

O MILITAR que foi meu Comandante-Chefe (*)
A primeira vez que vi o General Spínola, aconteceu na época natalícia de 1970, no quartel do Saltinho, quando ele corria todas as companhias e respectivos destacamentos, e a CCAÇ 2701 tinha três, Cassonco, Madina Buco e Cansamange.
Lembro-me que chegara uma mensagem indicando que o pessoal devia estar formado em U, e não me recordo se nesse dia o cumprimentei.
Voltei a encontrar o General, em pleno mato, junto ao Corubal, lá para os lados do Cheche, no decorrer de uma operação que durou três dias, saindo de Dulombi dois grupos de combate da CCAÇ 2700, um grupo de combate da CCAÇ 2699 (Cancolim) e o Pel Caç Nat 53, sendo esta força comandada pelo Cap Carlos Gomes, comandante da 2700.
O local, onde o heli "largou" o Caco, era altamente perigoso, mas ele estava na maior das calmas a informar-se do decorrer da operação, da qual, como é meu hábito, não recordo o nome, e hoje lamento não ter tomado essas notas.
Tempos mais tarde, voltou ao Saltinho para uma visita mais demorada. Nessa altura, o Jamil Nasser, comerciante no Xitole, começara a construir um barracão junto à tabanca do pessoal do Pel Caç Nat 53, que ficava junto à porta de armas do quartel, e o barracão destinava-se a uma nova casa comercial.
Claro que o General se apercebeu da construção e, informado dos fins e do proprietário, foi aos arames e deu de imediato ordem ao Cap Clemente para mandar demolir o que já estava construído. E acrescentava não perceber como o Chefe de Posto do Xitole autorizara a abertura de uma casa comercial em tal local, se quisesse construir, fosse para Mampatá, uma tabanca distante 2 Km e onde havia população.
O Jamil desistiu da abertura de uma casa em Mampatá, mas a ideia foi aproveitada por um outro comerciante do Xitole, o Rachid. Passou-se para o Reordenamento de Contabane, na outra margem do rio, e estou a ver a Fatemá, mulher do Régulo Sambel, mãe do meu 1º Cabo Suleimane, a "pendurar-se" ao pescoço do Spínola e a cobri-lo de beijos.
Quando da minha estadia em Bambadinca, estive três vezes com o Gen Spínola.
Em 24 de Dezembro de 1971, houve o encerramento do primeiro curso de Milícias em que fui comandante da companhia, havia um longo programa que foi reduzido à formatura e ao discurso.
Este discurso, frente à companhia, formada no campo de futebol, e com população a toda a volta, era um espectáculo bem encenado... o General proferia uma frase, parava, e o intérpete balanta reproduzi-a, seguia-se o fula, e por último o mandinga.
Neste dia 24 de Dezembro tive a sorte de uma das visitas de Natal programadas ser ao Saltinho, e assim apanhei uma boleia inesperada.
Voltei a Bambadinca em Janeiro de 72 e, durante o novo curso de milícias, tive duas visitas do Com-Chefe, uma aí pelo meio e a outra no final tendo, desta vez, sido cumprido todo o programa de encerramento, que incluiu uma deslocação de viatura à carreira de tiro, que ficava para lá do destacamento da Ponte de Udunduma, a caminho do Xime.
Na visita que o General fez a meio do curso, lembro-me que uma das coisas que queria saber era o comportamento do Fafe Nkumba, um ex-chefe de bigrupo [do PAIGC], que fora ferido e capturado, e que estava destinado a ser comandante do pelotão que iria ser colocado na Ponte Luís Dias.
O Fafe era maneta, ficara sem a mão e antebraço direitos, devido aos ferimentos.
Voltei ao Saltinho, já com a CCAÇ 3490 de má memória, e um dia pela manhã, aparece por lá o Caco.
Além de mim, que era do 53, no quartel só se encontrava um oficial daquela companhia, um Alferes que queria apanhar uma hepatite e começava o dia a beber uma bazuca acompanhada por uma banana.
Naquele dia a causa da visita era uma carta de um soldado a queixar-se do rancho, no que tinha toda a razão, acrescento.
No fim da visita o vaguemestre tinha deixado de o ser, e o Cap Ayala Botto [, ajudante de campo do Spínola,] levava um apontamento para convocar o Cap Lourenço, mal este chegasse de férias da Metrópole.
A mês e meio de acabar a comissão, recusei-me a cumprir uma ordem estapafúrdia do Lourenço. Ameaçou-me com uma porrada, e arranjei uma consulta de urgência na psiquiatria. Claro que nem sequer entrei no hospital, fiz uns contactos, livrei-me da porrada.
Terminando, gostei do MILITAR que foi meu Comandante-Chefe, e está tudo dito.
Um abraço, Paulo Santiago.
Texto e fotos: © Paulo Santiago (2010)
Ex-Alf Mil At Inf, Pel Caç Nat 53
(Saltinho, 1970/72)
Foto 1 > Saltinho > À direita o Alf Mil Médico Martins Faria, Major Azeredo, 2 militares não identificados, Alf Mil Santiago, General Spínola e Cap Clemente

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Nota de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:
12 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6147: O Spínola que eu conheci (7): Spínola na Guiné: Histórias que se contam, Cor Carlos Alexandre de Morais (Mário Beja Santos)