sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17663: Notas de leitura (987): “Portugal e o Império Africano - Séculos XIX e XX”, coordenação de Valentim Alexandre, Edições Colibri, 2013 (2) (Mário Beja Santos)

“Portugal e o Império Africano – séculos XIX e XX”, coordenação de Valentim Alexandre, Edições Colibri, 2013


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
Esta coletânea de intervenções de investigadores dá-nos a possibilidade de percorrer a linha de fundo entre 1825 e a descolonização, perceber como o sistema político liberal procurou soluções depois do abolicionismo da escravatura, lançou exposições, favoreceu novas estratégias comerciais, pacificou etnias hostis, atraiu colonos e investimentos, incrementou culturas a exploração de riquezas. Império frágil, necessariamente, sempre à sombra de um aliado protetor, a Grã-Bretanha. Uma matriz ideológica irá percorrer a Monarquia, a República e o Estado Novo, aqui o regime não soube encontrar resposta para o turbilhão revolucionário, a sua consigna era aguentar. Salazar dizia aos seus íntimos que a III Guerra Mundial lhe iria dar razão. Não houve III Guerra Mundial, a coesão interna desfez-se e os militares mais jovens puseram termo ao impasse, quando se perfilava no horizonte um vexame de proporções incalculáveis.

Um abraço do
Mário


O Império Africano, séculos XIX e XX: 
Um olhar da nova historiografia (2)

Beja Santos

“O Império Africano, séculos XIX e XX”, coordenação de Valentim Alexandre, Edições Colibri, 2013, é uma coletânea de reflexões produzidas durante um curso de verão promovido pelo Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. O coordenador estabeleceu moldura dos grandes eventos, ficou registado no texto anterior. Vejamos agora as grandes temáticas tratadas pelos outros intervenientes.

Primeiro, o abolicionismo. O novo pensamento comercial exigia o fim do comércio negreiro, Espanha e Portugal resistiram mais ou menos longamente à liderança moral e comercial britânica. O tráfico brasileiro ressurgira em força em 1834, a Inglaterra apertava a tenaz, formalmente abolimos a partir de 1839. O Marquês de Lavradio e Sá da Bandeira apresentaram em 1842 uma proposta para abolir o estado de escravidão, foi grande a polémica, os interesses dos proprietários dos escravos eram enormes. Em 1853 estava constituída a coluna vertebral da legislação abolicionista: a libertação de todos os escravos era formalmente uma realidade. Em 1874, Sá da Bandeira e Andrade Corvo pretendem regulamentar o trabalho africano. Mas não haja ilusões, recorrendo a inúmeros expedientes a legislação colonial permitia o uso arbitrário da mão-de-obra nativa.

Segundo, a economia colonial africana. Já se disse que da Monarquia à República e desta ao Estado Novo houve continuidade fundamental na colonização. Destaque-se o impacto do tráfico de escravos transatlântico: redefiniu relações sociais e políticas entre etnias, contribuiu para reestruturar identidades e instituições, expandiram-se redes comerciais que levavam as importações para o interior de Angola; a grande afluência de mercadorias importadas que acompanhou a procura de escravos não só provocou uma expansão geográfica como incrementou a produção africana de géneros para vender. Um investigador lembra-nos que “Ao entrar no século XIX o que é o Estado de Moçambique não constituía uma unidade política nem administrativa. Era a África Oriental Portuguesa, de contornos indefinidos, também designada por Conquista de Moçambique e Rios ou Capitania de Moçambique e Rios de Sena. Até 1752 dependia do Estado da Índia. Os locais onde se exercia a soberania portuguesa estavam reduzidos, além da ilha de Moçambique, às ilhas de Cabo Delgado, Inhambane e Lourenço Marques”. Foi o ouro e a prata que atraíram os portugueses. Quando se entrou no século XIX, a generalidade do senhorio era exercido por não europeus, senhores de terras, de escravos, investidos em autoridade colonial com o título de capitães-mores, comandante de milícias. O século XIX marca a ascensão das companhias: do ópio, do açúcar, faz-se comércio de marfim, introduzem-se as oleaginosas, a linha de caminho-de-ferro, atrai investidores e interesses bancário. E escreve-se: “No dealbar do século XX, o Centro e o Norte de Moçambique estavam em vias de ficar subordinados à administração das companhias majestáticas e de plantação, e o Sul, abatido o último grande império, o de Gaza, passava de uma administração militar de ocupação para uma administração colonial civil. Por todo o território as populações passaram a ser acusadas para o fornecimento de mão-de-obra, já não escrava, mas compelida, para as plantações, para a agroindústria, para as obras públicas, para os portos e caminhos-de-ferro. No Sul, estabeleceu-se uma emigração maciça de trabalhadores para a África do Sul. Tendo-se formado grandes massas de trabalhadores tanto dentro como fora da colónia, nem por isso estas profundas transformações sociais iniciadas em finais do século XIX projetaram uma burguesia e um proletariado capacitados para criarem as condições suscetíveis de subtrair Moçambique à condição mais intrínseca de colónia”.

A obra debruça-se sobre a questão colonial na política externa portuguesa. Em dado passo refere-se que no decurso da II Guerra Mundial, e já antes, eram essencialmente três os objetivos da nossa política externa: a defesa da independência nacional mormente contra o comunismo; a defesa do património colonial e a defesa da sobrevivência do regime. A partir de 1945, o regime sabe que se vai confrontar com a descolonização e por vagas. Tudo começa na Ásia e surgem as ameaças sobre o Estado da Índia, que será anexado em 1961. O Reino Unido sai da Índia, a França é derrotada na Indochina, praticamente toda a Ásia se liberta do colonialismo, segue-se a vaga do Norte de África e daí desce para os territórios habitados por negros. A partir de 1960, a ONU não mais largará o caso português, crescerá o isolamento diplomático. O regime de Salazar e de Caetano não conseguiram aberturas, não acharam respostas para o crescente evoluir da guerrilha até que a classe castrense, praticamente exaurida, deu a saída liquidando o regime e abrindo as portas à descolonização.

Foram diferenciados os caminhos seguidos por Angola e Moçambique. No primeiro país, a seguir à independência, veio a fatura das grandes divisões ideológicas contextualizadas pela própria Guerra Fria; a África do Sul sabia que o seu futuro dependia da contenção dos movimentos de libertação em Angola e Moçambique, procurou dar todo o apoio disponível, sobretudo em equipamento e informações. Mas a FRELIMO, na hora da descolonização, fez pesar para seu lado a vasta corrente internacional anticolonial.

O volume termina com a visão de Angola ao longo do século XX, até 1974, dá-nos um retrato da evolução da sociedade angolana durante a primeira república e o Estado Novo. Há números que dão que pensar. “Em 1950, menos de 1% da população não branca de Angola estava oficialmente na categoria de civilizada e em 1960 havia menos de 100 mil civilizados entre os 4 604 362 negros. Porém, o número de escolarizados cujo modo de vida se aproximava dos padrões europeus era muito maior do que aqueles a quem for permitido sair do estatuto de indígena”. Isso deve-se ao contributo das missões cristãs. O cristianismo aparece associado às transformações económicas e sociais geradas pelo sistema colonial, alterou conceções e modos de vida, práticas alimentares, de vestir, etc. Dessas missões cristãs saíram professores, enfermeiros, operários especializados e outros.

Este conjunto de comunicações são mais de que um olhar renovado da nossa historiografia; abrem o ecrã a uma leitura que pode formalmente iniciar-se em 1825 e findar com a descolonização, dão ao leitor a possibilidade de compreender como o liberalismo encontrou uma saída eficaz depois do trauma da independência do Brasil para reacender a mística imperial e ficamos a perceber como se estabeleceu uma linha de procedimento de absoluta simpatia com o império africano e como o regime de Salazar e Caetano não foram capazes de lidar com a torrente poderosa da descolonização. Ficaram ressentimentos mas a opinião pública de fundo aderiu sem remoques ao projeto europeu. O que nos leva a muitos séculos antes, quando se iniciou a expansão marítima e ao confronto das teses propugnadas pelo Infante D. Pedro e pelo Infante D. Henrique. Parecem acidentes da História ou talvez não.
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Nota do editor

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Último poste da série de 9 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17661: Notas de leitura (986): "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo: exorcizar velhos e novos fantasmas - Parte II (Luís Graça)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

"Salazar dizia aos seus íntimos que a III Guerra Mundial lhe iria dar razão. Não houve III Guerra Mundial,..."

Quando se fala em Salazar, (aprecio mais ouvir os anti do que os pró-salazaristas), gosto de saborear, até chego a adiar a leitura para guardar o bocado.

Como sempre o nosso BS, procura o melhor para servir esta "nossa guerra" que aqui mantemos uns tantos, que não devemos deixar morrer, ardam os eucaliptos que arderem, que é guerra dos nossos netos, que já não é para a nossa idade.

Mas voltando ao Salazar, se o botas não disse, pensou muito provavelmente, pois a frase da III Guerra não vem na página do CITADOR, fui lá à procura e não vi algo semelhante.

Mas será mesmo que não temos aí a III Guerra sem bombas atómicas, mas com suicidas-bombistas, quais Kamikazes em Londres, Paris, Berlim, Nice, NovaYork, e uma rotina de naufrágios com milhares de "invasores" indiscriminados da Europa, trancada com muros e arame farpado?

De onde vêm os invasores? nada mais nada menos que das ex-colónias europeias da África e do Médio Oriente, que a Europa "usou e deitou fora".

E agora que a Europa sem forças para parar a bola de neve, será que há 50 anos, já não tinha força naquele tempo para manter as rédeas, e terminar devidamente uma missão que nunca devia ter iniciado em 1880?

Ou o abandono das colónias foi apenas mais uma leviandade de uma Europa louca que havia feito a I e a II Guerra com uma total irresponsabilidade?

Cumprimentos