sexta-feira, 5 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5936: Blogues da Nossa Blogosfera (32): Blogue sobre os COMANDOS da Guiné (Luis Manuel Nobreza D'Almeida Rainha)


1. O nosso Camarada Luís Rainha (ex-Alf Mil de Operações Especiais/RANGER, Comandante do Grupo de Comandos "CENTURIÕES", Grupos de Comandos, Brá - 1964 e 1966, enviou-nos a seguinte mensagem, solicitando o envio de documentos, emblemas, etc. que estejam relacionados com os COMANDOS, especialmente os da Guiné, para colocar no blogue que está a construir:


COMANDOS
NOVO BLOGUE

Camaradas,

Antes de mais, quero dizer quem sou: fui Comandante do Grupo de Comandos "CENTURIÕES" na Guiné, e, como tal, gostava de deixar aos vindouros algo que os informasse daquilo por que lá passámos e vivemos.

Ao pensarmos este Blogue "Comandos-Guine-1964a1966", pois não sou só eu que participo e que tive a ideia, já que fomos três (3): o Júlio Abreu (a viver na Holanda), o João Severo Parreira e Eu, tendo sido também convidado o V. Briote que, até ao momento, ainda não se manifestou. Gostaríamos imenso de o ter junto de nós, pois além de ter sido nosso Camarada-de-Armas é um Elemento de alto gabarito entre afamíla COMANDO e sou muitíssimo Amigo dele e da Família.

Portanto, somos um grupo de ex-COMANDOS, daquele tempo, que queremos deixar aos presentes e aos vindouros, um relato tão quanto possível verídico (quando não o fôr, faremos referência a tal), e, o mais importante, este blogue que agora nasce de certeza que não está complecto, poderá conter algumas incertezas, e, quem sabe, algo que não seja totalmente verdadeiro. Mas de uma coisa podem estar certos, todos aqueles que lerem e aderirem a este blogue, o que ali fôr colocado é feito com muito amor, carinho e respeito por todos nós (vivos e mortos).

Fizemo-lo, também, em virtude de a seguir ao 25 de Abril, ou durante o mesmo, o Rosa Coutinho ter dado ordens ao Otelo Saraiva de Carvalho, para destruir tudo o que dissesse respeito aos Comandos da Guiné.

Ora, este último, começou então a destruição, no período de 1964 a 1967, e parou (não sei porque motivo só o fez).

Mas que aconteceu… aconteceu.

Assim, querendo deixar aos nossos Filhos, Netos e para o Futuro o que se passou, resolvemos tentar reunir num blogue, tudo aquilo que ainda existe e anda disperso nas mãos daqueles, que viveram os factos e acontecimentos.

Pedia a todos aqueles que nos queiram ajudar nesta tarefa o façam, o que desde já agradecemos, e, ao fazê-lo, se identifiquem para que possamos agradecer devidamente.
Os meus contactos são:

Telef. 233040495, telemóveis 966726336 ou 931157102.

E-mails:
regisreginae@gmail.com
regisreginae@hotmail.com

O blogue poderá ter alguns erros, que serão reparados e recompletados à medida que formos recolhendo mais informação credível.

O seu endereço é:
http://comandos-guine-1964a1966.blogspot.com/

Recebam um BEM HAJA
Luis Rainha
Alf Mil Op Esp/RANGER, CMDT dos "CENTURIÕES"

Mini-guião de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados._
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

12 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5634: Blogues da Nossa Blogosfera (31): Tabanca dos Melros - Ex-Combatentes do Ultramar Português de Gondomar (Jorge Teixeira/Portojo)

quinta-feira, 4 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5935: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (20): O Honório e o 2º Sarg que dizia que se aguentava (Vítor Oliveira)

1. O nosso Camarada Vitor Oliveira (ex-1.º Cabo Melec da FAP - BA 12, 1967/69), enviou-nos em 2 de Março de 2010, a seguinte mensagem:

O Honório e o 2º Sarg que dizia que se aguentava

Havia um 2º Sarg. do exército, em Nova Lamego, que quando nós íamos para lá se nos juntava depois do jantar, connosco a beber os nossos whiskies no café Mar Verde, ou no outro que também lá existia de que não me lembro do nome.

Então, uma noite em conversa, este nosso amigo diz que já tinha andado muito de avião e que não gritava ao “Gregório” (termo usado na gíria para vomitar).

O Honório vira-se para ele e diz-lhe:
- Amanhã apareces lá na pista que eu trato de ti!

Na altura, ele Honório, estava a voar nos T6G.

Assim, logo de manhã, apareceu o nosso amigo com a sua farda verde todo bonito. Colocamos-lhe o pára-quedas e aí vai ele para dentro do T6.

Dizia-lhe eu:
- Nem sabes onde te meteste ele.

Respondeu-me:
- Não há problema.

Claro que o Honório quando o apanhou dentro do T6, deu o seu festival do costume.

Quando aterrou, o nosso amigo parecia que vinha da piscina, com a farda toda encharcada, de tal modo que tivemos que o tirar de dentro do avião, pois o nosso 2º Sargento, neste passeio aéreo, tinha-se esquecido de como era andar a pé.

Um grande abraço,
Vítor Oliveira
1º Cabo Melec 1ª66 (Pichas)

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

28 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5912: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (19): O Honório e o major que lhe chamou maluco (Vítor Oliveira)

Guiné 63/74 - P5934: Convívios (197): Pessoal do BCAÇ 2885, dia 6 de Março na Batalha (César Dias)

1. Mensagem de César Dias (ex-Fur Mil Sapador da CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71), com data de 4 de Março de 2010:

Amigo Carlos
Embora já um pouco tarde venho pedir-te que divulgues o nosso 15.º Encontro / Convivio, que assinala as 39 primaveras do nosso regresso.

Este almoço de confraternização será no dia 6 de Março na Batalha, e terá lugar no "A Aldeia de Santo Antão - Restaurante" .

Para os mais distraídos, ainda podem telefonar para o José Carlos Ventura da CCAÇ 2588 para o n.º de telemóvel 967 964 368.

Grato pela atenção
César Dias

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5922: Convívios (109): Tabanca do Centro, Monte Real, 26/2/2010: uma jornada de camaradagem e de solidariedade (Luís Graça / Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P5933: Agenda Cultural (63): Seminário Lusófono Que Fazer com Estas Memórias? - Lisboa, 5 e 6 de Março de 2010 (Diana Andringa)

1. Mensagem da nossa tertuliana Diana Andringa* com data de 3 de Março de 2010:

Que fazer com estas memórias?

Entre os países da CPLP, para lá da Língua e da História comuns, há um traço de união que, embora muito próximo de nós em anos, é normalmente esquecido: a tortura sofrida pelos seus povos sob regimes de ditadura, fossem estes nacionais, como nos casos de Portugal e do Brasil, colonizadores, como nos casos dos países que atingiram a independência em 1974/75, ou invasores, como no caso de Timor-Leste.
E, no entanto, essa é uma memória traumática que urge enfrentar, não apenas pelo que representa para os que a sofreram, quer pelo que dela se prolonga, muitas vezes, numa desatenção aos Direitos Humanos indigna de povos que por eles se bateram em condições de extrema dificuldade.

É no sentido de pensar essa memória, não apenas enquanto passado, mas enquanto sombra pesando sobre o presente, que a Associação Movimento Cívico Não Apaguem a Memória (NAM) e o Centro de Estudos Sociais (CES-Lisboa) entenderam levar a cabo, em Lisboa, um Seminário subordinado ao tema “Que fazer com estas memórias?”, a ter lugar nos próximos dias 5 e 6 de Março de 2010, no CES-Lisboa (Picoas Plaza, R. Viriato, perto a Maternidade Alfredo da Costa, do jornal Público e do hotel Sheraton; no 1º andar, sobre o pátio com restaurantes, pintado de vermelho e com grandes letras a dizer CES.).

Queremos ouvir testemunhos de quem sofreu a tortura, comentários de médicos que trataram os torturados e de cineastas que recolheram a sua memória.
Queremos que a memória não se perca, para que o futuro seja melhor.

Diana Andringa



Seminário Lusófono

QUE FAZER COM ESTAS MEMÓRIAS?


Local: Centro de Estudos Sociais-Lisboa (Picoas Plaza, R. Viriato)

Data: 5 e 6 de Março de 2010


Programa

Sexta-feira, 5 de Março
9:30 – 10:30 Abertura – Porquê um Seminário Lusófono sobre Tortura e Memória

José Manuel Pureza, Representante do Centro de Estudos Sociais – Lisboa,
Raimundo Narciso, Presidente da Associação Movimento Cívico Não Apaguem a Memória,
Cecilia Coimbra, Representante do Movimento Tortura Nunca Mais (Brasil),
Simonetta Luz Afonso, Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, CES-Lx

10:30 - 12:00 Projecção do filme “48”, de Susana Sousa Dias

12:00 – 12:30 Comentário pelo Dr. Afonso Albuquerque (Médico psiquiatra, autor de um livro sobre o impacto da tortura sobre presos políticos portugueses)

12:30 – 13:30 Debate sobre o filme, com a presença da realizadora Susana Sousa Dias

13:30 – 15:00 Pausa para almoço

15:00 – 16:30 Projecção do filme “Memória para uso diário”, de Beth Formaggini

16:30 – 17:30 Comentário pelo Dr. Carlos Martin Beristain (Médico especialista em Saúde Mental, Universidade de Deusto, Bilbao) e por Alípio de Freitas (português, preso e torturado no Brasil.)

17:30 – 18:30 Debate sobre o filme, com a presença da realizadora

Sábado, 6 de Março

10:00 – 11:30 Projecção do filme “ Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta”, de Diana Andringa

11:30 – 12:00 – Comentário por Miguel Cardina, historiador, investigador do CES e Víctor Barros, investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20).

12:00 – 13:00 Debate sobre o filme, com a presença da realizadora

13:00 – 13:30 Sessão de encerramento: Como fazer da memória partilhada da tortura uma alavanca pela defesa da Cooperação e dos Direitos Humanos?, Secretário Executivo da CPLP, Eng. Domingos Simões Pereira.

Sobre os filmes:

48, Susana de Sousa Dias

São rostos. E vozes. Apenas isso. Minimalista. Susana Sousa Dias leva-nos a olhar para as fotografias de presos dos arquivos da Pide e a ouvir as memórias que essas fotografias despertam neles tantos anos depois.

São 16 imagens para contar 48 anos de fascismo - tudo fala da sociedade, os rostos, as roupas, a forma de estar. Não estão identificados por nomes nem idades porque valem por todos os presos políticos da ditadura. "Todas as fotografias têm uma história por detrás. O que me interessava era perceber o que a foto nos está a mostrar e o que nos está a esconder". Um rosto de mulher com um sorriso aberto em pleno arquivo da Pide, por exemplo, o que é que nos diz? É a própria que, em voz off, nos explica como aquela imagem, aquele riso inconsciente no meio de um lugar de sofrimento, a perseguiu toda a vida.

E o rosto daquele homem de cabelo claro? Por detrás dessa imagem estão já dias da tortura do sono - mas isso só ele próprio nos pode dizer. E aquela mulher que nos olha fixamente até a imagem se tornar quase abstracta, como uma pintura, e depois desaparecer no negro, apesar de os olhos parecerem continuar lá? "Há momentos em que olhamos para eles, outros em que eles olham para nós e outros em que olhamos para eles através do olhar deles".

"O filme procura estender aquele momento, uma fracção de segundo, em que eles enfrentam o opositor, olhos nos olhos", diz a realizadora. A expressão que têm, esse olhar de desafio, é o último espaço de liberdade que têm. "Nunca lhes daria o gosto de me verem com cara de sofrimento", diz uma das vozes.
Susana achou que para contar toda a história das vítimas da Pide tinha que incluir também os africanos presos pela política política, mas como os arquivos de África desapareceram não há imagens. Por isso são planos negros, apenas com vozes, e os espectadores presos a essas vozes que falam de tortura e de sofrimento.

Memória Para Uso Diário, de Beth Formaggini (Brasil, 2007)
por Rodrigo de Oliveira


Arquivos, como antes eram porões

Memória Para Uso Diário, e o nome não podia ser melhor. Mais que um filme para forçar o acesso emotivo a um passado coletivo submerso e dar voz a vítimas que se tornaram heróis, este é um projeto lindamente pragmático em sua militância: entre as diversas calhordices cometidas contra os revolucionários antiditadura militar e suas famílias, a mais grave foi certamente o apagamento da dimensão visível de sua história, e se há reparação possível, ela só pode se dar pelo “uso diário” do que sobrou desta gente – sua imagem, seus nomes, os signos associados a eles.

Em algum momento do filme, vemos uma parente de um dos militantes assassinados pelo regime falar sobre a perversidade embutida na invenção da expressão “desaparecido político”. É contra esse apagamento que Beth Formaggini investe, e o faz pelo desmascaramento, antes de tudo. A ditadura, como o cidadão brasileiro médio a conheceu, era a das imagens icônicas e da propaganda nacionalista institucional, largamente apresentada no prólogo do filme: não apenas os diversos cartazes e slogans repetidos à exaustão pelo regime, mas também a ostentação da caça e prisão dos vários “terroristas”, alardeadas nos jornais e na tevê como se aquele fosse um ambiente de faroeste, um “procura-se vivo ou morto” onde o rosto de um perseguido só tinha serventia até que ele fosse capturado – depois disso, o limbo, a morte secreta e o desaparecimento.

Uso diário é a experiência cotidiana desta memória, a ação corriqueira que nem por isso deixa de carregar todos os sentidos emocionais e políticos de que está preenchida. Numa das seqüências mais impressionantes do filme (e impressionante justamente por mostrar o caráter habitual da lembrança, e não o grande alarde profundo e pomposo que projetos dessa natureza costumam ter) acompanhamos a visita de Romildo a um cemitério no subúrbio carioca onde se suspeita que seu irmão tenha sido enterrado. Com a ajuda de uma amiga e também ex-militante, o homem começa a listar, de cor e com nome completo, dezenas de pessoas que faziam parte do mesmo aparelho de guerrilha do morto, montando um quebra-cabeça de identidades perdidas que surgem com a naturalidade de quem fala de amigos de infância. Romildo e a amiga não conheceram a maior parte daquelas pessoas em vida, e a única ligação que mantém com elas é a coincidência de terem participado junto com o irmão da luta armada. A memória é superficial e posterior, como a nossa, espectatorial, mas diferente de nós (e do filme), um nome dito é mais que a estampa de uma época, ele é o próprio reaparecimento, a alcunha perversa se desfazendo em nome do presente destas pessoas, mesmo que apenas oral e corriqueiro.

É assim, no limite de sua própria inviabilidade, que Memória Para Uso Diário vai se equilibrando. Porque há algo na sobrevivência dessa lembrança que está marcado por um irremediável senso de história íntima que nem todo o caráter coletivo da luta revolucionária pôde superar. Quando Tânia Roque visita a escola que leva o nome de seu marido morto pela polícia da ditadura, vemos uma celebração da figura de Lincoln Bicalho Roque que é marcada pelo reconhecimento emocionado para a família, enquanto nunca perde a sensação de valorização de uma ausência e de um vazio para os pequenos alunos e suas professoras. As crianças carregam faixas com o nome do militante, cantam enfileiradas o hino da escola, que exalta sua luta, fazem perguntas no microfone sobre quem foi e o que fazia aquele homem, mas, no fundo, nunca assumem estes discursos e essa celebração como sua propriamente.

Ponto de não-retorno definitivo é quando o filme leva um grupo de familiares dos desaparecidos pelas ruas de um bairro carioca para buscar endereços e placas que homenageiem ex-guerrilheiros (encontram no caminho, por exemplo, uma Praça Lamarca, ironicamente abandonada ao capim pelo poder público). É quando a mãe de Marcos Nonato da Fonseca encontra a rua com o nome do filho, mas, com uma placa enferrujada que impede o reconhecimento do nome, recorre a alguns dos moradores curiosos do lugar para que lhe dêem uma conta de luz que comprove a homenagem. Com a conta na mão, a mulher se dirige à câmera e mostra orgulhosa o nome do filho, enquanto um abismo se cria com o fundo do quadro, onde os moradores ainda não sabem direito do que se trata aquele fuzuê todo, e talvez nunca venham a saber ou se interessar. Não há chamado à memória e ao exercício da reparação que Beth Formaggini e o Grupo Tortura Nunca Mais (financiadores institucionais do filme) possam fazer sem que se esbarre neste abismo. A clandestinidade é a única marca da luta antiditadura que resistiu ao tempo, porque essa memória também é clandestina e, independente dos esforços de ambas as partes, ainda inviável.

Em Memória Para Uso Diário utiliza-se a estratégia do nome completo e do retrato 3x4 das vítimas, reforçados pelos letreiros finais que listam todos os ditos “desaparecidos políticos” do país, e ainda assim esta é apenas uma personificação de segunda ordem. É uma fissura da própria sociedade brasileira e sua incapacidade de lidar efetivamente com o período militar que acaba se espalhando para o cinema, do qual o filme de Formaggini acaba não deixando de ser um louvável retorno à regra. Não houve julgamento dos torturadores, não se prenderam os responsáveis pelas mortes, e as vítimas vão sendo indenizadas na surdina, em processos lentos e financeiramente desproporcionais. Do mesmo modo, este cinema brasileiro que fala da ditadura nunca conseguiu nem sequer levar a cabo a máxima godardiana de que as vítimas são sempre filmadas de frente, enquanto os carrascos aparecem sempre de costas.

Este acordo tácito pelo esquecimento torna mesmo a filmagem das vítimas um problema – e não só porque, como neste caso, o que resta delas é um retrato ou uma placa de rua. Mais do que a forçosa relação entre os desaparecidos dos 60 e os desaparecidos dos 2000, que o filme faz ao propagandear as ações do Grupo Tortura Nunca Mais contra o abuso policial sobre jovens da periferia e das favelas cariocas, o que Memória Para Uso Diário faz de realmente novo e instigante sobre esta relação do país com seu passado é filmar não os personagens da tragédia, mas seu depositário. Em poucos planos dos arquivos públicos nacionais onde uma viúva tenta buscar provas de que seu marido foi morto pelo Estado e, portanto, merece uma pensão do governo, vemos finalmente materializado todo o horror da desimportância que tanto a ONG como o filme tentam combater. Confusos, sujos, improvisados, escuros, os arquivos são o retrato mais fiel da falta de retrato: pastas e mais pastas com nome completo e eventualmente fotos dos mortos e desaparecidos, sem que isso possa garantir que as histórias guardadas ali possam um dia ser verdadeiramente ouvidas e revisitadas.

Abril de 2009 http://www.blogger.com/editoria@revistacinetica.com.br



Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta

Diana Andringa


Chamavam-lhe “o Campo da Morte Lenta”. Os críticos, naturalmente. Que as autoridades, essas, chamaram-lhe primeiro, entre 1936 e 1954, quando os presos eram portugueses, “Colónia Penal de Cabo Verde” e, depois, quando reabriu em 1961 para nele serem internados os militantes anticolonialistas de Angola, Cabo Verde e Guiné, “Campo de Trabalho de Chão Bom”.

Trinta e dois portugueses, dois angolanos, dois guineenses perderam ali a vida. Outros morreram já depois de libertados, mas ainda em consequência do que ali tinham passado. Famílias houve que, sem nada saberem o destino dos presos, os deram como mortos e chegaram a celebrar cerimónias funebres.

“Ali é só deixar de pensar. Porque se não morre aqui de pensamentos. É só deixar, pronto. Os que têm vida ficam com vida. Nós aqui estamos já quase mortos.” A frase é do angolano Joel Pessoa, preso em 1969 e libertado, com todos os outros presos do campo, em 1 de Maio de 1974.

No 35º aniversário desse dia, a convite do presidente da República de Cabo Verde, Pedro Verona Pires, os sobreviventes reencontraram-se para um Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal.

“Tarrafal: memórias do Campo da Morte Lenta” resultou desse reencontro. Durante os dias em que os antigos presos voltaram ao Tarrafal, gravámos entrevista após entrevista, registando as suas recordações. Trinta e dois presos, desde o português Emundo Pedro, um dos que o estreou, em 1936, aos angolanos e cabo-verdianos que foram os últimos a deixá-lo, no 1º de Maio de 1974, passando pelos guineenses que, ali cegados em Setembro de 62, saíram em 64 uns, em 69 os restantes. Um guarda, Joaquim Lopes, cabo-verdiano e convertido ao PAIGC. Uma das raras pessoas que testemunhou a vida no Tarrafal desde a sua abertura ao seu encerramento, Eulália Fernandes de Andrade, mais conhecida por D. Beba.

É um documentário feito à base de depoimentos e filmado quase sempre no interor do campo, afinal, o espaço em que os presos se moviam. Entre as raríssimas excepções, o cemitério, onde acompanhamos a homenagem dos sobreviventes aos que ali ficaram. Vozes, caras expressivas contra fundo de cela. Alguns objectos surpreendentes: as calças rasgadas pelo chicote e puída pelo chão prisional, a planta do campo desenhada num osso de vaca, a bengala que testemunha o resultado da tortura. A alegria de se verem lembrados em duas exposições nas celas que tinham ocupado.
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Nota de CV:

Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5908: Agenda Cultural (62): Seminário Lusófono Que Fazer com Estas Memórias ?, Centro de Estudos Sociais-Lisboa, 5 e 6 de Março de 2010 (Diana Andringa)

Guiné 63/74 - P5932: (Ex)citações (60): Este blogue é um fórum mas também uma câmara de gritos (de saudade, de alegria, de tristeza, de horror, de perdão, de expiação, de amor-próprio, de vaidade, de humildade, de dádiva, de amizade, de solidariedade, de revolta, às vezes de vazio) (Manuel Joaquim, CCAÇ 1419, Bissorã e Mansabá, 1965/67)




Onde está o nosso camarada Manuel Joaquim, ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67  (*) ? Acontece que ainda não temos uma foto dele...

Ei- lo aqui entre o grupo fundador da  Ajuda Amiga... Transcreve-se a legenda:

 "Realizou-se no dia 19/4/2008, no escritório do Carlos Rodrigues em Lisboa, a primeira reunião para criação de um movimento de ajuda à Guiné, onde estiveram camaradas de armas de várias companhias que passaram pelo sector de Bissorã e de Farim.

"Na foto de pé da esquerda para a direita: Manuel 'Pais e Sousa'- CCav 1650, Rogério Marques 'Freire' - CArt 1525, Eurico Caeiro 'Lavado' - CCaç 1419, Júlio da Silva 'Esteves' - CCaç 816 , 'Carlos' Manuel Rodrigues'  Bernardes - CCav 1650, António Joaquim 'Lageira' - CCaç 1419, 'Adrião' Lourenço Mateus - CArt 1525, António Jesus Picado 'Magalhães' - CArt 1525.
"Em baixo da esquerda para a direita: Manuel Joaquim - CCaç 1419, Carlos Silva - CCaç 2548 , José Riço - CCav 1650, e Carlos Fortunato - CCaç 13)". (...)



Lisboa > 20/8/2008 >  Tomada de posse [ dos órgãos sociais da Ajuda Amiga - Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento, que é presidida pelo nosso camarada Carlos Fortunato ]. Legenda: de pé, Antero Valongo (a assinar), Carlos Fortunato e Carlos Rodrigues; sentados: António Magalhães, Carlos Silva, Manuel Joaquim e António Bernardes.

Fotos: © Ajuda Amiga (2010). Direitos reservados


 1. Comentário, de hoje,  do Manuel Joaquim, ao poste P5924 (**)

 Oh pessoal, calma no barco!Tenho este livro (**) desde 1980. Li-o e na altura, confesso, achei-o mais como um exercício panfletário contra a guerra do que uma história assente em factos passados na Guiné. Aquela maluqueira passava um bocado ao lado da minha guerra onde tive muito medo, senti a sorte proteger-me, fui louvado por actos em combate, chorei e ri muitas vezes, sofri muito mas também me diverti muito!

E eu era contra aquela guerra. Digo-o agora como o dizia na Guiné aos meus camaradas (e em voz alta, posso prová-lo). Hoje, perante o que fui sabendo, olhando para o assustador número de casos clínicos graves atribuídos ao stress de guerra e, principalmente, lendo esta imensidão de páginas deste blogue onde as sequelas de foro psicológico e psiquiátrico estão tão nítidas e tão vivas!!!

Este blogue é um fórum mas também uma câmara de gritos (de saudade, de alegria, de tristeza, de horror, de perdão, de expiação, de amor-próprio, de vaidade, de humildade, de dádiva, de amizade, de solidariedade, de revolta, às vezes de vazio ).

Voltando ao princípio : A leitura, hoje, do livro faz-me compreender uma parte importante da paisagem dos veteranos de guerra, a que me orgulho de pertencer.Concordo que o livro está datado (mas só no plano ideológico já que,quanto à base do texto,está lá bem escarrapachada muita da ambiência que me envolveu). Recomendo a sua leitura,mesmo que não concordem nada com a perspectiva ideológica do livro .E os erros histórico-geográficos que se possam encontrar não têm importância nenhuma.

Um abraço a todos (da ponta esquerda à ponta direita)
Manuel Joaquim 

(CCaç 1419)

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Notas de L.G.:

3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4774: Tabanca Grande (167): Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissorã e Mansabá (1965/67)


(...) Quero inscrever-me na Tabanca, mas ainda não sei bem utilizar esta coisa (mandar fotos p.ex.); estou mesmo no início.

Um info-excluído, ou quase, que está a tentar sair desta situação e dando os primeiros passos na net, encontra um blogue (Luis Graça & Camaradas da Guiné) e... que descoberta!

Já lá vão umas boas horas de emoção! Mas nunca é tarde, nem para aprender a manipular o computador nem para começar a participar nesta rede de emoções/recordações. (...)

(...) Fui professor do ensino básico (Escola Gago Coutinho/Amadora) e director da Escola Profissional de Recuperação do Património/Sintra . Estou aposentado e perto dos 68 anos (1/9). Sou sócio da 'Ajuda Amiga-Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento', muito ligada à Guiné. (...)

(**) Vd. poste  de 3 de março de 2010 > Guiné 63/74 - P5924: Notas de leitura (72): Lugar de Massacre, de José Martins Garcia (Beja Santos)




Guiné 63/74 - P5931: Blogpoesia (67): Pôr-do-sol em Mato Cão (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 2 de março de 2010:

Meus caros camarigos
Estava aqui deixando voar o pensamento e tentando escrever algo para o José Belo colocar na Tabanca da Lapónia e fui ver fotografias.

Uma coisa que sempre me tocava na Guiné era o pôr-do-sol, sobretudo no Mato Cão.

A fotografia já não consegue mostrar a beleza desse pôr-do-sol, mas a memória leva mais tempo a apagar.

E assim num repente como sempre, escrevi isto que aqui vos deixo, para se quiserem publicarem.

Enviarei obviamente também ao José Belo, que no meio do frio da Suécia, pode ser que sinta um pouco do calor da Guiné.

Abraço camarigo para todos do
Joaquim Mexia Alves



Pôr-do-sol em Mato Cão


Lá longe,
na direcção do Atlântico,
na direcção da foz do Geba,
põe-se o Sol da Guiné.
A terra já vermelha de si própria,
torna-se agora cor de sangue vivo
e pinta toda a paisagem.
O momento é mágico!
Há uma quietude,
uma paz, uma serenidade,
neste momento.
Parece que a natureza ajoelha
e presta vassalagem
ao astro rei.
Neste momento cessa a guerra,
não há explosões,
nem tiros,
nem gritos,
e as bênçãos do calor do sol
afastam as maldições.
Lá no fundo da descida,
do planalto do Mato Cão,
ouve-se o Geba murmurar,
pintado da cor do Céu,
correndo lentamente,
atirando-se para o mar,
abrindo já os seus braços
à espera do macaréu.
A noite chega enfim,
envolta num calor espesso,
tingida de um escuro breu.
A natureza deita-se,
num lento e doce torpor.
Tudo se aquieta,
tudo se acalma,
excepto o coração,
que quer ver mais longe,
mais para dentro da mata,
para saber se descansa,
ou tem de ficar alerta.
Calam-se as vozes em surdina,
apagam-se as poucas fogueiras,
é hora do corpo repousar,
envolvido pela noite,
enquanto a memória avança,
num frenesim sem parança,

lembrando o que está longe,
mais longe que a vista alcança.
O sono vence a lembrança,
fecham-se os olhos cansados.
Amanhã é outro dia,
em que o Sol regressará,
e com ele a doce esperança,
de faltar menos um dia,
para sair da Guiné,
deixando tudo p’ra trás
menos o pôr-do-sol,
que torna a terra vernelha,
pintada da cor do sangue,
que a memória sempre traz.

Monte Real, 2 de Março de 2010
Joaquim Mexia Alves
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 3 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5922: Convívios (109): Tabanca do Centro, Monte Real, 26/2/2010: uma jornada de camaradagem e de solidariedade (Luís Graça / Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 2 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5918: Blogpoesia (66): Querida Pátria (Albino Silva)

Guiné 63/74 - P5930: Notas de leitura (73): Gadamael, de Carmo Vicente (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52,Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Março de 2010:

Queridos amigos,
Confesso que fiquei muito impressionado com a leitura dos relatos do 1.º Sargento Carmo Vicente, um pára-quedista zangado com meio mundo, é uma escrita sem perdão e sem reconciliação.
São relatos do início dos anos 80, porventura o tempo já sarou algumas cicatrizes mais profundas.

Um abraço do
Mário


Com zanga, desalento e contas a ajustar

Beja Santos

“Gadamael” (Edições Ró, 1982) é uma colectânea de relatos de Carmo Vicente, 1º sargento pára-quedista que cumpriu três comissões de serviço na Guiné e Moçambique. Mobilizado pela primeira vez como soldado, acabou por chegar em 1973 à situação de 1º sargento, no comando de um pelotão, precisamente em Gadamael.

Estes relatos não pretendem disfarçar a muita zanga que Carmo Vicente guardou dos homens e da guerra. Não esconde nomes de militares que sinceramente passou a detestar; não esconde a admiração pelos guerrilheiros destemidos, mostra como um quase adolescente ganha gosto pelo sangue e sente-se tentado à bestialidade. São relatos chocantes, incómodos, implacáveis. Pergunta-se se este homem não quer perdoar e escreveu mesmo para desassossegar todos aqueles com quem combateu, transformando a sua visão da guerra numa acusação de toda a guerra, incompatibilizando-se com tudo e todos. Como se passa a analisar.

Tudo começa no baptismo de fogo, à partida previa-se um simples treino operacional, na região de Mansoa. Depois de muita canseira na progressão nocturna, montou-se uma emboscada perto de um trilho inimigo; ao amanhecer, quem emboscava foi surpreendido pelo ataque inimigo. O comandante da companhia incitava-os a agarrarem os turras à mão e alguém lhe gritou: “Apanha-o tu, meu herói de merda!”. Findo o tiroteio, havia dois feridos bastante graves, descobriu-se que o furriel Branco e os seus homens andavam perdidos pela mata, demorou a estabelecer o contacto e a junção das forças. Tratava-se de um baptismo de fogo em que os pára-quedistas descobriam que os guerrilheiros eram muito diferentes daquilo que lhes tinham dito os instrutores. O comandante do batalhão, tenente-coronel Costa Campos exigiu-lhes que voltassem ao terreno e recolhessem o material ali deixado. De novo na zona do tiroteio da véspera, encontraram rastos de sangue de um guerrilheiro que, acabaram por verificar, tinha uma rótula esfacelada. O guerrilheiro pediu clemência, o comandante da companhia prometeu-lhe evacuação desde que ele se mostrasse disposto a colaborar, o ferido recusa. O capitão decreta a sentença de morte, quinze dias depois um soldado pára-quedista exibia, triunfante, duas orelhas humanas dentro de um frasco de compota.

Segue-se a “batalha de Bissau” que ocorreu durante um campeonato de andebol de sete, entre a UDIB e a ASA Clube. Havia duas claques, a primeira, composta pelos civis e alguns marinheiros, era apoiada pelos fuzileiros e por todo o pessoal da Armada; e a segunda, inteiramente formada por militares da Força Aérea, com destaque para os pára-quedistas. Segundo Carmo Vicente páras e fuzileiros eram amigos, mas na ocasião quiseram provocar-se mutuamente. Porquê, fica-se sem se saber. No BCP 12 todo o pessoal foi dispensado para poder assistir ao encontro e apoiar a equipa. Durante o encontro, boinas verdes e boinas negras apoiaram ruidosamente as suas equipas. Súbito, começaram os incidentes e cerca de 400 militares envolveram-se num corpo a corpo incontrolável, derrubaram-se as portas do recinto, a luta generalizou-se pelas ruas da cidade, tudo à cinturada, murro e pontapé. Parecia que os fuzileiros batiam em retirada quando de um prédio em construção saíram seis fuzileiros armados de G3 e de granadas de mão, começando a disparar indiscriminadamente. Dois pára-quedistas ficaram ali mortos. Para Lisboa transmitiu-se às famílias que tinham morrido num acidente com armas de fogo.

Carmo Vicente denuncia constantemente uma cadeia de comando autoritária, chefes incompetentes, cruéis, construtores de operações insensatas. Fala da crueldade e exemplifica com o soldado Queirós, um jovem que embruteceu em pleno teatro de combate. Tinham regressado exaustos da região da Coboiana, uma operação mal sucedida graças à resistência dos homens de Nino. Mal chegados, recebem ordens para voltar a sair. Foi uma duríssima progressão pela mata até chegar a uma tabanca, o dia começava a clarear. O capitão ordenou o assalto fulminante. A ordem era prender toda a gente e disparar sobre quem tentasse fugir. Acabou tudo num pandemónio: a população fugia aterrorizada, os soldados descontrolaram-se, transformaram-se máquinas de matar, parece que só tinham retido no ouvido a ordem de matar quem tentasse fugir. É nisto que o soldado Queirós, apontador de morteiro 60 e utilizador de uma pistola Walther começou a disparar sobre os fugitivos. Um ferido, deitado no chão, parecia pedir clemência, Queirós, abateu-o a frio. Interpelado por Carmo Vicente, Queirós respondeu que nada fizera de mal, era só uma experiência para ver se as balas da pistola furavam um gajo de lado a lado…

E assim chegamos a Gadamael Porto. Vejamos como ele descreve os acontecimentos:

“Quando em Abril de 1973 cheguei a Gadamael, integrado na companhia de caçadores pára-quedistas nº 122 toda a população tinha fugido para o mato, no quartel haviam ficado apenas os militares que constituíam a força ali destacada. Ali passámos os quarenta mais longos dias das nossas vidas. A minha companhia tinha regressado de uma missão de combate que durara três meses. Em Caboxanque e Cadique tínhamos sofrido alguns mortos e feridos enquanto fazíamos a protecção dos trabalhadores que construíam a nova estrada asfaltada entre Cadique e Jemberém. Uma distância de pouco mais de trezes quilómetros que nos ficou à razão por um morto por quilómetro. Encontrávamo-nos terrivelmente cansados, depois daqueles três meses de mato e esperávamos descansar. Porém, não era o que pensava o nosso comandante de batalhão. Ele tinha passado os últimos três meses em Bissau e Cufar, fazendo a guerra com umas cervejas frescas na frente, bebendo à medida que ia estudando os mapas… não vale a pena perder tempo a demonstrar a estupidez militarista deste homem. Não era o único, havia-os ainda piores do que ele. Existiram na guerra colonial centenas de comandantes iguais que se guindaram à custa do sangue, do suor e das lágrimas dos homens que comandavam… O comandante do BCP 12 tinha oferecido os pára-quedistas a Spínola, talvez na mira de apanhar mais algumas armas, mesmo que para isso tivesse que sacrificar a vida dos homens que comandava”. Depois do trajecto entre Bissau e Cacine, feito de noite, com todas as luzes apagadas, ainda longe do objectivo, ouvia-se nitidamente o bombardeamento a que Gadamael estava a ser sujeito, graças às armas pesadas do PAIGC. É assim que Carmo Vicente apresenta a situação: todo o quartel e aldeamento estavam praticamente destruídos, apenas um ou dois edifícios ainda se mantinha teimosamente de pé. Os bombardeamentos continuavam, toda a gente nas valas. Encolhidos dentro das valas, os militares procuravam não deixar nenhuma parcela do corpo à vista. Os vários feridos graves eram evacuados para Cacine em botes de borracha ou sintex. Competia também aos páras fazer alguns patrulhamentos à volta do quartel, e foi num desses patrulhamentos que a menos de 200 metros do arame farpado a unidade do Carmo Vicente sofreu uma grande emboscada, cerca de 45 minutos de um dilúvio de metralha. O rescaldo foi 18 feridos graves. Noutras circunstâncias, houve que apoiar forças do Exército que estavam a ser emboscadas. Ele conta que houve um caso em que saíram das valas para ajudar um pelotão que tinha sido atacado e encontraram três soldados e um alferes com os rostos parcialmente desfeitos por rajadas disparadas à queima-roupa. Carregaram os mortos às costas e é nisto que começou o novo bombardeamento e o soldado pára, de nome Costa, que carregava o cadáver do alferes, atirou-se para o chão, tendo ficado embrulhado num morto que o cobriu de sangue. Quando viu aquelas pastas de sangue coagulado, perdeu as estribeiras, parecia enlouquecido e teve de ser evacuado. Descreve que o estado de espírito das tropas era de tal maneira baixo que quando apareceram os botes com os fuzileiros para evacuar os mortos foram literalmente assaltados por uma avalanche de fugitivos que queriam sair daquele inferno. Surgiram indícios de motim. Por exemplo, o alferes Danif recusou-se a ir para o mato declarando sem rodeios que não estava disposto a deixar-se matar inutilmente. Fala também no alferes Coutinho Pereira que também partiu para Bissau, desertando-o do comando do seu pelotão.

Foi em Gadamael, diz Carmo Vicente, que tomou consciência que jamais se poderia vencer a guerrilha do PAIGC: “não me desviarei da verdade se afirmar que em Gadamael o PAIGC travou a batalha decisiva na sua luta pela independência, que quer tivesse havido, ou não, o 25 de Abril, teria conduzido o povo da Guiné a uma rápida vitória. Em Gadamael tombaram para sempre quase 50 irmãos nossos que não queriam combater e que abominavam a guerra. Quase 50 homens que, se o pudessem ter feito, teriam gritado antes de morrer: entreguem a Guiné aos Guineenses!”

São relatos sofridos, onde não se esconde o ressentimento, são libelos acusatórios, filípicas e catilinárias dirigidas a comandantes e outros, são memórias em carne viva pelo sofrimento dos camaradas e até da população inocente. Há, no entanto, que questionar se o autor mediu as consequências de tanta acusação e tanto despeito, depois do que se escreveu e já não se pode voltar atrás.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de março de 2010 > Guiné 63/74 - P5924: Notas de leitura (72): Lugar de Massacre, de José Martins Garcia (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5929: Estórias avulsas (76): Como reencontrei um camarada ao fim de 15 anos (Mário Migueis)

1. Mensagem de Mário Migueis da Silva* (ex-Fur Mil de Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 2 de Março de 2010:

Caro Vinhal:
Na sexta passada, estive, uma vez mais, de visita a um ex-camarada da CCAÇ 2701 - Saltinho 70/72 -, que a doença tem perseguido ferozmente nesta fase da sua vida (após uma delicadíssima operação cirúrgica ao coração há cerca de dois anos, acabou de ser operado, in extremis, a um aneurisma na aorta). Chama-se Rui Coelho, é natural de Ermesinde e funcionário da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Dada a minha Especialidade (Informações, lembras-te?...), lidei directamente com o Rui (Cripto), do qual tenho as melhores recordações de amizade e camaradagem.
[...]
Um grande abraço do amigo
Mário Migueis


Como reencontrei Rui Coelho ao fim de 15 anos

Agosto de 1986
Os meus dois filhos, um com sete, outro com cinco anos de idade, não desistem de me pressionar para a realização urgente de um acampamento com os quatro primos sensivelmente da sua idade, dois deles residentes em Lamego, mas de férias na minha casa, em Esposende.

“Esta agora,… e para onde é que eu vou com esta malta toda? Não posso ir para longe, porque os pais ficam preocupados; não posso ficar muito isolado, porque preciso de ter tudo, ou quase tudo, à mão…”

Pensa daqui, pensa dali, ainda experimentei sugerir o quintal da minha casa, mas levei logo um rotundo “bââaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!”. Então, de repente, tive uma ideia luminosa: o “Camping” da Prelada, no Porto!...

“É isso mesmo, é o parque que preenche todos os requisitos e mais alguns para a finalidade em vista.”

Só lhe conhecia a fachada, virada para a Rua Monte dos Burgos, uma das mais movimentadas da invicta cidade, mas sabia, pelos roteiros, que era, então, um dos melhores “campings" do país, a funcionar num grande e frondoso parque com pequenos lagos, um dos quais com um castelo e patos, cisnes e muito mais. Enfim, cenário para as aventuras que todos desejávamos. Para além do mais, tinha resolvido o problema da noite, após o jantar, que me preocupava sobremaneira, porque imaginava os putos sem sono e desorientados, sem saberem o que fazer até à hora da deita.

“Tinha resolvido o problema como?!...”

Ora, iríamos era comer à Feira Popular, que tinha lugar, ali a dois passos, no Palácio de Cristal e, com todas aquelas diversões ali à mão de semear, ia ser divertidíssimo para os campistas, que haveriam de regressar ao parque arrasados e a cair para o lado com a soneira.

Pois bem, no dia seguinte, por volta das cinco de uma tarde cheia de sol, lá demos entrada no Parque da Prelada, para uma estada provável de dois dias. De saco às costas e aos pinotes de ansiedade, pareciam pequenos pára-quedistas prontos a lançarem-se num espaço fantástico de novas aventuras - nisso era especialista o sétimo puto, então com trinta e tal anitos de idade.

Estava a malta a montar as três tendas, os mais velhinhos – eu, incluído – ensinando os outros a espetar as estacas e a esticar as espias, quando se ouviu uma voz grossa e supostamente irada atrás de nós:

“Que pouca vergonha vem a ser esta?!!...”.

Volto-me, curioso, para identificar o brincalhão e acabo à gargalhada, abraçado ao intruso, por entre aquelas exclamações próprias de quem já se não vê há séculos.

Era, nem mais nem menos, o Rui Coelho, um dos dois 1.ºs Cabos Op. Criptos da CCAÇ 2701, com a qual estive, no Saltinho, de Março/71 a Março/72, altura em que foi rendida pela CCAÇ 3490, do nosso camarada António Batista, “ sócio honorário” da Tabanca de Matosinhos.

Eu e o Rui já não nos víamos desde a altura do seu regresso à metrópole - tinham decorrido apenas cerca de quinze anos -, pela simples razão de que eu ficara ainda pelo Saltinho a amargar mais uns oito mesitos, facto que me fez perder o seu rasto. Deixámos os putos entretidos com a montagem das tendas e fomos até ao bar do parque matar saudades, enquanto degustávamos um bom vinho do Porto, oferecido pelo amável director do “camping”, que era, afinal, ele mesmo, o Rui Coelho.

Ainda hoje fico a pensar na coincidência tão curiosa da minha escolha de um parque que eu não conhecia, a uma distância da minha casa – apenas cerca de 40 kms – que ditariam como altamente improvável a sua escolha para o que quer que fosse, e as circunstâncias em que tudo tinha ocorrido. Contou o Rui que tinha acabado de chegar e, como era habitual, fora dar uma vista de olhos ao livro de entradas no parque, tendo-lhe chamado a atenção um nome – o meu -, que, pesem embora os anos volvidos, ainda lhe era familiar.

A partir daquele memorável “Acampamento dos Sete Putos”, eu e o Rui passámos a rever-nos com alguma frequência, inclusivamente nos convívios anuais, que entretanto a Companhia CCAÇ 2701 passou a realizar.

Ontem mesmo, fui visitá-lo. Só que, desta feita, ao Hospital da Prelada, onde está internado desde Outubro passado. Fora sujeito a uma intervenção cirúrgica de urgência a um aneurisma na aorta, tendo vencido, à rasquinha, mais um dos combates com que a vida o tem confrontado. Acabou de dispensar a cadeira de rodas e já se encontra em plena fase de reabilitação física. A nossa conversa decorreu num dos ginásios daquela casa de saúde, enquanto o Rui se familiarizava de mansinho com os exercícios que lhe vão devolver toda aquela energia que sempre o caracterizou. É que o Rui, para além do trabalho de gabinete – criptografia - , dado, nos mais dos casos, à criação de proeminentes barriguinhas e flacidez muscular , era um excelente desportista, tendo feito parte da equipa de futebol de 6 “Os Infernais”, que era apenas a campeã da CCAÇ, tendo vencido o último campeonato sem empates nem derrotas. Mas, para além de um camarada inteligente, responsável e grande atleta, o Rui Coelho era um tipo muito valente. Baixo e entroncado, ninguém lhe metia medo, fosse alto e espadaúdo, fosse azul ou amarelo - ”era do norte, canudo!... “ Recordo-me muito bem, por exemplo, de uma vez em que me obrigou a meter “uma cunha” ao capitão para que este o autorizasse a participar numa operação, em que as hipóteses de contacto com o IN eram mais que muitas. O Rui foi, sobreviveu e pediu mais. Já agora, uma nota curiosa: o Rui tinha um fraquinho pelo nosso morteiro 10.7, fazendo, voluntariamente, equipa com o grandalhão do Furriel Bernardes, especialista de Armas Pesadas.

"Os Infernais" - Campeões Absolutíssimos de Futebol de 6/SEIS da CCAÇ 2701 - Saltinho 70/72.
De pé, da esquerda para a direita: Mário Migueis, Duarte (Fur Pel Caç Nat 53), Rui Coelho, Sargaço (Cripto) e Simão (Escriturário, já falecido); em baixo, mesma ordem, Remígio, Cruz (Transmissões) e Amadeu


Por pequenas/grandes coisas como as referidas, associadas ao facto de trabalharmos juntos diariamente no gabinete de Comando - que acolhia igualmente o Serviço de Informações e, numa saleta contígua, o Centro de Criptografia -, o Rui Coelho era dos meus camaradas mais considerados e amigos. Fez também parte do quarteto da Redacção/Edição/Distribuição do jornal da unidade – o conceituado e independente “Saltitão”, de que hei-de falar a seu tempo – e acompanhou-me, assim como ao outro 1.º Cabo Op. Cripto (Zé Sargaço) e ao Furriel TRMS (Faria), em montes de iniciativas e brincadeiras, tais como entrevistas feitas e gravadas nos postos de sentinela durante as noites de Natal e Ano Novo.

Para ele, os meus votos de um restabelecimento total e com a velocidade de uma “zulu”.

Esposende, 26 de Fevereiro de 2010
Mário Migueis

PS: Como o Rui, alegando já não ter paciência para "as internetes", declinou o meu convite para a nossa tertúlia, cravei-lhe uma cópia das fotos do seu album de combatente para eventual publicação no blogue.
Em anexo, seguem alguns exemplares com a respectiva legenda."
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5733: História de vida (17): António Marques, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), um sobrevivente nato (Mário Miguéis / Luís Graça)

Vd. último poste da série de 16 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5822: Estórias avulsas (75): Do Cumeré a Canquelifá (João Adelino Aves Miranda, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/73)

Guiné 63/74 - P5928: Memória dos lugares (73): Bissau, cidadezinha colonial (Parte I) (Agostinho Gaspar / Luís Graça)



Guiné > Bissau > s/d  > "Monumento ao Esforço da Raça. Praça do Império"... Bilhete postal, nº 109, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")






Guiné > Bissau > s/d  > "Av Carvalho Viegas"... Bilhete postal, nº 129, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")





Guiné > Bissau > s/d  > "Praça Honório Barreto e Hotel Portugal"... Bilhete postal, nº 130, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")






Guiné > Bissau > s/d > "Aspecto parcial e Câmara Municipal"... Bilhete postal, nº 133, Edição "Foto Serra" (Colecção Guiné Portuguesa")




Guiné > Bissau > s/d > "Vista parcial e Ilhéu do Rei"... Bilhete postal, nº 117, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalizações: Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).


1. Comentártio de L.G.: Quem de nós não mandou à família e amigos um postalinho da Bissau colonial dos anos 60 ? (*) Escrito à pressa, tranquilizador... Nós por cá todos bem, como podem ver isto até é bonito, e  calmo, e limpinho, há gente a passear nas ruas e avenidas novas...

Quem de nós não passou uns dias, desenfiado em Bissau, longe do Vietname, ou simplesmente em trânsito, e portanto quem não reconhece estes lugares ? (**) Muitos dos nossos camaradas que não se podiam dar ao luxo de vir à Metrópole no gozo da licença de férias, escolheram Bissau como a solução menos dispendiosa...É certo que não havia muito para fazer e para ver em Bissau, mas sempre se saía dos Bura..kos em que vivíamos, no sul, no leste, no centro...

A colecção de postais ilustrados "Guiné Portuguesa", editada pela Foto Serra (C.P. 239, Bissau), era provavelmente a mais conhecida e a de melhor qualidade fotográfica... Muitos destes postais (a colecção conmpleta deverá ter deverá ter perto de 2 centenas) eram impressos em Portugal, na Imprimarte -  Publicações e Artes Gráficas, SARL...

Em boa hora, o Agostinho Gaspar (***) conservou e fez-nos chegar, a título de empréstimo, a sua colecção de cerca de 90 postais ilustrados (alguns a preto e barco) sobre a Guiné que conhecemos... Escolhemos alguns menos conhecidos... Peço aos  amigos e camaradas da Guiné, que conheceram a Bissau desta época,  que façam os comentários e observações. E quem conhece a Bissau de hoje, que faça o favor de actualizar o roteiro: por exemplo, como se chama hoje, a Praça Honório Barreto ? Ou a Av Carvalho Viegas (que eu não sei quem foi) ?

É também um pequena prenda que damos aos nossos leitores, nas vésperas de atingirmos o milhão e meio de páginas visitadas e um Giga de imagens no Picasa Web Albuns (Lá vamos ter que comprar mais espaço aos donos do Google!)...

Sobre Bissau do anos 50, vd, ainda os postes do nosso amigo e camarada Mário Dias (****).
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Notas de L.G.:

(*) Sobre Bissau temos, só na II Série do nosso blogue, cerca de 180 referências (marcadores / descritores)

(**) 14 de Novembro de 2007 >  Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

(...) À noite, entretanto, c’est le vide: os únicos noctívagos ainda são aqueles que vêm do mato e que sofrem da fobia do arame farpado: é vê-los até às tantas da madrugada, à mesa das esplanadas, empanturrando-se de ostras e de cervejas e contando histórias do mato. Mas em vão o guerreiro, em cura de repouso, busca outra atmosfera em que o oxigénio não esteja carregado das toxinas da angústia e da lassidão… A menos que, no dia seguinte, tenha passagem marcada para a Metrópole… Ele vem da guerra e para a guerra há-de voltar, de avião ou de barco, já que não há praticamente ligações terrestres de Bissau para o resto da Guiné. De qualquer modo, os que vêm do Vietname, ainda são as espécies mais curiosas da fauna humana que vagueia por esta capital-fantasma.

De facto, aqui desaguam todos os rios humanos da Guiné: a carne que já foi do canhão e agora é do bisturi (ou dos vermes, em caixões de chumbo, discretamente empilhados, à espera que o Niassa ou o Uíge ou o Alfredo da Silva os levem nos seus porões nauseabundos); os desenfiados, como eu, todos os que procuram safar-se do inferno verde, quanto mais não seja por uns dias ou até umas breves horas, que o tempo aqui conta-se, de cronómetro na mão, até à fracção de segundo; os prisioneiros de guerra, esfarrapados, andrajosos, a caminho da Ilha das Galinhas; as populações do interior desalojadas pela guerra; os jovens recrutados para a nova força africana; enfim, os criminosos de guerra como o capitão P. que está aqui detido no Depósito Geral de Adidos à espera de julgamento em tribunal militar – suponho eu -, juntamente com um furriel miliciano da sua companhia. Ambos estão implicados em vários casos, muito falados, de violação e assassínio a sangue frio de bajudas, além da tortura e liquidação de suspeitos (..)


(***) Vd. poste de 7 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5898: Tabanca Grande (206): Agostinho Gaspar, de Alqueidão, Boavista, Leiria, ex-1-º Cabo Mec Auto, 3ª C/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74)


(****) Vd.postes de:

9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXII: Memórias do antigamente (Mário Dias) (1): Um cabaço de leite

19 de Fevereirod e 2006 > Guiné 63/74 - LDXVI: Memórias do antigamente (Mário Dias) (2): Uma serenata ao Governador

15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau

Guiné 63/74 - P5927: Ser solidário (60): Petição: Senhores da Europa, mantenham o vosso apoio aos nossos amigos da Guiné-Bissau!

Página de rosto do sítio da OXFAM Novib ,[ versão em espanhol,] uma importante ONG holandesa que anunciou recentemente  a sua retirada da Guiné-Bissau, depois de longos anos de trabalho no terreno.


1. Três prestigiadas ONG [, Organizações Não-Governamentais], uma de Portugal, outra do Canadá e outra ainda da Bélgica, históricos cooperantes na Guiné-Bissau,  lançaram uma petição pública, em linha [pela Internet], aos (i) Ministros dos Negócios Estrangeiros Europeus, e aos (ii) dirigentes das ONG europeias, mostrando a sua inquietação face à mudança de estratégia de países como a Holanda  no domínio da cooperação com a Guiné-Bissau, e mais concretamente ao anúncio da retirada, deste país lusófono,  de importantes ONG como a OXFAM NOVIB.

Aqueles de nós que concordarem com o conteúdo da petição, poderão assiná-la, bastando para o efeito deixar os seguintes elementos de identificação:  Nome (obrigatório) / Endereço de email (obrigatório) / Nº do BI (facultativo) /  Comentário (facultativo) / Organização (facultativo).
 
 Eu, Luís Graça,  assinei (nº 631).


 Keep on supporting Guinea-Bissau
 
View Current Signatures   -   Sign the Petition


To:  European governments, European NGOs, Donors
(Versão em Português a seguir) (*)

Petition by the organizations CIDAC (Portugal), INTERPARES (Canada) and Solidarité Socialiste (Belgium)

To the European Foreign Affairs Ministers
To the leaders of European NGOs

From the conquering and recognition of its independence in 1974, Guinea-Bissau has suffered political instability and demonstrated very little capacity to assure a minimum level of basic needs satisfaction for its 1,5 million inhabitants. Facing growing predatory exploitation of its natural resources, with environmental and social risks caused by mining operations without proper legislation and the State's inability to assume its regulator and referee role, along with recent waves of political unexplained murders, the country has additionally found itself tangled in the narcotraffic web over the last 4 years. Guinea-Bissau is part of a region where the sum of the instabilities represents a real risk to all Western Africa.

Within this volatile context, Non-Governmental Organizations from Guinea-Bissau have played a fundamental role in maintaining minimum stability though their civic action, and systematically providing a number of basic services to the populations in the areas of health, education, agriculture, economy and environment... trough their interventions both in urban and rural areas. Following the legislative and presidential elections that took place in 2008 and 2009, witch have reestablished constitutional law in the country, Guinean Civil Society Organizations will additionally play a crucial part in ingraining the ideas of democracy, social justice, fight against poverty and for the environment, alongside with a government that remains fragile and with little means to reach out to all the population and territory.

Facing this scenario and in a moment where the necessity for continuous support to Guinean Civil Society Organizations seems so obvious as well as a precondition for building and consolidating a true culture of peace in Guinea-Bissau, it is with unease we hear of the departure of long time allies of Guinean NGOs, especially in the cases of the withdrawal announcements made by historical partners such as OXFAM NOVIB, in the context of drastic changes in the Dutch cooperation policy framework.

To allege lack of visible results in contrast with the effort and investments made by European States and NGOs in Guinea-Bissau, as well as being far from the truth, is a fundamental strategic error. Development is a long term process and attaining social justice is only possible though ties of solidarity which in turn need time to mature and become fruitful.

The undersigned organizations and individuals support this petition and reiterate the necessity of
- donors
- European Governments and
- European NGOs

not to give in to current trends of aid concentration that very clearly contribute to further marginalizing countries such as Guinea-Bissau, and to reconsider their relationship with Guinea-Bissau, making funds available and weaving long term alliances and solidarity ties with Guinean CSO, thus assuring that CSO can continue to fulfill their vital role in the country's development.

(*) Versão portuguesa

Mantenham o apoio à Guiné-Bissau!

Petição submetida pelas organizações CIDAC (Portugal), INTERPARES (Canada) e Solidarité Socialiste (Belgique)

Aos Ministros dos Negócios Estrangeiros Europeus,
Aos dirigentes das ONG europeias,


Desde a conquista e reconhecimento da sua independência em 1974, a Guiné-Bissau tem padecido de instabilidade política e demonstrado pouca capacidade em assegurar um nível mínimo de satisfação das necessidades básicas para os seus cerca de 1,5 milhões de habitantes. Confrontada com uma predação crescente dos seus recursos naturais, com riscos ambientais e sociais devidos à uma exploração mineira sem quadro legislativo apropriado e à incapacidade do Estado em assumir o seu papel de regulador e árbitro, com recentes ondas de assassinatos políticos inexplicados, o país encontrou-se também nestes últimos 4 anos preso nas malhas do narcotráfico. A Guiné-Bissau inscreve-se numa região em que a soma das instabilidades representa um risco real para toda a África Ocidental.


Neste contexto bastante volátil, as Organizações Não Governamentais [ONG] da Guiné-Bissau têm tido um papel fundamental na manutenção de uma estabilidade mínima através da sua acção cívica, e na permanência de um leque de serviços de base para as populações nas áreas da saúde, educação, agricultura, economia, ambiente... através das suas intervenções tanto em zonas rurais como urbanas. Na sequência dos processos eleitorais legislativo e presidencial decorridos em 2008 e 2009, que repuseram a ordem constitucional no país, as organizações da Sociedade Civil Guineense terão ainda um papel crucial a desempenhar em favor do enraizamento da democracia, da justiça social, da luta contra a pobreza e pelo meio-ambiente, ao lado de um Estado que continua frágil e com poucos meios para chegar ao conjunto da sua população e do seu território.


Perante um cenário e num momento em que a necessidade de continuidade e de reforço do apoio às Organizações da Sociedade Civil [, OSC,] guineenses parecem uma evidência e uma condição imprescindível para a construção e consolidação de uma verdadeira cultura de paz na Guiné-Bissau, assistimos, inquietos, a anúncios da saída de aliados das ONG guineenses, sendo de destacar o anuncio da retirada de parceiros históricos como é o caso da OXFAM NOVIB, na sequência de alterações drásticas do quadro de cooperação holandês. Alegar a falta de resultados visíveis perante os esforços e investimentos levados a cabo pelos Estados e ONG europeus na Guiné-Bissau é, além de uma contra verdade, um erro estratégico fundamental. O desenvolvimento é um processo de longo prazo e o alcance da justiça social só é possível através de laços de solidariedade que também precisam de tempo para amadurecer e dar frutos.


Os abaixo-assinados, organizações e pessoas singulares, apoiam esta petição, e reiteram a necessidade,


dos doadores,
dos governos europeus,
das ONG europeias,


não cederem às tendências de concentração da ajuda que de maneira muito clara marginalizam ainda mais países como a Guiné-Bissau e reconsiderarem a sua relação com a Guiné-Bissau, disponibilizando fundos e mantendo ou tecendo alianças e laços de solidariedade de longo prazo com as OSC guineenses, garantindo assim que estas podem continuar a desempenhar o seu papel vital em favor do desenvolvimento do país.
[ Fixação / revisão de texto / título: L.G.]

Guiné 63/74 - P5926: O Nosso Livro de Visitas (84): A minha Homenagem pessoal ao Humberto Duarte (Carlos Coutinho, ex-Combatente em Angola)



1. O nosso Camarada-de-Armas Carlos Coutinho, que cumpriu a sua comissão militar em Angola e foi grande amigo pessoal do nosso falecido Camarada Humberto Duarte, enviou-nos a seguinte mensagem, pretendendo assim prestar-lhe a sua homenagem:

HUMBERTO CARNEIRO FERNANDES DUARTE

O último combate do Sargento-Mór Op. Esp./RANGER Humberto Carneiro Fernandes Duarte, que serviu como Furriel Miliciano na CCS do Bat Caç 4514/72, no Catanhez - Guiné - 1973/74

Conheci o meu amigo e camarada há uns anos largos num jantar de confraternização promovido pela A.O.E., ali prós lados de Rio de Mouro, para o qual tinha sido convidado.

A certa altura, entabulei conversa com o Humberto e apercebemo-nos que haviam lugares comuns no nosso passado - ele tinha sido aluno do LAFOS, eu do PILAO -, e ambos arranhamos em tropas "esquisitas", bem como ambos andamos um bocado fora da mãe etc., etc.

Tendo ficado para o fim do jantar "cravaram-me" para levar o Humberto a casa, mas ele assim que entrou no carro adormeceu, ressonando que nem um leão, e, pior, não me respondia a nada, pelo que tive que abrir o vidro todo do carro. Estavamos em Dezembro e pus-lhe a "carola" de fora da janela do carro a apanhar vento, para ver se ele recuperava um pouco.

Começou então o festival:

- Oh mano, onde é que tu moras?

Resposta:

- Em frente... à esquerda.

E eu lá ia para a esquerda.

- E agora pra onde?

- Em frente... à direita...

E eu lá ia, em frente e à direita, mas não muito convencido pois ele nem os olhos abria, como é que ele havia de saber onde estava?

Bom, após umas tantas esquerdas e outras tantas direitas, decidi sair da IC 19 e passei pra Nacional. Entrei nos bairros da zona, depois numa estrada de terra batida, e, por fim, numa picada pelo meio de um pinhal, ali prós lados de Sintra.

E o meu amigo continuava a dizer:

- Em frente... à esquerda... em frente... à direita...

Eu comecei a ficar f.d.do, voltei á IC 19, e, não querendo mexer-lhe na carteira, pois se o "muadié" acordava ainda me pregava um par de bananos, a pensar que ainda estava lá pelo meio das bolanhas, tive que insistir com ele. No meio daquele breu-breu-breu, percebi uma palavra: RINCHOA. Pensei: "Ah até que enfim algo de concreto."

Enfiei direito à Rinchoa, passei por debaixo da linha do comboio e vi uma placa a dizer GNR.

"Tou safo - pensei -, alguém desta Guarda tem de conhecer este "sócio".

Parei o meu pópó à porta do posto, e aqui, começou a segunda parte deste filme.

Entrei, apresentei-me dizendo ao que ia, e, Alelulia, um dos guardas que estava à civil reconheceu o Humberto. Como o homem tinha uns papéis para tratar, pediu-me para esperar, pelo que, sentamos o amigo Humberto num dos bancos da saleta de entrada (do tipo jardim em ripas bem envernizadas).

O nosso amigo recostou-se e larga a ressonar, enquanto eu fiquei, como devem entender, na palheta com a rapaziada, por sinal todos eles jovens, e, interessados em ouvir o que já tinha passado para ali chegar.

Eu nunca tinha posto os meus "mokotós" para aquelas bandas, nem me sabia sequer orientar bem.

Nisto o amigo Humberto inclina-se para a frente até ficar com o tronco na vertical, mas, não a manteve, e, num movimento digamos uniformemente acelarado para a frente, descendente, prega uma marrada completamente desamparado, numa mesa de vidro que estava em frente ao dito banco, não me dando tempo de o segurar pela gola do casaco.

Só não rachou a tola toda nos vidros, porque havia uma série de revistas e jornais sobre amesa que evitaram que ele cortasse a cara toda. Curiosamente com o choque ele fez ricochete e voltou a recostar-se às costas do banco sem dar por nada.

Escusado será dizer que a dita mesa ficou feita em pedaços com a mocada que ele lhe pregou.

Então, foi ver o GNR conhecido dele a varrer os cacos, e, eu, é claro, tive que me "oferecer" para "chegar á frente" com as despesas, mas, diga-se em abono da verdade, o Sargento do posto (do qual não me recordo do nome infelizmente), no dia a seguir, quando lá voltei para tratar do assunto, fartou-se de rir e não quiz receber nada pelos estragos.

Chegado a casa dele entrei a "matar", um salamaleque à antiga portuguesa dedicado à esposa, e:

- Oh minha Senhora por quem é... não leve a mal... sabe como é a emoção de encontrar camaradas da tropa.

Diz-me o Leitão (o tal amigo da GNR):

- Oh camarada, não há problema esta é das nossas.

Foi assim que conheci tanto o meu amigo Humberto como a esposa, Senhora Dona Ana Mittermeyer, que tem sido, como sempre foi, desde os tempos de Moçambique (onde nasceu), uma Mulher de Armas.

Muitas outras cégadas tivemos, umas mais "contáveis" (se assim se pode dizer, que outras), mas todas elas terminaram bem e com um sentido de camaradagem elevado.

Só contra a "matacanha" no pâncreas o não pude ajudar.

Despeço-me dele, tendo a certeza que o Humberto estará numa mesa, com um jarrinho de branco à frente à minha espera, lá em cima.

Lamento camarada, não poder estar contigo na hora final porque estou na Argélia, mas virarei hoje uma garrafa de JB, e cantarei todas as velhas canções de marcha da velha Legião (que tu tantas vezes já me aturaste).

Até um dia destes camarada!

DANS LA BOUE, DANS LE SABLE BRULENT,
MARCHON L´AME LEGERE ET LE COUER VAILLANT
MARCHON CAMARADE

Carlos Coutinho
(ex-Combatente em Angola)
__________
Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

25 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5884: O Nosso Livro de Visitas (83): José Henriques, ex-Fur Mil da CART 2340

quarta-feira, 3 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5925: In Memoriam (37): Missa do 7º Dia pelo Humberto Duarte, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER do BCAÇ 4514, Cantanhez - 1973/74


1. A esposa (Ana Duarte) do nosso Camarada Humberto Carneiro Fernandes Duarte, que foi Fur Mil Op Esp / RANGER do BCAÇ 4514, Cantanhez -1973/74, falecido no passado dia 28 de Fevereiro, pediu-nos para comunicar o seguinte:
A todos os Camaradas e Amigos do Humberto, que puderem estar presentes, que a Missa do 7 º Dia pela paz e repouso da sua alma se vai realizar no próximo dia 6 (Sábado) de Março, no Quartel da Carregueira, pelas 11 horas da manhã.

Durante a missa, cumprindo um dos últimos desejos do Humberto, será efectuado o toque do silêncio.

Com os melhores cumprimentos Amigos a todos.

__________
Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

1 de Março de 2010 >
Guiné 63/74 - P5916: In Memoriam (36): Falecimento do Humberto Carneiro Fernandes Duarte, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER do BCAÇ 4514, Cantanhez - 1973/74 (