terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7633: Notas de leitura (190): As Origens do Nacionalismo Africano, de Mário Pinto de Andrade (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
Esperava-se mais deste ensaio de Mário Pinto de Andrade, dado o seu currículo intelectual. É uma abordagem à volta no chamado protonacionalismo africano, há poucas fontes, a análise incide sobretudo em Angola, fala-se ao de leve nos factos de Cabo Verde e Guiné, seja como for é um dado necessário para o levantamento bibliográfico sobre a literatura e a história da Guiné.

Um abraço do
Mário


Origens do nacionalismo africano

Beja Santos

Mário Pinto de Andrade é um nome indispensável no estudo e na história dos movimentos independentistas africanos de expressão portuguesa. Participou, ao lado de figuras como Amílcar Cabral, Eduardo Mondlane e Francisco José Tenreiro, em inúmeras actividades culturais voltadas para a redescoberta de África, tendo sido um dos fundadores, em 1951, do Centro de Estudos Africanos. Em 1954, partiu para Paris e no ano seguinte, já como redactor da Presence Africaine, foi um dos organizadores do I Congresso de Escritores e Artistas Negros. Em 1960, assumiu a presidência do MPLA, cargo que ocupou até 1962. Entre 1965 e 1969, coordenou a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, e de 1971 a 1972 integrou o Comité de Coordenação Político-Militar do MPLA na frente Leste. Tendo entrado em conflito com Agostinho Neto (na corrente que ficou conhecida com o nome de Revolta Activa), exilou-se na Guiné-Bissau onde, entre outras funções, foi ministro da Informação e Cultura. É autor de uma biografia política de Amílcar Cabral.

Ao falecer em Londres, em 1990, deixou praticamente concluído um estudo sobre a formação dos ideais nacionalistas em África. Analisa a importância que teve a implantação da República e o conjunto de aspirações dos povos indígenas das colónias portuguesas mesmo depois da implantação do Estado Novo. É um olhar interessante sobre um longo período histórico que precede a génese da descolonização em África, infelizmente tem pontos que certamente o autor teria desenvolvido e clarificado caso tivesse tido circunstância para nova revisão, legou-nos um esquema e não uma tese acabada. As notas de recensão que se seguem abarcam, como é compreensível, matérias de carácter geral com incidência na vida da Guiné.

Primeiro, o autor recorda que a problemática do nacionalismo ganhou redobrado interesse com as explosões nacionalistas após a queda do Muro de Berlim, tornou actual situar as definições de nação e nacionalismo, mesmo à luz do marxismo.

Segundo, lança um olhar sobre a ideologia e as formações sociais no processo histórico da colonização portuguesa, chamando a atenção para a produção do crioulo na geografia do tráfico negreiro. Há falta de meios para ocupar, o colonizador privilegiou a assimilação, introduzindo mesmo a categoria de civilizados e não civilizados. Com o liberalismo, os letrados, no fundo os quadros escolarizados que viriam a ocupar missões na administração e até na gestão dos territórios. Passaram a ganhar voz, tornaram-se uma força consciente ao serviço dos interesses da terra. É aqui que o autor analisa os crioulos de Cabo Verde e Guiné, Cabo Verde forneceu missionários, altos funcionários, incluindo na justiça, profissões liberais e grandes negociantes. É que com esse liberalismo passou a ser discutível o papel humanista da raça negra e o protagonismo dos seus filhos em defesa dos povos.

Terceiro, é nesse contexto que emerge o protonacionalismo, ou seja, com o aparecimento da República criou-se uma atmosfera favorável à organização de espaços de interesses, apareceram jornais, associações, grémios, caixas económicas, em nome da solidariedade e da dignidade dos povos essas entidades promovem a discussão pública dos assuntos económicos, das associações de classe, promove-se a instrução e defende-se a universalidade da defesa dos oprimidos. O autor fala no Partido Africano, na Liga Angolana, na Junta de Defesa dos Direitos de África como exemplos de um estado de espírito da emergência do nativismo, dissecando mesmo o que diferenciava a Liga Africano do Partido Nacional Africano. Não é por acaso que Bolama entre as guerras possui grupos aguerridos a defender estes princípios, um deles será Juvenal Cabral.

Uma abordagem curiosa do autor tem a ver com aspectos organizativos da comunidade negra na Grã-Bretanha e no seu Império, mas o leitor fica sem entender como essa ilustração poderá ser útil para compreender o protonacionalismo da África portuguesa.

Em jeito de conclusão, o autor refere que “o protonacionalismo, na sua essência, foi produtor de um discurso como uma finalidade ilusória: assumindo-se como negros cultos, no molde ocidental, sujeitos da nação portuguesa e legalistas, esses ideólogos, por condições históricas conducentes à imaturidade na sua análise, não tinham atingido o grau crítico da compreensão lógica do sistema colonial português”.

A este assunto se irá voltar mais adiante, quando se proceder ao estudo das memórias de Aristides Pereira e como ele avalia o peso político, económico e sociocultural das vanguardas protonacionalistas da Guiné e de Cabo Verde.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7618: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (14): Aquele domingo de festa no Bambadincazinho

Vd. último poste da série de 18 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7631: Notas de leitura (189): A minha coluna emboscada e o livro A Última Missão, do Cor Moura Calheiros (Manuel Marinho)

1 comentário:

antonio graça de abreu disse...

Escreveu Mário Pinto de Andrade:

"Assumindo-se como negros cultos, no molde ocidental, sujeitos da nação portuguesa e legalistas, esses ideólogos, por condições históricas conducentes à imaturidade na sua análise, não tinham atingido o grau crítico da compreensão lógica do sistema colonial português”.

Obrigado Mário Beja Santos pelo teu infatigável labor, às vezes e por bem, para nos entendermos melhor.

Abraço,

António Graça de Abreu