1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Novembro de 2022:
Queridos amigos,
No quadro explicativo apresentado pelos autores quanto ao dispositivo aéreo que veio a ser instalado na Guiné, depois de se terem elencado as aeronaves utilizadas do princípio ao fim neste teatro de operações, os autores apresentam a orgânica da Força Aérea, como a mesma foi alterada em 1958 para criar a zona aérea de Cabo Verde e da Guiné, apresentam-se as missões que lhe foram destinadas tanto como de apoio de fogo como de ajuda humanitária. No prenúncio da luta armada, uma missão procedeu a um relatório que revelou como Bissalanca era insegura e inapropriada para acolher as esquadrilhas aéreas. Foram indispensáveis intervenções de fundo, como iremos ver mais adiante.
Um abraço do
Mário
O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (6)
Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné.
Enunciados que foram os tipos de aeronaves, é tempo de analisar os desafios que a guerrilha impôs à FAP. A campanha aérea na Guiné era reconhecida como fundamental mas o essencial da missão contra a insurgência era de cooperar; cooperar nas ações das forças de superfície, por isso, os pilotos e o pessoal de apoio eram treinados para esta missão fundamental de se coordenar não só com os meios operacionais terrestres e navais, como igualmente transportar feridos e doentes, meios de abastecimento a destacamentos mais isolados, fazer reconhecimentos aéreos para identificar a localização dos insurgentes. Na verdade, estas operações de observação e reconhecimento tinham-se revelado extremamente úteis para as campanhas da Grã-Bretanha na Malásia e no Quénia. Pois bem, dentro da rúbrica do “Apoio de Reconhecimento” da FAP gizaram-se os seguintes tipos de missão: RVIS – Reconhecimento Visual, ou seja, um reconhecimento em meio terrestre ou águas costeiras; RVIS-MAR – Reconhecimento Marítimo, entendido como o reconhecimento sobre o mar; RVIS-SAR – Busca e Salvamento, ou seja, reconhecimento de uma determinada área terrestre ou marítima com a finalidade de busca seja de pessoal perdido, seja de náufragos, facilitando ou realizando o seu resgate; RFOT – Reconhecimento Fotográfico, aqui entendido como aquele que é efetuado com equipamento fotográfico; e RELE – Reconhecimento Eletrónico, para detetar estações de rádio e estações de radar inimigas.
Há duas áreas de missão dentro da rubrica “Transporte” que merecem destaque: a evacuação de feridos ou transporte de profissionais de saúde e as operações postais. No decurso da guerra da Guiné estas missões de transporte ganharam rapidamente reputação de salvar vidas e de melhorar o moral das tropas; a distribuição de correio igualmente se revelou ter o maior impacto no apoio às forças terrestres. Entre as forças portuguesas, chamava-se à quinta-feira o “Dia de Sto. Avião”, era nesse dia que o correio era levado para Bissalanca a bordo de um Super Constellation da TAP.
Uma outra missão primordial tinha a ver com o apoio de fogo, participando em operações, intervindo diretamente nas zonas de combate, procedendo a bombardeamentos e outras operações ofensivas. Em síntese, estavam referenciados os seguintes tipos de missão: ATIP (Ataque Independente Preparado), ATID (Ataque Independente Dirigido), ATIR (Ataque Independente em Reconhecimento), AESC (Ataque em Escolta), ATAP (Ataque Apoio Próximo) e ATAC (Ataque Acompanhamento).
De acordo com estudos efetuados, a principal contribuição do poder aéreo decorreu do desempenho de funções “indiretas”, sem prejuízo do apoio às operações das forças de superfície mediante acompanhamento, ligação, controlos aéreos e operações especiais. Entenda-se que a FAP pretendia que os seus do ultramar não ficassem desprotegidos e havia justificação para tais preocupações. Em 1961, chegaram à República da Guiné os primeiros caças MIG-15 e MIG-17, eram conhecidos os relatórios dos conselheiros soviéticos no aeroporto de Conacri. Aviões MIG ao serviço das forças mais radicalmente anticoloniais era uma permanente preocupação das autoridades e dos operacionais. Para vigiar e procurar impedir violações do espaço aéreo pretendia-se que a FAP alocasse caças para as seguintes missões em território guineense: patrulhamento, dissuasão, interceção e escolta. A FAP reconhecia a necessidade de assegurar à população civil o apoio indispensável. Era ponto de hora desde o início da guerra que as operações da FAP estivessem alinhadas com a intensa ação psicossocial junto da população, cooperando com as outras forças militares. Em consequência, a FAP foi incumbida de atividade rotineira no amplo campo da ajuda humanitária que incluía evacuação médica de locais remotos, reordenamentos da população e transporte de peregrinos muçulmanos que iriam a Meca, com voos diretos a partir de Bissalanca.
Temos agora novo capítulo, intitulado “A Sombra Amiga” proporcionada pelas asas da Força Aérea. As chamadas regiões aéreas datavam de 1956: a 1.ª Região Aérea, com sede em Lisboa, e que abrangia o Continente, a Madeira, os Açores e Cabo Verde. A Guiné, conjuntamente com Angola e S. Tomé e Príncipe, compunha a 2.ª Região Aérea. A 3.ª Região Aérea compreendia Moçambique, o Estado da Índia, Timor-Leste e Macau, e tinha a sua sede em Lourenço Marques (atual Maputo). Cada Região Aérea era responsável por organizar, equipar e dirigir os meios de defesa aérea, as missões de transporte e o apoio de fogo dentro das suas áreas. Em 1958, a Guiné foi transferida para a 1.ª Região Aérea e agrupada com Cabo Verde na recém-criada Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, com sede em Bissalanca. Esta zona aérea controlava, mantinha e empregava todas as aeronaves atribuídas à esquadra operacional de Bissalanca. O comandante da zona dispunha de um destacamento de F-86, um Neptune destacado para a Ilha do Sal e um pelotão de paraquedistas. A subordinação da unidade paraquedista à FAP dotou esta de força terrestre que, conjuntamente com a sua capacidade de transporte aéreo e apoio de fogo lhe permitiram realizar operações ar-terra. Havia que atender à realidade da geografia que dava vantagens aos insurgentes devido à extensa rede de rios e afluentes, isto num território que possuía apenas 60km de estradas pavimentadas. Uma grande parte da Guiné era inacessível para as forças mecanizadas, exigia-se um trabalho permanente na vigilância aérea para detetar atividades ou movimentos dos insurgentes. Acresce que estes dispunham de outros elementos a seu favor: ampla vegetação, fronteiras porosas e santuários autorizados sobretudo na Guiné Conacri. A guerrilha estava ciente que qualquer ponto da Guiné poderia ser alcançado por via aérea no máximo numa hora a partir de Bissalanca, podendo operar para evacuação de feridos, escoltar embarcações ou participando em operações. As aeronaves eram verdadeiramente o elemento que permitia surpreender e intimidar os insurgentes nas numerosas ilhas ou quebrar o ímpeto em emboscadas ou tentativas de cerco às tropas em meio terrestre. Os helicópteros, muito especialmente, revelaram-se ideais na Guiné. Feita uma missão de avaliação às necessidades e contingências da região, apurou-se que na Guiné só havia uma pista pavimentada no Aeroporto Craveiro Lopes, inaugurado em 1955, o aeródromo servia principalmente como escala para os aviões da TAP. O relatório descrevia a pista como decrépita e desgastada, suscetível a provocar estragos em aviões a jato; possuía um hangar modesto e construído à pressa, perto do terminal. As comunicações de rádio e as ajudas de navegação da base eram primitivas. A segurança à volta do aeroporto era também um desafio, constatava-se que podia haver pessoas a atravessar a pista ou até mesmo um rebanho de vacas.
Havia assim, que preparar Bissalanca, como aconteceu.
(continua)
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Nota do editor
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