sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7648: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (46): Na Kontra Ka Kontra: 10.º episódio





1. Décimo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 20 de Janeiro de 2011:



NA KONTRA
KA KONTRA


10º EPISÓDIO

O nosso Alferes mandou o “Legionário” buscar as galinhas em troca da lata de atum, dando a explicação que tinha congeminado.

Nessa manhã adiantam-se os trabalhos. Chegada a hora do almoço, o nosso Alferes está de “água na boca”, não pela galinha preparada pelo “legionário”, mas por que não dizê-lo, pela sua amada.

Será que à noite, desta vez, irá ter com o João a conversa que tanto deseja?

O “legionário” esmerou-se na preparação das galinhas numa grande frigideira, como sempre fazia. Todos foram dormir a sesta e o nosso Alferes a pensar que à noite tudo se ia tirar a limpo, até passou pelas brasas.

A meio da tarde, numa certa acalmia de espírito, o nosso Alferes dirige-se à orla da mata para inspeccionar os trabalhos da demolição dos morros de baga-baga. Encontra alguns milícias a trabalhar na lavra do João Sanhá. Os morros tinham sido arrasados. No percurso cruza-se com a Bobo. Nota que já não a acha tão interessante como da primeira vez que a viu. Comparando-a com a Asmau, deixa muito a desejar.

Os milícias trabalhando na lavra do João Sanhá.

Por outro lado, estrategicamente colocada detrás do poilão, já havia uma armadilha como prevenção para um possível ataque. Assim, e com sentinelas dentro da mata, o nosso Alferes respira fundo e sente as forças retemperadas para “contra atacar”.

Depois de jantar apressa-se a ir para o local de reunião, o “bentem”. O João já estava lá. É preciso ser rápido pois todo o pessoal africano se deita cedo. Finalmente, a pretendida conversa vai ter início. Pela primeira vez, o Alferes Magalhães não está interessado em ouvir os acordes de kora do Braima, nem tão pouco repara se há trovoadas ao longe para apreciar o relampejar. Sucede-se uma autêntica rajada de perguntas.

- João, precisava de saber algumas coisas sobre os hábitos do pessoal daqui da tabanca. Podemos conversar?

– Diga o que quer saber e se eu souber…

- Para começar, com que idade costumam casar as bajudas?

– Desde que a bajuda tenha mais de treze ou catorze anos, basta aparecer um homem que tenha posses para dar o preço que os pais pedem.

- João, aqui nesta tabanca as bajudas, principalmente as mais velhas, quando casam ainda levam o cabaço?

– Duma maneira geral levam. Aqui um homem ainda faz questão que a bajuda tenha cabaço.

Neste momento o nosso Alferes recordou as conversas que tinha tido em Bafata com o Ibraim, em que este lhe dizia que lá as bajudas eram muito livres e “namoravam” com qualquer um desde que gostassem dele. Também neste aspecto em Madina Xaquili se notava a interioridade e o conservadorismo.

- João, pode-se ter mesmo a certeza que uma bajuda ainda tem cabaço?

– Um homem mais ou menos apercebe-se se tem ou não, mas de qualquer maneira as mulheres grandes, no dia seguinte vão verificar se tinha ou não.

Aqui, o nosso Alferes não percebeu o que o João quis dizer, mas também não quis que se adiantassem mais pormenores.

- João, nesta tabanca, que dote costuma um homem dar aos pais para casar com uma bajuda?

– Aqui o pessoal não tem muitas posses. Com uma vaca e três ou quatro cabras já se consegue uma bajuda.

- João, é verdade que quando uma mulher pare uma criança, tem que estar dois anos sem dormir com o homem?

– Sim. Um homem nessa altura tem que se “virar” para outro lado.

- João, o homem e a mulher dormem na mesma cama?

– Não, muitos até dormem em moranças diferentes. Quando têm só uma morança, aí sim dormem sempre juntos.

- João, há alguma possibilidade de eu conseguir uma bajuda para casar?

– Alguns dos nossos não gostam que as filhas casem com brancos mas outros não se importam. O “patacão” tem muita força.

- E quanto ao fanado? Aqui as bajudas vão ao fanado?

- Que eu me lembre nesta tabanca nunca houve festa do fanado das bajudas. Como sempre houve pouca gente e poucas bajudas, as “mulheres grandes” nunca se interessaram com isso.

- João, se algum dia precisar da sua ajuda para conseguir uma bajuda, posso contar consigo?

O João sorriu como querendo dizer que sabia de que bajuda se tratava e respondeu que sim, que podia contar com ele.

O nosso Alferes sente-se satisfeito. Tinha conseguido o seu primeiro objectivo. Teria o caminho livre para definitivamente abordar a Asmau. Agora sim, apercebe-se que relampeja ao longe e sente-se como que mais leve. Tinha saído um peso de cima dele. Logo que o João se despede e se vai deitar, o Alferes Magalhães faz o mesmo. Na morança deita-se vestido como está, em cima da cama, coloca o auscultador no ouvido, liga o pequeno gravador e não demora a adormecer.

Fim deste episódio

Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7643: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (45): Na Kontra Ka Kontra: 9.º episódio

1 comentário:

Fernando Gouveia disse...

Glossário do 10º episódio:

PATACÃO: Dinheiro.

Um abraço a todos e até segunda-feira.
Fernando Gouveia.