Pôr-do-sol na varanda do VIGIA, GAPAB - Grupo dos Amigos da Praia da Areia Branca, Lourinhã... Onde a terra acaba e o Atântico começa, há um varanda que guarda o último suspiro do sol...
(Cartaz gerado por assistente de IA / LG)
Lourinhã, Praia da Areia Branca, 19 de julho de 2025
Fotos: © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Cuidado, frágil, adorador do sol
por Luís Graça
No teu testamento vital,
que é também uma declaração de interesse,
vais ter que escrever que não tens religião,
mas és adorador do sol,
veneras o sol como um deus,
deves a vida ao sol.
deves a vida ao sol.
Fica de fora a lua,
e mais ainda o "black, dark, side of the moon".
(Passaste há dias, na rua,
por uma mulher
que escolheu esta frase tão sensaborona
ou se calhar, genial, provocadora, feminista,
para pôr ao peito,
na parte da frente da sua t-shirt,
intencionalmente preta e suja...
Pensaste: já é tudo tão vulgar, tão "kitsch", tão triste...
Ou talvez não, se elevares a frase
Ou talvez não, se elevares a frase
à categoria do sarcasmo social!).
Não sabes se é pecado maior,
aos olhos dos guardiões do céu.
Nem sabes se o deus todo poderoso das religiões monoteístas
tem ciúmes do sol,
afinal sua criatura, finita,
um deus menor.
Os pobres dos antigos egípcios,
que já tinham a mania que eram astrólogos e astrónomos,
adoravam o sol, o deus-Rá: tinha um corpo humano com cabeça de falcão,
e sobre a cabeça um disco solar e uma cobra enrolada...
Criador do mundo,
e sobre a cabeça um disco solar e uma cobra enrolada...
Criador do mundo,
era ele quem trazia a luz e regulava a vida,
viajando pelos céus durante o dia na sua barca solar,
e mergulhando à noite no submundo das trevas,
para combater a entropia e as forças do mal...
Não tinhas o mar, no interior, no mato,
para te deslumbrar com o pôr-do-sol.
Não, ainda não escreveste o teu testamento vital,
mas esperas ainda ir a tempo de o fazer
e de lá pôr essa cláusula,
Lourinhã, Praia da Areia Branca, Vigia-Gapab, 19 de julho de de 2025
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Nota do editor:
Último poste da série: 17 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27027: Manuscrito(s) (Luís Graça) (270): Salve, Jaime, ao km 79 da tua picada da vida!
viajando pelos céus durante o dia na sua barca solar,
e mergulhando à noite no submundo das trevas,
para combater a entropia e as forças do mal...
Tu, animista, heliocêntrico, te confessas.
És um tonto de um girassol.
Perturbam-te os eclipses, totais ou parciais, do sol.
Extasias-te com o pôr-do-sol,
e não tanto com o nascer-do-sol.
Sabes que o sol é um dado adquirido,
Sabes que o sol é um dado adquirido,
mesmo que não nasça para todos,
como já não nascia no vale do Nilo
no tempo dos faraós e do deus-Rá.
Sabes que podes contar com ele todas as manhãs, ao acordar,
mesmo em dias de céu cinzento, nublado, deprimente,
mesmo em dias de céu cinzento, nublado, deprimente,
Mas também te aterroriza o pôr-do-sol,
onde se oculta, emboscada, a morte.
Aterroriza-te saber que um dia,
Aterroriza-te saber que um dia,
daqui a alguns milhões de anos,
o sol apagar-se-á.
Ou implodirá.
o sol apagar-se-á.
Ou implodirá.
Perguntar-te-ão: que te importa, pobre diabo,
se sabes que vais morrer um dia destes ?!
Pensava-lo imortal, ao deus-sol, mas é finito:
quando descobriste, aos teus catorze ou quinze anos,
que um dia o sol iria morrer,
tornaste-te ateu (ou, talvez melhor, agnóstico,
ou talvez nem isso:
tiveste muito simplesmente a tua primeira crise existencial).
Nunca ligaste ao sol na Guiné,
na tua segunda crise existencial.
Ou melhor: odiava-lo, ao sol tropical,
Pensava-lo imortal, ao deus-sol, mas é finito:
quando descobriste, aos teus catorze ou quinze anos,
que um dia o sol iria morrer,
tornaste-te ateu (ou, talvez melhor, agnóstico,
ou talvez nem isso:
tiveste muito simplesmente a tua primeira crise existencial).
Nunca ligaste ao sol na Guiné,
na tua segunda crise existencial.
Ou melhor: odiava-lo, ao sol tropical,
odiava-lo com um ódio de morte.
Afinal, ninguém faz uma guerra
sem ter um ódio de estimação.
Um inimigo.
Não tinhas o mar, no interior, no mato,
para te deslumbrar com o pôr-do-sol.
Não tinhas o "mare nostrum" dos teus antepassados, o Atlântico.
Apenas os poilões, a tabanca,
a bolanha e os palmeirais e a savana arbustiva.
Ou a floresta-galeria que te tapava o sol.
Nunca foste ao Boé, onde havia pequenas colinas.
A Guiné era plana, horrivelmente plana, chata como a Holanda.
Ah!, como tu odiavas o sol da Guiné.
Detestava o sol porque havia guerra,
e penosas operações a pé que te podiam levar
à insolação, à desidratação e, "in limine", à morte.
à insolação, à desidratação e, "in limine", à morte.
Detestavas o sol porque não sabias
por que razão havias de morrer de insolação e desidratação
só porque havia guerra no tempo seco.
Odiavas o sol da Guiné,
razão por que sempre preferias a noite e os seus pesadelos.
Odiavas o sol da Guiné,
razão por que sempre preferias a noite e os seus pesadelos.
Nunca viste a lua,
ou então só viste o "black, dark side of the moon".
Dormias de dia, sempre que podias ou te deixavam.
E, quando tu morreres,
se ainda puderes decidir
se ainda puderes decidir
(isto é, escolher onde, como e quando...),
e, se não for pedir muito a quem de direito,
aos seres do panteão,
com cabeças de falcão e braços de serpente,
pois então que peças para morrer ao pôr-do-sol,
frente ao mar da tua infância,
pois então que peças para morrer ao pôr-do-sol,
frente ao mar da tua infância,
ao Mar do Serro.
Duvidas que os deuses aceitem cunhas,
por isso não também rezas.
Não, ainda não escreveste o teu testamento vital,
mas esperas ainda ir a tempo de o fazer
e de lá pôr essa cláusula,
para o cangalheiro ler:
'Quero que, no meu caixão,
antes de entrar no forno crematório,
escrevam a tinta anti-fogo:
Cuidado, frágil, adorador do sol".
Lourinhã, Praia da Areia Branca, Vigia-Gapab, 19 de julho de de 2025
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Último poste da série: 17 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27027: Manuscrito(s) (Luís Graça) (270): Salve, Jaime, ao km 79 da tua picada da vida!
1 comentário:
Ainda ontem, ao fim da tarde, estava a escutar as memórias do alferes Carvalhinho, herói da batalha do Como, meu conterrâneo, que ameaçou fuzilar quatro dos seus "corrécios" e "bêbedos" do pelotão...Ele deve estar com os seus oitenta e cinco anos e ainda canta o fado e dedilha a sua guitarra... É um adorador do sol, como eu...
Tinha imenso orgulho nos seus obuses 8.8. E ficou danado quando os substuiram, na Guiné, pelos 10.5 e 14, que não valiam nada... Ele foi um dos heróis do Como, era capaz de pôr um supositório de 18 kg no cu no Nino...
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