1. Mensagem do dia 16 de Agosto de 2008, do nosso novo camarada Jorge Fontinha*, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72).
Conforme prometido, venho com a minha primeira contribuição, para o Blogue.
E como não poderia deixar de ser, vamos começar com o Baptismo de Fogo.
Junto o texto com duas fotografias tiradas antes e no decurso da Operação, a última já durante a manhã, no regresso.
Um grande abraço para a Tertúlia,
do Camarada:
Jorge Fontinha
CCAÇ 2791
2. O meu batismo de fogo e da CCAÇ 2791
Por Jorge Fontinha
O Capitão Comandante da CCAÇ chama-me ao seu gabinete:
- Meu caro, sabe que chegou hoje o Oficial que comandará o seu Pelotão. Como porém, esta noite teremos que sair para o mato e o nosso Alferes não conhece o pessoal e dando-se ainda a circunstância de você ser o Furriel mais antigo do Pelotão, encarrego-o de o conduzir, sem contudo se fazer notar, uma vez que o senhor oficial também vai. A missão é arriscada e o pessoal terá de ser conduzido com serenidade e pulso. Vamos para o Choquemone e partimos às 2 da manhã. A missão consta de...
Foto 1 > De saída para a Operação
Duas horas da manhã de 17 de Novembro de 1970. A noite é suave e corre uma agradável brisa. O luar, na parada do quartel de Bula, faz com que as sombras do pessoal nos dêem a impressão de fantasmas movediços.
A Companhia está formada e o Alferes Miliciano, Comandante interino da Companhia de Cavalaria que iria ser rendida pela nossa, depois de a ter apresentado ao Senhor Capitão, da Companhia que iria fazer a sua 1.ª operação militar no terreno, e que por motivos de saúde não pôde ir comandá-la, mandou-a avançar em bicha. Vão saindo os pelotões: em 1.º lugar o Segundo, comandado pelo respectivo Alferes; em 2.º o Primeiro, seguindo-se um grupo de Milícias Africanos no qual vai integrado uma Secção do Batalhão que viemos render e na qual se integra o Alferes Comandante da Operação. Depois segue o nosso 3.º pelotão e, por último, o 4.º no qual eu me integro, como Furriel Miliciano.
A coluna perde-se ao longo do alto capim, que devido ao cacimbo está molhado e nos encharca a todos. O pessoal vai atento e bem disposto, embora cuidadoso e bem consciente do perigo.
A minha Secção vai completa: na 1.ª equipa, o Celestino, o Azevedo e o Monteiro olham de vez em quando para trás na esperança de ver um sinal meu. Os restantes, que estão atrás de mim, o Romão, o Cavaco, o Matos, o Pinto e o Nunes seguem-me como uma sombra a uma considerável distância. Verifico com agrado que todos vão compenetrados do seu papel. Só um problema me atormentava: antes de partirmos, o Nunes havia-me pedido que o desenfiasse porque pressentia que lhe ia acontecer qualquer coisa. Fiz-lhe ver que isso não passava duma mania e agora seguia satisfeito. No meu lugar (o 5.º na progressão em relação ao GCOMB) ia pensando em tudo isso ao mesmo tempo que não desviava os olhos do denso capim que se via em redor.
Foto 2 > No decurso da Operação
Seriam umas 3 e meia da madrugada e eu seguia embebido nos meus pensamentos, um pouco distantes dali, talvez na Metrópole, talvez em Angola, (outros temas de Guerra…), pensando em muitas coisas. De súbito ouve-se um estrondo e uma chuva de estilhaços cai em redor dos que iam naquela zona. Depois silêncio total. Ao ouvir o estrondo, pensei logo que seria uma mina e, era aconselhável que ninguém se movesse sob pena de se fazer explodir mais alguma. Olhei para trás e vi todo o pessoal abrigado, à excepção de um soldado que, no caminho, gemia e se rebolava pelo chão. Corri para ele que de barriga para baixo e a mão esquerda tentado procurar na perna do mesmo lado o pé perdido, suplicava para mim:
- Meu Furriel, mate-me, acabe comigo! Meu furriel tenha dó de mim!...
Olhei para ele emocionado mas já o homem de transmissões e o enfermeiro corriam para o local. Virei as costas. Para que me não vissem chorar. Chorei, sim, de raiva, de impotência e de ódio. Senti-me incapaz de valer àquele homem, e ele era um homem da minha Companhia, um homem do meu Pelotão, um homem da minha Secção. O Nunes! E porquê ele, meu Deus? Não me tinha dito ele, antes de sairmos do quartel, que lhe iria acontecer qualquer coisa? Por que não o desenfiei eu? Tinha feito o meu dever, bem o sei, mas se não o tivesse trazido, não estaria agora naquele estado.
Não fora ataque, não fora uma mina, não fora um turra. O que seria? Como acontece bastantes vezes, apenas um acidente. O Nunes, que era o apontador da bazuca, deixou cair uma granada desta ao chão e, ao rebentar, ceifara-lhe um pé e parte da perna. Outros soldados e o Alferes Comandante, ficaram com ferimentos menos graves e tiveram de ser evacuados.
A coluna pôs-se novamente em marcha e caminhou para a conclusão da Operação que viria a culminar com grande sucesso, e na qual o nosso pessoal se bateu com galhardia. No fim, mais alguns soldados com ferimentos ligeiros.
O meu baptismo de fogo… com aquela baixa a lamentar: o Nunes que ficou sem o pé esquerdo.
Jorge Fontinha
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 11 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3129: Tabanca Grande (82): Jorge Fontinha, Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
:-)
abraço
urbano silva
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