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quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27133: Humor de caserna (210): Fugir com o cu (ou melhor, com o pé) à seringa (José Teixeira, "fermero", que "firma"na Tabanca de Matosinhos)


1. Mais uma história. bem humorada, do nosso "fermero"  Zé Teixeira (que hoje "firma" na Tabanca de Matosinhos, mas que noutra incarnação foi 1º cabo aux enf, 
CCAÇ CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70)...

Estamos em agosto de 2025... Um mês que há muito deixou de ser  "o nosso querido mês de agosto": é cada vez mais trágico, com a banalização dos incêndios, da morte e da devastação do interior do nosso Portugal...

O Zé Teixeira, que apesar de tudo não se deixa abater com o desolador espetáculo que o mundo à volta nos oferece, mandou-nos, para animar o blogue,  mais uma das suas histórias pícaras. Agora reeditadas (*).


Humor de caserna (21o) > O balanta que fugiu com o cu (o melhor, com o pé) à seringa



Em Mampatá Forreá (na região de Quínara, entre Buba e Aldeia Formosa), os dois únicos balantas que lá conheci (a população era Fula, Futa-fula e Mandinga) eram lenhadores, contratados pela tropa a troco de uma marmita de comida diária para cortarem lenha para a cozinha militar.

Um deles tinha tanta força como de ingenuidade. Um dia peguei numa faca e disse-lhe que o ia matar. Desatou a correr e eu atrás dele, a rir-me às gargalhadas, correndo os dois a tabanca toda.

Ninguém sabia o que se passava nem entendia porque quando eu parava, atrás de uma morança, ele parava e, se eu começasse a correr, ele fugia por entre as moranças, a rir-se, mas sempre longe de mim. 

Enfim, um bom espectáculo para um fim de tarde de alguém  que, como eu,  apenas precisava de queimar o tempo (e ainda faltava tanto!)...

Só parámos, quando deitei a faca ao chão. Depois demos um abraço e   fizemos as pazes. 

Certo dia acertou com o machado num pé. cortando profundamente um dedo. Por pouco não traçava o osso por inteiro.

Dirigiu-se à enfermaria, ao ar livre, isto é, ao cantinho onde todos os dias eu montava o meu engenho de enfermaria.

O meu dilema era completar a obra do machado e sacar o dedo ou tentar suturá-lo, na esperança de o osso solidificar. Ou, então, aguardar dois dias pela avioneta do correio e mandar o "embrulho" para Bissau.

Optei pela sutura, lavei muito bem o pé  (que talvez nunca tivesse sido lavado na vida...) , e preparei a seringa para a anestesia local. Ele baixa a amostra de calções mais negros que a sua pele, convencido que ia tomar uma injecção. Quando se apercebe que ia ser picado no pé, começa a gesticular que não. 

No pé, é que não!!!... 

Claro que eu não sabia balanta, e ele não sabia crioulo, nem português. Assim não nos entendíamos, mas ele encontrou a solução: desata a correr pela aldeia fora com o dedo dependurado e a sangrar. 

Pica no pé, nunca, só no traseiro!!!...

Passado algum tempo lá voltou. Com a ajuda do companheiro, conseguimos entendermo-nos melhor. Fiz de novo a higienização da ferida, suturei como pude e,  passados uns dias, com a ajuda de umas picas de penicilina lá se curou e voltou ao trabalho de lenhad
or para ter direito a comer (os nossos restos).

José Teixeira

(Revisão / fixação de texto, título: LG)

__________________


Nota do editor:

(*) Último poste da série : 4 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27086: Humor de caserna (209): um "fermero" que em Empada ganhou fama de curandeiro, milagreiro e... abortadeiro (Zé Teixeira, Matosinhos)

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...


O Zé Teixeira é das pessoas mais abertas ("open-minded", como se diz em inglês) que eu conheço, em relação à compreensão e aceitação dos outros e das suas part icularidades, desde a cor da pele à condição social...

Pelo que esta história não pode ser lida de outra maneira, a não ser como mera diversão, uma cena com algo de hilariante, pícaro, devido ao "choque cultural" entre dois homens que só se podem entender por gestos, o enfermeiro (branco), de faca ou seringa em punhio, e o seu doente (balanta), que foge dele, mesmo com um dedo no pé preso por um fio ...

Muito menos esta história pretende "denegrir" (passe o termo, "racista") ainda mais os "pobres" dos balantas, sempre mal tratados e incompreendidos não só pelos "tugas" da época colonial (a começar pelos comerciantes, cipaios, chefes de posto, pides, tropa branca e preta...) como pelos "libertadores" do Amílcar Cabral (que os transformou em carne para canhão, os "homens do mato" do PAIGC)...

Os balantas, até há não muito tempo, era, vistos pelos "outros", dentro e fora da sua terra, como burgessos, rudes, rústicos, bestas de carga, estúpidos, ladrões de gado, bêbedos, "tabanqueiros" (sic)...

Como dizia os meus soldados, futa-fula, com desprezo, "um balanta a menos é uma turra a menos"...