domingo, 24 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3146: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (12): Ataque a Mansabá

1. No dia 22 de Agosto de 2008, recebemos uma mensagem do nosso camarada Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, (, Mansabá e Olossato, 1968/70), com mais uma história da sua CCAÇ 2402 (*).

Caro Vinhal,
Julgo que ainda estás de serviço enquando os outros editores gozam merecidas férias.
Aqui vai mais um artigo em tempo de férias, este relacionado com a nossa Mansabá.

Um abraço,
Raul Albino


Ataque a Mansabá

Por Raúl Albino

Em 3 de Abril de 1969, um grupo inimigo estimado em cerca de 100 elementos, atacaram Mansabá de diversas direcções com Canhão sem recuo, Morteiro 82, Lança Granadas Foguete, Metralhadoras Pesadas, Metralhadoras Ligeiras e outras armas automáticas.

O ataque começou cerca das 23,15 horas e durou 45 minutos. As nossas tropas (ao nível do Batalhão) sofreram 1 morto, 10 feridos graves e 23 feridos ligeiros. Segundo o relatório da nossa Companhia, pertencer-nos-ia 3 feridos graves evacuados para o Hospital Militar 241, tendo posteriormente um dos feridos sido evacuado definitivamente para o HMP de Lisboa, além de 16 feridos ligeiros. A população sofreu 7 mortos, 12 feridos graves e 19 feridos ligeiros.

Foto 1 > Mansabá > Alguns dos feridos esperando evacuação para Bissau

Foram atingidos pelo impacto de granadas, 3 casernas, o edifício do Comando, o Posto de Rádio, a padaria, a cozinha, os balneários das Praças, a Messe de Sargentos, a residência dos Oficiais, o edifício da Administração, o depósito de água, um posto abrigo e a pista de aviões, tendo sido ainda atingidas 4 viaturas.

Foto 2 > Mansabá > Pode ver-se as marcas do impacto das munições na parede

Foto 3 > Mansabá > Um dos edifícios atingidos

Pelo fogo e manobra das tropas, o inimigo furtou-se ao contacto. Pela batida e informações posteriores constou-se que o inimigo empregou no ataque cerca de 6 Canhões sem recúo, 6 Morteiros 82 e vários Lança granadas foguete, Metralhadoras Pesadas e Ligeiras.

O BCAÇ 2851 era a Unidade responsável pelo Sub-Sector. A CCAÇ 2402 colaborou na defesa e reacção ao ataque com algumas limitações. É que o 3.º grupo de combate – que eu comandava – e o 2.º grupo de combate, tinham chegado a Mansabá dois dias atrás. Pelo meu lado e falando por mim, o sentimento que tive neste dia foi de frustração, pois não conhecia o sistema de defesa do quartel, não sabia para onde me dirigir quando o ataque estalou, restando-me procurar abrigo atrás de um pequeno muro que se estendia frente aos dormitórios.

A sensação principal que perdura na minha memória foi a da perfeita inutilidade da minha presença. Nunca tinha sentido isto antes nem voltei a sentir depois, porque em todos os inúmeros contactos que tivemos ao longo da comissão, sempre estiveram bem definidos os nossos objectivos e missões a cumprir, não dando lugar a situações de indefinição. Esta foi a excepção e, por essa razão, a minha narrativa deste evento é tão limitada. Resta-me referenciar as narrativas daqueles que assistiram a alguns acontecimentos, por se encontrarem nos próprios locais.

Foto 4 > Mansabá > Final da pista de aviação


Foto 5 > Mansabá > Um DO na zona de estacionamento das aeronaves


Fotos © Raul Albino (2008). Direitos reservados.
Legendas da responsabilidade do editor.


O número de feridos deste combate foi elevado, movimentando um grande número de helicópteros e aviões na pista de aterragem, para procederem à evacuação para Bissau dos elementos em estado mais grave, tanto das nossas tropas como da população. As fotografias acima dão uma imagem dessa situação de emergência.

O que acima foi descrito não passa de um relato sintético pelas razões que expus. Neste momento já possuo a narrativa do nosso comandante de então, o Cap Vargas Cardoso, que por coincidência desempenhava nesse dia a função de Oficial de Dia ao aquartelamento. Segundo as suas palavras ele sempre se mostrou muito crítico quanto à forma como o comando conduzia a sua actividade na sua área de jurisdição. Assemelhava-se a uma guerra programada que abria ao nascer do sol e encerrava a meio da tarde, coincidindo com o horário dos trabalhos de construção da estrada Mansabá/Farim, principal objectivo do BCAÇ 2851 naquela zona. O patrulhamento dos arredores do quartel estaria reduzido ao mínimo, só assim sendo possível que o inimigo tivesse conseguido instalar tamanho poder de fogo nas redondezas. Não estando autorizado para transcrever os seus textos, resta-me informar que ele participou activamente na defesa e resposta ao fogo do inimigo, contribuindo para a sua retirada.

No dia seguinte o General Spínola com alguns oficiais do Q.G. apresentaram-se em Mansabá para indagar dos factos ocorridos na véspera. Terá ouvido as exposições do Oficial de Dia e do Comandante de Batalhão, decidindo retirar-lhe o comando e enviá-lo para o Q.G. em Bissau. Que belo castigo, pensei eu na altura.

Recordo-me que nesse dia algo me pareceu estranho e não me agradou e que consistiu no seguinte: as instalações onde os oficiais dormiam e possivelmente também os sargentos, eram constituídas por uma fileira de pequenas moradias geminadas tipo bairro económico, tendo na sua frente um muro a todo o comprimento com cerca de 80 centímetros de altura (se a memória não me falha) onde me abriguei no momento do ataque. Na ponta dessa correnteza de casas ficava a que estava distribuída ao Comandante do Batalhão e possivelmente a mais algum Oficial Superior. Reparei nisso porque era ostensiva a muralha protectora dessas instalações, composta de bidões cheios de terra e chapas abertas de reforço, entre outros materiais, demonstrando ao inimigo que alguém importante ali se recolhia em pleno contraste com todas as outras moradias a ela ligadas. Já tendo conhecimento da opinião do Gen Spínola, pelas suas visitas a Có, sobre tudo o que se parecesse com bunkers, neste caso discriminatórios, previ que ele não iria gostar do que estava à vista, como eu também não gostei. Segundo me constou ele era um entusiasta das valas a céu aberto, coisa que a mim não me entusiasmava minimamente, apesar de compreender perfeitamente o seu ponto de vista.

No meu caso pessoal é interessante compreender qual foi o meu estado de espírito neste período de permanência em Mansabá. Vinha de Có, localidade sob a responsabilidade da CCAÇ 2402, onde toda a logística nos pertencia. O meu grupo chegou duas semanas depois da Companhia a Mansabá, precisamente dois dias antes do ataque. Lembro-me de estar fardado com a farda de saída e de ter regressado da messe após o jantar, único local que eu tinha referenciado até ao momento, pudera, com a fome não se brinca e ali é que estava a manduca fosse ela boa ou má.

Sentia-me perdido no quartel com tanta actividade produzida pelas várias unidades lá estacionadas, das mais variadas armas. Sentia-me pequenino, deslocado e super-protegido por tanta tropa e armamento, onde se incluíam blindados ligeiros e especialistas para tudo. Antes os especialistas éramos nós, mesmo que de muitas especialidades não percebêssemos patavina. Esta ilusão foi desfeita com este ataque, demonstrando que este potencial estava mal gerido, ou que, apesar de tudo, era insuficiente para cumprir os objectivos do Sector e garantir alguma segurança no quartel.

Uma semana depois do ataque, a C.CAÇ 2402 a três Grupos de Combate, foi destacada para o Olossato, deixando o meu grupo de Combate em Mansabá ainda por cerca de um mês, para reforço à protecção aos trabalhos da estrada (capinagem, rompimento, alfaltagem, etc.). Por curiosidade, nunca cheguei verdadeiramente a conhecer o aquartelamento, porque a minha missão coincidia com o horário da guerra, ou seja, arrancar ao nascer do sol, levar alguma porrada do inimigo (flagelações à distância) no local da obra, e regressar ao fim da tarde arrasado e esfomeado. Era comer qualquer coisa e deitar, para voltar a arrancar no outro dia ao nascer do sol. Acabei por fixar bem por onde saía e por onde entrava, que por sinal era o mesmo sítio. No próximo texto contarei melhor em que é que consistia a nossa actividade.

3. Para reavivar a pouca memória que o camarada Raúl Albino tem de Mansabá, tão pouco foi o tempo que lá permaneceu, junto duas fotos, legendadas de memória, que não estarão erradas, salvaguardando os quase 40 anos que nos separam daquele tempo.

Foto 1 > Vista aérea de parte do aquartelamento de Mansabá. Esta foto não contempla a zona dos quartos dos Oficiais, da Enfermaria, Bar e dormitórios dos Praças e as diversas arrecadações.

Foto 2 > Nesta foto vêem-se os quartos dos Oficiais, com o tal murinho que o Raúl refere, falta a fortificação dos últimos quartos que seriam dos Oficiais Superiores.
Fotos e legendas: © Carlos Vinhal (2008). Direitos reservados.

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Notas de CV

(*) - Vd. útltimo poste da série de 16 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3135: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (11): Partida de Có para Mansabá

(1) - Vd. poste sobre outro grande ataque a Mansabá de 11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2526: Estórias avulsas (14): Ataque ao Quartel de Mansabá (Inácio Silva)

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