quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3143: Blogoterapia (62): A minha vida morreu; morreram os meus amigos (Santos Oliveira)


1. O nosso camarada Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf.ª, Como, Cufar e Tite, 1964/66 (*), mandou-nos esta mensagem em 1 de Agosto de 2008.

Vinhal

Quero dizer-te que tentei alisar, com o ferro de engomar, o documento que pretendia digitalizar, mas ele transformou-se em fragmentos de pó.

Entretanto, lembrava-me das fotos daqueles dias negros em que, exposto ao fogo, de costas para a Mata do Cachil, chorava, sentado sobre a paliçada.

Foram alguns dias assim…

Junto as fotos referidas.

Abraço, do
Santos Oliveira

2. Hesitei entre duas séries, Blogoterapia ou Blogpoesia, para publicar este trabalho.

Optei pela Blogoterapia, porque aqui se reproduz um grito de dor pela perda de dois amigos de infância. Nesta fase da vida, a amizade verdadeira se funde e mantém-se para sempre. A distância e o tempo não as apaga. Como podemos ver, nem a morte.

Quando se está longe, carente de todos os afectos, a perda de dois amigos é ainda mais sentida, mais violenta.
CV















Cachil > De costas para a mata



3. Encontrei um fragmento, quase ilegível (também pode ser por causa das lágrimas), decerto devido ao papel onde foi escrito (papel de seda) donde se consegui coligir o seguinte:

A minha vida morreu; morreram os meus amigos.

Quando empalideci, quando chorei após a notícia tão atroz, acabada de chegar, de que os meus dois únicos amigos de infância e juventude morreram num curto espaço de tempo, julguei não aguentar mais.

Ao Manuel Couto Ferreira dos Santos e ao José Nuno Guimarães dos Santos, a minha Homenagem possível, de profunda e imensa saudade.

O primeiro foi levado por um acidente e ao segundo levou-o o cancro.

Foram companheiros até a morte nos separar.
Nada mais resta, irmãos.

Jamais encontrarei amigos assim e mesmo que os encontre, jamais serão iguais a Vós.

Cachil – Ilha do Como (Guiné)
1964/65

Num escasso tempo, somente,
Amigos de toda a Vida
Partiram, sem despedida…
E a minha Alma dormente
Sentiu-se só e perdida.

A Guerra nos separou
No tempo ou no viver
E para, assim, nos perder
...E o Guerreiro chorou
Até ao amanhecer.

Quisera ter um abraço,
Sussurro ou peito amigo,
Mas só silêncio restava.

O Grupo, deu-me o espaço
De Filhos. Mas não consigo
Esquecer a quem amava

Santos Oliveira
Fur Mil AP Inf.ª/Ranger
_____________

(*) - Vd. poste de 15 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Fernando,

Obrigado pelo teu soneto, como se pode dizer tanta coisa profunda em táo lindas e simples palavras.
É assim quando o (violino) coração, nos trás os Mais Nossos!
Mas temos de viver!
A Memória é a nossa grande arma. Ao utilizá-la para com os teus amigos è das coisas mais lindas que lhe poderias oferecer.
Solidário, a tua foto levou-me também ao Cachil que eu vivi um ùnico dia e uma noite. Essa pressão eu não aguentava, por isso escrevi e aftrmo:
Preferia ir pela mata ou pela estrada acertar as coisas em Cabolol, e lá morrer, que viver entoupeirado, naquele "Forte Apache".
Fizemo-nos Amigos em Cufar. Foi linda a amizade da Malta nessa altura.
A lei da vida!
Já muitos partiram!
Partilhemos com os que ainda existem, da melhor forma que podermos.
Sei que te é difícil mas dia 14 de Setembro os velhinhos de Cufar vão-se juntar num almoço em Mafra mas fica o convite feito.

Um abraço do sempre amigo,

Mário Fitas

Anónimo disse...

Ao Mário Fitas
A gratidão da tua solidariedade Amiga.
Não sei o que será viver na “solitária” duma qualquer Prisão do Mundo. Certamente não será mais desconfortável que viver o “primitivismo” daquele lugar.
A Memória, amigo, continua Viva. Tudo continua vivo. Até o Lugar me deixa algumas boas recordações de verdadeira Equipa Solidária que, parece, vai rareando nos tempos de agora.
No 14 de Setembro, estarei convosco, sim (como tenho estado sempre que conheço a data) com o já habitual SMS, onde vou transmitindo os meus desejos e o sentir para contigo, para com toda a C.Caç. 763, a Unidade onde me senti mais integrado e completo.
Foi a minha Unidade de referência. Tu o sabes.

Abraço Fraterno, do
Santos Oliveira