como eu fui alferes empurrado e ambos lixados mas temíamos o erro. Outros-alguns- do alto do seu galão eram superiores a isso e os milicianos eram gente de passagem, pouco préstimo, tipo descartável. Só que muitos,muitos, dos descartáveis tinham a dignidade suficiente, mesmo não acreditando, de fazerem a guerra no respeito para com eles e para com quem comandavam. Sabes melhor do que eu. Eras um homem mais velho, pai de filhos e pessoa de bem.
Certamente engoliste muitas vezes em seco palavras ditas ou gabarolices.
Vai longo o comentário e as tuas palavras, caro amigo, sem saberes talvez digam o que se não disse. Um abração T
Caro Luís:
Com o teu sublime post 7339 ainda veio de bónus o poema, aqui nos comentários, que me encantou e por certo encantará toda a Tertúlia.
Bem Hajas
Rui Silva
Camaradas
No decorrer do ano, nós Combatentes
temos sempre recordações, conforme o Calendário vai passando, hoje porque morreu o meu amigo X, numa enboscada, amanhã o amigo Y pisou uma mina, e há sempre uma sucessão de dias marcados. Comigo isso acontece, todos ou quase todos os dias têm histórias e episódios marcantes para o resto das nossas vidas. Esquecer? É de todo impossível...
Abraço
Luís Borrega
Enviar um comentário