1. Mensagem de Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69), com data de 10 de Março de 2010:
Caros Editores
Aí vão os textos, um publicado hoje, do que chamei ao correr da bolha.
Acabei por amputar um pouco.
Também penso parar um pouco.
Um abraço
Torcato
Ao Correr da Bolha - IV
O BLOCO-NOTAS de ABEL DJASSI
Ou
OS APONTAMENTOS de A. CABRAL
O P5878* de 24 de Fevereiro, versão II, a versão I estava incompleta, tem como tema um croqui e notas de Amílcar Cabral. Nele está praticamente tudo dito.
Escrevo somente por ter estado no Sector Leste – L1, por ao longo de três ou mais anos aqui no Blogue terem publicado textos meus e não achar despiciente acrescentar algo mais. Pouco contributo é certo, se comparado com doutas análises, não no blogue e menos neste Poste, mas produzidas noutros areópagos.
Voltando então ao croqui e às notas:
O documento de A. Cabral deve ser de Maio de 68. Este mês de Maio foi muito produtivo. Só que nessa data não haviam tropas – NT – em Samba Silate, Demba Taco ou Ponta do Inglês. Esta última foi desactivada em finais de 67 ou Janeiro de 68.Os últimos militares que lá estiveram pertenciam à CART 1746 (Xime) do BART 1904 (Bambadinca).
Quando da publicação já foram apontados alguns erros contidos no documento; quilometragens, dispositivo das NT no Sector 2 do PAIGC, correspondente a parte do nosso Sector L1. Contém o documento poucas informações. Certamente era um simples esquiço e breves notas, só que escrito pelo nº1 do PAIGC, A. Cabral.
O IN tinha mais e melhores informações e mesmo uma rede, relativamente bem montada, com elementos colaboradores nas principais tabancas e em todas as cidades ou núcleos populacionais onde estivessem aquarteladas as NT. Sabíamos e já disso aqui falámos. Tivemos confirmação por elementos In, caso do Malan Mané. Só com boas informações se pode atacar Mansambo como o fizeram em 28 de Junho de 68.
Mansambo era, com alguma frequência, visitado pelo IN. Eram vistos por detrás das árvores ou dos baga-baga, quais fiscais de obras públicas a anotarem a evolução da construção do “campo fortificado” nas palavras da propaganda deles. Haviam até cenas caricatas com uns tiritos, uma morteirada ou bazucada.
Quanto à nossa distribuição no terreno era, talvez devido à escassez de militares, deficiente. O dispositivo das NT estava – mesmo com o reforço da construção de Mansambo – só a servir de tampão ao avanço IN. Basta, convém ver, a Cartografia, excelente diga-se, das Cartas 1/50.000 do Xime, Fulacunda, Xitole e, noutra escala a carta da Província da Guiné.
Quando o aquartelamento de Mansambo estava em fase adiantada, na zona de comando, foi montado um mosaico com as cartas da zona, protegidas com um plástico e onde com lápis e “pioneses” de várias cores se marcava a nossa guerra. Acampamentos IN, itinerários, informações etc.
Escolas – A Educação – era, e bem, umas das preocupações do IN,ou melhor de Cabral e dos seus principais Comandantes. Igualmente para com a saúde ou a agricultura tradicional e adaptada às regiões.
Quando da “Lança Afiada” tivemos ocasião de constatarmos isso. Ficou tudo destruído é certo, as infra estruturas, foram apreendidos muitos livros e outro material escolar, documentação, destruídos celeiros para guardar arroz e outros produtos agrícolas, gado e não só. – Tenho cá uma sacola escolar com o respectivo conteúdo, veio por acaso e pode ir para o museu ou arquivo do blogue –. Esta operação foi a maior feita no Leste quer em duração quer em efectivos. A população, que eu saiba foi evacuada ou veio, no último dia, connosco. Os combatentes e muita população “cambou” o Corubal, à vontade. Os estrategas militares não montaram emboscadas na margem esquerda do Corubal e o IN escapou-se. Não se aniquilando os combatentes do PAIGC para que serviu destruir tanto acampamento, escolas e outras infraestruturas?
São maneiras subjectivas de ver a guerra e passíveis de contestação.
Ainda sobre as escolas importa realçar o seguinte: a língua que era ensinada era o português. Cabral e não só claro, sabiam, mesmo geograficamente envolvidos por países francófonos, que, num país tão pequeno mas simultaneamente com tantas etnias e dialectos, a língua podia ser factor de união, mais o crioulo e, no futuro o português iria servir de língua oficial. Estavam certos. Foi pena ter-se perdido tanto tempo.
Mesmo assim a língua é hoje um factor de união. Há contudo outros factores de união e Cabral sabia. É também a convivência de séculos, a troca de afectos, de elementos culturais, de sermos nós e um pouco deles ou eles e um pouco de nós e a guerra cada vez mais esquecida.
Há excepções. São figuras menores que só valorizam o todo.
A nossa geração, anos 60/70, foi diferente das anteriores e é diferente dos jovens de hoje. Certo. É assim. Ajudemos contudo a fazer a ponte, a falar da verdade aos jovens, a fazer um futuro mais uno, mais fraterno entre povos livres e irmãos de séculos e veremos que o futuro é já hoje.
Sobre o L1, a zona da margem esquerda do Corubal, a linha Xime, Mansambo, Xitole um dia falaremos.
__________
Notas de CV:
(*) Ver poste de 24 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5878: PAIGC: um curioso croquis do Sector 2, área do Xime, desenhado e legendado por Amílcar Cabral (c. 1968) (Luís Graça)
Vd. último poste da série de 12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5974: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (3): O velho picador
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
É verdade Torcato Mendonça, que a nossa geração (20 anos nas décadas de 60/70), foi diferente da geração anterior (20 anos nas décadas de 30/40), ou seja os nossos pais não entraram na guerra que decorria mundialmente, no seu tempo.
Já os nossos avós tiveram uma vida semelhante à nossa (20 anos em meados da 1ª década), entraram na guerra mundial que decorria no seu tempo.
E, esta guerra "inventou" o soldado desconhecido, tal foi a razia que nem dava para contar nem identificar os que tombavam.
Torcato, como dizes e bem, tambem a geração que se segue é diferente,
pois apenas os selecionados vão para a guerra (Afeganistão, Croácia...).
Será, como dizes, estaremos a fazer a ponte para a tal fraternidade entre povos?
Bom post
Antº Rosinha
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