1. Oitavo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 18 de Janeiro de 2011:
NA KONTRA
KA KONTRA
8º EPISÓDIO
Pelo conhecimento que o Alferes Magalhães tem do modus operandi dos guerrilheiros naquela área, que invariavelmente atacam sempre ao anoitecer, só exige aos seus um estado de alerta rigoroso a essa hora. Passadas duas horas de anoitecer vai para a sua morança, enfia um pijama e, de auscultador num ouvido, ao som de uma qualquer sinfonia, pega no sono e tem os sonhos que quer ter… pelo menos acordado.
O dia seguinte era promissor pois não havia “nuvens no horizonte”, no entanto algo iria acontecer que ofuscaria a conversa com o João. Pela manhã o João resolve apresentar formalmente as suas duas mulheres que viviam na tabanca, pois tinha mais duas noutras tabancas. A primeira, Kadidja, mãe do Bonco, e a Mariama.
Era sabido por todos os habitantes da tabanca qual a missão que a tropa metropolitana tinha atribuída: Era, face à ameaça da guerrilha vinda do Sul, tentar reter a população civil na tabanca, incutindo-lhe confiança. Assim e, inesperadamente nessa tarde, aparece a Kadidja, a primeira mulher do João, para falar com o Alferes. Que ele soubesse, era a única mulher da tabanca que falava alguma coisa de português talvez por ser mulher do comandante da Milícia. Foi muito rápida e concisa a dizer o que queria:
– “Alfero” o João não dorme comigo e já não come a comida que eu faço. Só está com a Mariama, a segunda mulher. Estou à espera que o Bonco faça dois anos para me ir embora e juntar-me com outro homem. Desculpe mas tem que ser assim.
Kadidja, a primeira mulher do Chefe da Milícia João Sanhá,
como também Kadidja se chamava a primeira mulher de Maomé.
Sem querer, o Alferes Magalhães fica a saber que as mães, por causa do aleitamento dos filhos, estavam pelo menos dois anos sem terem relações com os maridos. Compreende que tem que ter também uma conversa com o João sobre este assunto, um tanto ou quanto melindroso. À noite, debaixo do mangueiro, terá que ter essa conversa pelo que a outra, a que mais desejava, continuará adiada.
Tentando esquecer o assunto vai tratar de implementar a colocação de sentinelas avançadas metidas na mata, para os lados de Padada. Os vestígios do PAIGC encontrados na operação realizada para essas bandas, a isso aconselhavam.
Ao anoitecer o nosso Alferes veste umas calças, pois ainda estava bem presente o problema que tinha tido com os mosquitos e que naquela altura lhe estragou os planos da mais que adiada conversa com o João. Jantou, e logo se dirigiu para o “bentem” para tratar do assunto que lhe fora colocado pela mulher do João, Kadidja. Misturar dois assuntos achava demais e podia ser contraproducente. A famigerada conversa, tão desejada, teria que ficar para o dia seguinte.
Sentados no “bentem”, por momentos, estiveram os dois em silêncio. A essa hora nunca era demais contemplar as trovoadas ao longe, sem a preocupação das que se desencadeavam perto e que provocavam autênticos dilúvios. Por mais que lhe custasse o nosso Alferes expôs o mal estar da Kadidja e alertou para as consequências de ser a mulher do Chefe da Milícia a debandar. Por arrastamento podiam acontecer mais “deserções”.
O João ouve, nada diz, e o Alferes Magalhães espera que a conversa venha a surtir algum efeito.
O milícia Braima ainda toca o seu kora e o nosso Alferes começa a fazer planos para o dia seguinte. Ainda antes de ter a tal conversa com o João, pelo desejo incontido, iria procurar a Asmau à morança do pai, chefe de tabanca. Não sabia muito bem como abordaria o assunto nem tão pouco quem lhe iria aparecer, se a bajuda se os pais. O desejo de a rever estava a tornar-se incontrolável.
Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7630: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (43): Na Kontra Ka Kontra: 7.º episódio
1 comentário:
Caro Fernando Gouveia
“que as mães, por causa do aleitamento dos filhos, estavam pelo menos dois anos sem terem relações com os maridos.”
Quando em Canjadude, na minha ignorância eu tive conhecimento deste facto, que era quase generalizado nas etnias, pensei para com os meus botões, que este comportamento social servisse como método contraceptivo e intui que era uma maneira eficaz, ainda que inadequada, de acautelar a mama para o bebé que estava em desenvolvimento, visto a escassez de alimentos opcionais ser óbvia!
Posteriormente venho a descobrir que o comportamento imposto à mulher, de abstenção sexual, durante esse período de tempo, nada tinha a ver com a contracepção, nem com a falta de alimento existente. Tinha sim a ver com a crença, da purificação do leite materno, que não devia conter componentes masculinos, enquanto se amamentava, o que impreterivelmente aconteceria, como eles defendiam, caso houvesse relações sexuais. Caso estas acontecessem, o leite materno ingerido pela criança, era um leite impuro, porque acreditavam que este estava misturado com o esperma do homem, e o leite materno neste estado poderia levar à demência da criança…
Filosofias de vida!
Não tenho conhecimentos, que me permitam desenvolver, se haverá alguma passagem no Alcorão que foque esta imposição.
Um abraço
José Corceiro
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