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quarta-feira, 17 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6005: Convívios (204): Encontro do Pessoal do BCAÇ 2885, ocorrido dia 6 de Março de 2010, na Batalha (Jorge Picado)

1. Mensagem de Jorge Picado* (ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 10 de Março de 2010:

Caro amigo Carlos
Aqui te envio uma pequena nota sobre o Convívio do BCaç 2885** que teve lugar no passado sábado.
[...]

Jorge Picado


15.º CONVÍVIO DO BATALHÃO DE CAÇADORES 2885

Realizou-se no passado sábado, 06MAR10, no Restaurante “Aldeia de St.º Antão”, sito em Santo Antão – Batalha, o almoço convívio, como foi anunciado na Tabanca Grande, do pessoal ainda vivo e “resistente” do BCaç 2885 que, “passou férias à custa do estado em que nos encontrávamos”, em MANSOA e arredores, bonitas estâncias balneares da Guiné, de 13MAI69 a 25FEV71.

Este foi o 15.º Convívio e além de muitos familiares que acompanharam os seus Heróis, esteve presente um membro da Liga dos Combatentes, creio que Oficial do Exército na reforma e da Delegação de Leiria, convidado pelos organizadores da efeméride, alguns deles também pertencendo à Liga.
O representante da Liga veio juntamente com o ex-Cap Inf Campos Sarmento, actualmente na reforma não sei com que patente, que foi Cmdt da CCaç 2588 e de que tenho muitas dúvidas se ainda o cheguei a conhecer na Guiné. É que, além dessa CCaç estar sediada em Jugudul, cerca de meia dúzia de quilómetros a Sul de Mansoa, ele também “voou” para Bissau, só não sabendo se o fez antes de eu chegar a Mansoa em 24FEV70.

Foram mais umas horas para matar saudades de tempos passados, reencontrar camaradas com quem tínhamos estado no encontro do ano passado, mas voltar a ver ao fim de 39 anos outros que só agora pessoalmente voltei a encontrar, como foi o caso do Luís Nabais, Tertuliano mas que não aparece nos almoços anuais da Tabanca Grande, ex-Alf Mil SAM da CCS, do ex-Alf Mil Mec, igualmente da CCS, Jorge Moisir Pires e também o ex-Alf Mil OE da CCaç 2588, de quem tinha uma vaga ideia, Adelino Fernandes Prata.

Relativamente à CCaç 2589 respondemos à chamada 35 elementos (33 em 2009) dos quais, pelo menos 7, não tinham comparecido no ano anterior. Sem qualquer menosprezo pelos restantes, já que não consigo identificá-los pelo nome, refiro o ex-Alf Mil OE José Martinez que substituiu o 1.º Cmdt até me ir “pescar” a Bissau e, que tinha encontrado esporadicamente nos finais da década 70 (?), mas sem praticamente falarmos, o ex-Fur Mil F. Dias Serralha com quem tinha estado no encontro de 2005 no Restaurante (do Simões de Mansoa) na Mealhada, o ex-Sold de Trms A. Mendes Pisco que foi um dos sobreviventes da Emboscada do Infandre e o ex-Sold Cornetim ou Clarim (já nem sei como era chamado) de que não identifico o nome. De notar que o ex-Fur Mil Cabrita, tal como no ano passado, trouxe novamente o “Bombardeiro”, Quessama Mante, que era um dos muitos miúdos que conviviam no Destacamento do Infandre.

Envio duas fotografias, únicas que possuo, pois quem tem de certeza muitas é o nosso Tertuliano César Dias que, sempre de máquina em punho, procurava registar e apanhar os vários grupos “conversadores” e em flagrante delito gastronómico.

Abraços para todos
Jorge Picado

Jorge Picado que tem à direita o ex-Fur Mil Cabrita (do Pelotão do ex-Alf Assude) e à esquerda o ex-Alf Mil OE da CCaç 2588 Prata (Bancário reformado e residente em Coimbra).

O grupo da CCaç 2589
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5838: Estórias de Jorge Picado (12): A minha passagem pelo CAOP 1 - Teixeira Pinto (VII): Colecta e roubo em Binhante

(**) Vd. poste de 4 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5934: Convívios (110): Pessoal do BCAÇ 2885, dia 6 de Março na Batalha (César Dias)

Vd. último poste da série de 13 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5992: Convívios (116): IV Encontro dos ex-combatentes da Guiné do concelho de Matosinhos, realizado no dia 6 de Março (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P6004: Freixo de Espada à Cinta: notícias do ex-Cap Mil Inf Sérgio Faria, engenheiro, residente em Matosinhos, 3ª C/BART 6522/72 (Ingoré e Sedengal, 1972/74) (Luís Graça)


Freixo de Espada à Cinta > Lápide evocativa do nascimento de Sarmento Rodrigues (Freixo de Espada à Cinta, 15 de Junho de 1899 / Lisboa, 1 de Agosto de 1979), oficial da Marinha de Guerra Portuguesa, político, africanista, homem de cultura, escritor... Foi Governador da Guiné, entre 1946 e 1949, e por muitos considerado o melhor dirigente da administração colonial que passou por aquele  território. Em 1950 integrou o Governo de António de Oliveira Salazar como Ministro das Colónias (a partir de 1951, Ministro do Ultramar). Nessas funções governativas levou a cabo  uma vasta reforma da administração colonial portuguesa, tendo visitado o Extremo Oriente, o Sueste Asiático e a África. Entre 1961 e 1964 foi governador-geral de Moçambique.

Tem uma extensa obra publicada sobre assuntos navais, de defesa e de administração colonial. Cite-se apenas algumas das suas publicações, relacionadas com a Guiné:  Os maometanos no futuro da Guiné Portuguesa (1948),  No governo da Guiné : discursos e afirmações (1949), Horizontes para um médico em África:  conferência pronunciada no Instituto de Medicina Tropical em 30/3/1950, A nossa Guiné (1972)...




Freixo de Espada à Cinta > Miradouro do Penedo Durão > O majestoso grifo planando sobre o Douro Internacional... Uma paisagem de cortar a respiração... e que, para mim,  passa a  figurar no top ten das Maravilhas Naturais de Portugal... Há no You Tube um belo vídeo sobre a "dança dos grifos" no Penedo Durão (Autor: Victor Araújo; duração: 5' 29'')

Fotos: © Luís Graça (2010). Direitos reservados


1. Texto do editor Luís Graça:

Meu caro Carlos [Vinhal]:

Como te tinha dito, fui este fim de semana fazer um passeio até ao nordeste transmontano... O pretexto eram as amendoeiras em flor. A viagem foi organizada pela Casa do Pessoal do IPP - Instituto Politécnico do Porto. Fui de propósito de Lisboa, a convite da minha cunhada Ana Carneiro Soares (Nitas), que é técnica superior, no Laboratório de Química do ISEP.

Fui até a um concelho que, para mim e para os demais mouros do sul, era sempre associado - injustamente - ao "cu de Judas", Freixo de Espada à Cinta,  e que eu lamentavelmente não conhecia (um dos poucos, de resto, aonde nunca tinha ido, nem de passagem)... Pois foi uma surpresa, pela positiva, a começar pela riqueza e diversidade do seu património natural e edificado. E, claro, as suas gentes... Mas disso falarei noutra altura...

O que é surpreendente é ir encontrar, num grupo de cerca de 40 pessoas (Trabalhadores e seus familiares dde diversas unidades orgânicas do Instituto Politécnico do Porto), nada mais do que 3 camaradas nossos, que fizeram a guerra colonial na Guiné, e, ainda por cima, naturais e/ou residentes em Matosinhos...

Tomei nota do nome de dois deles, com quem privei mais de perto, nesse fim d\e semana (sábado e domingo passados):

(i) o António Soares [, foto à direita,] natural de Ovar, mas residente em Matosinhos, casado com a Nina, bancário reformado do BES, ex-Fur Mil de um pelotão de artilharia (obus 14), que passou por Gadamael, Bafatá e Bissau (1969/71, portanto do meu tempo); 

(ii)  O Sérgio Faria, engenheiro mecânico, antigo docente do ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto, residente na Rua Ruy Belo, em Matosinhos... (Para quem quiser, tenho o telefone e o mail, que não vou aqui, por razões óbvias, divulgar; espero que o Sérgio um dia destes apareça aqui a contar a sua história e a entrar pela porta grande da nossa Tabanca).

Depois de acabar o curso de engenharia, aos 24 anos, o Sérgio foi mobilizado para a Guiné, onde comandou, como capitão miliciano, a unidade de quadrícula que esteve em Ingoré e Sedengal.  Fez a transferência de soberania para o PAIGC em 1974. Antes, o seu pessoal tinha sofrido uma emboscada com seis mortos, "mortos com tiro na nuca" (sic), pesdsoal que,  ao que parece, descontraída e irresponsavelmente ia de viatura para Bissau... desarmado ou sem escolta (Episódio sujeito a revalidação dos pormenores; não sei a data nem o local  da emboscada).

O Sérgio [,  foto à esquerda], que é um excelente conviva e um homem bem disposto e divertido,  reinadio, que gosta de dançar e cantar (faz parte do coro do IPP), adoraria voltar à Guiné, estando mesmo disposto a fazê-lo, desde que arranje companheiros de viagem ou garanta algum apoio logístico em Bissau e  no interior...

Profissional liberal, ainda está no activo, mas não tem constrangimentos de tempo nem problemas com colaboradores ou pessoal assalariado...Em suma, é livre de planear o seu tempo.

Contou-me como,  graças aos seus conhecimentos pessoais e profissionais no batalhão de engenharia (BENG), em Bissau (aonde ia, periodicamente, de avião...), conseguiu construir excelentes instalações para o seu pessoal, "passando por cima da hierarquia" (ou melhor, fazendo uma finta a um tenente coronel qualquer que lhe 'roubava' o material em trânsito, entre Bissau e Sedengal)...

Falei aos dois, ao António Soares e ao  Sérgio Faria, da Tabanca de Matosinhos, e dos convívios de 4ª feira... Também conheci o Alberto Sousa Guimarães, presidente da Casa de Pessoal do ISEP, engenheiro electrotécnico, antigo docente, vice-presidente do Conselho Directivo do ISEP [, foto à direita]. Antigo alferes miliciano, o Sousa Guimarães esteve em Bigene, em 1973, sendo contemporâneo dos acontecimentos de Guidaje...   Disse-me que tinha um parente, de nome Manuel-qualquer-coisa [, não se lembrava do apelido,] que ia agora à Guiné, e que faria parte da Tabanca de Matosinhos...

Falei-lhes, aos nossos três camaradas,  do nosso blogue. Prometerem dar uma vista de olhos...

Entretanto, explorando as nossas fontes de informação descobri que o Cap Mil Inf Sérgio Matos Marinho de Faria foi o comandante da 3ª Companhia do BART  6522/72, mobilizada pelo RAL 5. Partida para a Guiné em  7/12/1972 e regresso à Metrópole em 3/9/1974. Confirma-se que esteve em Ingoré e em Sedengal, na região do Cacheu, a leste de Farim. 

O BART 6522/72, comandado pelo  Ten Cor Art João Corte-Real de Araújo Pereira, esteve sedeado em Ingoré e em Bolama. As outras duas companhias do batalhão estiveram  no chão felupe: em S. Domingos (a 1ª, comandada pelo Cap Mil  Inf Artur António Pereira) e em Susana (a 2ª, comandada pelo Cap Mil Inf Raúl Manuel Bivar de Azevedo).

Guiné 63/74 - P6003: Parabéns a você (88): José Armando F. Almeida, ex-Fur Mil TRMS da CCS/BART 2917 (Editores)

Hoje, dia 17 de Março de 2010 está de parabéns o nosso camarada José Armando F. Almeida (ex-Fur Mil TRMS da CCS/BART 2917, que andou por terras de Bambadinca entre 1970 e 1972, e que em tempo de paz montou a CCS ali para os lados de Albergaria-a-Velha.

A Tabanca em peso vem desejar ao nosso camarada um dia cheio de alegria junto dos que lhe são mais próximos.

Que a sua vida seja longa, plena de saúde e boa disposição, sempre rodeado da sua família e amigos. Nós, à distância, vamos aplaudindo e renovando os nossos votos ano a ano.

Marcando desde já encontro para 2011, deixamos-lhe um enorme abraço.

Pela tertúlia
Os editores

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Notas de CV:

Para consultar publicações sobre o BART 2917 neste Blogue, clicar aqui ou no marcador/descritor respectivo.

Vd. último poste da série de 15 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5998: Parabéns a você (87): Uma salva de palmas, de homenagem, para o António Baptista, que faz hoje 60 anos, teve uma vida sofrida e conheceu o inferno na terra (Os Editores)

terça-feira, 16 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6002: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (4): Os apontamentos de Amílcar Cabral

1. Mensagem de Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69), com data de 10 de Março de 2010:

Caros Editores
Aí vão os textos, um publicado hoje, do que chamei ao correr da bolha.
Acabei por amputar um pouco.
Também penso parar um pouco.

Um abraço
Torcato


Ao Correr da Bolha - IV

O BLOCO-NOTAS de ABEL DJASSI

Ou

OS APONTAMENTOS de A. CABRAL


O P5878* de 24 de Fevereiro, versão II, a versão I estava incompleta, tem como tema um croqui e notas de Amílcar Cabral. Nele está praticamente tudo dito.
Escrevo somente por ter estado no Sector Leste – L1, por ao longo de três ou mais anos aqui no Blogue terem publicado textos meus e não achar despiciente acrescentar algo mais. Pouco contributo é certo, se comparado com doutas análises, não no blogue e menos neste Poste, mas produzidas noutros areópagos.

Voltando então ao croqui e às notas:
O documento de A. Cabral deve ser de Maio de 68. Este mês de Maio foi muito produtivo. Só que nessa data não haviam tropas – NT – em Samba Silate, Demba Taco ou Ponta do Inglês. Esta última foi desactivada em finais de 67 ou Janeiro de 68.Os últimos militares que lá estiveram pertenciam à CART 1746 (Xime) do BART 1904 (Bambadinca).
Quando da publicação já foram apontados alguns erros contidos no documento; quilometragens, dispositivo das NT no Sector 2 do PAIGC, correspondente a parte do nosso Sector L1. Contém o documento poucas informações. Certamente era um simples esquiço e breves notas, só que escrito pelo nº1 do PAIGC, A. Cabral.
O IN tinha mais e melhores informações e mesmo uma rede, relativamente bem montada, com elementos colaboradores nas principais tabancas e em todas as cidades ou núcleos populacionais onde estivessem aquarteladas as NT. Sabíamos e já disso aqui falámos. Tivemos confirmação por elementos In, caso do Malan Mané. Só com boas informações se pode atacar Mansambo como o fizeram em 28 de Junho de 68.
Mansambo era, com alguma frequência, visitado pelo IN. Eram vistos por detrás das árvores ou dos baga-baga, quais fiscais de obras públicas a anotarem a evolução da construção do “campo fortificado” nas palavras da propaganda deles. Haviam até cenas caricatas com uns tiritos, uma morteirada ou bazucada.

Quanto à nossa distribuição no terreno era, talvez devido à escassez de militares, deficiente. O dispositivo das NT estava – mesmo com o reforço da construção de Mansambo – só a servir de tampão ao avanço IN. Basta, convém ver, a Cartografia, excelente diga-se, das Cartas 1/50.000 do Xime, Fulacunda, Xitole e, noutra escala a carta da Província da Guiné.
Quando o aquartelamento de Mansambo estava em fase adiantada, na zona de comando, foi montado um mosaico com as cartas da zona, protegidas com um plástico e onde com lápis e “pioneses” de várias cores se marcava a nossa guerra. Acampamentos IN, itinerários, informações etc.

Escolas – A Educação – era, e bem, umas das preocupações do IN,ou melhor de Cabral e dos seus principais Comandantes. Igualmente para com a saúde ou a agricultura tradicional e adaptada às regiões.
Quando da “Lança Afiada” tivemos ocasião de constatarmos isso. Ficou tudo destruído é certo, as infra estruturas, foram apreendidos muitos livros e outro material escolar, documentação, destruídos celeiros para guardar arroz e outros produtos agrícolas, gado e não só. – Tenho cá uma sacola escolar com o respectivo conteúdo, veio por acaso e pode ir para o museu ou arquivo do blogue –. Esta operação foi a maior feita no Leste quer em duração quer em efectivos. A população, que eu saiba foi evacuada ou veio, no último dia, connosco. Os combatentes e muita população “cambou” o Corubal, à vontade. Os estrategas militares não montaram emboscadas na margem esquerda do Corubal e o IN escapou-se. Não se aniquilando os combatentes do PAIGC para que serviu destruir tanto acampamento, escolas e outras infraestruturas?
São maneiras subjectivas de ver a guerra e passíveis de contestação.
Ainda sobre as escolas importa realçar o seguinte: a língua que era ensinada era o português. Cabral e não só claro, sabiam, mesmo geograficamente envolvidos por países francófonos, que, num país tão pequeno mas simultaneamente com tantas etnias e dialectos, a língua podia ser factor de união, mais o crioulo e, no futuro o português iria servir de língua oficial. Estavam certos. Foi pena ter-se perdido tanto tempo.
Mesmo assim a língua é hoje um factor de união. Há contudo outros factores de união e Cabral sabia. É também a convivência de séculos, a troca de afectos, de elementos culturais, de sermos nós e um pouco deles ou eles e um pouco de nós e a guerra cada vez mais esquecida.
Há excepções. São figuras menores que só valorizam o todo.
A nossa geração, anos 60/70, foi diferente das anteriores e é diferente dos jovens de hoje. Certo. É assim. Ajudemos contudo a fazer a ponte, a falar da verdade aos jovens, a fazer um futuro mais uno, mais fraterno entre povos livres e irmãos de séculos e veremos que o futuro é já hoje.

Sobre o L1, a zona da margem esquerda do Corubal, a linha Xime, Mansambo, Xitole um dia falaremos.
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Notas de CV:

(*) Ver poste de 24 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5878: PAIGC: um curioso croquis do Sector 2, área do Xime, desenhado e legendado por Amílcar Cabral (c. 1968) (Luís Graça)

Vd. último poste da série de 12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5974: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (3): O velho picador

Guiné 63/74 - P6001: Notas de leitura (78): Morrer Devagar, de José Martins Garcia, De Catió para Farim (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Março de 2010:

Queridos amigos,
Renovo o meu pedido de ajuda.
Primeiro, quem tiver “O capitão Nemo e eu”, de Álvaro Guerra, que faça o favor de mo emprestar (um camarada nosso ouviu-me, vai-me emprestar “A lebre”).
Quem tiver livros referentes à Guiné do Cristóvão de Aguiar, peço igualmente o favor de mos emprestar. Devolvo sem estragos e fico atento a outras propostas de leitura, de autores que escreveram ao longo das décadas de 80 e 90.

Um abraço do
Mário


De Catió para Farim

Beja Santos

O livro de contos “Morrer Devagar”, de José Martins Garcia (Editora Arcádia, 1979), é uma colectânea de histórias onde a memória da sua infância na ilha do Pico se junta a outras recordações, noutras latitudes, e que dão ao leitor a nítida percepção de que José Martins Garcia além de romancista, dramaturgo, ensaísta, poeta e publicista, foi um admirável contista, na vertente satírica, sobretudo. Insisto que o seu conto “As suspeitas dum bravo capitão” é uma peça exemplar que merecerá destaque em qualquer antologia que se vier a organizar sobre a literatura da guerra colonial na Guiné. Mas destaco igualmente duas outras peças de enorme qualidade: “Justiça” e “O lúcido capitão Ventoinha”. Para os não iniciados na obra de José Martins Garcia, é importante informar que o seu estilo é profundamente cáustico, torce e retorce, desenvolve e faz explodir pandemónios, desenha o caos, espalha o vitríolo, força-nos à gargalhada na construção hilariante de personagens e atmosferas.

No conto “Justiça”, somos enredados no caos das tricas militares, reais ou fictícias. Temos o antes e o depois, no teatro de operações. No tempo do tenente-coronel Barradas, anterior comandante batalhão de Catió, toda a gente tinha tento língua; com o novo comandante, tenente-coronel Galvão, a livre crítica instalou-se na unidade, os costumes relaxaram-se: “Um dia um, logo depois outro, os oficiais começaram a afoitar-se em matéria ideológica. Oficiais de carreira só havia quatro, além do comandante: o major Trigo, segundo comandante; o capitão Palmeirim, comandante da companhia de intervenção; o capitão Ferraz, comandante da CCS; e o alferes Santos, lateiro, melhor conhecedor das papeladas que um qualquer primeiro-sargento (o bravo capitão Clemente comandava, exilado, a companhia do Cachil). O restante pessoal era miliciano e havia – rosnavam os últimos defensores do regime – de destruir por dentro as nossas gloriosas Forças Armadas”.

Depois temos a descrição dos milicianos, os potenciais subversivos da ordem estabelecida: o alferes miliciano Capote, precocemente Calvo, angolano branco, clamava pela independência de Angola; a seguir ao Capote vinham ex-universitários como o Castelo Branco e o Gomes, doutrinados pelas greves académicas, com Marx de empréstimo e ecos de Mao Tsétung e da cisão sino-soviética. O alferes Queirós dava a entender que havia de fomentar a luta armada, se voltasse a Coimbra. No outro extremo, tínhamos alferes Silveira e Serrão. Insinuava-se que haviam sido informadores da PIDE. O Silveira pertencia à 2ª Repartição, o Serrão era o oficial de transmissões. A contra-guerrilha ideológica dividia o oficialato em Catió.

Aproximava-se o Natal, “a brisa agitava as laranjeiras pejadas de frutos verdes, os limoeiros crivados de limões liliputianos e a temperatura baixara para uma média de vinte graus centígrados”. Era uma época propícia para a boateira, imaginavam-se ataques iminentes. João Baker Jaló, célebre alferes de segunda linha apanhara um balanta suspeito. O alferes Silveira engaiolou-o, Serrão, descobrindo que o prisioneiro falava crioulo, propôs a Serrão que o apertasse. Eis o culminar da história:

“Por trás das lentes investigadoras, os olhinhos do Serrão rebolavam-se de vingança. Também andava agastado com os dizeres do bando progressista e preferia juntar a fama ao proveito. Serrão era um apaixonado por pornografia e tinha copiado, à mão, uma incrível narrativa intitulada “A Marca dos Avelares”, com a qual matava o tédio do ostracismo que lhe fora imposto.

Mandara colocar ao centro da prisão uma grande selha cheia de água. À porta, por razões de segurança, postou-se um soldado de G-3 apontada ao prisioneiro.

Dentro, à esquerda e à direita do preto, mais de três soldados de G-3 apontadas. O Silveira ficou cara a cara com a vítima. Atrás, como convidado de honra, o Serrão.

O crioulo do alferes silveira não era totalmente correcto. O crioulo do balanta também possuía graves lacunas. Desentenderam-se. O balanta respondia «...mê ká sibi». Não sabia de nada. Estava teimoso.

O alferes Serrão agarrou-lhe o cachaço e o prisioneiro quis resistir. Fechando bem os punhos, o Silveira pô-lo a sangrar do nariz e das beiçolas. O Serrão pôde então mergulhar a cabeça na selha. Subiram algumas bolhas, depois a água aquietou-se. Puseram-no de pé. O interrogatório recomeçou, com análogo desentendimento das partes em conflito.

– Vocês são uns incompetentes – ganiu o Serrão. – Nas mãos da PIDE, o gajo já tinha escarrado tudo...

O alferes Silveira encheu-se de brio e disparou ao nariz do preto um soco terrível, o maior, o em-cheio... mas um segundo depois de o prisioneiro cair, sem sentidos. O alferes Serrão foi atingido no sobrolho, que cedeu.

Ao jantar reinava um silêncio esquisito na mesa dos oficiais. O penso que ornamentava a arcada do Serrão ganhara uma eloquência capaz de emudecer o mundo”.

“O lúcido capitão Ventoinha” passa-se em Farim, em 1967. É aqui que aquele que viria a celebrizar-se sob a alcunha do capitão Ventoinha teve um sonho profético: “Sonhou-se numa espécie de trincheira mal protegida, morrendo às mãos dos turras e acabando por se ver de fora, morto e mais lúcido do que fora em vida (isto ele contaria ao psiquiatra, no Hospital Militar de Bissau”.

A escrita de José Martins Garcia, timbrada pela paranóia e pelos crescendos do ridículo, desnudando os bonifrates, aqui tem um toque onírico, à moda surrealista. Se é verdade que as tropas portuguesas violavam o território do Senegal, no seu sonho os turras crivavam-no de balas, coisas estranha agora a guerra dividia os próprios exércitos, os oficiais, sargentos e praças andavam a emboscar-se uns aos outros, era este o fundamento da mensagem libertária, pensou o capitão quando acordou do sono. O importante é que ele acordou aflito, desorientado com a sua própria imaginação, quando voltou a energia eléctrica e as ventoinhas se puseram a girar, talvez temendo a operação marcada para essa noite, o capitão Ventoinha meteu um dedo na dita e fracturou a falangeta... o leitor conclua a moral da história.

Tudo quanto ele escreve sobre a Guiné é deletério, puro veneno, destruição contumaz, a fábula histriónica que força a gargalhada desopilante.

Que se saiba, nada mais escreveu sobre a Guiné.

O livro de contos “Morrer Devagar” passa a pertencer ao blogue.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5980: Notas de leitura (77): Morrer Devagar, de José Martins Garcia, um contista fabuloso (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6000: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (1): Por onde andaram e com quem estiveram?

Os Marados de Gadamael
e os dias da
Batalha de Guidaje

Parte I


Daniel de Matos*

Unir as Pontas da Memória


(À laia de introdução)

É estranho e deveras angustiante participarmos em cerimónias fúnebres de camaradas que morreram ao nosso lado, coladinhos ao nosso corpo, no mesmo buraco, mas há… 36 anos e meio! Ainda por cima quando além de camaradas de armas eram já amigos do peito e quando, devido a circunstâncias que demoram a explicar, tivemos de os enterrar algures no mato, sem a convicção absoluta de que os depositávamos nas suas últimas moradas, tendo todas as incertezas do Mundo quanto ao destino que poderiam levar os respectivos corpos.

O regresso e a devolução às respectivas famílias dos corpos do furriel Machado, do primeiro-cabo Telo e do soldado Geraldes, as honrarias militares a que tiveram direito junto ao “Monumento Nacional aos Combatentes do Ultramar”, junto ao Forte do Bom Sucesso, em Belém/Lisboa, e as homenagens que lhes foram rendidas nos funerais efectuados nas respectivas terras natais, – em Valpaços, no Paul do Mar/Madeira e no Vimioso – vieram reactivar memórias que repousavam no arquivo dos tempos idos. Já antes, durante a bem organizada campanha para a exumação e trasladação de alguns dos outros corpos sepultados em Guidaje, e quando os três pára-quedistas da CPP 121 regressaram a Portugal e às suas famílias, algo voltou a agitar as nossas consciências e nos fez recuar no tempo e no espaço. É que, vistas desta maneira, afinal as coisas não decorreram assim há tanto tempo, foram ontem, estão mesmo a acontecer, agora.

Existem múltiplos relatos dos acontecimentos de Maio de 1973 em Guidaje – livros, depoimentos diversos, testemunhos, documentos na internet, – e, no entanto, que eu conheça, em lado nenhum figuram referências à CCaç 3518. Excepto… nas campas! E isso tem conduzido muita gente a perguntar por que raio estaria nesses dias tanto pessoal de Os Marados de Gadamael em… Guidaje? O que fazia, como foi lá parar? Quem foram Os Marados e, se o nome próprio refere outro local, o que os levou a Guidaje numa altura tão crítica como a que por lá se viveu durante esse mês?

Eu próprio, em conversa (por e-mail) com um grande e velho amigo, – o coronel A. Marques Lopes, agora na reserva, – ao informá-lo que tinha estado em Guidaje e fora “utente” do infausto abrigo de que muitos hoje falam, mas de que (felizmente para os próprios) poucos lhe conheceram os horrores, recebi dele a seguinte resposta: “o coronel Ayala Botto, que foi adjunto do Spínola, e foi com ele a Guidaje em 1973, põe em dúvida que a tua companhia estivesse em Guidaje na altura do cerco. Diz mais coisas. Ou escreve para o Blogue!!! A. Marques Lopes” (o blogue a que se refere é o conhecidíssimo, e de grande mérito, “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que contém uma quantidade apreciável de textos, fotografias e testemunhos, muitos dos quais de relevância e interesse históricos).

A verdade é que estão inventariadas em inúmeros textos as unidades que participaram na batalha de Guidaje, sendo omissas referências à nossa companhia. Bem, mas se para alguns é duvidosa e difícil de explicar a presença d’Os Marados de Gadamael tão em cima da fronteira norte com o Senegal, pior se tornará se tentarem explicar como raio é que no cemitério improvisado de Guidaje ficaram enterrados três dos mortos que ali sofremos!...

O reavivar do assunto, devido ao processo de trasladação das ossadas em 2009, e esperando que este hiato de tempo tenha esfriado a sensibilidade dos familiares para que hoje em dia já se possam confrontar melhor com a realidade dos acontecimentos – que, confirmou-se durante as recentes exéquias, até então desconheciam, – leva-me a redigir estas linhas que serão um misto das memórias desse tempo, – sempre falíveis graças à “PDI” (toda a gente de geração mais avançada sabe o que isso é). Mas por recear as traições dessa mesma memória, houve que ligar algumas pontas, que a misturar com o resultado a consultas diversas e com o cruzamento de informações que por aí circulam, disponíveis na comunicação social, em livros e na web.

Porém, que fique claro que esta nem é a História d’Os Marados, longe disso, muito menos a dos acontecimentos de Guidaje, embora espere que possa contribuir com alguns dados para historiadores que saibam da poda e queiram um dia pegar neste assunto. Não sendo um especialista, certamente serei perdoado por eventuais imprecisões (espero que não as tenha em demasia). Do mesmo modo, este texto não advém de um diário (que nunca escrevi), não visa enaltecer nem as nossas aventuras nem as desventuras, muito menos acicatar a rivalidade imbecil entre unidades daqui e dacolá. Até porque, – valha-nos isso! – integrámos uma companhia do exército (“tropa macaca”), que tal como todas as outras (de todas as armas) foi composta por gente normalíssima, sem a mania das grandezas, mas com a sorte de não contar no seu seio com gabarolices de heróis de pacotilha nem com falsos protagonistas, em resumo, uma companhia sem “rambos” nem “schwarzeneegers” obtusos.

Com estas linhas pretendo, tão-só, escrevinhar alguns apontamentos que, na minha óptica, respondam às dúvidas que muitos camaradas colocam amiúde sobre o que realmente se passou em Maio de 1973 naquela região e, já agora, explicar como apareceram Os Marados de Gadamael nesta crise…

Provavelmente não acrescentarei nada de novo ao que já é conhecido. Mas se este trabalho contribuir para que alguns ex-combatentes nele se revejam e dele se sirvam para contar aos netos o que nos custou aquilo tudo, terá valido a pena e dar-me-ei por satisfeito. Também nunca foi meu hábito escrever na primeira pessoa do singular. Só que, para se contar esta história, forçosamente tem de haver um narrador. Por isso, aqui vai…


Por onde andaram e com quem estiveram Os Marados?

“Os Marados de Gadamael” foi a divisa – não muito abonatória, é certo, – escolhida para e pelo pessoal da Companhia de Caçadores Independente nº 3518, formada no Funchal (no Batalhão Independente de Infantaria nº 19/BII 19) durante o segundo semestre de 1971 (formalmente, a 15 de Novembro, “destinada a combater no Ultramar nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei º 49107, de 7 de Julho de 1969”).

Como companhia “madeirense” (de onde são naturais os soldados atiradores e o capitão miliciano Manuel Nunes de Sousa, – que as praças especialistas e os graduados vieram do Continente), receberia o guião das mãos do presidente da Câmara Municipal de Santana, a 16 de Novembro de 1971.

Houve também entre os “Marados” dois açorianos e dois guineenses: o furriel miliciano Nuno Álvares Brasil Pessoa, – que faleceu depois do regresso à ilha natal de S. Jorge; vindo em rendição individual, em 27 de Julho de 1972, o soldado atirador António Henrique Paiva Valente, de Santa Maria, então como hoje, distinto locutor do Clube Asas do Atlântico, em Vila do Porto; o guineense, de ascendência cabo-verdiana, Florentino José Lopes de Almeida, (para os amigos, o Fontino), furriel miliciano de operações especiais; e ainda o soldado Malan Seidi, – veio transferido da CCaç 3.

Com destino à Guiné Portuguesa, a companhia embarcou na cidade do Funchal no dia 20 de Dezembro desse ano, às 3 da madrugada (!), tendo chegado a Bissau no dia 24 seguinte (embora já estivéssemos ao largo do rio Geba desde as 23 horas do dia 23, quem poderá esquecer-se de tão bela consoada?). No mesmo paquete, – o Angra do Heroísmo, – e com igual proveniência, viajaram a CCaç 3519 (que iria parar a Barro) e a CCaç 3520 (cujo destino foi Cacine), mais o BCaç 3872, que já embarcara em Lisboa e que viria a instalar-se em Galomaro. Pisámos terras da Guiné a partir das 15 horas.

Passámos o dia de Natal a desfazer malas e no dia 26 registou-se a cerimónia de boas-vindas, presidida pelo comandante-chefe, – General António de Spínola, figura grada entre os soldados, ou não fosse também ele um madeirense e, ainda por cima, um líder –perante quem desfilámos e que em seguida nos passou revista. A 22 de Janeiro de 1972 terminámos o IAO (Instrução e Aproveitamento Operacional) no CMI (Centro Militar de Instrução), situado no Cumeré. No dia seguinte, a bordo de uma LDG, às 19 horas, abalámos do porto de Bissau – ao lado do histórico cais de Pindjiguiti, – para Gadamael Porto.



Foto 6> Cumeré - 26 de Dezembro de 1971 > O General António de Spínola passando revista ao 2º pelotão da CCaç 3518, no Cumeré.

Após o transbordo em Cacine para uma LDM, (aí se despedindo dos camaradas da irmã gémea CCaç 3520 – “Estrelas do Sul”), e em duas levas de dois pelotões cada, a primeira alcançou o pequeno desembarcadouro de Gadamael, no rio Sapo (afluente do Cacine), pelas 15 horas do dia 24 de Janeiro, onde a companhia ficou uma temporada em sobreposição com a unidade que foi render (a CCaç 2796, que depois marcharia para Quinhamel), integrada no dispositivo de manobra do BCaç 2930, depois do BCaç 4510/72 e, depois ainda, do COP 5 (Guileje).



Foto 12 > O autor, junto às águas do Rio Sapo (afluente do Cacine, que banhava Gadamael Porto).

Juntamente com Os Marados, estiveram em Gadamael os homens do Pelotão de Reconhecimento Fox nº 2260,  “Unidos Venceremos” (comandado pelo alferes miliciano de cavalaria Alexandre Costa Gomes e pelos furriéis milicianos Manuel Vitoriano, José Soares, Joaquim Manso, José António Barreiros e António Rio). A 28 de Abril de 1972, após cerimónia de despedida, presidida in loco pelo governador e comandante-chefe Spínola, o pelotão marcha para Bissau, a fim de aguardar aí transporte de regresso à metrópole.

O Pel Rec Fox 2260 foi substituído oito dias antes (21 de Abril) pelo Pelotão de Reconhecimento Fox 3115/Rec.8 (comandado pelo alferes miliciano de cavalaria José Manuel da Costa Mouzinho e pelos furriéis Sérgio Luís Moinhos da Costa, Alfredo João Matias da Silva, José de Jesus Garcia e Fernando Manuel Ramos Custódio).

Também em Gadamael, estiveram adidos à companhia o 23º Pelotão de Artilharia, (comandado pelo alferes miliciano de artilharia José Augusto de Oliveira Trindade e pelos furriéis milicianos Armando Figueiredo Carvalheda, António Luís Lopes de Oliveira (este, logo substituído pelo furriel miliciano João Manuel Duarte Costa), e ainda os Pelotões de Milícias 235 e 236. O comandante de pelotão 235 era Mamadú Embaló e os comandantes de secção, Camisa Conté, Abdulai Baldé e Mamadú Biai; o comandante de pelotão 236 era Jam Samba Camará e os comandantes de secção, Satalá Colubali, Amadú Bari e Mussa Colubali. O Camisa Conté, – quanto a mim a mais bem preparada de todas as milícias, de grande inteligência, disponibilidade constante e invulgar simpatia, – morrerá na célebre “batalha” de Guileje, diz-se que num “acidente com arma de fogo”, (ouvimos em Bissau alguém contar que foi a tentar desmontar uma mina) a 12 de Maio de 1973. Por outro lado, o Jam Samba viria a morrer em combate, dias mais tarde, também em Guileje, a 18 de Maio de 1973.

Foto 9 > Dois dos melhores soldados milícias que nos acompanharam em Gadamael. O da direita, Camisa Conté, viria a falecer em 1973 quando das batralhas de Guileje e Gadamael.

Nas acções de guerrilha que em Maio e Junho de 1973 viriam a culminar no abandono de Guileje e na tentativa de cerco de Gadamael Porto, morreriam igualmente em combate os soldados milícias do pelotão 235, Corca Djaló, Abdulai Silá e Malan Sambú e, do pelotão 236, o Braima Cassamá. Enquanto estivemos no sul, todos eles acompanharam os pelotões da CCaç 3518 nas patrulhas e demais operações efectuadas. Desses, recordo com maior saudade o Braima Cassamá, que foi meu aluno nas aulas do Posto Escolar Militar nº 23 que funcionou em Gadamael. Eu e o soldado africano Ricardo Lima da Costa e, mais tarde, com os também monitores escolares, primeiro-cabo Manuel Nuno de Sousa e o soldado António Henrique Paiva Valente, fomos os professores diurnos de perto de quarenta crianças da população. À noite, nas noites em que não estávamos de prevenção ou naquelas em que não teríamos de sair para o mato na madrugada seguinte, demos aulas a uma dúzia de voluntários adultos, praticamente todos da milícia. E como era difícil explicar matérias a quem mal entendia o português! Isto, sem falar noutros assuntos que constavam no programa de ensino, – mas que obviamente não respeitávamos, como o fazer os africanos empinarem as linhas ferroviárias, (ninguém sabia sequer o que era um comboio), ou as cordilheiras da metrópole (aquelas crianças nem um monte viram ao longo das suas curtas vidas na Guiné)! Na prática, o que todos queriam era aprender a ler e escrever em português (alguns já o faziam em árabe, quanto mais não fosse para lerem a “Tábua de Moisés”). O Braima, excelente rapaz, era dos mais interessados e não me lembro que alguma vez tenha faltado a uma aula. Em separado, devido à compreensão da língua, dei aulas aos soldados. Tínhamos mais de trinta praças da companhia que não possuíam a 4ª classe quando foram incorporados, algumas eram mesmo analfabetas. No final da comissão quase todas fariam o exame e seriam aprovadas (já na escola primária de Bafatá), o que se revelou vital para os seus futuros (muitos soldados pretendiam emigrar para a Venezuela e África do Sul mal se vissem livres da tropa) ou, quanto mais não fosse, para poderem tirar a carta de condução.

Foto 8 > Imagem exterior do PEM (Posto Escolar Militar) n.º 23, Gadamael, que ficava ao lado da pista de aviação nova, junto à tabanca.






No Posto Escolar Militar nº 23 (PEM-23, Gadamael) frequentaram as aulas da instrução primária algumas dezenas de jovens alunos (também alguns adultos da população).Não era fácil dar aulas a muitos que não falavam português (nem em crioulo se exprimiam), mas registaram-se muitos casos de bom aproveitamento, concluindo a 4ª classe.

Enquanto em Gadamael, o território operacional e os locais de minagem, patrulhamento e montagem de emboscadas foram essencialmente os seguintes: antigas tabancas de Viana, Ganturé, Bendugo, Gadamael Fronteira, Missirá, Madina, Bricama Nova, Bricama Velha, Tambambofa, Jabicunda, Campreno Nalú, Campreno Beafada, Mejo, Tarcuré, Sangonhá, Caúr e Cacoca.

A zona fronteiriça com a Guiné-Conacry e a picada para Guileje (estrada que outrora ligava a Aldeia Formosa e ao Saltinho) foram os locais com mais frequente número de operações.

Todo o abastecimento por via terrestre às unidades e população instaladas em Guileje se efectuava, durante a estação seca, através de colunas efectuadas a partir de Gadamael Porto, sendo o nosso pessoal responsável não só pelas viaturas que transportavam para Guileje os géneros que os batelões descarregavam em Gadamael, mas também pela segurança de metade do percurso. Por diversas vezes, pelotões da companhia, o pelotão Fox e os pelotões da milícia passaram temporadas em reforço das unidades locais (como, por exemplo, da CCaç 3477, “Os Gringos de Guileje”, até Dezembro de 1972, e a CCav 8530, na parte final da nossa estada no sul).

Ao recordar aqui quem connosco palmilhou longas distâncias em patrulhamentos, montou emboscadas e alinhou em segurança a colunas no sul da “província ultramarina”, seria injusto não mencionar os guias (suponho que havia dois), mas muito especialmente o Queba Mané, expoente máximo em simpatia e disponibilidade fosse para o que fosse, e de grande resistência física, pois num africano os cabelos brancos denunciam muitas vezes a avançada idade e nunca dei por que se sentisse fatigado. Uma ou outra vez o capitão enviou-o sozinho ao outro lado da fronteira, com a missão de recolher informes sobre a presença, guarnição e movimentações IN. Contornava sem dificuldade as armadilhas que eu e o Ângelo Silva tínhamos sempre montadas no caminho (algumas dezenas em toda a zona operacional).

Outros homens importantes foram os caçadores nativos, à conta dos quais nos deliciámos inúmeras vezes com peças de caça, especialmente os bifes de gazela de tão boa memória. Um deles era o experiente nº 4/65, Aliú Jaló; o outro, Ussumane (Baldé?), que viria a distrair-se e a pisar uma mina antipessoal já perto do cruzamento de Ganturé (debaixo de um velho e já meio ressequido limoeiro bravo). Certa altura, ao cair da noite, ouvimos um rebentamento que logo identificámos como proveniente de um desses engenhos.

Aconteceu muitas vezes sentirmos rebentamentos originados pela passagem de animais (os de maior porte) que pisavam minas ou accionavam armadilhas e morriam. Por exemplo, uma hiena – em vão, ainda tentámos alimentar durante uns dias, com leite em pó, um dos filhotes que sobreviveu ao rebentamento; um leopardo, – infelizmente para o Lopes Silva, que bem tentou “baratinar” o Camisa Conté a retirar-lhe a pele para mandar curtir e enviar à namorada, mas já tinham passado três ou quatro dias quando lá fomos e naquele estado de decomposição o persuadido negou-se; houve pintadas (galinhas-do-mato) que arrastaram fios-de-tropeçar, e, num belo dia, ao fundo da pista velha, um lindíssimo e corpulento gorila sucumbiria aos ferimentos duma mina AUPS.

Na manhã seguinte, bem cedinho, a família de Ussumane (tinha várias mulheres) entrou pelo aquartelamento dentro a reclamar que o fôssemos buscar a Ganturé, pois de certeza teria sido ele, saído na caça, quem accionara a mina. Lá me levantei da cama, mobilizei uma secção do 2º pelotão e fui a esfregar os olhos picada adiante, com as mulheres a algaraviar atrás de nós (infrutíferas as tentativas para que se calassem ou nos ficassem a aguardar pelo caminho). No local não encontrei corpo algum, só um monte cintilante de formigas negras e luzidias. Depois de as vergastarmos com arbustos e ramos de árvore é que começou a aparecer o corpo do caçador. Tinha um pé amputado e devia ter perdido muito sangue durante a noite. Porém, a expressão com que se finou sugeria que a causa da morte devia ter sido a asfixia, devido aos milhões de formigas que se apoderaram do corpo ainda vivo mas imobilizado no chão, cobrindo-o literalmente.

Há muito esperados, chegaram em três lanchas os homens da rendição, era o dia 8 de Fevereiro do ano da graça de 1973! Os periquitos ficaram connosco durante um período de sobreposição. Assim, fomos rendidos no subsector de Gadamael pela CCaç 4743/72, de origem açoriana, comandada pelo capitão miliciano de infantaria, Manuel Bernardino Maia Rodrigues, Seguimos para Bissau no dia 4 de Março, a partir das 7 horas (a bordo de uma LDG), onde efectuámos também um período de sobreposição e rendemos a CCaç 3373. Os Marados de Gadamael passaram a efectuar a protecção e segurança das instalações e populações da área e a colaborar em escoltas a colunas de reabastecimento a Farim. Uma dessas colunas, envolvendo dois pelotões nossos, “estendeu-se” a Binta e a Guidaje, aí permanecendo sitiada durante quinze dias.

É a memória testemunhal, e também opinativa, desses longos dias, que vou tentar transcrever nas páginas seguintes. Tentarei integrá-la no contexto histórico que se vivia na Guiné no já longínquo mês de Maio de 1973, embora a generalidade das explicações se destine, como é óbvio, sobretudo àqueles que por lá não passaram e nunca tiveram qualquer familiaridade com a Guiné nem as causas e efeitos da tão dura quanto injusta e desnecessária guerra que ali se travou.

Algumas das unidades (ou partes delas) com quem os dois pelotões da CCaç 3518 estiveram, ou com quem se cruzaram durante tão malfadado período: Companhia de Caçadores 19 (africana, sediada em Guidaje, criada em Dezembro de 1971), Companhias de Caçadores nº 3, nº 14 (também africanas), Companhia de Comandos nº 38, Pelotão de Artilharia nº 24, Companhia de Caçadores Pára-quedistas nº 121, Destacamento de Fuzileiros Especiais nº 4, Destacamento de Fuzileiros Especiais nº 7, Destacamento de Fuzileiros Especiais nº 1, Pelotão de Morteiros nº 4247, Batalhão de Caçadores 4512, Companhia de Cavalaria 3420, Companhia de Caçadores sediada em Cuntima, Batalhão de Comandos Africanos e Grupo Especial do Centro de Operações Especiais do alferes Marcelino da Mata (entretanto, coronel na reserva).

A companhia viria a ser substituída a 5 de Julho de 1973 no subsector de Brá (COMBIS) pela CCaç 3414, tendo sido transferida para Bafatá na semana seguinte (dia 11) a fim de substituir a CCav 3463. A 13 de Julho de 1973 (dia do meu 23º aniversário em que exagerei nos festejos, estando de sargento de dia, e em que ia sendo preso, mas isso é outra história!) a companhia assumiu a responsabilidade do subsector de Bafatá e, cumulativamente, a função de intervenção e reserva do BCaç 3884, tendo ainda actuado em reforço de outros sectores da Zona Leste, por períodos curtos. Os quatro pelotões da companhia estiveram frequentemente deslocados e reforçaram temporariamente unidades das regiões vizinhas (missões de serviço com as companhias do BCaç 3884, CCaç 3549, BArt 6523/73, CCaç 3548, CAOP 2, etc., mantendo actividade operacional nomeadamente em locais como Contuboel, Geba, Sonaco, Sare Banda, Xime, Xitole, Alimo, Canquelifá, Sare Bacar, Ponta Guerra, Porto Gole, Bambadinca Tabanca, Cheque, Cantauda, Bigine/Colufe, Maum de Meta, Cheual, Bajocunda, Sincha Bakar, Enxalé, Ponta Luís…

Entre 15 e 22 de Dezembro de 1973 os quatro pelotões participaram nas grandes operações “Dragão Feroz” e “Tudo Verde”. Na primeira, estivemos com o BArt 3873, CArt 3493 (então, em Fá Mandinga), CCaç 12, CCaç 21 (de Bambadinca, na altura comandada pelo tenente Jamanca), 20º e 27º pelotões de artilharia (10,5 e 14) e os Gemil’s 309 e 310; na segunda, todas com quatro grupos de combate, participaram ao nosso lado a CArt 3494, mais uma vez as CArt 3493 e CCaç 21, bem como o 27º pelotão de artilharia (14 mm), instalado em Ganjuará.

Nestes dias de emboscadas, golpes-de-mão e combates causaram-se baixas ao IN (um morto e vários feridos confirmados e, a julgar pelos rastos de sangue abundantes, mais mortes não confirmadas) e capturou-se algum material (por exemplo, uma espingarda semi-automática Simonov). Houve dois feridos graves das NT, evacuados de helicóptero, que não pertenciam à nossa companhia.

No percurso Mansambo/Jombocari/Mina, vários soldados foram vítimas de intoxicação alimentar, e vários deles desmaiaram, devido à má qualidade da ração de combate (nº 20) que lhes tinha sido distribuída. O principal objectivo da segunda operação seria destruir um suposto hospital IN que, diziam as informações, estaria a funcionar em Fiofioli (de facto, antiga base guerrilheira, ainda nos anos sessenta). Todavia, quando após várias peripécias chegámos ao destino, nada se confirmou, nem sequer havia quaisquer vestígios IN no local.

Estas informações, geralmente não se obtinham através dos serviços especializados do exército, era a PIDE/DGS que dizia obtê-las através de informadores próprios. A polícia política praticamente determinava as operações que as forças armadas deveriam efectuar. À excepção do chefe Allas, – que há quem diga ter sido tecnicamente competente nesse domínio (por se comportar mais como militar do que como polícia), – pelo menos na região de Bafatá, enquanto lá estivemos, as informações vindas daquelas bandas revelaram-se na esmagadora maioria das vezes uma grande treta, falsas ou ineficazes, criadas provavelmente só para mostrar serviço. O certo é que bastava qualquer agente “botar faladura” no comando operacional que esta, em vez de mandar confirmar as tais fontes, fazia a vontade à corporação e lá íamos nós feitos otários à pesca de cubanos e gajos loiros no mato, à cata de “armazéns do povo” e hospitais, como quem vai aos “gambuzinos”…

Também dizem os especialistas que a polícia política teve, durante determinados períodos, alguns informadores e agentes infiltrados nas fileiras do PAIGC, inclusive em contacto ou com acesso aos mais altos responsáveis do partido, (e isso viria a confirmar-se a propósito do assassinato de Amílcar Cabral, a 20 de Janeiro de 1973, em Conacry), mas nós ficámos sempre com a ideia de que os informadores a um nível mais baixo deveriam ser muito fraquinhos.

Na Guiné, a PIDE tinha uma delegação em Bissau, sub-delegações em Bafatá, Mansoa, Bissorã, Bula, Teixeira Pinto, Cacheu, Farim, Cuntima, Cambaju, Sare Bacar, Pirada e Nova Lamego, e ainda postos em São Domingos, Ilha Caravela e Cacine. Os quadros nem eram muitos (entre 75 e 85 no ano de 1973): cinco inspectores e inspector adjunto, dois subinspectores, sete chefes de brigada, dezoito agentes de primeira classe, vinte e oito de segunda e estagiários, quatro motoristas e três guardas prisionais. Possuía ainda meia dúzia de funcionários técnicos (rádio-montadores e rádio-telegrafistas), outros tantos contínuos e serventes, além de quatro escriturários para as folhas de caixa e processamento de salários, subsídios extraordinários e ajudas de custo. Depois, é claro, havia uma rede de informadores e, para sua vergonha, os comandos militares tinham instruções rigorosas de como proceder com eles (na Guiné, instruções dimanadas da Directiva 63/68.SECRETO.AM).

Em suma, “autóctone que se apresente para prestar informações exclusivamente à PIDE/DGS deve ser considerado informador secreto, canalizado para o agente local ou, não existindo, deve-se providenciar o transporte para Bissau e entregá-lo na delegação desta polícia”. É expressamente proibido fazer interrogatórios a estes informadores! Ao arrepio dos interesses e da estratégia militar, a PIDE chegou a ser considerada responsável por provocações sangrentas com o objectivo de criar ondas de terror e responsabilizar o PAIGC.

Em Novembro de 1965, em Farim, teria mandado lançar uma bomba para o meio de uma festa popular, provocando a morte de uma centena de pessoas, para colocar a culpa nos “terroristas” e revoltar os cidadãos locais. A propaganda, ou notícia de choque sobre a “explosão terrorista”, chegou à opinião pública internacional, mormente através das páginas do New York Times…

Os serviços de “Informações e Operações de Infantaria” revelaram-se muito mais eficientes na observação dos movimentos IN, enviando às “zonas libertadas” ou aos outros lados das fronteiras, milícias, caçadores nativos, guias, etc., até a pretexto de irem visitar familiares e, no regresso, ficávamos a conhecer, por exemplo, o número de efectivos, as deslocações havidas, o armamento recebido. Aliás, o PAIGC fazia rigorosamente o mesmo, no sentido contrário.

Nos dias seguintes (23 a 31 de Dezembro de 1973) a companhia executou o plano “Bafatá Impenetrável”, do BCaç 3884, que contou com diversas operações, e, já em 1974, na mesma zona de acção, as operações “Garota Nua”, “Madeirense Teimoso”, “Zorro Galante”, “Indomáveis Patifes” e “Leme Seguro” (cito apenas as operações em que participámos lado a lado com outras unidades e não todas as que efectuámos ao longo da prolongada comissão de mais de 27 meses).

Embora terminando a comissão em Outubro de 1973, após diversas datas prováveis para o regresso ao Funchal, (sempre com a frustração do desmentido posterior), a 15 de Fevereiro de 1974 fomos rendidos pela CArt 6252/72, recolhendo ao Cumeré para aguardar o regresso. A CCaç 3518 embarcaria no paquete Niassa a 28 de Março, com destino à Madeira, onde desembarcou a maior parte das praças e o capitão, tendo o pessoal do Continente alcançado a Rocha do Conde d’Óbidos (Lisboa) a 3 de Abril de 1974.
__________

Notas de CV:

(*) Daniel Matos foi Fur Mil da CCaç 3518 (1972/74) que esteve em Gadamael

Vd. poste de 12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5981: Tabanca Grande (208): Daniel Matos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3518 (Gadamael, 1972/74)

Guiné 63/74 - P5999: Grupo dos Amigos da Capela de Guiledje (12): Doação de imagem de Nª Sra. de Fátima, pelo António Camilio e o Luís Branquinho Crespo



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > A última doação à Capela de Guileje, uma imagem de N. Sra. de Fátima, trazida de Portugal por António Camilo e Luís Branquinho Crespo.

Foto: ©  AD - Acção para o Desenvolvimento (2010). Direitos reservados




Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) >  A capelinha construída no tempo do Zé Neto (1929-2007)... Havia três imagens da N. Sra. de Fátima, de diversos tamanhos...

Foto: © Zé Neto / AD - Acção para o Desenvolvimento. (2007). Direitos reservados.


1. Os nossos amigos da AD - Acção para o Desenvolvimento, na pessoa do Pepito, seu director executivo,  nosso amigo e membro da nossa Tabanca Grande, acaba de mandar-nos a seguinte mensagem:

Assunto: Amigos da Capela de Guiledje

Luís

Mais uma importante contribuição dos nossos amigos da Capela de Guiledje, o António Camilo e o Dr. Luis Branquinho Crespo (na foto), que fizeram questão de se deslocarem a Guiledje para doarem a imagem da Nossa Senhora de Fátima à Capela.

Este gesto, tão bonito, foi acompanhado pelos votos de que esta oferta ajude a Guiné-Bissau a encontrar rapidamente os caminhos da Paz.

Abraço
pepito
 
 


2. Comentário de L.G.:

O Manuel Reis [foto à direita, ] nosso prezado camarada, professor do ensino secundário em Ílhavo, reformado, residente em Aveiro,  ex-Alf Mil da CCAV 8350, a última unidade de quadrícula de Guileje (1972/73), enviou-nos a lista actualizada dos donativos recolhidos até agora, no âmbito da campanha do nosso blogue a favor da reconstrução e manutenção da capela de Guileje (*).

O dinheiro, que tem sido depositado numa conta da Caixa Geral de Depósitos, Agência de Ílhavo, em nome do Manuel Reis, será oportunamente transferido para a AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, a ONG que liderou este projecto.

À anterior lista do Grupo dos Amigos da Capela de Guiledje junta-se agora, além do Luís Branquinho Crespo (que, segundo presumo,  é um conhecido advogado, mas cuja ligação a Guileje ou à Guiné-Bissau desconheço), os nomes dos nossos camaradas Eduardo Campos, Henrique Martins e Vasco da Gama. (**)

 A campanha de angariação de fundos vai-se manter, apesar da capela já ter sido  inaugurada em 20 de Janeiro último (***), de modo a permitir ainda,  a todos os nossos leitores,  dar a sua (e aumentar a nossa) contribuição (material e simbólica) para esta causa.

Recorde-se aqui, mais uma vez,  a história e o significado da capela de Guileje, erigida no tempo da CART 1613 (do Cap Art Corvalho e do 2º Srgt Zé Neto, 1967/68)... Grande impulsionador da construção da capela de Guileje,  o Zé Neto (com o posto de Cap Ref) foi, infelizmente,  o primeiro membro da nossa Tabanca Grande a deixar-nos... A morte levou-o aos 78 anos... Morreu em 2007. Tinha nascido, em Leiria, em 1927. Júlia Neto é a viúva, que nos honra com a sua presença no nosso blogue.

Guileje é hoje um ponto de paz, de ecumenismo e de (re)encontro de homens que no passado se bateram, de armas na mão, sob bandeiras diferentes, e esperemos que seja também, no futuro,  um polo de desenvolvimento.  A própria ideia da constituição de um Grupo de Amigos da Capela de Guileje tem, por certo,  algum simbolismo.

Pagamento por multibanco: NIB: 003503720000835570006

Pagamento por transferência Bancária: Conta nº: 0372008355700 da Caixa Geral de Depósitos de Ílhavo, em nome de Manuel Augusto Ferreira Reis.

A todos os nossos camaradas, contribuintes (em géneros e/ou em espécie), independentemente da sua ligação efectiva (e afectiva) a Guileje, o nosso muito obrigado (Luís Graça / Manuel Reis).

____________

Notas de L.G.:

(*) 10 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5797: Grupo dos Amigos da Capela de Guileje (11): A recolha de fundos vai continuar... Saldo: 430 € (Manuel Reis / Luís Graça)

Vd. ainda poste de 6 de Junho de 2009 > Guiné 64/74 - P4469: Grupo dos Amigos da Capela de Guileje (1): Já temos três: Patrício Ribeiro, António Cunha e Manuel Reis

(**) Grupo dos Amigos da Capela de Guileje (contribuições em espécie e em género), por ordem alfabética:

Amílcar Ventura
António Camilo
António Graça de Abreu
António Cunha (****)
Coutinho e Lima
Domingos Fonseca (AD)
Eduardo Campos
Hélder Sousa
Henrique Martins
João Seabra
Júlia Neto
Luís Branquinho Crespo
 Luís Graça
Manuel Reis
Patrício Ribeiro (Impar Lda)
Paulo Santiago Pepito (AD)
Vasco da Gama

(Espero não ter omitido ninguém... De qualquer modo, é uma lista aberta, que esperemos venha rapidamente a ser alargada...)

(***) Vd. poste de 29 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5726: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (10): A inauguração da capela, em 20 de Janeiro, na presença do embaixador de Portugal (Pepito)

(****)  O António Cunha, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, CART 1613, Guileje, 1967/68, membro da nossa Tabanca Grande desde Dezembro de 2008 (mas de quem ainda não temos nenhuma foto, nem antiga nem actual), ficou de dar conhecimento desta iniciativa aos seus antigos camaradas de companhia, que se reunem anualmente.

Aqui ficam os seus contactos: António Cunha (O Malhado), CART 1613 “Os Lenços Verdes” / BART 1896,   Guiné 1966/1968 >  Morada: Rua João Braga, 47 Nogueira 4715-198 Braga.  Telefone/Fax: 30991200 Telemóvel: 982503954

segunda-feira, 15 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5998: Parabéns a você (87): Uma salva de palmas, de homenagem, para o António Baptista, que faz hoje 60 anos, teve uma vida sofrida e conheceu o inferno na terra (Os Editores)




O regresso do "morto-vivo" do Quirafo, conforme notícia do Comércio do Porto, de 18/9/1974. Hoje o António da Silva Baptista faz 60 anos!... Outro jornal do Porto, o Jornal de Notícias, acompanhou-o também na visita à sua própria campa, no cemitério da sua freguesia, no concelho da Maia...

 Fonte:
29 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4262: Recortes de imprensa (16): O Morto-vivo no Jornal de Notícias e em O Comércio do Porto (Mário Migueis)

1. Comentário do Manuel Reis (*):

Caros amigos:

A tragédia, em si, constitui um acontecimento tão traumatizante, que todos preferem não falar dele.
É espantoso que não surja alguém, com ligações aos intervenientes na tragédia [, de Fajonquito,] e que, presencialmente, tivessem detectado algum mal estar entre eles.

As testemunhas, que não o são, contradizem-se. Soube pelo Blogue deste acontecimento, que constitui um autêntico enigma.

Um abraço amigo.
Manuel Reis

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Manuel Reis:

Não é caso virgem, este silêncio quase tumular à volta da tragédia desencadeada pelo Sold Almeida, em Fajonquito, na Páscoa Sangrenta de 1972 ... Não temos ninguém da CART 2742 (comandada pelo Cap Figueiredo), como não temos ninguém da CCAÇ 1790 (comandada pelo Cap Aparício) que sofreu quase três dezenas de mortos no desastre no Cheche, na travessia do Rio Corubal, em 6 de Fevereiro de 1969, depois da retirada de Madina do Boé...

Parece haver um grande pudor em falar destas tragédias... Os nossos camaradas fizeram o luto patológico, de tal modo que ao fim destes anos há uma espécie de pacto de silêncio à volta deste "pathos"... Acontece nas famílias, nas comunidades, nos povos... A hístória está cheia destes silêncios, individuais e colectivos...


Temos aí outras tragédias, já evocadas no blogue: estou-me a lembrar, por exemplo, da terrível emboscada do Quirafo..



Tirando o pobre do António Baptista [, foto à esquerda], não tenho ideia de ter aparecido alguém da CCAÇ 3490 (comandada pelo Cap Lourenço), unidade de quadrícula do Saltinho, que pertencia ao BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74), a falar deste brutal massacre... Os próprios militantes do PAIGC sempre tiveram (e continuam a ter, aqueles que ainda estão vivos), dificuldade em verbalizar as suas emoções ou desfiar as suas memórias face a tragédias como a morte dos "três majores portugueses", íntimos de Spínola, no Chão Manjaco, ou a luta fatricida que levou ao miserável assassinato de Amílcar Cabral.


E a propósito, lembrei-me, agora, de repente, que o nosso "morto-vivo do Quirafo" faz hoje anos, 60 anos!!! Eu sei que ele não nos lê, mas através do administrador do blogue da Tabanca de Matosinhos, o Álvaro Basto que tem sido para ele mais do que camarada e amigo, um pai e um irmão... daqui vai uma salva de palmas para o Baptista que teve uma vida sofrida e conheceu o inferno na terra....Ele é bem merecedor de todo o nosso carinho e solidariedade.
___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 15 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5997: Controvérsias (67): A Páscoa Sangrenta de Fajonquito, em 2 de Abril de 1972 (António Costa)

Guiné 63/74 - P5997: Controvérsias (67): A Páscoa Sangrenta de Fajonquito, em 2 de Abril de 1972 (António Costa)

1. Mensagem, com data de ontem, do nosso camarada (e amigo) António José Pereira da Costa,  António Costa, tout court (Cor Art na reserva, na efectividade de serviço), que esteve na Guiné entre 1972 e 1974:

 Assunto: Páscoa Sangrenta

Camarada:

Sobre a situação de Fajonquito (*) gostava de alinhar umas considerações, que me parecem construtivas:

(i) Não era contra o RDM ficar na PU [ Província Ultramarina,] onde se estava, a trabalhar após a passagem à disponibilidade. O país era só um - é bom que se recorde - e após as "obrigações militares" até era possível ir para o estrangeiro sem ser "a salto".

As Ordens de Serviço estão cheias das chamadas autorizações de ausências definitiva para o estrangeiros, passadas pelas unidades onde os desmobilizados tinham ficado colocados para efeitos de recrutamento. Por isso, tenho dificuldade em entender o início do diferendo entre e o capitão e o soldado, por esta razão. Não haveria outras?

(ii) Depois, tenho dificuldade em imaginar que um homem sózinho tenha conseguido descavilhar duas granadas defensivas que transportava, obviamente, uma em cada mão.

Imagina como é que o farias. Será que teve o auxílio de alguém? Claro que não! Peço desculpa, mas tenho dúvidas de que tenha sido assim.

(iii) A causa determinante terá sido a distribuição das amêndoas. Penso que o soldado ter-se-á sentido ferido (muito) na sua auto-estima e, principalmente, desamparado e abandonado.

A sua atitude terá sido um expor da sua situação de solidão, uma espécie de pedido de ajuda, semelhante aos dos suicidas. Na verdade, ele provavelmente nem sequer entendia porque estava ali a fazer aquilo (a Guerra) que não aceitava, mas não tinha saída ou remédio senão fazê-lo (não podia desertar nem fugir). Por isso, pelo menos, tinha que estar. Será que ele sentia estar a defender a Pátria ou as populações que estavam junto das NT? Ouvi dizer que era Básico, o que quer dizer que era dos psicotecnicamente menos aptos no Exército.

(iv) Por mim, creio que algumas situações de insubordinação e desobediência têm origem numa espécie de descarregar de ira e revolta contra o sistema e a situção. Não é possível que aqueles contra quem foram cometidas - na sua maioria tão milicianos como os insubordinados - fossem uns tiranetes e injustos e que merecessem a insubordinação.

(v) Creio mesmo que algumas delas terão origem numa situação de revolta profunda que não tinha por onde se expandir. Estas situações terminavam normalmente mal para os insubordinados e não creio que os quadros ficassem satisfeitos com o sucedido, como muitas vezes se diz. Para mim, estas situações serão o indício técnico de que o enquadramento é insuficiente e a mentalização é má.

Embora nunca tivéssemos tido uma recusa ao embarque, não creio que a defesa da Pátria nos fornecesse elementos para aceitarmos a ida para lá Tive ocasião de verificar que as unidades que embarcavam iam cada vez menos "mentalizadas" para as tarefas a realizar.

Farás com este mail o que quiseres, mas sugiro que testes a coerência da história tão dramática, e procures uma interpretação sociológica e psicológica para o sucedido e para a actuação dos dois principais intervenientes.

Um Ab do António Costa

2. Comentário de L.G.:

António:

Aprecio a sagacidade do teu raciocínio, a oportunidade do teu comentário e a gentileza do teu gesto, honrando a memória dos nossos mortos.

Seguramente que faltam outras versões. As duas que temos (a do José Cortes e do José Bebiano, ambos furriéis em Fajonquito, em 1972), não são suficientes.  O José Bebiano é contemporâneo dos acontecimentos, privou por exemplo com o Fur Alcino, uma das vítimas mortais dos acontecimentos, mas no dia 2 de Abril de 1972 não estava em Fajonquito, estava antes na Metrópole, em gozo de licença de férias.

 Por sua vez, o José Cortes (da companhia que veio render a CART 2742, a CCAÇ 3549),  tinha partido para a Guiné erm 26 de Março de 1972 e,  antes de seguir para Fajonquito, ficou  a tirar a IAO, no Cumeré, possivelmente durante um mês e meio... A versão dele só pode ser em segunda mão...Ouviu contar "in loco", um a dois meses depois do ocorrido... E contou-ma agora, 38 anos depois, ao telefone, ele em Coimbra, eu em Lisboa. (Em rigor, é a versão dele, oral, telefónica, reconstituída por mim).

 Há pormenores, nas duas versões, que se contradizem: o José Cortes falou-me, ao telefone, em duas granadas, descavilhadas, uma em cada mão. O José Bebiano fala apenas numa... O Soldado Almeida seria um básico, segundo li na lista dos mortos da guerra do Ultramar... O José Bebiano dizer que ele era um ex-comando... Esperemos que ainda apareça alguém, da CART 2742, que nos dê uma versão mais detalhada, exacta e contextualizada desta tragédia ocorrida num domingo de Páscoa, numa festa que era suposto ser de despedida e de alegria... É a isto que se chama a triangulação das fontes.

Em suma, partilho, contigo, da mesma dúvida céptica: um soldado, não operacional, não tinha acesso fácil a granadas de mão defensivas (que estavam, em princípio,  à guarda do cabo quarteleiro, tal como as granadas de morteiro e de bazuca); depois, não tinha habilidade nem sangue frio para pegar logo em duas, arrancar-lhe as cavilhas (com os dentes ?) e segurá-las, uma em cada mão, atravessar a parada e dirigir-se (calmamente ?) à secretaria... Fosse ex-comando, talvez tivesse treino para isso... Será que, entretanto,  algum dos graduados o tentou desarmar ? Refiro-me ao Cap Figueiredo, ao Alf Félix e ao Fur Alcino...Aparentemente não há testemunhas desta cena fatal, passada na secretaria...

É bem possível que o Sold Almeida apenas tenha querido chamar a atenção para o seu caso, ou simplesmente protestar, julgando-se vítima duma clamorosa injustiça... A história das amêndoas bem pode ter sido a gota de água que fez transbordar o copo...

Também descarto a hipótese de suicídio (bem como de homicídio deliberado)... Na tomada de decisão de um suicída, há vários factores (antecedentes e mediatos) a ponderar... Nunca há uma causa única, há um feixe de causas ou determinantes... Ninguém toma uma decisão repentina destas, mesmo quando sob o efeito de álcool ou drogas (o que até podia ser o caso)... E a haver suicídio, ele foi também um triplo homicídio...

Aparentemente, o Sold Almeida não tinha nenhum conflito com os dois milicianos que morreram, juntamente com o Capitão... O mais provável é que tenha havido uma tentativa de neutralizar o infeliz Almeida que, de resto, tinha todas as razões para viver, não para morrer: o conflito com Capitão era porque ele querir ficar na Guiné, depois da peluda...

A alegada incompatibilidade dessa manifestação de vontade com o RDM é uma interpretação (indevida) minha... Eu pensei que a comissão militar só acabava com o regresso à Metrópole e a consequente passagem à disponibilidade...

Quanto ao pedido que me fazes, para arriscar "uma interpretação psicológica  e sociológica para o sucedido" (sic), agradeço-te mas sai fora da minha competência como editor deste blogue. Não sou psicólogo, sou sociólogo e, em princípio, só gosto de falar do que estudo, investigo ou leio... O suicídio enquanto fenómeno social interessa-me. O suicídio, as tentativas de suicídio, outras formas de auto-mutilação (tiros no pé, no dedo indicador direito, etc.), o homicídio e outras formas de violência nos quartéis (ou no mato) merecem ser descritas, divulgadas, analisadas, contextualizadas, interpretradas no nosso blogue... 

Mas nesse caso ainda não temos informação suficiente para tentar uma interpretação que não seja baseada em ideias de senso comum (o que é de todo contra-indicado a um sociólogo)... Façamos votos para que apareçam mais camaradas com informação (inédita e válida) sobre o caso da "Páscoa Sangrenta de Fajonquito"...

Deixo-te aqui apenas uma dica sobre o suicídio, e que fui buscar à página da Sociedade Portuguesa de Suicidologia (Vd. Questões frequentes):

(...) Normalmente o suicídio é equacionado como forma de acabar com uma dor emocional insuportável causada por variadíssimos problemas. É frequentemente considerado como um grito de pedido de ajuda. Alguém que tenta o suicídio está tão aflito que é incapaz de ver que tem outras opções: podemos ajudar prevenindo uma tragédia se tentarmos entender como essa pessoa se sente e ajudá-la na procura de outras opções e soluções. Os suicidas sentem-se com frequência terrivelmente isolados; devido à sua angústia, não conseguem pensar em alguém que os ajude a ultrapassar este isolamento.

Na maioria dos casos quem tenta o suicídio escolheria outra forma de solucionar os seus problemas se não se encontrasse numa tal angústia que o incapacita de avaliar as suas opções objectivamente. A maioria das pessoas que opta pelo suicídio dá sinais de esperança de serem salvas, porque a sua intenção é parar a sua dor e não por termo à sua vida. A este facto dá-se o nome de ambivalência. (...)

Os modelos, mais propriamente sociológicos, avançados para a compreensão e a explicação do suicídio, tendem a chamar a atenção para o facto de, em contexto de guerra, poder haver menos factores de risco de suicídio (a não ser em casos de derrota ou de aprisionamento, por questões de honra, etc.). O combatente, integrado num grupo de combate, terá menos hipótese de suicídio, de acordo com a teoria de Durkheim: O aumento, real ou percebido, da ameaça sobre o grupo, vinda de fora - neste caso, do inimigo - leva a uma maior integração do indivíduo no grupo, e o consequente decréscimo do risco de suicídio...

No caso do Almeida, a questão de se saber se ele realmente era um soldado básico (e, portanto, menos apto, do ponto de vista "psicoténico") não é de somenos importância... LG
____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

6 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5938: A tragédia de Fajonquito ou as amêndoas, vermelhas de sangue, do domingo de Páscoa de 2 de Abril de 1972 (José Cortes / Luís Graça)

[Versão de José Cortes, recolhida ao telefone por Luís Graça:]

(...) (i) Havia um, soldado da CART 2742 que, uma vez terminada a comissão, queria ficar na Guiné como civil;

(ii) Ao que parece o Cap Art Carlos Borges Figueiredo manifestou, desde logo, a sua oposição à ideia,  contrária a todo o bom senso e sobretudo ao RDM;

(iii) Ter-se-á aberto um contencioso entre o soldado e o seu comandante, e envolvendo também o primeiro sargento;

(iv) A mulher do capitão havia mandado, da Metrópole, "dez quilos de amêndoas" para distribuir pelo pessoal da companhia; a distribuição foi feita pelo próprio comandante, no refeitório, no domingo de Páscoa, 2 de Abril de 1972;

(v) Quando chegou a vez do soldado em questão, o capitão terá passado à frente, num acto que aquele interpretou como de intolerável discriminação;

(vi) O soldado levantou-se, sem pedir a licença a ninguém, e saiu do refeitório. Foi ao abrigo (ou à sua caserna) e veio para a parada com "duas granadas já descavilhadas", em cada mão. Dirigiu-se à secretaria. O primeiro sargento ter-se-á apercebido, a tempo, das intenções do soldado, e não se aproximou da secretaria (ou fugiu, não sei);~

(vii) Dentro da secretaria, estava o Capitão, um alferes e um furriel. Ninguém sabe o que se passou lá dentro. O soldado deixou cair as duas granadas. O tecto da secretaria foi pelos ares. Lá dentro ficaram 4 cadáveres

Mortos, em 2/4/1972, todos do Exército, por acidente (sic), constam os seguintes nomes, na lista dos Mortos do Ultramar da Liga dos Combatentes:

- Alcino Franco Jorge da Silva, Fur
- Carlos Borges de Figueiredo, Cap
- José Fernando Rodrigues Félix, Alf
- Pedro José Aleixo de Almeida, Sold (...)


7 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5946: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (2): Evocando o Sold Almeida e o Fur Alcino, da CART 2742, que morreram, mais o Cap Figueiredo e o Alf Félix, na tragédia do domingo de Páscoa de 1972


[Versão do José Bebiano:]

 (...) José Cortes: O tempo passa e a tua imagem passou? Pouco tempo estive convosco [ CCAÇ 3549]. Lembro-me bem do Cap Patrocínio.

A história do soldado Almeida, ex-comando, e que com uma granada na mão matou-se e matou 1 cap + 1 alferes + 1 furriel... Eu, na altura do acidente estava em Lisboa.

Qual a razão para tal atitude? Pelo que me disseram, queria permanecer na Guiné e com uma granada na mão foi pedir para que não o enviassem para a Metrópole (?!)... Passou-se completamente.

Vou enviar uma foto com o falecido Alcino e com o Bebiano. A foto foi tirada em 26 Out 1971. Ainda por lá fiquei mais um ano.

Cumprimentos

P.S. - Estou reformado/aposentado desde 30 de Novembro. Ex-professor de Educação Física em Moura. (...)