domingo, 21 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7314: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (36): Teixeira Pinto, uma nesga do Paraíso

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 20 de Novembro de 2010:

Amigo Vinhal
Para a “Viagem à volta das minhas memórias” segue mais um apontamento que recordo, talvez pela coincidência das situações não usuais ocorridas, que publicarás se assim o entenderes.

Um abraço para ti e outro para todos
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (36)

Teixeira - Pinto – uma nesga do Paraíso

Após o dia fatídico, a 2791 continuou nos seus registos operacionais por mais uns tempos naquelas matas.

A 1 de Outubro de 1971 apresenta-se na FORÇA, em substituição do Cap. Mil. Art. Mamede de Sousa, que foi para o COMCHEFE, o Cap. Q.P. Inf. de sua graça Teixeira Branco que nos irá comandar por dois períodos de intervenção intercalados.

De estatura mediana, ao arredondado e cabeça com pouco pêlo, corria a informação que tinha os tomates no sítio e tirara um curso nas Forças Especiais Americanas, pelo que algum do Pessoal começou a pensar que a partir dali íamos estar ainda mais fod…

Não foi essa a minha opinião e logo aquando da apresentação à Companhia, pelo seu posicionamento fisionómico, seu modo de olhar e atitude observadora, pareceu-me ser um condutor de homens, sem manias de bom ou de complexos de comando, que zelaria pelos seus subordinados e os defenderia se a isso houvesse necessidade, direito e justeza, sem medo de eventuais consequências. Acabaria por dar provas disso mesmo, a muito curto prazo.

Os dias foram-se passando e uma bela noite, chamou-me ao seu quarto e debruçados sobre o mapa informou-me que iríamos sair de madrugada para determinada zona, sem objectivo específico, em que ele participaria, mas no entanto o comando estaria a meu cuidado. Lembro-me que não estranhei a situação, mas já não recordo por que razão não ia Alferes, o que também já havia acontecido antes. Era sabedor que os GRCOMB estavam cansados, em especial que o meu estava a precisar de uma paragem operacional e olhando-me deu-me a entender, não o dizendo, que não seria necessário andar aos tiros a não ser que a isso fossemos obrigados. Traduzi para mim que uma “baldazita” não seria má de todo, mas para isso não podíamos ser detectados na entrada da mata… o resto talvez fosse viável. Íamos ver.

Na madrugada é feita na parada a apresentação do Pessoal a um Cap. Branco que, como único armamento traz a Walter no coldre à cintura. Fico surpreendido e ao mesmo tempo afiro da sua confiança em nós. A Rapaziada bem armada, como costume salta para as viaturas e arrancamos.

Entrados na mata, a progressão e o seu sentido é de molde a procurar não provocar maus encontros, sendo os vários descansos feitos, alongados e silenciosos. Creio que nessa saída não houve PCA

As horas foram-se escoando, ouvindo-se um ou outro curto matraquear ao longe. Num desses descansos pela tarde, estávamos numa mata atapetada de verde, com arvoredo de médio porte e copas frondosas. O dia solarengo parece convidar a uma sorna que, na certa desejada, é inviável. Para além dos cantares da passarada que parece não se dar conta da nossa presença, recordo a presença elegante de uma gazela na proximidade que, de narinas no ar e aparentemente não detectando ou não se intimidando com a nossa presença, continua na sua actividade.

Feito o controlo de segurança, escolho o meu lugar e posiciono-me de encosto a uma árvore. O tempo vai passando e aquele lugar, recordo, parece-me um pequeno Paraíso, até que, ao atentar na minha direita, fico surpreendido e em tensão, quando detecto à distancia de uma G3, um grosso cepo aflorando da erva, que mais não é do que uma bela e avantajada surucucu (?), enrolada e dormindo a sono solto, descansada. Olha se se tinham sentado nele!? Agora já só faltava a Eva - Adão já éramos muitos - para aquilo ser o Paraíso verdadeiro!

Catana não havia, dar-lhe um tiro estava fora de questão e usar a faca, nem pensar… não fosse ser o diabo tecê-las! Assim, aqueles longos minutos foram-se arrastando e passados a observar atentamente, mesmo atentamente a bicha, com a G3 empunhada pelo cano como se de um cacete se tratasse, pronto a desferir o golpe que deveria ser, se não fatal ao menos atordoador, caso a vizinha abrisse um olho e despertasse.

Feito o descanso, levanta-se arraial e a Rapaziada vai passando em silêncio por mim e pela cobra, que continua o seu sono reparador, ao calor da tarde. Pena aquela pele ter que por lá ficar, pois daria um bom par de sapatos e uma bela carteira (!?) penso. Aviso e incorporo a fila entre os últimos, seguindo para diante.

A operação continua, acabando felizmente sem quaisquer incidentes. Chegados a casa e dada a ordem de destroçar, para minha surpresa reparo que o diabo dos sapatos e da carteira nos tinha acompanhado.

A partir daí, o meu 2.º GRCOMB irá entrar em alguns dias de descanso, bem merecidos.

Luís Faria

2.º GCOMB/CCAÇ 2791
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7172: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (35): Teixeira Pinto - Enfiamento da morte

8 comentários:

manuelmaia disse...

CARO LUIS,

MAIS UMA VEZ AFIRMO QUE LER-TE É UMA GRANDE SATISFAÇÃO PELA RIQUEZA DE PORMENOR QUE SEMPRE EMPRESTAS AO ESCRITO.
A SURUCUCU PROVAVELMENTE ESTARIA NA FASE DE "LIMBO" QUE SE SEGUE A INGESTÃO DE ANIMAL DE GRANDE PORTE.
A CONFIANÇA EM TI DEPOSITADA PELO CAP. É SIGNIFICATIVA..
QUANTOS DE NÓS DEVERIAM TER SIDO COMANDANTES DE GRUPO E NÃO DE SECÇÃO???
AFINAL FOMOS OS QUE NO TERRENO SOUBEMOS SUSTENTAR AS SITUAÇÕES MESMO AS MAIS DIFÍCEIS.

SISTEMÁTICAMENTE HAVIA FURRIEIS A COMANDAR GRUPOS DE FORMA TEMPORÁRIA, QUANTO MAIS NÃO FOSSE, DURANTE AS FÉRIAS DOS TITULARES.

CONTINUO A NÃO PERCEBER PORQUE RAZÃO ALGUNS TENTAM TAPAR O SOL COM UMA PENEIRA SEMPRE QUE SE AFIRMA QUE QUEM SUSTENTOU A GUERRA FORAM OS MILICIANOS...
DAQUI GRITO UM SONORO "EFFERRIÁ" AOS MILICIANOS, CAP,ALF,FUR, BEM COMO A ESSES ABNEGADOS SOLDADOS,O MEXILHÃO MAIS LIXADO.
BEM HAJAM TODOS.
ABRAÇO MANUEL MAIA

Anónimo disse...

Luís,
Não era surucucu com certeza, pois esta espécie é relativamente pequena, com o comprimento de cerca de um metro, e expessura até 5 centímetros, e tem a cabeça em trângulo. Também a côr não é taõ exuberante quanto sugere o texto.
Alimenta-se de pequenos animais, mas a mordedura é fatal, e só acontece quando se sente ameaçada: apoia-se na parte traseira, levanta a cabeça, e prepara o golpe súbito. Acho que, nessa circunstância, nem se afasta, desafiadora. Era frequente no nordeste de Angola.
Abraço
JD

Anónimo disse...

Camaradas,
Na Wikipédia a surucucu africana está apresentada sob a designação de "biúta". Na América Latina (Brasil) a surucucu é uma cobre de grande dimensão.
Abraços
JD

Anónimo disse...

Camarigos
Possívelmente seria uma giboia.
Em Pitche e no Destacamento de Cambor matou-se alguns exemplares.
AB
Luís Borrega

Anónimo disse...

Caro Luís Faria

Na CCAÇ. 5, durante uma operação, de dois dias, tivemos contacto visual, e não só, com três cobras. Duma delas, guardo religiosamente a pele, com 5m de comprido, que tinha mais, e na parte mais larga ronda os 80cm, e foi cortada a parte escamosa ventral.
É uma longa estória para eu contar oportunamente, assim como o estratagema que eu urdi para poder ficar com a pele e como consegui enviá-la para a metrópole, para ser curtida. Tive a ajuda do meu amigo Silva, ao qual ainda devo, que espero pagar, uma ida à terra dele para mostrar a pele aos seus amigos, aos quais ele tem contado a estória, mas ninguém acredita.

Um abraço

José Corceiro

Anónimo disse...

Caro Luís Faria

Mais uma parte das tuas recordações do Chão Manjaco e como sempre, sintética mas bem recreada e melhor descrita.

Falas na chegada do substituto do Cap Mamede, que identificas como Cap QP Teixeira Branco.
Ora acontece que tenho andado desde há um bom par de anos para saber, quando conheci tal Cap. Isto por que mais tarde vim a reencontrá-lo aqui em Ílhavo, onde morou, enquanto esteve colocado no Quartel em Aveiro, de onde participou, se não estou enganado no 25 de Abril e mais tarde foi para Águeda, talvez Comandar a Escola de Sargentos que lá havia.
Mas como não falámos da Guiné, fiquei a desconhecer em que unidade o tinha encontrado, ainda que soubesse que era de TPinto. Comecei a pensar e isso levou-me a confundir este Cap. Branco, que era para o baixo e com uma certa calva(?), com o Cmdt duma CCaç do BCaç 3863 que chegou a TPinto em 24OUT71 e foi para o Bachile.
Julgo que agora fico esclarecido de onde o tinha conhecido.
Voltás-te a encontrá-lo na Metrópole?

Abraço
Jorge Picado

Abraço
Jorge Picado

Luis Faria disse...

Amigo Jorge Picado

Falas na certa do mesmo Capitão,que julgo até ser das bandas de Aveiro,não estou certo.

Não não estive com ele apesar de umas tentativas de contacto para os nossos encontros.

Disseram- me há uns tempos atrás que ele já não estaria entre nós,infelizmente.Não sei.
Gostei dele,do Homem e do Militar.

Pena não ter nenhuma foto.
Um abraço
Luis Faria

Jorge Fontinha disse...

Lembro-me do Cap. Branco com muita saudade e agradecimento.Ao contrário de outros(!), foi dos que acreditaram na minha palavra e por via disso me defendeu junto do Comando do Batalhão, já em fase de fim de comissão.Quando lhe contei o ocorrido, disse-me que a partir daquele momento, o problema já não era meu, mas dele.Onde ele estiver, os meus respeitosos cumprimentos e o meu eterno agradecimento.

Quanto a ti, não era de estranhar o fascínio que certos seres vivos tinham por ti.Abelhas, cobras e outros exóticos mais ou menos simpáticos.Admiro-me que nunca tenhas adoptado um!
Lembras-te do meu esquilo em Capó?
Esse acompanhou-me durante a estadia naquele "Paraíso Terreno"

Aquele abraço.

Jorge Fontinha