quarta-feira, 17 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6006: O 6º aniversário do nosso Blogue (9): O Blogue, o futuro, os nossos encontros, os dias em que não me sinto fora de prazo... (Juvenal Amado)

1. O nosso camarada Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), brinda-nos com mais um dos seus admiráveis textos, desta feita alusivo ao aniversário do nosso Blogue.

Palavras simples de um homem sensível aos problemas do dia-a-dia da maioria dos portugueses cujos vencimentos, quando os têm, estão muito longe dos multimilionários ordenados e prémios dos gestores de empresas públicas que vivem à custa de todos nós, mesmo daqueles que quase já não têm ordenado.


O BLOGUE E O FUTURO

Nestes dias cinzentos e chuvosos pensamos no que fomos, no que somos e no que poderíamos ter sido.
A vida de cada um é um acto único, em que só alguns têm aquele quê especial, que os faz vir à boca de cena várias vezes.

Diz-se que os actores agradecem os aplausos do público. Por que razão se desvirtua esse momento, dizendo que os actores vieram diversas vezes agradecer ao público e não o contrário e legitimo? O público é que deve agradecer.

Assim somos nós todos, depois de tudo darmos, temos de agradecer que o nos é devido. Depois de uma vida inteira de trabalho produtivo em prol da sociedade, eis que nos encontramos de repente sós. Olhamos para as mãos, o que vamos fazer com elas?

Fomos pintores, torneiros, mecânicos, pedreiros… Durante uma vida  e agora não somos nada.
- O senhor tem que se apresentar 15 em 15 dias sob pena de lhe ser cortado o subsídio!!!

Por de trás da secretária a funcionária, com idade para ser nossa neta, revira os olhos e adverte:
- Isto não é para esquecer, pode vir antes mas nunca depois.

Somos culpados de não termos trabalho, é esse o nosso crime. Parece prisão domiciliária, onde nos apresentamos no posto da guarda, para saberem que não fugimos. Fugir,  para onde? De nós próprios, pois os outros já não nos vêm.
- Não pode ultrapassar o prazo. Se ultrapassar o prazo perde o subsídio!!!

 E depois, sim,  e depois vamos comer o quê?

À dor de já estar fora de prazo, junta-se o estigma de peça obsoleta, que tira a senha e espera que o mostrador pisque o seu número, para assim ser atendido por um técnico de desemprego que nunca esteve desempregado.

Lentamente engrossamos um cortejo onde se perde o respeito dos outros e,  posteriormente, vamos perdendo o respeito por nós próprios.

Ainda enchemos o peito de ar, perfilamo-nos em memória das nossas vivências. Mas,  camaradas,  quando estamos juntos, ainda somos gente.
O Passos soube de mim pelo blogue e o ex-Cabo Enfermeiro Catroga,  que vive na Suíça, também viu a sua foto lá, juntamente com o Médico, o Correia, o Furriel Graça e o Russo.

Fazemos desses momentos autênticas transfusões de vida. Voltamos a ser jovens. No fim, custa voltar à realidade. É como estivessemos num local onde tudo é equilibrado e perfeito.

Porque ansiamos por esses momentos? Porque já estamos ansiosos pelo aniversário do nosso Blogue?

O camarada José Belo disse-me que na Suécia se faria a terapia de grupo numa enorme sala branca, com cadeiras brancas, dispostas em U, nós todos de branco, falaríamos de nós e o terapeuta tiraria notas num caderno branco. Também ali estávamos a fazer terapia, mas de forma em que não necessitávamos de descer ao fundo de nosso ser, expondo as nossas entranhas retorcidas, vomitando o pó, sede, suor e sangue derramado, no chão daquela sala branca.

Descomplexados, sentados a uma mesa onde saboreámos o passado e a amizade, que esteve sempre ali, só que não a tínhamos encontrado.

Será assim que iremos festejar o aniversário do nosso blogue, pois ele devolve-nos o nosso orgulho e autoestima, com o maravilhoso trabalho de todos, mas em especial do Luís e dos nossos queridos editores. Nesses dias não me sinto fora de prazo.

Um abraço e até a Ortigosa
Juvenal Amado


Obs - Seguem-se algumas fotos,  de Juvenal Amado,  do Encontro da Tabanca do Centro, ocorrido no dia 26 de Fevereiro de 2010, em Monte Real. As legendas são da responsabilidade do Editor (que não esteve presente).

No sentido dos ponteiros do relógio: Luís Graça, Mexia Alves, Hélder Sousa, José Belo (vindo expressamente da Suécia) e Teresa (Marques Santos)

Nesta foto pontua o Cor Ref Coutinho e Lima e a esposa, Isabel, retardatários. De pé, ao fundo, da esquerda para a direita, José Eduardo Oliveira (JERO), Alice Carneiro e o ex-Cap Mil Vasco da Gama com uma camisola da nique...

Teresa, Luís e metade do 'strelado' Miguel Pessoa. Ao fundo brilha a estrela do  JERO...


Nesta foto, o Luís e o Miguel (desta vez completo e a seu lado, como sempre, a Giselda) conversam com o Jorge Narciso (ex-Melec da BA12, portanto  também da FAP).

__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5955: Estórias do Juvenal Amado (25): O Sertã e os companheiros da tenda de campanha

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5893: O 6º aniversário do nosso Blogue (8): Como é que se consegue pôr centenas de ex-combatentes a falar? (Manuel Marinho)

12 comentários:

Joaquim Mexia Alves disse...

Clap, clap, clap...

Palmas para o Juvenal e o seu texto!

Um grande camarigo abraço

Joaquim Mexia Alves disse...

Já gora na última fotografia estão em frente do Miguel Pessoa o Jorge Narciso e já quase fora a minha "distinta" pessoa!!!

Anónimo disse...

Camarada e Amigo. No teu poste está...TUDO! Gostaria de ter sabido escrever o que escreves-te,e,como escreves-te!Um grande abraco.

Luís Graça disse...

Uma grande pedrada no charco em que vivemos... Para muitos de nós, geração do pós-guerra, do "baby-boom", da guerra colonial, do "make love not war", do fim do império, da reconquista da liberdade, da consagração da igualdade de direitos entre homens e mulheres, do direito à saúde, do direito à educação, do direito ao trabalho, do direito à protecção na velhice..., a saída do ciclo da vida activa está longe de ser o que sonhávamos...

Há camaradas, como o Juvenal, que conhecem, talvez pela primeira vez, a dolorosa experiência do desemprego e com ele a brutal sensação de se ser um objecto descartável, algo que os outros usaram e deitaram fora...

Os portugueses, em geral, e a nossa geração, em particular, não vão deixar cair os braços... Como noutras ocasiões, vamos ter que remar contra a maré do fatalismo, da descrença, da impotência... O que significa antes de mais gritar, em voz alto!

Juvenal, tocas na ferida: mal de nós se deixarmos que a nossa auto-estima vá pelo cano de esgoto abaixo da história... O teu texto não é um lamento, é um grito de guerra e de esperança... E essa guerra temos que a vencer, por nós, pelos nossos filhos, pelos nossos netos! Portugal, a Pátria, não é uma ideia abstracta: é onde nos dói...e onde há um coração que bate como o teu!

Joaquim Mexia Alves disse...

Oh camarigos editores não é José Narciso mas sim Jorge Narciso tal com escrevi no comentário acima!!!

Ok, chefe???

Abraço camarigo e cuidado com a tensão!!!

Eu disse tensão!!!

Unknown disse...

parabéns pelo texto

augusto veiga
ex alf mil
Guiné 70/71/72

Unknown disse...

Parabéns pelo texto
Augusto Veiga
ex-Alf Mil
Guiné 70/71/72

Torcato Mendonca disse...

Dou-te os meus parabéns. Li e reli.
Mostraste-me a realidade nua e crua de uma vida, uma vida a ser, cada vez mais a vida, o quotidiano de muitos. Cada vez são mais. Li e reli. Li, pensei e relacionei com a 1ª página do DN de hoje. Uns ganham milhões em bónus e outros, em sociedade cada vez mais desigual, pouco ou nada recebem. Não quero escrever mais, quero, isso sim, ler o que deves continuar a escrever sobre a vida real. Tive que perguntar quanto era o salário mínimo...e quantos, aqui neste blogue de amizade, o saberão? É a vida meu amigo...
é um murro no estômago de muitos de nós...ou não?
Obrigado Camarada Juvenal Amado.
Um abraço amigo do Torcato

mario gualter rodrigues pinto disse...

Caro Camarada Juvenal Amado

Grande texto de coisas sérias e actuais que construistes neste teu belo post.

Um abraço

Mário Pinto

Anónimo disse...

É isso, Torcato! O texto do Juvenal é "murro no estômago".
"Nesses dias não me sinto fora do prazo" - Ó Juvenal! Fora do prazo estariam os avôs DELES se fossem vivos.
UM GRANDE ABRAÇO do
Alberto Branquinho

Hélder Valério disse...

Caro Juvenal
Não tenho palavras para referir tudo o que senti ao ler este teu excelente e sentido texto.
Podia falar sobre os muitos aspectos que estão lá contidos e que nos são caros, são simpáticos, mas a raiva impede-me por agora de os salientar.
Um forte abraço
Hélder S.

Sotnaspa disse...

Excepcional.
Este teu texto é a pura realidade, eu também passei por isso e, não ha muito tempo, a "neta" que me atendeu a certa altura foi pedir reforços, sim, paciência mas não tanto.
A nossa geração foi quem abriu as portas do poleiro as estas sanguessugas que nunca trabalharam na vida, mas que muitos milhões sorvem, e... tudo nos negam.
ASantos
SPM 2558